
Práticas artísticas no Antropoceno
Marina Souza Lobo Guzzo | Susana Oliveira Dias | Alana Moraes | Guilherme Moura Fagundes
Walmeri Ribeiro | Kidauane Regina Alves | Renzo Taddei
Florianópolis, v.3, n.56, p.1-30, dez. 2025
da crise climática frequentemente se enraízam em conceitos de cuidado,12 de bens
comuns e reparação. Os bens comuns são tomados de uma forma que se estende para
além da organização de recursos, protocolos e comunidades (Ostrom, 1990; Bollier, 2016),
para um estabelecimento mútuo (Lapoujade, 2017; Moraes e Parra, 2020) que implica
prontidão para encontros, um “corpo poroso” (Ribeiro, 2023) permeável, capaz de sentir,
ouvir e incorporar (tornar corpo) micromovimentos, microssonoridades, sensações táteis
e temporalidades. Abrange também macromovimentos e a amplitude do sistema em que
estão inseridos, produzindo alegria em se mover e se perceber como parte de uma
comunalidade (Rolnik, 2018).
Essa comunalidade pressupõe práticas colaborativas e de coexistência na construção
de laços de apoio guiados por valores democráticos, comunitários e de poder
compartilhado — incluindo o poder do artista. Ou, como sugere Cohen-Cruz (2020), diante
do contexto atual de exigentes desafios sociopolíticos, precisamos considerar como os
artistas e suas proposições podem revelar as nuances que temos em comum, buscando
mais pessoas para gerar ideias sobre como manifestar as mais diversas experiências do
mundo, como observado nas ações e projetos das plataformas citadas.
No entanto, em muitos projetos, a noção de comum emerge por meio de um diagrama
de conflitos, desigualdades e embates socioterritoriais que revelam as relações de poder
intrínsecas ao que pode ser abstratamente denominado colapso climático. Muitos artistas
da América Latina, por exemplo, têm abordado a questão da extração mineral, seus
vestígios de violência e contaminação, e a crescente devastação contra territórios e
comunidades, como visto na obra Flujos Minerales, de Alejandro Gómez Arias (Yaniz, 2023);
nas produções dos artistas peruanos Edi Hirose e Nancy La Rosa (2016); e na obra de
Ignacio Acosta, onde se desenvolve a ideia de arqueologia do sacrifício
(http://ignacioacosta.com/archaeolgy-of-sacrifice). O trabalho de Paula Serafini (2022)
oferece um panorama de obras de arte e empreendimentos artísticos na Argentina e em
outras partes da América Latina que têm respondido ao avanço do extrativismo na região.
Para o autor, tais obras apresentam imagens de um conflito de mundos entre diversos
modos de vida e sistemas ontológicos.
Marisol de la Cadena, examinando conflitos socioterritoriais em contextos latino-
americanos, chama a atenção para o fato de que
aqueles que se opõem à transformação da natureza universal em recursos [são
percebidos como] opositores à possibilidade do bem comum como missão do
Estado-nação e, portanto, são inimigos do Estado, merecendo, no mínimo, a
prisão (De La Cadena, 2018, p.105).
Tais conflitos tornam visível o que a antropóloga chama de “uma guerra contra
aqueles que se opõem à tradução da natureza em recursos” (De la Caldena, 2018, p.107).
Isso também dá origem à crítica emergente da noção de comum, que em alguns
contextos pode implicar um mundo (um rio, uma floresta, uma montanha, um território
inteiro) como um território compartilhado já dado como certo, frequentemente traduzido
como recursos naturais disponíveis para apropriação e administração por governos
nacionais (Moraes, 2021). Nesses casos, “o comum emerge ao custo de subordinar um
conjunto de práticas por meio de uma ação que visa ‘assemelhar-se’ — isto é, uma
equivalência é proclamada (e aceita) onde, na verdade, uma divergência realmente opera”
(Blaser e De La Caldena, 2017, p.190). Práticas artísticas que abordam esses assuntos são,
entre muitos outros, 3Ecologies (https://3ecologies.org), The Center for Land Use
Interpretation (https://clui.org), TAP (Temporary Art Platform) (https://togetherwetap.art),
The Plant Studies Collaboratory (https://plantstudies.wordpress.com), LAB VERDE
(https://www.labverde.com) e Cidade Floresta (http://cidadefloresta.com.br). Essas
12 O conceito de relações de cuidado, inspirado na forma como o pensamento indígena nas Américas considera o meio
ambiente, também foi o tema da edição de 2023 da feira Artissima, realizada anualmente em Turim.