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Ensaio Fotográfico de Espetáculos
Revista Íntima
Direção
: Vicente Concílio
La Vaca Companhia de Artes Cênicas
Foto
: Caio Cezar
DOI: 10.5965/1414573104532024e1000
Revista Íntima
Direção: Vicente Concílio
Florianópolis, v.4, n.53, p.1-31, dez. 2024
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La Vaca Companhia de Artes Cênicas
Drica Santos Milena Moraes
REVISTA ÍNTIMA
de Afonso Nilson
direção Vicente Concilio
Temporada de estreia
24, 25 e 26 de outubro 2024
Teatro Carmen Fossari (UFSC)
Rua Des. Vítor Lima, 117
Trindade, Florianópolis/SC
Sinopse
Dos sucessivos confrontos entre a mãe de uma mulher cumprindo pena de
privação de liberdade e uma policial penal, nasce uma relação complexa, que
revela as consequências do encarceramento para quem está do lado de fora dos
muros.
La Vaca Companhia de Artes Cênicas
Em 2024, La Vaca Companhia de Artes Cênicas celebra 16 anos de trabalho. Desde
sua origem, a companhia se destaca pelo desenvolvimento de processos criativos
singulares, que resultam em espetáculos comprometidos com discussões
urgentes para a sociedade brasileira.
Em sua nova montagem a companhia volta-se para a realidade prisional brasileira
e se propõe a investigar de que forma o teatro pode infiltrar-se através dos muros
da prisão, penetrando camadas invisíveis que separam a realidade das mulheres
encarceradas dos olhos da sociedade e, consequentemente, do debate público.
Revista Íntima
é uma obra escrita por Afonso Nilson para duas atrizes, que aborda
os efeitos da prisão nas vidas atingidas, direta ou indiretamente, pelo processo de
encarceramento em massa que transforma o Brasil no país com a maior
população prisional do mundo.
Revista Íntima
Direção: Vicente Concílio
Florianópolis, v.4, n.53, p.1-31, dez. 2024
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A proposta de direção opta por decisões no âmbito da representatividade do
elenco, no sentido de investigar a forma com que a questão racial impacta os
sentidos que o espetáculo pode construir para a audiência.
O processo de montagem foi compartilhado com mulheres cumprindo pena de
privação de liberdade e incluiu visitas ao Presídio Feminino de Florianópolis, nas
quais elas participaram de leituras do texto, ensaios e apresentações fechadas. O
projeto promoveu também ações públicas de caráter reflexivo, por meio de
encontros com a professora da Universidade de Michigan Ashley Lucas e com a
dramaturga Dione Carlos.
O espetáculo é resultado do projeto Infiltração: teatro e encarceramento feminino
na montagem do texto
Revista Íntima
, contemplado pelo Prêmio Elisabete Anderle
de Estímulo à Cultura 2023.
Vicente Concilio, diretor
Em 2001, eu entrei em um presídio pela primeira vez. Era a Penitenciária Feminina
do Tatuapé, uma unidade que não existe mais. Ali eu me deparei com muitos
dos absurdos que o aprisionamento concentra: as injustiças estruturais de nossa
sociedade o racismo, o machismo e o desejo de punir a pobreza. Desde então,
desenvolvo ações artísticas e pedagógicas conectadas ao universo das prisões,
sobretudo por meio de ações de pesquisa e extensão que coordeno como docente
do curso de Licenciatura em Artes Cênicas da Udesc. Agimos dentro dos muros
com o desejo real de que as celas desapareçam.
A pena de privação de liberdade, aparentemente uma solução óbvia para quem
descumpre as normas da sociedade, é uma estrutura que gasta de forma
equivocada nossos impostos, fortalecendo o crime organizado e direcionando o
foco da punição para a população periférica.
Encenar
Revista Íntima
é uma estratégia de trazer essas reflexões para quem está
do lado de fora dos muros. O texto é o confronto entre uma policial penal e a mãe
de uma mulher que cumpre pena de privação de liberdade. A revista íntima é
um pedaço das humilhações a maior delas é que familiares também cumprem
pena, acompanhando à distância a inutilidade da prisão.
Revista Íntima
Direção: Vicente Concílio
Florianópolis, v.4, n.53, p.1-31, dez. 2024
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Do texto para a cena, outras camadas de sentido foram sendo sobrepostas. Do
trabalho das atrizes à proposta de encenação, nosso desejo é que a cena mobilize
um debate cada vez mais necessário sobre o encarceramento. Sobretudo em
relação ao racismo que ele promove.
Para nós que acreditamos que o teatro ganha relevância quando move questões
de nosso tempo, essa peça é parte de nosso manifesto pelo desencarceramento.
Agimos fora dos muros com o desejo real de que as celas desapareçam.
Afonso Nilson, dramaturgo
A Justiça, muitas vezes, é repleta de injustiças. Mães e esposas que são forçadas
a se submeter a revistas invasivas, horários restritivos e condições humilhantes
para acompanhar seus familiares estão sendo também punidas. Não se reeduca
uma pessoa inserindo-a forçadamente a privações sanitárias e alimentícias, à
insegurança e ameaças de violências constantes. O medo e a privação não
corrigem ninguém, geram apenas mais violência e enaltecem a vingança e a tortura
institucionalizadas como método.
Nesse contexto, as personagens de Revista Íntima, sua cumplicidade em
sofrimentos que as conectam, traçam talvez uma pequena esperança que surge
sempre que alguém se comove com a dor alheia. Uma mãe sem poder ajudar a
filha aprisionada, e uma filha sem poder ajudar a mãe doente, tendem, de algum
modo, a partir das dores que as unem, a sugerir que mesmo nas circunstâncias
mais severas e degradantes é possível vislumbrar uma fresta, um pequeno espaço
para condescendência, para o altruísmo ou para a esperança de uma sociedade
menos insensível, cruel e desumana.
Pensar que esse texto ganha agora a leitura de um diretor teatral como Vicente
Concílio, que tem o sistema carcerário brasileiro como objeto de estudo, e de
atrizes com uma trajetória tão contundente como Milena Moraes e Drica Santos,
não apenas me enche de orgulho como autor, mas me faz crer que o teatro
continua sendo voz e força que conecta pessoas para repensar um mundo cada
vez mais carente de diálogo.
Revista Íntima
Direção: Vicente Concílio
Florianópolis, v.4, n.53, p.1-31, dez. 2024
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Milena Moraes, atriz
Em
Revista Íntima
sou atravessada pela minha experiência como mãe de duas
Foto: Caio Cezar meninas negras. A maternidade vem me entregando o que há de
pior e de melhor em mim, me faz reencontrar sombras que pensava tivessem
ganhado a luz. Ser mãe também me um sentimento de alegria e orgulho
superlativo pelas minhas crias e disposição para enfrentar sistemas, e é inevitável
acessar tudo isso no meu processo de criação. A força da mãe que não tem
permissão de desistir me comove.
A montagem invoca o lugar de mãe, de filha e de cuidadora. São papéis que
assumo na vida e que, em cena, revezo com minha parceira Drica Santos. Estar ao
lado de Drica, mulher negra com quem compartilho experiências a partir do meu
lugar radicalmente diferente de mulher branca, me convoca a pensar em como
nossas trajetórias se cruzam e se distanciam justamente por esses marcadores
sociais.
Onde nós, pessoas brancas, encontramos a autorização para enfrentar uma
pessoa negra em posição de poder, como se esta fosse subalterna? O que faz com
que uma pessoa negra em posição de poder mantenha a calma diante da
provocação de uma pessoa branca? Questões como estas estão presentes na
encenação e fazem com que criemos 4 personagens distintas, mas que se
reconhecem aprisionadas: você é tão coitada como minha filha, e eu, e todas essas
mulheres que você humilha, diz Margarida quando declara ter mais pena que ódio
de Salete.
O encarceramento borra as individualidades das mulheres, transformando-as em
uma massa gris e uniforme, mas o cinza não é capaz de cobrir a cor da pele. Esta
é a diferença que resta, a marca que define quem é mais punida.
Como atriz, me coloco à disposição para a conversa necessária sobre quais corpos
ocupam o centro e quais são afastados para as margens, e para pensarmos juntas
sobre um futuro onde a punição não seja o principal ponto de encontro entre mães
e filhas.
Revista Íntima
Direção: Vicente Concílio
Florianópolis, v.4, n.53, p.1-31, dez. 2024
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Drica Santos, atriz
Sinto-me honrada em fazer parte como atriz deste processo que trouxe
descobertas e desafios. Criar Margarida e Salete trouxe implicações poéticas e
éticas para mim enquanto atriz negra.
No doutorado, eu refleti sobre este lugar do negra vir antes da atriz devido às
relações sociais operadas pelo racismo, e discuti o neologismo negratriz em
processos criativos. Neste projeto, pude desenvolver essas reflexões ao me
deparar com a complexidade dos atravessamentos e discursos que aparecem nas
falas de ambas as personagens, pois uma atriz negra falando determinado texto
não é o mesmo que uma atriz branca cunhando esta mesma fala.
Em alguns momentos, foi (ainda é) penoso sair de minha boca certos discursos da
personagem Salete, por exemplo. Este foi um dos meus desafios como
atriz. Como abordar a personagem sem reforçar estereótipos que envolvem as
contradições de ser uma policial penal negra? E assim fomos caminhando nesta
complexidade tecida pelas tensas relações étnico-raciais que, infelizmente, ainda
permeiam nossos contextos.
Durante o processo de criação/relação com as personagens, buscamos fugir do
maniqueísmo e abordar nosso trabalho como forma de explicitar esta
complexidade que tangencia a vida de mulheres (em suas diversidades) no
contexto prisional. Desse modo, foi inevitável que meu corpo negro trouxesse suas
potências e referências para estas personagens, suscitando uma reflexão sobre o
casamento sórdido entre o cárcere e o racismo.
Renato Turnes, Interlocução Artística
Meu trabalho na montagem de Revista Íntima foi o de estimular diálogos criativos
e provocar reflexões sobre as escolhas do grupo no campo da estética do
espetáculo.
Presenciei o desenvolvimento do jogo entre as atrizes a partir da investigação
autônoma do texto e a apropriação, por parte delas, do desafiante dispositivo de
Revista Íntima
Direção: Vicente Concílio
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representação proposto pela direção. Esse dispositivo, a meu ver, é singular em
sua potência, pois na aparente simplicidade da repetição e inversão de
personagens habita um sentido profundo da ação teatral: denunciar
aprisionamentos do imaginário.
Todos os outros elementos constituintes da cena se organizaram ao redor desse
dispositivo central. A opção pelo projetor como fonte principal de iluminação e os
ângulos retos e duros resultantes. A trilha sonora metálica e dissonante. A
manipulação dos poucos elementos cenográficos, sínteses da paisagem narrativa
do texto. Os figurinos monocromáticos que simbolizam lugares de poder e de não
poder nada. As invasões pontuais do real na forma de som e imagem projetada.
Tudo que é visto, ouvido e sentido em cena é resultado do compromisso com a
presença dos corpos das atrizes. Tudo que fizemos foi em atenção aos sentidos
que esses corpos carregam no simples feito de existirem. Desses corpos agindo
surge o teatro. Onde termina a atriz e começa a personagem? Essa é talvez a
pergunta mais antiga do nosso ofício. Não canso de me assombrar com esse
movimento misterioso. algo de ritual em despir-se de tudo, em viver uma trama
inventada e, ao mesmo tempo, contar a experiência de sua própria pele.
Ao descrever o que fizemos, eu lembro da foto de um poema árido, escrito a
carvão na parede de uma cela, que falava da dor de uma mãe.
É essa emoção estranha, algo comovente por surgir onde beleza alguma poderia
nascer, que compartilhamos agora.
Fonte: Todo material acima foi transcrito do Programa do
espetáculo:
Revista Íntima.
Revista Íntima
Direção: Vicente Concílio
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Ficha Técnica
La Vaca Companhia de Artes Cênicas apresenta
Revista Íntima
Dramaturgia: Afonso Nilson
Direção: Vicente Concilio
Atrizes: Drica Santos e Milena Moraes
Luz, som e projeções: Hedra Rockenbach
Assistência de operação: Carolina Souza Nunes
Figurinos: Karin Serafin
Confecção de figurinos: Vanilla Atelier de Arte
Interlocução Artística e Cenografia: Renato Turnes
Arte Gráfica: Lara Lodi
Fotografias projetadas: Sidinei Brzuska
Fotos: Caio Cezar, Cristiano Prim e Still Bruno Repelato
Consultoria de Acessibilidade: Thuanny Galdino e Márcia Caspary
Assistência de produção: Nataly Delacour
Produção: Milena Moraes e Renato Turnes
Produção executiva: Milena Moraes
Agradecimentos
Ashley Lucas, Cleide Cruz, Dione Carlos, Equipe do Presídio Feminino de
Florianópolis, Esteban Campanela, Jasmily Moraes Campanela, Jeniffer Moraes
Campanela, Oto Bezerra, Sandro Clemes, Thiago Soares de Calais, Zelia Sabino