
Revista Íntima
Direção: Vicente Concílio
Florianópolis, v.4, n.53, p.1-31, dez. 2024
Do texto para a cena, outras camadas de sentido foram sendo sobrepostas. Do
trabalho das atrizes à proposta de encenação, nosso desejo é que a cena mobilize
um debate cada vez mais necessário sobre o encarceramento. Sobretudo em
relação ao racismo que ele promove.
Para nós que acreditamos que o teatro ganha relevância quando move questões
de nosso tempo, essa peça é parte de nosso manifesto pelo desencarceramento.
Agimos fora dos muros com o desejo real de que as celas desapareçam.
Afonso Nilson, dramaturgo
A Justiça, muitas vezes, é repleta de injustiças. Mães e esposas que são forçadas
a se submeter a revistas invasivas, horários restritivos e condições humilhantes
para acompanhar seus familiares estão sendo também punidas. Não se reeduca
uma pessoa inserindo-a forçadamente a privações sanitárias e alimentícias, à
insegurança e ameaças de violências constantes. O medo e a privação não
corrigem ninguém, geram apenas mais violência e enaltecem a vingança e a tortura
institucionalizadas como método.
Nesse contexto, as personagens de Revista Íntima, sua cumplicidade em
sofrimentos que as conectam, traçam talvez uma pequena esperança que surge
sempre que alguém se comove com a dor alheia. Uma mãe sem poder ajudar a
filha aprisionada, e uma filha sem poder ajudar a mãe doente, tendem, de algum
modo, a partir das dores que as unem, a sugerir que mesmo nas circunstâncias
mais severas e degradantes é possível vislumbrar uma fresta, um pequeno espaço
para condescendência, para o altruísmo ou para a esperança de uma sociedade
menos insensível, cruel e desumana.
Pensar que esse texto ganha agora a leitura de um diretor teatral como Vicente
Concílio, que tem o sistema carcerário brasileiro como objeto de estudo, e de
atrizes com uma trajetória tão contundente como Milena Moraes e Drica Santos,
não apenas me enche de orgulho como autor, mas me faz crer que o teatro
continua sendo voz e força que conecta pessoas para repensar um mundo cada
vez mais carente de diálogo.