Dossiê próximas chamadas

Tecnomoda: As técnicas que tecem e são tecidas pela moda. (V. 19 N. 47)

 


Edição Gráfica - Jailson Oliveira Sousa

Submissões: janeiro a julho de 2025
Publicação: janeiro de 2026

A moda pode ser analisada na encruzilhada de diversas áreas de conhecimento, por exemplo, a partir da estética (que pensa o prazer estético, o estilo, o belo), da psicologia (que está ligada ao prestígio e à encenação da identidade pessoal), da economia (que se relaciona com a produção, o fluxo e o comércio de mercadorias), da semiologia e da antropologia (que se conecta com sistemas simbólicos de comunicação e com a expressão cultural), da política (através do poder que exerce sobre corpos, hábitos, imaginários) e da sociologia (a partir das dimensões entre produção e consumo deste bem simbólico, e suas interrelações). Uma chave de análise até então pouco explorada é a dimensão técnica da moda, que atravessa seu tecido nas mais variadas configurações. Para o filósofo Vilém Flusser, entre arte e técnica não há diferença fundamental. Em grego, tanto arte como técnica são designadas por um mesmo vocábulo: tekné[1]. Foi a partir da modernidade que o termo foi dividido em duas ações diferentes, pautadas pela “separação entre objetividade e subjetividade, na qual a ciência se tornou o lugar da objetividade e a arte [assim como a moda] passou a ocupar o pólo da subjetividade.”[2] Mas hoje, diante das profundas transformações técnicas que afetam os mais variados setores, não podemos ignorar seus impactos sobre a forma como criamos, percebemos e consumimos moda. Há todo um paradigma social, estético, subjetivo, econômico, comunicacional e político que se inscreve sobre as maneiras de se fazer, criar, produzir, pensar e vestir-se de moda.  Tal paradigma nos aponta para um sistema complexo que passa pelo corpo, pelo vestuário, pelos dispositivos imagéticos, tecnológicos, pela indústria, pelas máquinas, pelo comércio e mais uma série de setores que ajudam a compor modos de produção, aparição e consumo de moda. No livro Sentidos da Moda, a autora Renata Pitombo Cidreira se propõe a pensar, junto ao pensador Marshall Sahlins[3], que "toda a produção é a realização de um esquema simbólico".[4] Assim, toda indumentária reflete, em maior ou menor grau, uma estruturação simbólica de determinada cultura, sendo a roupa uma espécie de "universo simbólico transformado em matéria"[5]. Segundo Flusser, “[a] técnica altera o objeto, o objeto alterado altera a técnica, a técnica alterada altera o sujeito, e o sujeito alterado altera a técnica”[6], ou seja, as técnicas alteram a forma como criamos/produzimos moda, que altera o produto de moda, que altera o sujeito que incorpora a moda, que altera a técnica, enfim, em um loop contínuo. Considerando isso, como poderíamos interpretar esse sistema de evidências revelado pela moda, caso, para além e aquém do vestuário, pensássemos sobre os diversos mecanismos técnicos que estruturam e são estruturados por esse tal universo simbólico? Buscando responder a esta indagação, e, inspirada pela noção elaborada por Letícia Cesarino[7], que defende a impossibilidade de pensar a política desconectada de tecnologia, a proposta do dossiê Tecnomoda é abrir espaço para reflexões sobre moda a partir das técnicas que a perpassam. Buscamos artigos que apresentem reflexões interdisciplinares e que contemplem, de maneira não exaustiva, os seguintes tópicos:

  • Técnicas que estruturam e são estruturadas simbolicamente pela cultura e participam na constituição de sujeitos;
  • Moda como técnica corporal, capaz de determinar gestos, comportamentos, emoções;[8]
  • A técnica enquanto conjunto de regras de produção de uma peça de roupa, abarcando dos saberes tradicionais à Alta Costura;
  • Diálogos entre técnicas e o contexto de globalização dos mercados e mundialização da cultura: formas de circulação, deslocamento, desterritorialização e processo produtivo;
  • As inteligências artificiais enquanto uma nova camada de intermediação da moda, entre outros.

[1] FLUSSER, Vilém. Comunicologia. Reflexões sobre o futuro. São Paulo: Martins Fontes, 2014, p. 173.

[2] COSTA, Rachel. “Arte + técnica = artifício”, in REVISTA ECO PÓS 2015, p. 33.

[3] SAHLINS, Marshall. Cultura e Razão prática. Trad. Sérgio Tadeu de Niemeyer Lamarão. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1979.

[4] CIDREIRA, Renata Pitombo. Os sentidos da moda: vestuário, comunicação e cultura. São Paulo: Annablume, 2005, p.105

[5] CIDREIRA, Renata Pitombo. Os sentidos da moda: vestuário, comunicação e cultura. São Paulo: Annablume, 2005, p.106

[6] FLUSSER, Vilém. “Artifício, Artefato, Artimanha”. 1ª palestra: o homem enquanto artifício. Texto para 18ª Bienal de São Paulo não publicado, s/p.)

[7] "Sob o prisma cibernético, portanto, o principal efeito político das novas mídias não diz respeito à conjuntura: às forças políticas particulares que, em determinado momento, são beneficiadas por elas. Remete, antes, a toda uma tecnopolítica, ou ao modo como essas mídias vêm transformando estruturalmente a esfera pública." CESARINO, Letícia. O mundo do avesso. Verdade e política na era digital. São Paulo: Ubu, 2022, p. 65.

[8] A moda impõe aos sujeitos determinadas técnicas corporais, como revelou Marcel Mauss em As técnicas Corporais (1934): “os ‘habitus’ variam não simplesmente com os indivíduos e suas imitações, mas, sobretudo, com as sociedades, as educações, as conveniências e as modas, com os prestígios. É preciso ver técnicas e a obra da razão prática coletiva e individual, ali onde de ordinário veem-se apenas a alma e suas faculdades de repetição”.  Assim como o salto exige uma determinada forma de andar, a saia uma certa forma de se assentar e o chapéu uma postura precisa da coluna.

Referências:

BARRETO, Carol. Moda e aparência como ativismo político: notas introdutórias. Academia, 2015. Disponível em: https://encurtador.com.br/Fy2LP. Acesso em: 15 maio 2024.

BORDO, Susan; JAGGAR, Alison M. (ed.). Gênero, corpo, conhecimento. Tradução Brítta Lemos de Freitas. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1997.

CIDREIRA, Renata Pitombo. Os sentidos da moda: vestuário, comunicação e cultura. São Paulo: Annablume, 2005,

CRANE, Diana. 2006. A moda e seu papel social: classe, gênero e identidade das roupas. São Paulo: Editora Senac São Paulo.

HOSKINS, T. E. Foot Work: What Your Shoes Tell You About Globalisation. Orion, 2020.

KURKDJIAN, S. Paris as the Capital of Fashion, 1858-1939: An Inquiry. Fashion Theory, v. 24, issue 3, p. 371-391. 2020.

FLUSSER, Vilém. 1985. Filosofia da caixa preta. São Paulo: Hucitec, 1985.

MICHETTI, Miqueli. 2015. Moda brasileira e mundialização. São Paulo: Fapesp/Annablume.

ORTIZ, Renato. 2019. O Universo do luxo. São Paulo: Alameda.

STEELE, Valerie. 2019. Paris Capital of fashion. London: Bloomsbury Visual Arts.

SHUSTERMAN, Richard. 2016. "Fits of Fashion: Somaesthetics of Style"” In: Matteucci, G.; Marino, S. (Org.), Philosophical Perspectives of Fashion. London: Bloomsbury, 2016. p. 91-106.

STAUSS R. What fashion is not (only). Vestoj, 2022. Disponível em: http: //vestoj.com/what-fashion-is-not-only/#:~:text=Fashion%2C%20nowadays%2C%20not%20only%20refers,impacts%2C%20its%20complexity%20and%20ambiguity. Acesso em: 26 maio 2023.

Organizadores:

Bárbara Venturini Ábile

Doutoranda em Sociologia na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Mestra em Sociologia da Cultura pela mesma universidade. Pesquisadora visitante na Université Sorbonne Nouvelle - Paris 3 (2022-2023) e estágio de pesquisa na Fondation Maison Sciences de lHomme (2018). Atua na área da Sociologia da Cultura e suas pesquisas são voltadas para temas relacionados à moda, como: fast fashions, marcas de luxo, organizações patronais, moda na França, entre outros. É membro do Grupo de Estudos em Bourdieu (GEBU) desde 2017.

Flávia Virgínia Santos Teixeira Lana

Doutora em Filosofia pela UFMG, com pesquisa sobre a construção do gênero nas artes. Mestra em Estética e Filosofia da Arte pelo Instituto de Filosofia, Artes e Cultura, da UFOP. Pós graduada em Temas Filosóficos pela UFMG e em Educação pela Universidade São Judas Tadeu, com orientação da Universidade de Tampere, da Finlândia. Graduada em Artes Plásticas com habilitação em Desenho e Fotografia pela Escola Guignard ? Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) e graduada em Design de Moda pela Universidade FUMEC. Foi bolsista de pesquisa de Iniciação Científica vinculada à FAPEMIG, através da qual desenvolveu e apresentou pesquisas relacionadas à Arte, Fotografia e Moda. Possui interesse nas relações entre arte, moda e estudos de gênero, além de desenvolver estudos no campo da Estética e Filosofia da Arte. Atualmente é professora na Centro Universitário de Belo Horizonte (UniBH ) e Centro Universitário UNA, nas áreas de Moda, Artes, Fotografia e Design, em cursos diversos de ambas as instituições. Trabalhou como coordenadora dos projetos de Inovação do UniBH, por meio da gestão do Design Lab da mesma instituição e atuou como coordenadora do curso de pós-graduação em Moda e Inovação. Foi coordenadora de projetos de Pesquisa e Extensão ligados aos temas da moda, artes, design e diversidade. Possui vasta experiência no mercado, tendo atuado em diversas empresas do ramo da moda, como estilista, além de empreender no setor com marca própria de vestuário feminino e, mais atualmente, em design.

Luciana Nacif

Doutoranda em Estética e Filosofia da Arte na UFMG, com estágio de pesquisa na Université Panthéon Sorbonne, através do Programa CAPES/COFECUB (COMITÊ FRANCÊS DE AVALIAÇÃO DA COOPERAÇÃO UNIVERSITÁRIA COM O BRASIL) e fomento da CAPES. Mestrado em Global Fashion Management pelo Institut Français de la Mode (IFM-Paris) e graduação em Publicidade e Propaganda pela UFMG. Participa dos Grupos de pesquisa Modos de presença nos fenômenos estéticos contemporâneos (CNPq) e REDd: Rede de estudos sobre democracia e desinformação (IEAT - UFMG). Suas pesquisas estão na interseção entre moda, filosofia e tecnologia.