e-ISSN 1984-7246  

Apresentação do Dossiê

As contribuições teórico-metodológicas de Lenin e Gramsci para a educação contemporânea

 

       Organizadores do Dossiê

 

André Silva Martins

Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)

Juiz de Fora, MG – Brasil

lattes.cnpq.br/0792955379609832

orcid.org/0000-0001-5360-8835      

andre.martins@ufjf.br  

 

Luciana Pedrosa Marcassa

Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

Florianópolis, SC - Brasil

 lattes.cnpq.br/6655683758937444  

         orcid.org/0000-0001-5313-1002        

lumarcassa@gmail.com   

 

Mariléia Maria da Silva

Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC)

Florianópolis, SC - Brasil

 lattes.cnpq.br/0216250252557428

         orcid.org/0000-0001-8746-9001

marileiamaria@hotmail.com

O que justifica a publicação de um dossiê sobre as contribuições teórico-metodológicas de Lenin e Gramsci para a educação contemporânea no atual contexto brasileiro? O que Lenin e Gramsci teriam, ainda hoje, a nos dizer sobre a educação, a cultura, os territórios e a sociedade contemporânea? Como eles podem, com as ferramentas teóricas e metodológicas que desenvolveram para analisar os problemas e situações históricas de seu tempo, nos ajudar a conhecer e compreender os dilemas, desafios, movimentos e desdobramentos, teóricos e práticos, da educação na atualidade?

No ano em que comemoramos o centenário da morte de Lenin e a publicação da tradução integral dos Cadernos do Cárcere de Antonio Gramsci pela International Gramsci Society - IGS-Brasil, a produção e divulgação - entre tantas outras iniciativas similares - de um dossiê da Revista Percursos sobre as contribuições desses autores para o campo das ciências humanas e da educação em nosso país não significa apenas uma homenagem a essas personalidades de enorme relevância para os acontecimentos do século XX e suas ressonâncias no século XXI, mas sobretudo a oportunidade de indagar, mais uma vez, as heranças, os aprendizados e também as potencialidades - assim como os limites - da reflexão proposta por Lenin e Gramsci para compreendermos os fenômenos históricos e atuais, tendo em vista atuarmos sobre eles visando a superação da exploração do trabalho, do sofrimento humano e da barbárie social produzida pela forma capitalista de produção e reprodução da vida.   

Não há dúvida de que a educação desempenha um papel preponderante na construção de consensos em torno dos quais se articula uma concepção de formação humana condizente com a reprodução dessa (des)ordem mundial. Por outro lado, as disputas por territórios e o exercício do poder mediante guerras, com a eliminação parcial ou integral de povos, culturas, nações e sociedades, têm se tornado também uma tática determinante no arranjo econômico da hegemonia global.

No Brasil, como temos visto, as alianças entre as forças da extrema direita com o neoliberalismo mais devastador têm impulsionado políticas que subordinam a educação, a escola e os processos formativos aos interesses hegemônicos. Contribuem, para isso, o trabalho diuturno dos intelectuais orgânicos que dirigem essa ofensiva, implementando táticas de esvaziamento e, mesmo, de banimento, das contribuições de intelectuais revolucionários que pensaram a educação e os territórios em um sentido pleno, emancipatório.

Eis aí a importância da retomada e do aprofundamento da discussão sobre as contribuições de Lenin e Gramsci para compreendermos a educação, a história, o espaço social, a política e a sociedade contemporânea. Lenin, como sabemos, não foi apenas o líder bolchevique, o grande dirigente daquela revolução que pautou as relações de forças sociais e políticas no oriente e no ocidente, mas foi um dos mais importantes intérpretes e continuadores das ideias de Marx e Engels, alguém que, segundo as palavras do próprio Gramsci, “fez avançar a filosofia da práxis como filosofia” porque, enquanto “teórico da hegemonia”, teria sido “o protagonista de uma hegemonia realizada”. Assim, Lenin não teria contribuído apenas para desenvolver e difundir o marxismo como teoria, mas teria sido capaz de fazer avançar a filosofia da práxis como práxis revolucionária, inspirando e iluminando movimentos emancipatórios em várias outras partes do mundo.

Já Gramsci, por sua vez, intelectual, militante, dirigente político italiano, foi preso pelo regime fascista, tendo escrito boa parte de sua obra - os chamados Cadernos do Cárcere - dentro da prisão. Em sua obra, que compreende um conjunto imenso de artigos de jornal, cartas, correspondências, notas e reflexões registradas ao longo de vida (antes e durante o período da prisão), desenvolveu uma reflexão rica e abrangente sobre um conjunto de temas que se articulam organicamente: a questão da cultura, das concepções de mundo, da linguagem, o processo de unificação da Itália, a unidade-distinção entre norte e sul (questão meridional), o papel dos intelectuais, a relação entre governantes e governados, a concepção integral do Estado e do partido político, as relações de forças políticas e de domínio-direção pelas frações de classe burguesas, as disputas hegemônicas, o papel da escola e da educação, o jornalismo, as relações entre folclore, senso comum, religião, filosofia, ideologia, enfim, as repercussões dessas relações sobre o destino e a organização das classes subalternas, entre outros temas. Todos eles, contudo, tratados de forma entrelaçada e orgânica, expressam, além da genialidade de Gramsci, a sua necessidade de compreender a derrota do movimento revolucionário no ocidente, portanto, o ambiente cultural de que era herdeiro, assim como o longo processo de construção das condições culturais e políticas necessárias ao sucesso de uma onda revolucionária. Pela riqueza de suas análises e pelo caráter não dogmático e profundamente dialético de sua abordagem, Eric Hobsbawm o definiu como “o mais original pensador comunista do ocidente no Século XX”.

Finalmente, vale destacar a fecunda relação entre Lenin e Gramsci. São conhecidas as aproximações entre esses autores no que se refere à concepção de partido político, à convicção no caráter expansivo e progressivo da ditadura do proletariado, a própria noção de hegemonia e de Estado, cujas primeiras intuições de Lenin sobre a necessidade de compreender, no bojo do aparato estatal, o momento da direção cultural e política, são acolhidas e desenvolvidas por Gramsci na sua formulação integral do Estado, entre outras afinidades.

Por certo que não podemos esperar que todos esses temas sejam esgotados nos artigos e reflexões desenvolvidas para esse dossiê, mas as discussões e interpretações aqui cuidadosamente selecionadas colaboram grandemente para compreendermos porque Lenin e Gramsci são ainda tão atuais e importantes para pensarmos o nosso tempo.

Ao todo, os 17 artigos que compõem este número da Revista Percursos tratam de assuntos variados e não se restringem às questões pedagógicas ou educacionais, mas avançam na direção de explorar fenômenos, movimentos, políticas e práticas no âmbito geopolítico, sociológico, filosófico e pedagógico, segundo os ensinamentos dos nossos autores. De fato, como já dissera Gramsci, as relações de hegemonia não se reduzem às relações especificamente escolásticas, mas existem em toda a sociedade no seu complexo, entre indivíduos na relação com outros indivíduos, entre intelectuais e não intelectuais, governantes e governados, dirigentes e dirigidos, entre nações e as diversas forças que as compõem, no campo internacional e mundial, entre civilizações nacionais e continentais (Gramsci, Caderno 10, II, parágrafo 44, p.1331).

Discutindo e manejando com as ferramentas teóricas e metodológicas desenvolvidas por Lenin e Gramsci, os autores dos textos não apenas explicitam e discutem as contribuições desses dois grandes teóricos, mas também registram aqui suas próprias contribuições a esse debate.

 

 

André Silva Martins

Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)

 

 

 

 

Luciana Pedrosa Marcassa

Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

 

Mariléia Maria da Silva

Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC)

 

 

Organizador/as