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Manguezais: modelo para uma cena ecossistêmica
Marcilene Lopes de Moura
Para citar este artigo:
MOURA, Marcilene Lopes de. Manguezais: modelo para
uma cena ecossistêmica. Urdimento Revista de
Estudos em Artes Cênicas, Florianópolis, v.3, n.56, dez.
2025.
DOI: 10.5965/1414573103562025e0101
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Marcilene Lopes de Moura
Florianópolis, v.3, n.56, p.1-15, dez. 2025
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Manguezais1: modelo2 para uma cena ecossistêmica3
Marcilene Lopes de Moura4
Resumo
Neste artigo investigou-se de que modo o teatro pode dialogar com o atual contexto de
crises socioecológicas, oferecendo reflexões que possam fundamentar práticas artísticas
voltadas à ampliação dos modos relacionais e à proposição de novas formas de sensibilidade.
Para isso, foi proposta uma metodologia sistêmica como condição de possibilidade à criação
de cenas ecossistêmicas. Apresentou-se a modelagem teatral de sistemas complexos
naturais, como o ecossistema dos manguezais, como estratégia de sensibilização frente à
crise ecológica. Algumas considerações sobre esse pressuposto foram elaboradas a partir
dos ateliês ministrados pela autora.
Palavras-chave: Manguezais. Modelagem. Cenas teatrais ecossistêmicas.
Mangroves: a model for an ecosystemic scene
Abstract
This article investigated how theatre can engage with the current context of socio-ecological
crises, offering reflections that may underpin artistic practices aimed at expanding relational
modes and proposing new forms of sensibility. To this end, a systemic methodology was
proposed as a condition of possibility for the creation of ecosystemic scenes. The theatrical
modelling of natural complex systems, such as the mangrove ecosystem, was presented as
a strategy for fostering awareness of the ecological crisis. Some considerations on this
premise were developed based on the workshops conducted by the author.
Keywords: Mangroves. Modelling. Ecosystemic theatrical scenes.
Manglares: modelo para una escena ecossistêmica
Resumen
Este artículo investigó de qué modo el teatro puede dialogar con el actual contexto de crisis
socioecológicas, ofreciendo reflexiones que puedan fundamentar prácticas artísticas
orientadas a ampliar los modos relacionales y a proponer nuevas formas de sensibilidad.
Para ello, se propuso una metodología sistémica como condición de posibilidad para la
creación de escenas ecosistémicas. Se presentó la modelización teatral de sistemas
naturales complejos, como el ecosistema de los manglares, como estrategia de
sensibilización frente a la crisis ecológica. Algunas consideraciones sobre este supuesto
fueron elaboradas a partir de los talleres impartidos por la autora.
Palabras clave: Manglares. Modelización. Escenas teatrales ecosistémicas.
1 Revisão ortográfica, gramatical e contextual do artigo realizada por Janete Maria Gheller. Graduação em Letras
Habilitação em Português e Literatura da Língua Portuguesa, pela Universidade Federal do Rio Grande do
Sul Caxias, sob o registro 194.467 do MEC. ghellerjanete@hotmail.com
2 Este artigo dialoga em 10% com minha tese de doutoramento em teatro, denominada: O processo de
criação de Enrique Diaz ou a construção de sistemas nebulosos (flous). Universidade Federal do Estado do
Rio de Janeiro; Université Sorbonne Paris Cité. Sob orientação de: Ana Maria de Bulhões-Carvalho e Josette
Fèral, 2017.
3 A autora realiza pesquisa de pós-doutorado na Universidade Federal do Rio de Janeiro, com financiamento da
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro - FAPERJ.
4 Livre-docência pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Pós-doutorado na Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Doutorado em Artes Cênicas pela UNIRIO com período co-tutela/sanduiche
em Université Sordonne Nouvelle Paris 3 Paris/Franca. Mestrado em Artes Cênicas pela UNIRIO. Graduação
Bacharelado em Artes Cênicas pela UNIRIO. Pesquisadora, artista e professora.
marcelamouramm@gmail.com
https://lattes.cnpq.br/6635183399105654 https://orcid.org/0000-0003-3833-0403
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Considerações iniciais
Apesar de ser filha de uma professora de ciências biológicas e de me
interessar bastante por estes estudos, foi através dos conhecimentos sobre
ciência da computação que pude ter uma compreensão mais holística de alguns
aspectos da inteligência dos sistemas vivos naturais. E são as ciências biológicas
e computacionais que me inspiram, atualmente, a rever as práticas teatrais sob
outros pontos de vista. De certa forma, foram os estudos sobre robótica que
inspiraram minhas pesquisas sobre teatro e ecologia.
Ao longo de minhas formações universitárias em Ciência da Computação e
em Artes Cênicas, aprofundei estudos que me permitiram refletir sobre a aplicação
de modelagens científicas ao campo das artes. Essa proposição orientou minha
tese de doutorado, na qual busquei desenvolver metodologias voltadas ao estudo
dos processos de criação cênica. No entanto, ainda permanecem lacunas
importantes a serem exploradas, sobretudo no que se refere à possibilidade de
integrar princípios derivados dos sistemas naturais às práticas de modelagem
voltadas ao teatro. Pergunto-me em que medida os processos criativos podem se
inspirar nas modelagens do campo científico, utilizando-as como ferramentas
transdisciplinares à criação de cenas que abordem as questões ecológicas de
forma mais sensorial.
Este artigo está estruturado em três partes: inicialmente, apresento uma
discussão sobre algumas práticas teatrais voltadas às questões socioambientais,
a fim de contextualizar minha proposta transdisciplinar. Em seguida, exponho
noções gerais sobre os estudos sistêmicos e a modelagem, elaborando reflexões
acerca de possíveis ferramentas teatrais que possam contribuir à construção de
uma modelagem sistêmica. Por fim, incluo neste estudo algumas observações
sobre processos de criação, a partir de alguns ateliês de pesquisa-criação que
venho desenvolvendo ao longo de minhas investigações.
Este artigo se insere no contexto dos estudos transdisciplinares que
aproximam os campos das artes e das ciências. A crise ambiental contemporânea
e a emergência climática exigem uma mudança radical em diferentes âmbitos de
nossa experiência de vida e desafiam a maneira como consideramos a ciência.
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Isabelle Stengers (2023) aponta os perigos de as ciências manterem alianças com
os empreendimentos de dominação e extração econômica, mas acredita na
possibilidade de um outro devir da ciência na sua desaceleração e na sua
possibilidade de compartilhar e cooperar. Para ela, o que importa é a possibilidade
de criar modos relevantes de coexistência entre práticas, tanto científicas quanto
não científicas, de modo a buscar maneiras relevantes de pensar junto. Boaventura
Sousa Santos (2006) defende que a ciência deve ser utilizada como ferramenta de
resistência, devendo se abrir a uma ecologia do conhecimento. Isso requer um
diálogo com outras formas de conhecimento, numa perspectiva multiescala a fim
de superar a lógica da produtividade.
A opção pela transdisciplinaridade implica mudanças paradigmáticas e
convida à abertura para zonas intersticiais e imprecisas, que não são acessíveis
aos fechamentos disciplinares. Ela nos convida a observar a nossa interação com
o objeto de estudo e a religar os saberes disciplinares. Krenak, em Ideias para adiar
o fim do mundo, denuncia a separação moderna entre humanidade e Terra,
sustentando que o planeta não é uma coisa, mas sim um organismo vivo e que a
arte deve ser entendida como gesto de comunhão com essa totalidade. Seu
pensamento se alinha com uma crítica epistemológica ao paradigma moderno que
dissocia natureza, cultura e arte, apontando em direção a uma apreensão holística
e transdisciplinar do mundo.
Para a elaboração deste artigo, parto da compreensão de que os dispositivos
e artefatos técnicos, além de suas funções práticas, organizam esquemas de
percepção e de pensamento, possibilitando novos modos de apreender o mundo.
Para Gilbert Simondon (1958), os objetos técnicos são organismos em processo
que evoluem e se transformam em conjunto com as formas de individuação
humana e coletiva. Essa perspectiva encontra eco nos estudos de Bruno Latour
(1991), para quem ciência e técnica não imitam o real, mas o constituem como
uma rede de híbridos, borrando distinções rígidas entre o natural e o artificial. De
modo ainda mais radical, Donna Haraway (1991) mostra que a tecnologia não é
apenas uma forma de mediação, mas que ela também cria zonas de hibridismo,
nas quais humano, máquina e natureza se tornam inseparáveis. Simondon (1958)
propõe a reintegração dos objetos técnicos à cultura e evidencia a relação
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profunda destes objetos com a natureza. Para o filósofo, em vez de simplesmente
imitar a natureza, a técnica modela e organiza essas forças naturais, criando o que
ele chama de meio associado.
É nesse horizonte que se situa este artigo. Acredita-se que a modelagem
teatral dos sistemas ecológicos complexos, como os manguezais, fomenta
práticas teatrais transdisciplinares, promove novas ferramentas estéticas aptas a
lidar com os fenômenos ecológicos, visando a uma sensibilização a estas
questões. Ao abordar o termo ecologia, situo-o em um contexto sistêmico, que
compreende o estudo das interações entre os organismos vivos e o meio em que
se inserem, bem como da organização desses organismos entre si, em condições
naturais ou modificadas pelas ações antrópicas, conforme definido por Pichod-
Viale, Frontier, Leprêtre, Davoult e Luczak (2008). Segundo estes estudos, algumas
espécies interagem de forma indireta, através de outras espécies que servem de
intermediárias. Chega-se, assim, a uma ecologia que não se centra nas espécies,
mas sim em conjuntos de espécies, chamada de ecossistema. Numa perspectiva
evolutiva, os autores mostram que os ecossistemas não tendem à estabilidade
recíproca, mas sim a uma evolução constante, condição para a sua sobrevivência.
Dentre os vários ecossistemas naturais, optei por modelizar os ecossistemas
dos manguezais por considerá-los como modelo de redes colaborativas e de
inteligência adaptativa, modificando sua estrutura e seu funcionamento para
responder às variações ambientais. Os manguezais são um bom exemplo de
inteligência sistêmica e de resiliência frente às perturbações e mudanças
climáticas. Acredito que eles possam servir de inspiração à modelagem de cenas
artísticas que possam se apresentar como objetos técnicos colaborativos à
emergência de novas sensibilidades e novas relações cognitivas e ontológicas.
Contextualizações artísticas
Atualmente, em vários estudos é proposta a discussão dos potenciais
ecológicos do teatro, apontando caminhos diversos. Monteiro (2016) discute a ideia
de Cena Expandida na contemporaneidade, propondo ultrapassar os limites
tradicionais do teatro por meio de sua convergência com outras linguagens,
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tecnologias e modos híbridos de atuação e recepção. Nesse sentido, sua
abordagem sugere, também, a ampliação da noção de ecologia no teatro,
entendida não apenas como paisagem ou natureza externa, mas como modos de
existência, vulnerabilidades e formas de resistência. Segundo Lavery and Finburgh
(2015), a estética do absurdo pode ser reconfigurada a partir de uma perspectiva
ecológica, à medida que os objetos são elevados ao status de entidades cênicas,
passando a ocupar o mesmo patamar que os humanos. Kershaw (2007) propõe
que o teatro possui uma ecologia própria, formada por relações dinâmicas e
interdependentes entre atores, público, espaço e contexto cultural. Segundo ele,
as performances artísticas têm o potencial de influenciar percepções e
comportamentos em relação ao meio ambiente, funcionando como eventos
efêmeros que deixam marcas duradouras na consciência social. Dessa forma,
Kershaw defende uma abordagem crítica no teatro, que considere não apenas as
interações internas da cena, mas também seu impacto ecológico e social,
estimulando uma reflexão sobre a relação entre cultura, natureza e práticas
performativas.
Conforme observa Julie Sermon (2021), os artistas da cena procuram
responder à urgência ecológica e integrar uma perspectiva ecológica em seus
trabalhos, seja por meio das narrativas que constroem, das relações que
estabelecem em cena, da configuração de espaços-tempos sensíveis ou da
proposição de experiências intimistas e coletivas. Ela identifica três vias pelas
quais os artistas da cena buscam responder à urgência ecológica.
A primeira via é voltada às questões temáticas, ou seja, as mensagens que
são transmitidas, o tipo de agentes, situações e ambientes que são apresentados.
Neste campo temático, são inseridos tanto as práticas teatrais com viés
pedagógico e documental, cujo objetivo é fazer circular saberes e informações
sobre as questões ambientais, quanto uma perspectiva crítica e militante que visa
interpelar os espectadores a se responsabilizarem e agir, como os espetáculos
Altamira 2042 e Tapajós da artista Gabriela Carneiro da Cunha. Ou seja: uma
inserção explícita de uma problemática ecológica nas condições performativas,
usando o teatro não apenas para representar, mas para refletir sobre um impacto
real. Nessa perspectiva temática, incluem-se, também, as ficções que
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descentralizam as narrativas humanas, valorizando as relações com os não
humanos, com os espaços e com as paisagens onde essas narrativas se
desenrolam, como se observa nos espetáculos de Philippe Quesne e da equipe do
Vivarium Studio, tais como Big Bang (2010), Swamp Club (2013) e La nuit des taupes
(2017).
Outra via está voltada à incorporação de uma perspectiva ecológica na
concepção, produção e difusão dos espetáculos. Esta conscientização passa pela
escolha dos materiais, ou seja, pela escolha de materiais perecíveis, pesados ou
leves, brutos ou transformados, tóxicos ou inofensivos.
Uma terceira via é apontada por Sermon (2021), como sendo aquela das
práticas que instauram novas relações com o espaço e o tempo, descentralizando
o ponto de vista humano e instituindo novas formas de pensamento, de relações
e afetos em sintonia com as questões ecológicas. Dentro dessa categoria, Sermon
inclui os estudos de Bonnie Marranca (1996) sobre as práticas que exploram as
qualidades da imaginação para criar outros mundos possíveis, como as peças
paisagens de Gertrude Stein, que Marranca considera um teatro fundado sobre
variações contínuas, simultâneas e relacionais. Essa mudança de um paradigma
temporal (o enredo) para um paradigma espacial (a paisagem) traz consequências,
como a tendência a desfocar o olhar, isto é, o olhar e a escuta do espectador se
tornam flutuantes, e sua atenção desloca-se entre os diferentes elementos
oferecidos à percepção. Os espetáculos de Robert Wilson estão inseridos nessa
categoria, pois não procuram imitar a natureza, mas sim criar mundos alternativos,
nos quais se desenvolve uma multiplicidade de linguagens.
De certa forma, podemos incluir as práticas teatrais pós-dramáticas nesta
categoria, pois, segundo Hans-Thies Lehmann, elas deslocam a centralidade
narrativa da ação dramática às formas performativas múltiplas, interdisciplinares,
espaciais e sensoriais. Segundo Marranca (1996), este deslocamento favorece uma
dramaturgia ecológica, onde imagens, manipulações espaciais e temporais
emergem como entidades autônomas que desafiam o antropocentrismo. A
desaceleração, a sobreposição de ritmos múltiplos e a suspensão narrativa linear
criam uma experiência temporal que nos liga a processos naturais.
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Acredito que as modelagens teatrais propostas neste estudo se inserem
nessa terceira categoria identificada por Sermon, na medida em que se
fundamentam na criação de estruturas e funcionalidades cênicas inspiradas nos
processos naturais. A hipótese da modelagem apresentada neste estudo visa
fomentar uma estética inspirada nos fenômenos naturais, a fim de provocar uma
recepção mais sensorial e orgânica. Nesse sentido, a encenação não se limita à
representação, mas se configura como uma performatividade ecológica, na qual
as interações cênicas evocam relações entre organismos, espaços e processos
naturais. Tal abordagem propõe um campo transdisciplinar de experiência,
mobilizando saberes artísticos e científicos para sensibilizar o público às
complexidades dos ecossistemas.
Configurações sistêmicas e modelagens
Pode-se perceber os reflexos de um pensamento sistêmico nos estudos de
vários filósofos no decorrer dos séculos, como Heráclito, Epicuro, Leonardo da
Vinci, Pascal, Nietzche e Feyerabend, entre outros. As descobertas tecno-
científicas do século XX, como o desenvolvimento dos computadores e as
descobertas da física quântica, contribuíram para o ressurgimento do pensamento
sistêmico em diversas áreas (Moura, 2017). Através destas pesquisas, abriu-se
caminho para as formas contemporâneas do pensamento sistêmico, como os
trabalhos de Bertalanffy, Le Moigne, Capra, Morin, Deleuze, Guattari, Maturama et
Varela e, mais recentemente, nos estudos de Stengers, Haraway, Despret, Bennet,
Latour e Barad, ou seja, nos estudos contemporâneos sobre os ecossistemas
naturais e sociais.
Segundo (Moura, 2017), o pensamento sistêmico pode ser percebido,
atualmente, sob a forma de uma ciência dos sistemas, uma tecnologia dos
sistemas ou uma filosofia sistêmica. No âmbito da ciência dos sistemas, costuma-
se estudar um sistema numa área específica para fazer sua transposição a outra
área de estudo a fim de compreender um fenômeno semelhante. Costuma-se,
também, elaborar um conjunto de princípios que podem servir como parâmetro
para o estudo de diversos sistemas. A tecnologia de sistemas consiste na
elaboração de métodos de concepção, desenvolvimento e análise de sistemas
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informatizados. Inclui-se, ainda, o desenvolvimento de softwares voltados à
resolução de problemas complexos que envolvem múltiplas variáveis inter-
relacionadas. A filosofia associada ao pensamento sistêmico complementa o
paradigma analítico, mecanicista e monocausal da ciência clássica.
No campo das artes, em 1968, o artista e crítico Jack Burnham teoriza o que
ele chama de Estética do Sistema. Influenciado pelo conceito de sistema,
desenvolvido pelo biólogo Ludwing Von Bertalanffly e outros pensadores
sistêmicos da época como Shannon, Wiener e Forrester, Jack Burnham propõe
uma estética do sistema no seu ensaio System Esthetics, publicado na revista Art-
forum (1968). Ele emprega o termo sistema como uma ferramenta teórica propícia
para abordar os movimentos de contracultura de sua época, como a performance-
art, os happenings, as obras cinéticas e luminosas, para apreender a transição de
uma cultura voltada ao objeto para uma cultura voltada aos sistemas. Para
Burnham, estas práticas artísticas numa perspectiva relacional, devem ser vistas
como ambientes, processos e ações. Ele preconiza o surgimento de uma arte
ciborgue que ultrapassa a imitação mecânica do movimento dos autômatos, para
alcançar a imprevisibilidade das interações de um organismo complexo. Para
Burnham (2015), o artista é um perspectivista que considera os objetivos, as
fronteiras, a estrutura, a recepção e a produção da obra.
No âmbito do teatro, as alusões diretas aos estudos sistêmicos ainda não são
profusas. Destacamos as reflexões de Chantal Hebert e Perelli - Contos (1997)
sobre o teatro de Robert Lepage, inspiradas pela teoria da complexidade
desenvolvida por Edgar Morin no campo da sociologia; os estudos de Roger
Chamberland (1997) sobre o corpo no teatro, inspirado pela teoria do caos e as
pesquisas do artista fractalista Jean Claude Chirollet (2005) sobre o tempo caótico
e a complexidade fractal na obra Arcadia de Tom Stoppard.
A teoria sistêmica tem como foco a inteligibilidade do comportamento do
sistema, que deve ser modelado para ser compreendido. Ela utiliza a noção de
sistema como uma ferramenta para representar realidades e permitir uma
reflexão sobre aspectos destas realidades. A modelagem sistêmica é a principal
ferramenta que permite representar e conhecer um sistema considerado
complexo. Um sistema é um conjunto organizado de componentes ou entidades
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– em interação. A entidade pode ser um indivíduo, um objeto concreto, um objeto
simbólico ou um conjunto de componentes identificáveis num determinado
domínio funcional (Moura, 2017). O sistema se configura de acordo com a dinâmica
das interações entre suas entidades e entre estas e o sistema, o qual, por sua vez,
tende a ser aberto às interações com seu ambiente. O grau de abertura do sistema
ao seu ambiente, a quantidade e a simultaneidade das interações entre suas
entidades e o tipo de organização do sistema fazem variar o seu grau de
complexidade (Moura, 2017).
A modelagem é a base de uma abordagem sistêmica contemporânea e a
principal ferramenta que possibilita a compreensão de sistemas muito complexos.
Um sistema complicado deve ser decomposto e simplificado para descobrirmos
sua inteligibilidade, isto é, para darmos uma explicação sobre ele. Já, um sistema
complexo não pode ser decomposto. Devemos modelá-lo para construirmos sua
inteligibilidade, ou melhor, devemos construir um modelo do sistema para melhor
compreendê-lo. A complexidade de um sistema faz com que as mudanças
sofridas por ele sejam impossíveis de serem previstas com antecedência. é
possível modelá-lo e, em seguida, estudar sua evolução e compreender o seu
desenvolvimento em situações específicas, através da simulação do modelo
construído (Moura, 2017).
Portanto, a modelagem sistêmica proposta neste estudo, consiste na
construção de um modelo (analogia) do ecossistema dos manguezais, visando a
sua encenação. Esta modelagem pressupõe um conhecimento prévio dos
manguezais. É importante evidenciar que a modelagem sistêmica implica
liberdade criativa do modelador, que escolhe os pontos de vista sobre os quais vai
apoiar suas hipóteses, na condição de que elas sejam explicadas e validadas com
certo rigor. A modelagem resulta de um jogo de interação entre o modelador e o
sistema estudado. Segundo Jean Louis Le Moigne (1990), toda modelagem traz
uma relação implícita ou explicita com as intenções do modelador.
Ferramentas teatrais para a modelagem dos manguezais
Tive a oportunidade de realizar alguns ateliês de pesquisa-criação visando à
modelagem cênica dos ecossistemas dos manguezais. Estes ateliês, nomeados
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“Ecossistemas Teatrais Inteligência dos Manguezais”, foram realizados em
contextos universitários, em galerias e centros de arte de várias cidades e países,
como Rio de Janeiro, Lisboa e Angers. Tratava-se de ateliês curtos, com duração
que variava entre 4 a 8 horas, contando com professores, estudantes e artistas.
Estas experiências fizeram parte de uma primeira fase de meu projeto de pós-
doutorado na Universidade Federal do Rio de Janeiro, no qual está previsto uma
segunda fase de reflexões e produções teóricas.
Segundo os sistemistas Donnadieu e Karsky (2002), a analogia é uma das
ferramentas para modelar um sistema. Em minhas experiências, optei pela
analogia por homomorfismo, quero dizer, o estabelecimento de uma
correspondência subjetiva entre alguns traços escolhidos no ecossistema dos
manguezais e os modelos construídos nas improvisações realizadas nos ateliês de
pesquisa-criação. Graças aos estudos sobre o ecossistema dos manguezais, foi
possível criar modelos reduzidos, cada um constituindo um homomorfismo de um
aspecto determinado dos manguezais, o que permitiu a criação de cenas que
apresentavam alguns aspectos do comportamento desse sistema complexo.
O grande desafio encontrado para a modelagem teatral dos manguezais foi a
escolha do ponto de vista, levando em conta a abrangência, heterogeneidade e
complexidade encontradas. O ecossistema dos manguezais integra informações
provenientes do seu ambiente (salinidade, nível das marés, oxigenação do solo) e
mobilizam mecanismos específicos, como raízes aéreas para absorver oxigênio ou
excreção de sal para sobreviver em águas salgadas. Os manguezais são capazes
de interagir com as marés e os aportes fluviais e de se reorganizar após
perturbações como inundações. As margens são zonas dinâmicas e produtivas
onde se trocam matéria e energia e onde se estabelecem relações cooperativas e
competitivas entre certos elementos de um sistema e entre sistemas. Diante desta
complexidade, decidi investigar, principalmente, formas de interação distintas da
intervenção antrópica sobre a biosfera. Embora o ser humano seja parte integrante
dos ecossistemas, sua atuação difere da dos demais organismos por ser orientada
por finalidades e racionalidades, manifestar planejamento e operar em larga
escala, gerando efeitos cumulativos com impacto sistêmico sobre a biosfera. Nas
improvisações, busquei explorar outros modos de interação no contexto cênico,
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inspirados em dinâmicas ecológicas observáveis na ecologia dos manguezais,
como as interações tróficas, como a predação e parasitismo e não tróficas, como
a simbiose, foresia, inibição, facilitação e agregação.
Outro desafio foi a escolha das ferramentas teatrais que possibilitassem a
produção de comportamentos complexos observados nesse ecossistema. Optei
pelo uso de técnicas oriundas do teatro-dança, como os Viewpoints, desenvolvidos
por Anne Bogart e Tina Landaw (2005), bem como pela utilização de conceitos,
jogos e algoritmos que possibilitam a emergência de comportamentos complexos
como as retroações, as recursividades das construções em abismo, as
emergências caóticas e as auto-organizações.
A técnica dos Viewpoints, amplamente utilizada na criação cênica
contemporânea, serviu como dispositivo para aguçar a atenção e a escuta coletiva,
qualificando a percepção espacial e temporal, assim como a responsividade entre
as corporalidades durante as fases iniciais do aquecimento, afastando os
participantes da tentação da racionalização. Anne Bogart e Tina Landau (2005)
falam da técnica Viewpoints como um processo aberto, ao invés de uma
metodologia fechada. Elas definem os Viewpoints como sendo uma filosofia
traduzida em uma técnica para treinamento de performers e à criação coletiva de
movimentos para a cena. Anne Bogart encontra Mary Overlie na Universidade de
Nova York em 1979 e conhece o seu método THE SSTEMS, os seis pontos de vista
à improvisação em dança e teatro. Mais tarde, Bogart conhece Tina Landau e as
duas expandiram os seis Viewpoints de Overlie por nove Viewpoints físicos
(Relação espacial, Resposta Cinestésica, Forma, Gesto, Repetição, Arquitetura,
Andamento, Duração e Topografia) e cinco Viewpoints vocais ( Altura, Dinâmica,
Aceleração e Desaceleração, Silêncio e Timbre).
Alguns aspectos dessa técnica que mais contribuíram para a criação da
modelagem cênica foram o uso da visão periférica, a não hierarquização do campo
de visão dos artistas, a ativação de todo o sistema perceptivo, a atenção ao espaço
circundante, a experimentação de diversas temporalidades e a ativação das
respostas cinestésicas, de modo a ampliar a atenção aos outros corpos, aos
objetos e aos fenômenos físicos como luz, texturas e temperaturas. As
improvisações com estas técnicas permitiram a intensificação da presença dos
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artistas, a conexão com o coletivo e a não racionalização das decisões. (dar
exemplo)
Alguns comportamentos observados em sistemas complexos naturais,
também, puderam ser experimentados em cena graças à utilização de regras
aplicadas nos jogos como, por exemplo, os jogos da vida. O jogo da vida é um tipo
de autômato celular, um sistema artificial dinâmico e complexo, que é uma
ferramenta importante para o estudo dos sistemas complexos da natureza. Um
autômato celular é um modelo computacional, geralmente implementado em
linguagens como Python ou C++, composto por pequenas máquinas idênticas
chamadas células, que assumem diferentes estados conforme os estados das
vizinhas, seguindo um conjunto de regras predefinidas. Embora as regras iniciais
sejam muito simples, elas podem gerar comportamentos imprevisíveis e
complexos, como o canto das cigarras, a bioluminescência dos vagalumes e os
padrões de voo de bandos de aves, caracterizados por sincronização e ritmicidade
coletivas. Os autômatos celulares são modelos matemáticos adequados para
estudar a emergência. O conceito de emergência é a capacidade dos sistemas
complexos de gerar comportamentos ou propriedades que não podem ser
reduzidos às propriedades dos elementos individuais. Melhor dizendo, o todo vale
mais do que a soma das suas partes. Na criação cênica, esse conceito permitiu
experimentar comportamentos complexos emergentes, estruturando interações
entre performers, objetos e elementos espaciais, de modo que dinâmicas coletivas
e não lineares surgissem a partir de regras simples em analogia aos sistemas
naturais complexos estudados na modelagem ecológica. Por exemplo, foi proposto
aos participantes que se movimentassem no espaço, fazendo uso do repertório
comum, constituído no início dos trabalhos, estando atentos aos Viewpoints de
tempo e espaço e fazendo uso das dinâmicas dos elementos terra, água e ar. Em
dado momento, devia-se escolher duas pessoas, sem que elas soubessem e se
devia manter uma equidistância delas. Devia-se repetir o repertório de uma delas.
Este simples exercício promovia uma dinâmica de ressonâncias e alternâncias de
diferentes agregados de gestos, como ondas sequenciais. Para elaborar os
protocolos de improvisação utilizados nos ateliês, inspirei-me, ainda, em outros
tipos de modelagem, como a modelagem baseada em agentes, que estuda as
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interações entre indivíduos e ambiente e a modelagem de estado-espaço,
empregada na análise de séries temporais ecológicas. Essas referências
orientaram a construção de dispositivos cênicos complexos.
Não cabe, aqui, uma descrição analítica de todos os processos de cada
modelagem realizada e a exposição pormenorizada das reflexões. O intuito neste
artigo é chamar a atenção à necessidade de estarmos abertos a novas alianças
transdisciplinares, de modo a ampliar as condições de possibilidade e a oferta de
ferramentas à criação de cenas teatrais que despertem novas formas de recepção
e sensibilização às dinâmicas dos ecossistemas.
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Recebido em: 20/09/2025
Aprovado em: 11/11/2025
Universidade do Estado de Santa Catarina
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