Dossiê
A motivação do adolescente na aprendizagem musical sob a ótica
do professor de instrumento1
Adolescents’ motivation
in musical learning from the viewpoint of
the instrument teacher
Gabriela Silva Safraider 2 gabriela.safraider@gmail.com
Universidade Federal do Paraná – Fundação Araucária/CNPq, Brasil
Rosane Cardoso de Araújo 3 rosanecardoso@ufpr.br
Universidade Federal do Paraná/CNPq, Brasil
https://orcid.org/0000-0002-3676-1042
Revista Orfeu
Universidade do Estado de
Santa Catarina, Brasil
ISSN: 2525-5304
Periodicidade: Contínua
vol. 7, núm. 2, 2022
revistaorfeu@gmail.com
Recepção: 13 Abril
2022
Aprovação: 16 Setembro
2022
Autores mantém os
direitos autorais e concedem à revista o direito de primeira publicação.
Este trabalho está sob uma Licença Internacional Creative Commons Atribuição 4.0.
Resumo: As
transformações psicológicas, físicas e sociais que surgem na adolescência podem
trazer consequências para o processo de aprendizagem musical, fazendo com que o
estudante, em alguns casos, passe a duvidar de suas habilidades e se
desinteresse pela prática da música. O professor de instrumento, nesses casos,
tem papel relevante na manutenção da motivação desses alunos. O objetivo geral
deste estudo, portanto, foi conhecer as crenças, opiniões e atitudes dos professores
de instrumento sobre as Necessidades Psicológicas
Básicas (DECI; RYAN, 2000), no contexto da promoção da motivação dos
alunos adolescentes para aprender música. Para alcançar este objetivo, a
metodologia utilizada foi o Estudo de Levantamento (survey), e os dados foram
colhidos por meio de um questionário. Os resultados obtidos trouxeram
considerações para os professores de música sobre o planejamento e a condução
das aulas, de modo a ampliar a motivação dos adolescentes. Também foi
constatado, por meio dos resultados, que uma boa regulação da motivação é capaz
de permitir aprendizagem e rendimentos mais eficazes.
Palavras-chave: Motivação, Teoria das
necessidades psicológicas básicas, Educação musical, Adolescente.
Abstract: The transformations, such as psychologicaly, physical and social, that appears during the teenage years
can have consequences for the process of musical learning, making the students, in some cases, doubt themselves about their abilities and become disinterested
in the music practice. The musical instrument teacher, this cases, has a relevant role in maintaining these students’ motivation. The general
objective of this study was,
therefore, meet the instrument teachers’ beliefs, opinions and attitudes
about Basic Psychological
Needs (DECI; RYAN, 2000), in the context of
promoting adolescents students’ motivation to learn music.
For this, it was used the survey
study methodology and the data was
collected through a questionnaire. The obtained results brought considerations for music teachers when it comes to planning and
conducting lessons, that can, therefore,
increase adolescent’s motivation. It was proven, through the results, that
a good regulation of motivation is
able to allow
more effective learning and performance.
Keywords: motivation, Basic Psychological Needs Theory, musical education, adolescent.
1. INTRODUÇÃO
A adolescência é um período em que as mudanças físicas e
comportamentais ocorrem de forma rápida, além de um acréscimo na exigência escolar.
Essa fase é marcada pela construção da identidade própria, na qual o indivíduo
se percebe como diferente e independente de seus familiares. Todas essas
questões podem gerar impactos negativos no envolvimento e motivação dos
adolescentes com os estudos: “há um claro declínio na motivação dos alunos
[para estudar] quando atingem as séries finais do Ensino Fundamental e/ou
quando chegam ao Ensino Médio” (CAVENAGHI;
BZUNECK, 2009, p.1479).
Portanto, percebe-se que, em busca de sua própria identidade, o
adolescente anseia por seguir suas próprias preferências – inclusive musicais (MOURA, 2009) – e necessita da aprovação e
do reconhecimento de seus pares e professores. Esse fato impacta diretamente na
qualidade de desempenho da aprendizagem musical e, consequentemente, na
motivação geral desses jovens musicistas (CAVENAGHI;
BZUNECK, 2009).
A definição de motivação é estabelecida como a ação que move o
indivíduo a realizar certa tarefa (BZUNECK,
2009). A área da Psicologia traz algumas teorias sobre a motivação,
principalmente a partir de uma abordagem cognitivista. Isto compreende que a
motivação é determinada por motivos ambientais (ou extrínsecos) e também a
partir de aspectos cognitivos (ou intrínsecos) do indivíduo. Tal conceito tem
sido frequentemente abordado no contexto educacional, inclusive na pedagogia
musical, devido à alta relevância no envolvimento dos alunos na aprendizagem,
assim como seu desenvolvimento cognitivo (CAVENAGHI,
BZUNECK, 2009). Engelmann
(2010) aponta que a literatura científica se direciona cada vez mais para o
estudo das variáveis nas relações interpessoais e do ambiente como
determinantes na motivação dos indivíduos. Nesse sentido, um bom ambiente de
aprendizagem e a relação de confiança entre professor e aluno podem otimizar a
motivação e a aprendizagem.
Uma das teorias de motivação que leva em conta os processos
externos e internos que podem influenciar o envolvimento do indivíduo com a
atividade a ser realizada é a Teoria da Autodeterminação (DECI; RYAN, 2000). Esta teoria foi
escolhida para este estudo por relacionar os fatores da motivação intrínseca do
aluno no processo de interação com o professor e com o ambiente. Autodeterminação
é definida por Deci
e Ryan (1985, p.38, tradução nossa) como
[…] a qualidade do
funcionamento humano que envolve a experiência de escolha, em outras palavras,
a experiência de uma percepção interna nos lócus de causalidade. Decorre nos
comportamentos integrados ou intrinsecamente motivados e também está em
evidência em alguns comportamentos extrinsecamente motivados. De qualquer
forma, autodeterminação é a capacidade de escolher e de ter estas escolhas, ao
invés de reforços contingentes, conduções ou qualquer outro tipo de força ou
pressão serem determinantes das ações de um indivíduo.4
A Teoria da Autodeterminação (ou Self-Determination Theory)
é estruturada a partir do princípio de que costumes e atividades sociais são
internalizados em valores e são pessoalmente aprovados. Esse processo de
internalização é visto pelos autores como natural e ativo (DECI; RYAN, 2000). Isso faz com que os
indivíduos aceitem regulações sociais como propriamente suas, e, realizando
essas ações que foram incorporadas, estarão mais integrados socialmente e
psiquicamente. Porém, quando o processo de internalização não acontece, ou
acontece parcialmente, os valores de uma determinada atividade permanecem
externos, e a identificação não é gerada.
Portanto, observa-se que essa teoria pode elucidar como os
alunos podem aprender música de forma prazerosa e proveitosa, quando os
professores se dedicam em estabelecer ambiente e contexto seguros que permitam
a internalização dos valores da atividade.
A Teoria da Autodeterminação é
considerada uma macroteoria e abarca seis miniteorias5 que consideram diferentes aspectos da motivação e da integração
psicológica. Para o presente estudo, destaca-se a miniteoria
das Necessidades Psicológicas Básicas (TNPB), de Deci e Ryan (2000),
que mostra como a busca pela satisfação das necessidades psicológicas energiza
o comportamento. Para que a saúde psicológica e o bem-estar das pessoas sejam
alcançados, é necessária a satisfação de três necessidades: competência,
pertencimento e autonomia.
A necessidade de autonomia faz com que o indivíduo busque
regular seu próprio comportamento para agir com coerência interior em direção à
integração psíquica. Ter autonomia é agir a partir de um lócus de causalidade
interno, isto é, ter valores e regulações integrados em seu self para, então,
agir de forma autêntica aos seus interesses (DECI;
RYAN, 2000). A necessidade de competência leva
o indivíduo a se envolver em desafios ideais para experienciar domínio de
habilidades físicas ou sociais. Sua satisfação ocorre quando há feedback positivo, pois, para o indivíduo, significa que
é responsável pela competência alcançada e que suas ações foram eficazes,
portanto, sua motivação intrínseca é instigada (DECI; RYAN, 2000). Por fim, o pertencimento ao grupo indica que a busca por
relacionamentos pode trazer sentimentos de segurança e intimidade. A
possibilidade de ser reconhecido e valorizado em um grupo permite contribuir
com uma determinada organização social ao participar e estar integrado (RYAN; DECI, 2017).
Caso uma necessidade seja negligenciada, haverá queda no bom
desempenho psicológico como um todo, pois o bem-estar só pode ser atingido
plenamente com a satisfação de todas as necessidades. Os autores ainda afirmam
que é resultado da adaptação evolutiva do ser humano o seu envolvimento em
atividades que exercitem suas capacidades e que são interessantes, do ponto de
vista individual e social. Nesse sentido, é possível entender que o ambiente de
aprendizagem que o professor proporciona pode ser relevante também para o
envolvimento do aluno na prática musical. Assim, questiona-se: quais são as
opiniões do professor de instrumento musical sobre as Necessidades
Psicológicas Básicas do aluno adolescente? E, por consequência: quais
são as estratégias adotadas pelos professores, na condução das aulas de
instrumento musical, que são cruciais na manutenção da motivação desses alunos?
A partir das questões apresentadas, o objetivo geral desta
pesquisa foi conhecer as crenças, opiniões e atitudes dos professores de
instrumento sobre as Necessidades Psicológicas Básicas,
no contexto da promoção da motivação de alunos adolescentes para aprender
música. Como objetivos específicos, buscou-se: (a) verificar, junto ao
professor de instrumento, possíveis demandas que o adolescente leva para as
aulas de música e que podem interferir no processo motivacional; (b) analisar
estratégias de motivação utilizadas pelos professores de instrumento; (c)
verificar como os professores percebem as Necessidades
Psicológicas Básicas de seus alunos (competência, pertencimento e
autonomia) (DECI; RYAN, 2000); (d)
conhecer as dificuldades encontradas pelos professores de instrumento para
promover a motivação dos alunos adolescentes.
2. TEORIA DAS NECESSIDADES
PSICOLÓGICAS BÁSICAS E A EDUCAÇÃO MUSICAL
No contexto educacional, a TNPB pode apontar caminhos que
possibilitem um ambiente de sala de aula valorativo à autonomia e ao melhor engajamento
na aprendizagem. A partir da TNPB, entende-se que o suporte dos professores,
dos pais e responsáveis dos alunos pode permitir a manutenção da motivação
intrínseca e formas mais integradas de motivação extrínseca para qualquer
contexto de ensino, idade e/ou cultura (RYAN;
DECI, 2017).
Ao discutir a motivação em ambientes educacionais, Ryan e Deci (2017)
especificam que pressões externas, como prêmios, notas, comparações, punições e
qualquer forma de controle, podem ser prejudiciais para a motivação intrínseca
dos alunos, pois enfatizam elementos extrínsecos. Assim, entende-se que as
estratégias de ensino que dão suporte à autonomia do aluno podem gerar motivação
intrínseca e nutrir formas mais autônomas de motivação, sendo, portanto,
associadas com engajamento de melhor qualidade, melhor performance e com
experiências positivas.
Concluímos
sugerindo que os objetivos da educação devem ir além das conquistas acadêmicas
e devem incluir o progresso intelectual e pessoal dos estudantes enquanto se
encaminham a identidades e papéis adultos. Para ir além dessas conquistas, é
essencial para o ambiente educacional estar atento à satisfação das
necessidades psicológicas básicas dos alunos, incluindo apoio aos seus diversos
interesses e capacidades.6 (RYAN; DECI, 2017, p.351, tradução nossa).
Dentre os comportamentos do professor que promovem a motivação
autônoma, citados pelos autores (RYAN;
DECI, 2017), pode-se destacar: dar espaço para que o aluno possa falar e
escutar com atenção; reconhecer os sinais de melhoria e domínio; reconhecer e
encorajar o esforço; reconhecer o olhar do aluno e suas experiências; ser
compreensível com as dúvidas e comentários. Já dentre os comportamentos que
estimulam a motivação controlada, os autores indicam: monopolizar o material de
aprendizagem; não possibilitar tempo necessário para que as tarefas sejam
cumpridas; não dar espaço para que as respostas sejam formuladas; utilização de
palavras de ordem e controle (como “deve” e “tem que”); formulação de perguntas
fechadas que controlam o diálogo.
Dentro do contexto da educação musical, a possibilidade de
opinar sobre a escolha do repertório para o estudo, por exemplo, pode
possibilitar um espaço de autonomia para o aluno, pois esta ação permite a
participação do indivíduo em sua própria aprendizagem. De acordo com Rosa (2015), quando a autonomia é
valorizada, os indivíduos traçam suas próprias metas e buscam conhecimento
sobre seus interesses e preferências.
A satisfação em
tocar as músicas que o próprio aluno escolheu tem como maior propulsor a forte
motivação intrínseca daquilo que o aluno já gosta quando o aluno estabelece a
meta de tocar tal peça e consegue por esforço próprio e/ou intermédio do
professor, o aluno tende a experimentar satisfação. (ROSA, 2015, p.25).
Figueiredo (2020) fala
sobre a forma com que o professor pode inserir um novo repertório para o aluno.
Caso seja colocado em tom de ordem, utilizando ameaças ou com a ideia de
obrigação, o lócus de causalidade da ação será
percebido como externo. Quando o professor sugere, ressalta os objetivos e
metas e ouve o aluno, permitindo que expresse suas ideias e participe do planejamento,
o lócus de causalidade será percebido como interno.
Portanto, o respeito à autonomia do aluno pode ser atingido mesmo quando o
professor tem a iniciativa de sugerir um repertório, diferente de deixar que o
próprio aluno defina sem critérios seus estudos.
Enfim, percebe-se, a partir da fundamentação aqui apresentada,
como o estudo da Teoria das Necessidades Psicológicas
Básicas pode ser entendido no contexto das aulas de música, trazendo um
entendimento sobre processos motivacionais dos adolescentes para a aprendizagem
musical. Na próxima seção, portanto, busca-se trazer em relevo alguns estudos e
conceitos sobre a adolescência para fundamentar e complementar as bases
teóricas da presente pesquisa.
3. ADOLESCÊNCIA E A
MOTIVAÇÃO PARA APRENDER MÚSICA
A adolescência, de acordo com o Estatuto da Criança e do
Adolescente (BRASIL, 2009), é o período
entre doze e dezoito anos de idade. Para Torres
(2008), a adolescência é marcada não somente pelas transformações
biológicas, mas também pelas transformações sociais e culturais que dependem do
contexto em que o indivíduo está inserido. Leal
e Facci (2014) estabelecem essa faixa etária como
fenômeno histórico e social, datado e construído a partir do século XX e não
dependente da maturação biológica.
Becker (2003) conclui que
a adolescência pode assumir formas diversas e, portanto, não seria “a
adolescência”, pois são várias. Torres
(2008, p.9), por sua vez, emprega o termo “adolescências” já no título de
sua dissertação de mestrado e explica que “[…] cada história de vida é única, e
existem várias maneiras de vivenciar esse momento de vida cheio de novidades,
desafios e enfrentamentos”. A autora reforça que as variáveis vividas pelo
adolescente desde seu nascimento podem influenciar suas atitudes nesta fase,
como, por exemplo, os valores colocados pela família, as amizades, o desempenho
escolar, sua situação socioeconômica e o acesso a diferentes oportunidades.
Segundo Dragunova
(1985), entre as transformações que esta fase implica, está a busca por
diminuir a influência dos adultos sobre suas decisões a fim de buscar igualdade
entre eles. Tal fato pode trazer comportamentos que expressam desobediência,
resistência e protesto. Dessa forma, observa-se que o adolescente busca por autonomia, ou seja, ser a própria origem de suas ações.
Para que o adolescente se envolva nas atividades de ensino, é papel fundamental
do professor conhecer seus interesses, aspirações, atrações e forças motrizes
(inclusive as musicais). Além disso, reconhecer o
adolescente como indivíduo pensante, com personalidade em transformação, abre
portas para propiciar um ambiente de ensino que estimule a autonomia, pois reconhece suas opiniões e atitudes. Logo,
tendo sua autonomia respeitada pelos familiares e professores, a necessidade de
pertencimento pode ser, em consequência,
satisfeita, e a motivação é beneficiada.
O desenvolvimento da autoconsciência também acontece no período
da adolescência (DRAGUNOVA, 1985). Nesse
sentido, o adolescente se reconhece como indivíduo que tem direito a ser
respeitado e à independência. Ele reconhece também suas próprias necessidades,
suas particularidades e sua personalidade a fim de avaliar seu comportamento
nas relações sociais.
O adolescente passa
a prestar atenção nas particularidades de sua personalidade, esforçando-se por
dar conta de suas possibilidades individuais; sente a necessidade de eliminar
seus defeitos, podendo elevar-se o descontentamento consigo mesmo. (LEAL; FACCI, 2014, p.33).
A formação de uma nova identidade musical está associada com a
imagem pública que o adolescente quer mostrar e com a construção de sua
identidade e personalidade. Diversas razões sustentam o hábito de ouvir música
e, dentre elas, está a função de desenvolvimento da identidade (PALHEIROS, 2006).
Ao considerar que a escuta musical passa por transformações na
adolescência, o ensino da música pode transparecer a identidade musical dos
indivíduos nesta fase. A escuta pode ser refletida no repertório que beneficia
a motivação dos alunos, pois aprender a tocar as músicas que lhes são
familiares, de seu próprio gosto, escolhidas por eles mesmos, transparece claramente
no empenho exercido para aprender até mesmo músicas que requerem maiores
habilidades do que as já desenvolvidas.
O respeito aos adolescentes em seu estágio de transformação
psíquica é importante no ensino de instrumento musical, pois, dessa forma, entende-se
a ampla possibilidade do desenvolvimento de suas potencialidades. Torres (2008, p.23) ressalta que essas
transformações são vantagens da adolescência: “é
preciso lembrar que há transformações que acarretam vantagens aos adolescentes,
como a rápida compreensão do funcionamento de diferentes aparelhos eletrônicos,
descobertas literárias, musicais, políticas e intelectuais”. Portanto, o
professor de música deve possibilitar que as descobertas musicais do
adolescente sejam trazidas à aula de forma a beneficiar seu desenvolvimento
cognitivo contínuo.
Diversas pesquisas trazem as particularidades do ensino para
adolescentes, como o desenvolvimento da identidade, a cultura própria da
adolescência, as particularidades da aprendizagem musical e seus desafios
próprios (TUCKER, 2017; FREER; EVANS, 2017; ZUBELDIA; DÍAZ; GOÑI, 2018; EVANS; LIU, 2018; BUCURA, 2019). Os fatores que mais podem
afetar a motivação dos adolescentes para aprender música, relatados pelos autores
citados, são: os estados emocionais e psicológicos; as experiências prévias com
aprendizagem musical; a adequação de desafios; o ambiente da sala de aula
(colaborativo ou competitivo); a valorização da disciplina de música e sua
internalização; a satisfação das necessidades psicológicas básicas; as palavras
usadas pelo professor para oferecer feedback; e o
foco trazido ao esforço e à resiliência do aluno versus o entendimento de
talento e habilidade fixa e nata.
A escolha do repertório também é objeto das pesquisas sobre
motivação do adolescente para aprender música. Moura (2009) e Pereira (2010) sugerem a busca por
repertórios que sejam mais atraentes para o adolescente. Oliveira e Santos (2016) igualmente
concordam que o professor pode se aproximar do repertório de preferência do
aluno, mas que também deve apresentar repertórios diferentes, para ampliar os
conhecimentos dos estudantes e possivelmente despertar novos interesses.
Enfim, compreende-se que o entendimento da realidade do aluno
adolescente é fundamental para que ele se sinta amparado e reconhecido, além de
acolhido em um ambiente em que possa se sentir seguro. O professor de
instrumento, por consequência, adquire um papel relevante na aprendizagem
musical, pois pode traçar caminhos de aprendizagem que sejam motivadores ao
aluno.
4. METODOLOGIA
A presente pesquisa foi realizada por meio de um Estudo de Levantamento
(survey). O delineamento
da pesquisa é de caráter quali-quanti, pois a coleta
de dados ocorreu a partir de um questionário com questões fechadas, que puderam
gerar gráficos quantitativos para análise, e questões abertas, possibilitando
uma reflexão mais aproximada do discurso de cada professor participante.
Os dados da pesquisa foram coletados por meio de um questionário
subdivido em cinco categorias: (1) o perfil dos professores – questões 1 a 7
(idade, instrumento que leciona, há quanto tempo leciona, cidade[s] e estado[s]
em que [nos quais] atua, formação); (2) as demandas que o adolescente leva para
a aula de música e que interferem no processo motivacional – questões 8 a 11;
(3) as estratégias de motivação encontradas pelo professor – questões 12 a 17;
(4) as percepções do professor frente às Necessidades
Psicológicas Básicas dos alunos – questões 18 a 28; (5) as dificuldades
para manter o aluno motivado – questão 29.
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética da Universidade
Federal do Paraná, por meio da Plataforma Brasil.7
Dessa forma, a investigação ocorreu em conformidade com os procedimentos de
ética em pesquisa recomendadas em legislação atual.
O público ao qual o questionário foi destinado foi formado por professores
de instrumento musical que tivessem experiência com o ensino de alunos
adolescentes entre 12 e 18 anos. A seleção dos participantes se deu por meio de
uma amostragem não probabilística, e o modelo foi o da amostragem por
acessibilidade ou conveniência (GIL, 2008).
O contato com os participantes foi realizado por meios digitais e presencial.
Anteriormente ao início da coleta de dados definitiva, o
questionário passou por um pré-teste em outubro de 2020, sendo enviado a cinco
professores de instrumento musical. Destes, quatro participaram e dois
ofereceram observações e sugestões de pequenas alterações. Os comentários
oferecidos foram imprescindíveis para que algumas alterações fossem incluídas
na versão final do questionário, a fim de trazer mais clareza e direcionamento
para os objetivos das perguntas e da pesquisa.
5. RESULTADOS E DISCUSSÕES
Esta seção traz as informações obtidas a partir da coleta de
dados e, simultaneamente, inclui o diálogo com a fundamentação teórica. A
apresentação dos dados segue a ordem do questionário, que foi baseado nos
objetivos específicos desta pesquisa.
5.1 PERFIL DOS PROFESSORES
PARTICIPANTES
Obteve-se a participação de 25 professores voluntários. Ao
responderem às questões 1 a 7, foi possível verificar que 52% dos participantes
eram do gênero masculino e 48%, do feminino; a maior parte dos docentes estava
na faixa etária entre 25 e 34 anos (64%) e lecionavam 17 instrumentos/cursos
musicais diferentes; a maior parte (40%) tinha tempo de atuação entre 6 e 10
anos (28% dos participantes entre 3 e 5 anos; 12% entre 11 e 15 anos; 20% acima
de 16 anos). Os participantes da pesquisa lecionavam em 10 cidades diferentes,
sendo que a maior parte (36%) indicou, como maior nível de estudo em música, a
graduação completa; 12% declararam que tinham graduação incompleta; 24%
especificaram que tinham especialização; e 28% mestrado.
5.2 DEMANDAS DOS ALUNOS
ADOLESCENTES
As questões de 8 a 11 eram relativas às demandas que os alunos
adolescentes levavam às aulas de instrumento que podiam interferir tanto no
processo motivacional quanto nas atitudes dos professores no que diz respeito
ao planejamento das aulas e do repertório.
O motivo mais selecionado pelos professores para indicar por que
os adolescentes estudavam música estava relacionado com a apreciação sonora.
Este elemento foi expresso nas seguintes alternativas: “apreciação do timbre do
instrumento”, “ouviu alguém próximo tocar”, “por conta de artistas e bandas que
costuma ouvir”. A sonoridade parece ser fator relevante na escolha do
instrumento e pode dizer respeito à identidade social. De acordo com Moura (2009, p.29),
[…] é provavelmente
nesse nível de identidade que a música tenha um papel mais relevante,
principalmente em fases como a juventude, em que as descobertas são muitas e
muito intensas, quando há uma propensão maior à influência dos outros, já que a
identidade pessoal ainda não está totalmente formada (e talvez nunca venha a
estar, por se tratar de algo em constante transformação e construção).
O autor ainda complementa que a identidade social é formada a
partir de características obtidas em relações sociais, que se tornam mais
significativas na faixa etária em questão. Leal
e Facci (2014) também afirmam que o
estabelecimento de relações pessoais mais íntimas acontece, pela primeira vez,
no período da adolescência e que, a partir da comunicação, absorvem conteúdo
social e cultural.
Outras respostas amplamente indicadas pelos professores como
motivos para o adolescente estudar música foram “tocar no grupo religioso que
frequenta”, “tocar em banda”, “ouviu alguém próximo tocar”, “vários membros da
família tocam um instrumento”. Estas respostas também vêm ao encontro da ideia
da formação da identidade social e mostram a importância, na vida dos
adolescentes, da prática musical atrelada à cultura do grupo em que convivem,
além da experimentação dos atributos das diferentes “tribos” (MOURA, 2009). Portanto, os alunos podem
buscar nas aulas de música a formação de sua identidade social, por meio da
experimentação da comunicação musical e dos significados que cada estilo/
gênero carrega.
5.3 ESTRATÉGIAS DE MOTIVAÇÃO
UTILIZADAS PELOS PROFESSORES
Para conhecer as atitudes dos professores frente às demandas
motivacionais, as questões 12 a 17 foram referentes às estratégias utilizadas
em sala de aula com os adolescentes.
A questão 12 teve a seguinte pergunta: “Caso você perceba,
eventualmente, que o aluno não demonstra interesse pelo repertório que está
sendo aprendido, qual(is) seria(m) a(s) sua(s)
estratégia(s)”. Como foi possível marcar mais de uma alternativa, foram obtidas
67 respostas ao total. A relação das respostas encontra-se na Tabela
1. A alternativa “Outros” obteve somente uma resposta, de P06 (participante
06): “às vezes adapto técnicas mais tradicionais a um repertório que o aluno
quer”.
Tabela 1
As respostas dessa questão apontaram que os professores prezam
pela diversidade de abordagens e adaptação ao contexto individual de cada aluno.
Portanto, colaboram com a satisfação das necessidades psicológicas de autonomia
e pertencimento. Evans e Liu (2018)
esclarecem que ajudar os alunos a desenvolver uma rotina de prática que esteja
alinhada com suas prioridades pode auxiliar a satisfazer a necessidade de
autonomia. Os autores também afirmam que valorizar o papel do aluno no ambiente
de aprendizagem auxilia na satisfação da necessidade de pertencimento.
Por sua vez, a alternativa “continuo com o planejamento inicial
tendo em vista o desenvolvimento técnico e musical do aluno” não obteve nenhuma
escolha, portanto, a população pesquisada tem perfil de reconhecer as
necessidades dos alunos e permitir que os alunos tomem as decisões que lhes cabem.
Leal e Facci
(2014) reforçam que o adolescente precisa de espaço para exercer sua
autonomia, pois a maturidade social e a conquista de novos direitos são
diretamente proporcionais. Neste sentido, o adulto pode estabelecer com o
adolescente uma relação que contemple estes direitos, com o objetivo de
auxiliá-lo a desenvolver a independência, a comunicação e a responsabilidade,
por exemplo. Caso o professor possa estabelecer um vínculo com o aluno que dê
espaço para a autoexpressão, pode satisfazer as
necessidades de pertencimento e autonomia.
A questão 13, “supondo que você tenha um aluno resistente para
aprender o repertório necessário para o seu desenvolvimento técnico-musical,
como você atuaria?”, obteve 52 respostas, visto que era possível escolher mais
de uma alternativa. A relação das respostas e a quantidade de vezes que cada
uma foi escolhida estão representadas na Tabela 2
Tabela 2
O repertório “necessário” para aprendizagem do instrumento pode
ser muito subjetivo aos olhos de cada professor. Ainda que alguns instrumentos
tenham um repertório mais tradicionalmente estabelecido, cabe ao professor
interpretar a necessidade daquele método para cada aluno. Porém, a quantidade
de respostas escolhidas pelos professores nesta questão mostra que existe certa
discrepância entre os métodos por eles trabalhados e o repertório que o aluno
quer aprender. As hipóteses levantadas são duas: os alunos adolescentes querem
aprender, muitas vezes, repertório mais difícil do que suas habilidades
musicais estão desenvolvidas, e fica a cargo do professor saber conduzir a
situação; e/ou os métodos existentes trabalham o ensino-aprendizagem sobre
repertório não atrativo aos ouvidos dos adolescentes. Moura (2009) afirma que os professores de
música podem ter dificuldades em encontrar materiais didáticos direcionados ao
público jovem, visto que os métodos são comumente direcionados a crianças ou
adultos. Evans (2015) também aponta que
as aulas individuais de instrumento, comumente, não favorecem a autonomia dos
alunos, pois os professores decidem dentro do repertório tradicional o que deve
ser desenvolvido nas aulas, apoiados, com frequência, em exercícios técnicos.
Intercalar repertório trazido pelo aluno e repertório proposto
pelo próprio professor pode ser benéfico à motivação dos alunos, pois auxilia
na satisfação das necessidades psicológicas básicas e, de acordo com Ryan e Deci (2017),
a satisfação das necessidades permite a internalização dos valores da atividade
e a promoção da motivação para realizar a mesma. Levando em consideração o
contexto educacional, Pereira (2010) afirma
que é importante quando o professor está atento ao conhecimento cotidiano que o
adolescente leva para as aulas, e reconhece, ainda, que este conhecimento
prévio pode ser alinhado ao conteúdo acadêmico a fim de proporcionar
aprendizado real. Oliveira e Santos (2016,
p. 95) confirma que “precisamos querer conhecer e nos aproximar das
preferências de nossos alunos, mas também temos que promover a inclusão de
repertórios variados que possam abrir o escopo do seu conhecimento”.
De todo modo, os professores pesquisados marcaram, em geral,
mais de uma alternativa, o que complementa a questão anterior no sentido de
utilizar mais de uma tática/estratégia para abordar qualquer resistência dos
alunos. Alternativas criativas para vencer os desafios podem oportunizar a
satisfação das necessidades psicológicas e a promoção da motivação (EVANS; LIU, 2018).
A questão 17, “que outras estratégias você utiliza para motivar
os alunos adolescentes?”, teve como objetivo abrir um espaço, sem respostas
prontas, para que os professores dissertassem mais sobre suas experiências.
Dessa forma, possibilitou informações qualitativas, com participação de 72% dos
professores pesquisados (18 respostas). As respostas dos professores foram
agrupadas em três categorias, correspondentes às necessidades psicológicas
básicas: autonomia, competência e pertencimento.
A necessidade de autonomia teve três menções, nas quais os
professores escreveram, respectivamente, sobre: ouvir os objetivos e interesses
do aluno em aprender música, planejar de acordo com esses objetivos; dar espaço
para o aluno expressar suas dificuldades com o estudo; e respeitar a
individualidade dos alunos. Evans e Liu
(2018) corroboram estas afirmações ao apontarem que a satisfação da
necessidade de autonomia pode ocorrer quando os professores ajudam os alunos a
desenvolverem uma rotina de prática que esteja alinhada com suas prioridades,
em vez de inúmeras tarefas diárias. Torres
(2008) afirma que é importante para o adolescente que seja dada a ele a
oportunidade de expressar-se, principalmente quando ele é o foco da atividade
que está sendo executada. “Conhecendo o grupo, o educador pode procurar evitar
que seja trabalhado apenas o que ele acredita ser relevante, desenvolvendo
parceria com o adolescente um plano de ação que atenda às demandas do seu grupo
de trabalho” (TORRES, 2008, p. 136).
Sendo o contexto um grupo de adolescentes, ou aulas individuais, o enfoque está
naquele(s) que busca(m) aprender música.
Alguns professores, nove ao todo, trouxeram a estratégia de
ouvir do aluno qual seu repertório de interesse, pesquisar e trazer para a
aprendizagem instrumental. Quando o professor dá a devida atenção ao repertório
do hábito de escuta do aluno, pode estar satisfazendo as necessidades de
autonomia e pertencimento, pois, dessa forma, dá espaço para que o aluno tome
as iniciativas de sua aprendizagem, além de fazer com que ele se sinta ouvido e
validado dentro da sala de aula (EVANS;
LIU, 2018; LEAL; FACCI, 2014).
Quanto à satisfação da necessidade de pertencimento, dois
professores indicaram estimular os alunos a tocar em grupo e dois professores
pontuaram o valor de manter um vínculo de amizade com os alunos, trazendo
destaque ao preparo psicológico e humano, além da técnica instrumental. Evans e Liu (2018) apontam que, quando o
aluno participa de grupos e prática em conjunto, percebe que faz parte de uma
comunidade que compartilha as mesmas dificuldades e recompensas e que cada um
tem seu papel valorizado no ambiente musical em que se encontra. Ryan e Deci (2017)
confirmam que o relacionamento afetivo auxilia na internalização dos valores da
atividade praticada, ainda que haja dificuldades técnicas. Quando o aluno se
sente cuidado pelos outros, significante e pertencente ao meio em que se
encontra, tem sua necessidade de pertencimento satisfeita e, consequentemente,
sente-se mais motivado na prática da atividade.
A necessidade de competência foi aquela mais abordada nos textos
dos professores, sendo mencionada 13 vezes ao total. As estratégias citadas
foram somadas de acordo com a Tabela 3.
Tabela 3
Ter pequenos objetivos facilita em muito a tarefa de
aprendizagem. Bucura
(2019) salienta que objetivos a curto e longo prazos trazem direcionamento
para a prática. Inclusive, os desafios não podem ser nem muito fáceis nem muito
difíceis. Quando são apropriados ao aluno, favorecem a autoeficácia
e motivação. Além disso, a utilização da criatividade nas aulas deixa as
atividades mais lúdicas e mais dinâmicas, envolvendo os alunos de forma
diferenciada e mais atrativa, mais consciente e menos automática. Esta forma de
prática traz qualidade ao tempo de estudo, exigindo menos esforços nas semanas
seguintes. Porém, a prática deliberada e automática, com muitas repetições,
desfavorece a concentração e não é tão colaborativa para a aprendizagem (HAMBRICK et al., 2014). O tempo de estudo
de qualidade favorece a necessidade de competência ao não exigir do aluno
grandes esforços e tempo, além de mostrar que a prática pode ser divertida,
auxiliando a internalizar os valores da atividade. Além disso, Evans e Liu (2018) apontam que as formas
criativas de prática podem auxiliar os alunos a vencer os desafios, ao mesmo
tempo em que satisfazem as necessidades psicológicas.
Trazer aos alunos formas de mostrar a evolução ao longo dos
meses e dos anos também pode ser muito benéfica para favorecer a necessidade de
competência. Desta forma, o aluno desenvolve o senso de que a prática aprimora
as habilidades, e as dificuldades encontradas no decorrer dos estudos deixam de
ser encaradas como fracasso (EVANS; LIU,
2018). Além disso, o desafio adequado, que leva em consideração as
habilidades já desenvolvidas do aluno, fortalece o senso de autoeficácia
e pode auxiliar no processo de internalização da atividade (BUCURA, 2019).
Pontuar as vantagens da aprendizagem musical pode ser benéfico
para a internalização e compreensão dos valores da atividade (TUCKER, 2017; DECI; RYAN, 2000). Esta estratégia
pode ser muito bem utilizada quando a aprendizagem parte da motivação
extrínseca, de regulação controlada, e o professor quer auxiliar a modificar
para a regulação autônoma. Quando a internalização ocorre, o aluno deseja
aprender, pois sabe que é importante para seu desenvolvimento cognitivo e que
pode se beneficiar de diversas formas, então reconhece sua importância, o
quanto é prazerosa, sua utilidade e seu custo. Deci e Ryan (2000),
entretanto, afirmam que, para que a internalização ocorra, o indivíduo deve
estar livre para processar e avaliar os valores transmitidos. Caso o professor
utilize pressões excessivas e formas de controle, este processo pode não
ocorrer.
Tocar para outras pessoas pode trazer momentos muito positivos e
fortalecer as crenças de autoeficácia dos alunos,
auxiliando a satisfazer a necessidade de competência (sei que, quando estudo e
me dedico, posso apresentar aos outros e ser valorizado por esta atividade). O
desenvolvimento da valorização da atividade também pode estar ligada à
satisfação da necessidade de pertencimento e favorecer sua identidade, pois o
adolescente entende seu papel neste cenário (EVANS;
LIU, 2018).
As estratégias de ensino expostas pelos participantes na questão
17, em resumo, mencionaram a necessidade de autonomia
três vezes; as necessidades de autonomiaem conjunto com pertencimento, nove vezes; a necessidade de
pertencimento, unicamente, quatro vezes; e a necessidade de competência, 13
vezes. Estes dados apontam que o foco dos professores em motivar os alunos
adolescentes estava em satisfazer, principalmente, a necessidade de
competência. Os professores buscavam mostrar aos alunos que são capazes e
propunham alternativas criativas para a prática diária. Porém, os professores
apontaram poucas estratégias para motivar por meio da satisfação da autonomia
(ou não julgaram importante descrever no momento) que não seja a partir da
escolha de músicas do hábito de escuta. A satisfação de pertencimento, por meio
do vínculo de amizade entre professor e aluno, ou entre alunos, também obteve
poucas citações. A questão 17 mostrou, então, que a satisfação das necessidades
de autonomia e pertencimento poderiam ser mais exploradas pelos professores de
instrumento participantes desta pesquisa, pois a atenção das aulas
aparentemente estava mais direcionada para a superação técnica e para o
desenvolvimento de habilidades.
5.4 PERCEPÇÃO DOS PROFESSORES
SOBRE AS NECESSIDADES PSICOLÓGICAS BÁSICAS DOS ALUNOS
As questões relativas à necessidade de autonomia foram os
números 18 a 20 e buscaram saber quais são as crenças e opiniões dos
professores sobre a liberdade do aluno na definição de objetivos, tempo e
formas de estudo. Com a maturidade, o próprio adolescente busca tomar suas
decisões e reestruturar suas relações para níveis de igualdade com os adultos.
Quando o adulto age de forma autoritária, dentro da família ou no contexto
educacional, gera conflitos, pois não permite que os adolescentes expressem sua
própria personalidade (LEAL; FACCI, 2014).
Autonomia significa ter lócus de causalidade interno, ser a origem das próprias
ações, ter iniciativa, o que não exclui estabelecer vínculos com outras pessoas
(DECI; RYAN, 2000).
Os dados obtidos mostraram que os professores afirmavam ter
comportamentos que valorizavam a autonomia em sala de aula, pois conseguiam
criar um ambiente sem controle exacerbado e pressões e permitiam uma certa
flexibilidade de acordo com as necessidades de cada aluno. Dessa forma, a
aprendizagem pode ocorrer com qualidade muito superior, com mais motivação e engajamento
(DECI; RYAN, 2000; RYAN; DECI, 2017).
As respostas apontaram que os professores pareciam estar cientes
de que dar autonomia não significa deixar o aluno à sua própria sorte, mas
guiá-lo conforme seus objetivos e suas dificuldades. A importância do
planejamento e roteiro de estudo ficou muito evidente nos dados coletados, e,
de acordo com Bucura
(2019), isto pode contribuir para o alcance dos objetivos e favorecer a autoeficácia e motivação. A prática da real autonomia
dentro da sala de aula pode facilitar, inclusive, a satisfação de competência.
Principalmente no início dos estudos musicais, os alunos não têm repertório de
técnicas de estudo suficiente para sanar suas dificuldades ou corrigir os
erros, portanto necessitam do auxílio do professor para a definição de
estratégias de estudo. Por outro lado, se a autonomia não for aplicada de forma
correta e declinar para o laissez faire, os alunos terão suas
necessidades de competência e pertencimento também frustradas, por se sentirem
solitários em suas dificuldades e por não conseguirem desenvolver suas
habilidades da forma esperada.
As questões 21 a 25 foram relativas à necessidade de competência
e traziam em relevo as crenças e opiniões dos professores sobre a confiança do
aluno para cumprir os desafios, sobre a satisfação com os resultados alcançados
e sobre os desafios colocados a partir do desenvolvimento das habilidades
musicais. A necessidade de competência bem satisfeita faz com que o aluno se
sinta confiante para vencer os desafios e compreenda que os resultados
alcançados são resultado do esforço e dedicação empregados para a realização da
tarefa (TUCKER, 2017; EVANS; LIU, 2018; BUCURA, 2019; BANDURA, 1997).
Os dados coletados pelas questões 21 e 22 apontaram que os
professores pesquisados tinham certa preocupação em perceber como o aluno se
sentia diante do desafio colocado e do desafio vencido. Para Evans e Liu (2018), o feedback que mostra
ao aluno os benefícios da prática e a consequente melhora
da performance pode satisfazer a necessidade de competência. Por conseguinte, a
satisfação dos alunos com os próprios resultados alcançados possibilita que autoavaliem seu empenho e desenvolvimento. De acordo com Leal e Facci (2014),
a própria percepção do adolescente frente aos resultados alcançados fortalece o
senso de autoconsciência e avaliação dos próprios comportamentos, dando bases
para a construção da identidade – de grande importância para esta faixa etária.
O adolescente
anseia saber quem é e do que é capaz e uma forma de conhecer isso é comparar
suas pretensões com o resultado de suas ações ou, ainda, confrontar as opiniões
que os outros têm sobre ele, aspecto sobre o qual o adolescente é bastante
sensível. (LEAL; FACCI, 2014, p. 33).
As questões relativas à necessidade de pertencimento foram os
números 26 a 28 e buscaram verificar quais eram as crenças e opiniões dos
professores sobre a apresentação de feedbacks para os alunos, de que forma
ocorriam os diálogos em sala de aula e como abordavam a desmotivação dos
alunos.
A questão 26 questionava como o professor agia quando percebia
que o aluno teve um excelente progresso. Foram obtidas, nesta questão, 42
respostas. A alternativa “elogio o empenho e progresso” foi escolhida 25 vezes,
ou seja, por 100% dos professores participantes. A resposta “destaco os pontos
positivos” foi escolhida 17 vezes (68% dos participantes). E a alternativa “não
costumo elogiar” não recebeu nenhuma resposta (0%).
O feedback oferecido ao aluno pode
ajudar ou não a satisfazer as necessidades de perten-cimento
e competência. Quando o aluno percebe que seus esforços são reconhecidos pelo
professor, pode experimentar a sensação de pertencimento ao ambiente de
aprendizagem, fortalecendo seu vínculo com o professor. Da mesma forma, quando
o professor salienta os aspectos positivos de sua prática, reforçando o quanto
os esforços trouxeram resultados positivos, fortalece o senso de competência (EVANS; LIU, 2018; TUCKER, 2017). Bucura (2019, p. 10,
tradução nossa) especifica que “professores de música que notaram trabalho
árduo, perseverança, motivação e crescimento do conhecimento e das habilidades
deveriam dar este posicionamento aos alunos”.8
A questão 27 foi elaborada para saber quais os assuntos mais
recorrentes eram trazidos nos diálogos estabelecidos em aula. Sendo uma
pergunta de alternativa única, obteve-se 25 respostas, como dispostas na Fig. 1.
Fig. 1
O diálogo aberto entre professor e aluno pode ajudar a
satisfazer a necessidade de pertencimento, visto que permite criar um vínculo além
dos papéis principais exercidos neste contexto. Ou seja, o professor não está
ali somente para ensinar técnica, corrigir problemas e auxiliar nas
dificuldades, mas também para criar uma relação de respeito e carinho com o
aluno, preocupando-se com sua disposição e motivação para vencer os desafios e
observando a integridade do aluno que está à sua frente. O aluno não está ali
somente para aprender técnica e praticar, mas também para se expressar, ser
ouvido e acolhido, criar laços de amizade com outros colegas e estabelecer uma
relação respeitosa com o professor (RYAN;
DECI, 2017; ENGELMANN, 2010).
Porém, há um ponto de atenção quanto às conversas, como retrata um(a)
participante: o professor deve estar preocupado em manter o foco na aula após
os diálogos, pois, caso o aluno esteja utilizando as conversas como forma de
hesitação para tocar, é possível investigar outros problemas relacionados à
motivação para aprender, como sentimentos de vulnerabilidade, baixa autoeficácia, medo de correr riscos (BUCURA, 2019).
5.5 DIFICULDADES DOS
PROFESSORES EM PROMOVER A MOTIVAÇÃO
Possíveis dificuldades que os professores encontravam para
motivar os alunos adolescentes foram mencionadas exclusivamente na questão 29.
A Tabela 4 mostra as alternativas e a quantidade de vezes
indicadas como “dificuldades em motivar o aluno” apresentadas pelos
professores, somando-se 57 respostas ao total.
Tabela 4
As situações mais pontuadas pelos professores foram os motivos
extrínsecos pelos quais os alunos estão nas aulas: “demonstra desinteresse” e
está nas aulas por pressão dos pais ou da família. Nesses casos, as diversas
ações colocadas pelos professores podem não ser eficazes, pois a regulação
autônoma está comprometida por conta de pressões externas à sala de aula. De
acordo com Ryan e Deci
(2017), a desmotivação pode estar associada ao lócus externo de
causalidade, ou seja, quando o indivíduo é controlado por intervenção de outras
pessoas. Porém, em certas ocasiões, iniciar o processo de aprendizagem a partir
da motivação extrínseca pode ser possível, por exemplo, quando o professor
explica ao aluno os benefícios e razões de determinada tarefa. Isto possibilita
ao aluno a internalização dos valores da atividade musical (RYAN; DECI, 2000; TUCKER, 2017).
A alternativa “não conversa sobre o que gostaria de aprender”
pode dificultar na defini ção dos objetivos e metas.
Este fator também pode interferir na necessidade de autonomia, pois o aluno não
demonstra o lhe que interessa e o que não lhe interessa ou quais são suas
expectativas com a aprendizagem musical.
Também a falta de estudos semanais pode comprometer a
necessidade de competência, pois o desenvolvimento de suas habilidades fica
comprometido, o que pode gerar frustração durante as aulas. Para tanto, definir
pequenos objetivos que podem ser alcançados durante a semana pode ser benéfico
aos alunos que hesitam em enfrentar os estudos (DECI; RYAN, 2000).
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os resultados obtidos nesta pesquisa demonstraram que os
professores participantes do estudo percebem que os principais motivos do
adolescente para estudar música são fatores relacionados à identidade social e
função social da música. Portanto, aprender música, para o adolescente, está
intimamente relacionado ao integrar-se na comunidade da qual faz parte e ser
reconhecido por ela (como família, escola, grupo religioso). Percebe-se que as
transformações na adolescência podem incluir inserir-se em um grupo cultural e
musical para afirmar suas identidades (MOURA,
2009; LEAL; FACCI, 2014; PEREIRA, 2010). Dado este contexto, os
professores de instrumento podem oferecer oportunidades para que o adolescente
seja respeitado e reconhecido e tenha suas preferências validadas. Para o
adolescente, o repertório abordado em aula é de grande importância, pois é
carregado de significado e contexto cultural e passível de tornar-se uma imagem
pública da identidade do próprio indivíduo.
As estratégias utilizadas pelos professores participantes da
pesquisa para favorecer a motivação foram consideradas relevantes para a
satisfação das necessidades psicológicas dos seus alunos e indicaram certa
flexibilidade e diversidade de atitudes frente às situações que se apresentam.
Os professores participantes conseguiam oferecer suporte para que os alunos
pudessem exercer sua autonomia buscando diferentes alternativas para motivá-los
sem insistir em planejamentos fechados, adaptando-se aos objetivos e metas
individuais dos adolescentes.
Por meio da coleta de dados, que buscou conhecer as crenças e
opiniões dos professores sobre as necessidades psicológicas básicas de seus
alunos, foi possível verificar que os docentes priorizavam traçar o
planejamento das aulas em conjunto com os alunos. Os professores não
monopolizavam o planejamento, os objetivos, as metas e a regulação do tempo,
mas conduziam suas orientações juntamente com o aluno, rumo aos propósitos do
estudo. Em geral, os professores pesquisados afirmaram utilizar mais a
regulação autônoma em suas aulas e percebiam que um ambiente demasiadamente
controlado não era benéfico para o envolvimento do aluno com os estudos e
tampouco para o seu desenvolvimento musical. Portanto, não interferiam de forma
excessiva no tempo dedicado às tarefas, no planejamento e condução da aula,
mas, em contrapartida, não deixavam o aluno à própria sorte sem rumo em suas
práticas musicais.
Os professores demonstraram preocupação com a confiança dos
alunos em perseguirem seus objetivos e satisfação com os resultados alcançados.
Na fase da adolescência, a autoconsciência e autoavaliação são novidades em
seus traços cognitivos e estão diretamente ligadas à construção da identidade (EVANS; LIU, 2018; LEAL; FACCI, 2014). O professor pode
ajudar a fortalecer a autoestima e confiança de seus alunos ao dar feedbacks
positivos e construtivos com relação ao esforço e dedicação empregados,
atribuindo seu sucesso ou fracasso ao comportamento que foi estabelecido nos
estudos. A escolha dos desafios, pelos professores, mostrou-se alinhada com as
habilidades dos alunos, a partir de escolha de atividades com dificuldade
técnica adequada ou a sequência de um método ou livro (que comumente são
organizados com dificuldade progressiva). Além disso, muitos professores
participantes da pesquisa demostraram preocupação em estabelecer um vínculo de
amizade e dar abertura aos alunos, por meio de diálogos, acolhimento e diminuição
da pressão sobre os estudos.
As estratégias relatadas pelos professores para atender às
necessidades psicológicas básicas foram resumidas no Quadro 1,
de acordo com a necessidade indicada: autonomia, competência e pertencimento.
Quadro 1
A Teoria das Necessidades Psicológicas Básicas (DECI; RYAN, 2000; RYAN; DECI, 2017) pode apontar caminhos
para desenvolver a motivação na aprendizagem de um instrumento musical, e seus
benefícios vão além do desenvolvimento técnico e teórico, mas abrangem emoções,
bem-estar e autoestima dos alunos e professores frente à superação de desafios.
Encontrar formas e estratégias de satisfazer as necessidades de Autonomia,
Competência e Pertencimento permite que o aluno se sinta bem integrado ao
ambiente e à comunidade e que possa exercer a atividade musical de forma
integrada aos seus próprios valores pessoais. Quando os professores respeitam a
regulação autônoma, o aluno sente-se confiante e confortável em traçar seus próprios
objetivos e alcançá-los, atribuindo esforço e dedicação para o desenvolvimento
de suas habilidades. As aulas de música são uma excelente oportunidade para que
os adolescentes possam exercer sua autonomia e a construção de sua identidade,
além de propiciar o desenvolvimento de sua autoconsciência e autoavaliação, a
partir do conhecimento de seu comportamento e atitudes nos estudos. Estes
benefícios, conforme verificado por meio desta pesquisa, podem ser alcançados
quando o professor está atento para a satisfação das necessidades psicológicas
e oportuniza a internalização dos valores musicais.
Por fim, observa-se que este estudo traz implicações para a
educação musical ao colocar em relevo as percepções dos professores sobre
aspectos relevantes da motivação de adolescentes para a aprendizagem da música.
Como continuidade, sugerimos ampliar o público e o contexto pesquisado,
trazendo mais dados quantitativos e qualitativos, para ampliar pesquisas na
interface entre educação musical e Psicologia, particularmente sobre a
aprendizagem musical e a Teoria da Autodeterminação.
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Notas
1 O
texto deste artigo deriva, em grande parte, da dissertação de mestrado de
Gabriela Safraider (Curitiba, UFPR, 2022), cujo
título é o mesmo do artigo.
4
Original: “Self-determination is
a quality of human functioning that involves the
experience of choice, in other words, the experience
of an internal
perceived locus of causality. It is integral to intrinsically motivated behavior and is
also in evidence in some extrinsically motivated behaviors. Stated differently, self-determination is the capacity
to choose and to have
those choices, rather than reinforcement
contingencies, drives, or any
other forces or pressures, be the
determinants of one’s actions” (DECI; RYAN, 1985, p.38).
5 As
miniteorias são: Teoria de Avaliação Cognitiva,
Teoria de Integração Organísmica, Teoria de
Orientações de Causalidade, Teoria das Necessidades Psicológicas Básicas,
Teoria das Metas Motivacionais e Teoria da Motivação dos Relacionamentos.
Respectivamente, em inglês: Cognitive Evaluation Theory, Organismic Integration Theory, Causality Orientations Theory, Basic Psychological Needs Theory, Goal Contents
Theory, Relationships Motivation Theory (RYAN; DECI, 2017).
6
Original: “We conclude by suggesting that
the aims of education should
be broader than academic achievement
and should include the intellectual and personal flourishing
of students as they move toward adult roles and identities. To achieve these broader
aims, it is essential for educational climates to be
attentive to the satisfaction of students’ basic
psychological needs, including supports for their diverse interests
and capacities” (RYAN; DECI, 2017, p.351, tradução nossa).
7
CAAE: 33622820.1.0000.0102. Número do Parecer: 4.240.912.
8
Original: “Music teachers who
comment that they have noticed
hard work, perseverance, motivation, and growing understandings and skills should make that known
to students
Autor notes
2 Mestre
em Educação Musical/Cognição na Universidade Federal do Paraná, possui
especialização em Neurociências com Ênfase em Música (Faculdade Censupeg), graduada em Instrumento (Piano) na Universidade
Estadual do Paraná Campus I (Escola de Música e Belas Artes do Paraná). É sócio-proprietária de uma escola de música na cidade de
Curitiba/PR, atua como professora de piano e musicalização infantil nesta
escola e em centros de Educação Infantil.
3 Pós-Doutora em Educação Musical pela Universidade de
Bolonha (Itália), Doutora em Música pela Universidade Federal do Rio Grande do
Sul. É Professora Associada na Universidade Federal do Paraná, Departamento de
Artes, onde ministra disciplinas nos cursos de Graduação e Pós-graduação em
Música. É Bolsista de Produtividade em Pesquisa pelo Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico/CNPq. Foi presidente da Associação
Brasileira de Cognição e Artes Musicais de 2014 a 2017 e vice-presidente da
referida associação entre 2017 e 2020. Foi Diretora Regional/Região Sul da ABEM
entre 2006 e 2009. Desde 2009 é Líder do Grupo de Pesquisa PROFCEM (Processos
Formativos e Cognitivos em Educação Musical), no CNPq.