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Da escrita como contrafeitiço a um manifesto
para uma escrita performativa na universidade
Ines Saber de Mello
Para citar este artigo:
MELLO, Ines Saber.
Da escrita como contrafeitiço a um
manifesto para uma escrita performativa na
universidade.
Urdimento
Revista de Estudos em Artes
Cênicas, Florianópolis, v. 4, n. 53, dez. 2024.
DOI: 10.5965/1414573104532024e118
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Da escrita como contrafeitiço a um manifesto para uma escrita performativa na universidade
Ines Saber de Mello
Florianópolis, v.4, n.53, p.1-19, dez. 2024
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Da escrita como contrafeitiço a um manifesto para uma escrita performativa na universidade1
Ines Saber de Mello2
Resumo
Esta publicação é a combinação de dois textos performativos de uma pesquisa de doutorado
em Artes Cênicas que corporam experiências e reflexões de um corpo que transita entre
linguagens, campos e fazeres, trabalha em coletivos, orienta, mentora, dança, escreve e
publica coletivamente no sul do Brasil. Partindo de uma escrita que testemunha a experiência
das práticas performativas de Renata Felinto e de Grada Kilomba para dar a ver o ruído da
ferida colonial nos corpos que vivem nessa sociedade ocidentalizada, inclusive neste que
escreve, e para mover pensamentos sobre insurgência de discursos e fazeres na academia,
tanto pelos seus temas, como pelos modos de escrita.
Palavras-chave
: Escrita Performativa. Performance. Renata Felinto. Grada Kilomba. Escrita
Acadêmica.
From writing as a counterspell to a manifesto for performative writing at university
Abstract
This publication is the combination of two performative texts from a doctoral research in
Performing Arts that embody experiences and reflections of a body that moves between
languages, fields and practices, works in collectives, guides, mentors, dances, writes and
publishes collectively in the south of Brazil. Starting from a writing that testifies to the
experience of the performative practices of Renata Felinto and Grada Kilomba to reveal the
noise of the colonial wound in the bodies that live in this Westernized society, including this
one who writes, and to move thoughts on the insurgency of discourses and practices in
academia, both through their themes and the modes of writing.
Keywords:
Performative Writing. Performance. Renata Felinto. Grada Kilomba. Academic
Writing.
De la escritura como contrahechizo a un manifiesto para la escritura performativa en la
universidad
Resumen
Esta publicación es la combinación de dos textos performativos provenientes de una
investigación doctoral en Artes Escénicas que corporan experiencias y reflexiones de un
cuerpo que se mueve entre lenguajes, campos y acciones, trabaja en colectivos, guía,
mentoriza, baila, escribe y publica colectivamente en el sur. de Brasil. A partir de una escritura
que testimonia la experiencia de las prácticas performativas de Renata Felinto y Grada
Kilomba para revelar el ruido de la herida colonial en los cuerpos que viven en esta sociedad
occidentalizada, incluido el que escribe, y para mover reflexiones sobre la insurgencia. de
discursos y acciones en la academia, tanto por sus temáticas como por sus formas de
escribir.
Palabras clave
: Escritura Performativa. Arte acción. Renata Felinto. Grada Kilomba. Escritura
Académica.
1 Revisão ortográfica, gramatical e contextual do artigo realizada por Lucianne Christina Fasolo Normândia
Moreira. Doutorado e Mestrado em Estudos Literários pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Licenciatura em Letras - Inglês pela UFPR.
2 Doutorado em Artes Cênicas e Mestrado em Teatro pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC).
Bacharelado em Dança (FAP/UNESPAR), e Licenciatura em Letras Inglesa (UFPR). Artista, educadora,
professora colaboradora do colegiado de Bacharelado em Dança da FAP/UNESPAR.
inessaber@gmail.com https://lattes.cnpq.br/1903620689236245
https://orcid.org/0000-0002-9427-9844
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OÇITIEFARTNOC OMOC ATIRCSE
àSIM. É OBRIGATÓRIA A LEITURA EM VOZ ALTA.
Segunda-feira de manhã:
Burburinho. BURBURINHO. Burburinho. PESSOAS carregando bolsas e mochilas e
UMA SACOLA DE T.N.T. vermelha estampada com “9° SPA da USP”, estão
no SAGUÃO do CAC, esperando esperando o EVENTO o evento começar
começar.
A maioria delas conversa afetuosa e des com pro missadamente, segurando
um copo de CAFÉ [ÁGUA SUCO REFRI VODKA CÓLERA PAIXÃO]
Muitas delas, famintas ou somente apenas desesperadas, atacam
os QUITUTES das mesas. Outras, em menor número, com aquela expressão
facial que denuncia o atraso, m o v e m – s e apressadamen em direção à MESA
de credenciamento do evento para também receber = um crachá e uma sacola
vermelha.
Uma música de PERCUSSÃO começa a tocar e uma MULHER vestida
toda de branco - beca (saia longa), camisa de crivo e turbante – a t r a v essa
o saguão e vai até a grama.
Carrega uma BOLSA pequena, uma ENXADA e uma PÁ, e prepara um RITUAL
fúnebre baseado numa cerimônia de Candomblé.
Assim começa COMEÇA a performance Axexê… da artista e
performer Renata Felinto.
Pessoas com sacolas VERMELHAS. A maioria delas é branca.
Quase todas elas estão usando um crachá. algumas com a mão no queixo. Um olhando
para outro lugar. um está
atrás do poste. ao fundo,
árvores.
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À frente, RENATA está vestindo branco, abaixada
CAVA UM BURACO [COVA] no gramado.
Figura 1- Renata Felinto em Axexê.
Foto: Flaviana Benjamin. 2019. Fonte: página de Instagram do SPA_USP
A artista cantando, toma seu tempo
a b r i n d o a terra.
[O público fica em volta, observando em silêncio].
Ela começa a CAVAR uma COVA e continua continua continua cavando continua
continua cantando e cavando até alcançar um pouco mais de um metro
quadrado e certa profundidade, talvez meio metro…
àVOCÊ AINDA ESTÁ LENDO EM VOZ ALTA?
Pessoas que frequentam eventos acadêmicos de Artes Cênicas sabem muito bem que, às
vezes, as palavras precisam SAIR DO PAPEL. PRECISAM SAIR PRECISAM SAIR
PRECISAM SAIR PRECISAM SAIR PRECISAM SAIR PRECISAM SAIR PRECISAM
SAIR
Até aquele momento eu nunca havia pensado que as imagens, às vezes, também PRECISAM
SAIR de fotografias e telas. PRECISAM SAIR PRECISAM SAIR PRECISAM
!
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Figura 2 - "A negra" de Tarsila do
Amaral
Em certo momento, Renata para a música e tira de uma bolsa fotografias impressas do século
XIX. São retratos antigos, em preto e branco, de mulheres negras escravizadas, segurando no
colo crianças das famílias brancas e ricas que as escravizaram. Hoje não sabemos os nomes
de muitas dessas mulheres que foram privadas de suas próprias vidas para trabalharem em
ambiente doméstico, desempenhando funções como amas de leite, cozinheiras e/ou amantes.
Renata entrega retrato por retrato a mulheres do público, em sua maioria brancas. Alguns
homens estendem a mão para receber a fotografia,
mas Renata os ignora.
Ao entregar, mostra o retrato olhando profundamente nos olhos de quem recebe. Quando ela
entregou a mim, me senti convocada a fazer parte da cerimônia.
Quando todas as fotografias estão nas mãos do público, Renata RAS -GA o primeiro
retrato, livrando a mulher de carregar a criança,
livrando-a do seu trabalho imposto.
A artista coloca na cova a mulher que esteve <<<<<<<<<presa no retrato>>>>>>>>>>>>>>
e joga terra sobre ela.
A cerimônia do Candomblé de dessacralização, homônima à performance de Renata Felinto,
permite o descanso do egun (alma) da pessoa falecida(SPA, 2019, p. 3), a liberação do
Orixá protetor do corpo da pessoa. Na performance demos descanso para mulheres que foram
privadas da
DIGNIDADE de VIVER e MORRER com seus hábitos,
ritos e crenças,
liberamos suas memórias das funções e símbolos que lhe foram impostos,
confundidos com
amor.
Nós, do público, fizemos o mesmo com cada retrato, um a um. Liberamos, das
fotografias, as mulheres. Assim que todas estavam enterradas, Renata tira um tecido
dobrado da bolsa. Ela o abre, exibindo a tela A Negra (1923) de Tarsila do Amaral
impressa em tecido. A história conta que o retrato supostamente seria uma homenagem
da artista moderna à sua mãe de leite ou mãe preta.
Mas a mulher homenageada, cujo nome não sei, foi retratada
de maneira exotizada, sem cabelo, sem roupa e sem
dignidade.
A tela, bem como o trabalho de Tarsila do Amaral, sofreu
grande resistência por parte dos júris de salões na época,
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uma elite branca e masculina (Felinto dos Santos, 2016,
p. 68) uma vez que rompia com a estética do
academicismo elitista da produção artística da época. A
pintura foi informada pela ideia de miscigenação que
circulava entre críticos e literatos da época,
e pela intenção modernista comungada por Tarsila por criar um solo com entre
brasileiros: homens, mulheres, brancos, negros e indígenas. Hoje reconhecemos,
pelas condições históricas e socioculturais em que a tela foi produzida, os traços do
racismo estrutural brasileiro presente nela.
Uma mulher negra exotizada.
Uma mulher negra sem cabelo
sem roupa
sem dignidade.
Renata Felinto com sua performance me fez ver uma dor que não sentia antes, sentir
o alívio de ver a mulher negra da tela,
quase cem anos depois, finalmente posta a descansar.
Sábado de manhã.
àLEMBRE-SE DE CONTINUAR LENDO EM VOZ ALTA,
(LEIA com um tom informativo)
A entrada na Pinacoteca de São Paulo é gratuita aos sábados. Chego cedo e
não demoro para eu conseguir entrar. A exibição Desobediências Poéticas da Grada
Kilomba ocupa 3 salas, duas com Ilusões (Ilusions) volume I e II e uma com
Dicionário. Anos depois ainda se fala, se escreve muito sobre elas.
Entro numa sala bem cheia de gente onde é projetado em vídeo a perfomance
Ilusões (Ilusions) volume I. Em um fundo todo branco infinito, um grupo de atores todos
negros e a narração com a voz de Grada Kilomba contam o mito de Narciso e Eco. A
partir da mitologia grega, este trabalho traça uma analogia entre essa história com
sociedade contemporânea e suas experiências de racismo institucionalizado, um
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espaço branco que marginaliza outras identidades. Não sei dizer em que parte eu
cheguei, mas logo escuto I put a spell on you (1965) de Nina Simone.
(clique aqui para escutar) SE QUISER CANTE, MESMO SEM SABER
DIREITO,
I put a spell on you” (Eu coloquei um feitiço em você)
Narciso conhece o mundo, sabe das coisas, mas decide ser tomado pela magia e não mais
saber. Narciso reduz o mundo a si mesmo e quer acreditar o que está a sua frente reflete outra
pessoa. Estamos enfeitiçados pelo colonialismo e sua supremacia branca que não quer ver a
realidade.
“Because you’re mine” (porque você é meu)
Grada Kilomba (2016) explica que marginalização não se por ignorância, como muitos
acreditam, mas através de um exercício de poder; a supremacia branca tem o privilégio de não
querer saber. Vivemos numa sociedade que continuamente reflete imagens coloniais,
recuperando ou reinventando o passado. Em seu livro-tese Memórias da plantação a artista
pontua: “O racismo cotidiano nos coloca de volta em cenas de um passado colonial
colonizando-nos novamente” (2019a, l. 2796).
You better stop the things you do” (melhor você parar as coisas que você faz)
Práticas de conhecimento indígenas e africanos, por exemplo, foram e ainda são erradicadas
por não serem reconhecidas como conhecimento.
“You know I can't stand it” (Você sabe que eu não suporto)
Para o pesquisador e teórico brasileiro Luiz Rufino (2019), “a modernidade ocidental investe-
se no esquecimento” (p. 137), quer dizer, “a gramática colonial opera de forma sofisticada na
produção de não existências, na hierarquização de saberes e nas classificações sociais” (p.
27), por isso, a problemática do conhecimento é fundamentalmente étnico-racial.
I put a spell on you” (Eu coloquei um feitiço em você)
“Because you’re mine” (porque você é meu)
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(Clique aqui se você cansou de ler em voz alta)
àAQUI VOCÊ NÃO PRECISA MAIS LER EM VOZ ALTA,
Saio da Pinacoteca contrariada, querendo ficar mais, querendo que o almoço de família
fosse um jantar. Entretanto, mais do que chateada pelo que não consegui ver (como o
Dicionário) saio de alimentada, enfeitiçada. Eu sabia que tinha a ver com escrita. Não é
exatamente uma tomada de consciência, foi coisa de pulsão mesmo, de força vital, de invenção
de linguagem. De arte e linguagem como início e continuidade de contra-ataques ao sistema
colonial. A urgência de criarmos linguagem para conseguirmos contar e recontar histórias, e
revelar o que é deixado fora e esquecido dessa caixa branca, mesmo que, à primeira vista, ela
pareça ser infinita.
A academia, muitas e muitas vezes, repete a estrutura dessa caixa branca
supostamente ilimitada. Apesar disso, há, em diversas áreas, pessoas e discursos tidos como
marginais ao tradicional espaço da universidade que estão dentro dela, reinventando-a. Não é
uma questão de encaixar outras subjetividades nela, é sobre criar condições para diálogos e
intercruzamentos; é sobre localizar e situar os discursos feitos. Stuart Hall, teórico negro dos
estudos pós-coloniais, nascido e crescido na Jamaica, diz que escreve “de dentro da barriga
da besta” (apud Kilomba, 2019a, 2019b). É então também uma questão de explicitar que
quando um discurso não precisa dizer de onde fala, é porque está numa posição de poder e
privilégio muito grande.
A nossa responsabilidade, para nós das artes, é também uma questão de inventarmos
interseções, o que Grada Kilomba chama de “vocabulários” e que Luiz Rufino chama de
“pluriversalização de mundo e credibilização de gramáticas produzidas por outras presenças”
(2019, p. 11). Essas gramáticas e vocabulários são fundamentais para que (re)contar
conhecimentos, suas histórias e práticas sem compactuar com a manutenção das ilusões de
um discurso que se diz neutro e universal, para que possamos conseguir respostas
responsáveis. Encontrar estas gramáticas é sobre contar sem encaixar nossos conhecimentos,
mas - nas palavras do indígena, professor e pesquisador Casé Angatu Xukuru Tupinambá -
“arredondar” a academia para que ela possa também se mover mais facilmente, e se aproximar
de diversos tipos de conhecimento.
Ilusões e Axexê quebraram o feitiço narcísico social que vivemos ao recontar, de outros
modos, histórias já muito foram contadas, histórias que mantem o fantasma da escravização e
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do colonialismo, uma história que foi enterrada indevidamente, e que por isso, nos assombra
em episódios cotidianos. Grada Kilomba explica
A escravização e o colonialismo podem ser vistos como coisas do passado, mas
estão intimamente ligados ao presente. Em Ghosts of Slavery, Jenny Sharpe (2003)
enfatiza a relação entre o passado e o presente, um presente assombrado pelo
passado invasivo da escravização. Ela se refere à escravização como uma “história
assombrada” que continua a perturbar a vida atual das pessoas negras. Seu objetivo,
diz ela, é ressuscitar a vida das/os ancestrais, elevando a memória dolorosa da
escravização e contando-a corretamente. Esta é uma associação fascinante: nossa
história nos assombra porque foi enterrada indevidamente. Escrever é, nesse sentido,
uma maneira de ressuscitar uma experiência coletiva traumática e enterrá-la
adequadamente. A ideia de um enterro impróprio é idêntica à ideia de um episódio
traumático que não pôde ser descarregado adequadamente e, portanto, hoje ainda
existe de forma vívida e intrusiva em nossas mentes. Assim, a atemporalidade, por
um lado, descreve o passado coexistindo com o presente e, por outro lado, descreve
como o presente coexiste com o passado. O racismo cotidiano nos coloca de volta
em cenas de um passado colonial colonizando-nos novamente (Kilomba, 2019, l.).
Se você tivesse que descrever uma cerimônia que enterra a alma de mulheres que
morreram faz anos, mulheres que ninguém sabe o nome, sabe-se apenas que foram
escravizadas; uma cerimônia para dar descanso agora para aquelas que foram privadas
também da dignidade, pois morreram com símbolos que não são seus, como você faria?
Grada diz que esse tipo de trabalho é futurista, uma vez que ele precisa, no presente,
reivindicar o futuro. O verso
I put a spell on you”
pode ser traduzido como “eu coloco” ou “eu coloquei” um feitiço em você.
Compreendendo melhor a dimensão política do lugar que ocupo, posso propiciar, mais
efetivamente, espaços para criamos, cruzarmos, desenvolvermos ou promovermos
vocabulários e gramáticas. Para mim, uma escrita performativa se escreve produzindo
contrafeitiços que ajudam a recontar histórias presas em caixas brancas.
Se escrever é descobrir modos de contá-las na arte e na academia, é também um modo
de colocar no presente, no passado e no futuro esses feitiços que Grada Kilomba fala.
Cabe a nós, pesquisadoras/es encontrar modos de garantir que a academia não seja uma
caixa branca, que a academia seja também um espaço com mais pessoas interessadas em
feitiços como os de Rufino, de Casé e de Grada.
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MANIFESTO PARA UMA ESCRITA PERFORMATIVA NA UNIVERSIDADE
A escrita performativa como lugar da arte viva é a possibilidade e manutenção
da insurgência de discursos e fazeres na academia. Por ser educadora e
pesquisadora, defendo que a arte é um modo de conhecer. Pesquisei no
doutorado3 alguns modos como pessoas artistas escrevem na academia,
acompanhando o movimento que vira texto e textos que movem.
Com estudo e muita troca, experimentei e entendi, na prática, modos
singulares e comuns das pessoas que escrevem suas pesquisas na área das Artes
Vivas4 e que pensam a sua escrita para além das convenções emprestadas de
outras áreas de conhecimento, aliando seus temas, modos às suas textualidades.
É preciso, então, dizer que, este corpo que aqui escreve acredita que
pesquisar é uma ação. Talvez pela formação em dança que faz entender algo
praticando, tem um modo particular de teorização a partir da prática, e não o
contrário. Mas talvez isso tem também a ver com o interesse por linguagem, por
um interesse
- pela escrita feita por um corpo inquieto que aprendeu a controlar o corpo
com uma suposta técnica de dança, e muitos anos depois, (re)aprendeu a dançar;
- pela escrita de um corpo de alguém que sempre estranhou a linguagem e
descrevia seu pensamento como poético;
- pela escrita de uma pessoa com disgrafia que aprendeu a ser revisora de
texto a partir da revisão de si;
- por saberes de diferentes tipos, por construções e invenções coletivas, e um
gosto e intimidade com perguntas.
Também por uma insatisfação por respostas sem explicações, uma aversão a
binarismos excludentes como teoria X prática, corpo X mente, social X natural, etc.
3 Os textos apresentados aqui são partes da minha tese intitulada “Reflexões e práticas de escritas
performativas na pesquisa acadêmica das artes vivas” defendida do PPGAC UDESC em 2023.
4 O termo mexicano Artes Vivas, usado aqui, vem de uma tentativa de tirar as referências estadunidenses
sobre um tipo de artes também produzido nas Américas. Assumir que as artes de caráter performático são
apenas derivações das manifestações de
Performance Art
estadunidense dos anos 1970 é como reconhecer
Brecht em produções teatrais latinas e afirmá-las que são todas brechtianas, ou que a dança
contemporânea produzida aqui no Brasil é necessariamente uma derivação do movimento novaiorquino e
branco da Judson Church. Recomendo ler
Artes Vivas: Definición, Polémicas Y Ejemplos
de Inma Garín
Martínez.
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encontrou não só nas artes, mas também na academia, espaço para investigação
e criação.
A construção do conhecimento acadêmico se movimenta de diferentes
maneiras; ela depende das estratégias das comunidades de intelecto nas (e entre
as) áreas de conhecimento e instituições, assim como dos subsídios e
investimentos locais. Na grande área de Ciências Humanas, Sociais e Artes, a
universidade carregou, indubitavelmente, uma herança que se evidencia, por um
lado, pela reprodução e repetição hegemônica de modelos para chegar nas
(mesmas) respostas e, pelo culto à lembrança do passado do conservadorismo
referencial que utiliza. No entanto, por outro lado, nas últimas décadas notam-se,
conquistas e movimentos intelectuais na academia, em direção oposta a essa
perpetuação e reprodução danosa de tradição.
Há algumas pessoas pesquisadoras e artistas que trazem reflexões sobre os
saberes, a pesquisa e as artes, que têm mostrado caminhos concomitantes para
repensar o cânone e as metodologias críticas nas pesquisas. São muitas as
maneiras dessas vozes contribuírem para práticas epistemológicas inventivas e
insubordinadas de combate ao reducionismo. Para isso, é preciso, primeiro, admitir
a impossibilidade de um princípio universal e que limitações internas aos
formalismos, quaisquer sejam eles.
A bióloga estadunidense Donna Haraway articula em
Saberes Localizados
:
a
questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial
(1995) o
papel da invenção retórica da objetividade e suas consequências para a ciência.
Haraway (1995, p. 16) já no final dos anos 80 advertiu que a “a ciência sempre teve
a ver com a busca de tradução, convertibilidade, mobilidade de significados e
universalidade”, e que o problema disso, que ela chama de é reducionismo, é
“quando uma linguagem (adivinhe de quem) é imposta como o parâmetro para
todas as traduções e conversões”. O que Haraway percebia na ciência, em certa
medida, acomete parte da construção social de todas as formas de conhecimento
na universidade. Sua proposta para a academia, a de saberes localizados (
situated
knowleges
), implica a criação de uma rede de conexões na qual é possível a
tradução de “conhecimentos entre comunidades muito diferentes e
diferenciadas em termos de poder” (1995, p. 16). Nas suas palavras: “precisamos
do poder das teorias críticas modernas sobre como significados e corpos são
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construídos, não para negar significados e corpos, mas para viver em significados
e corpos que tenham a possibilidade de um futuro” (Haraway, 1995, p. 16).
Para ir além do reducionismo do princípio universal, o segundo passo para
repensar o cânone e as metodologias críticas nas pesquisas é colocar o diálogo e
a troca como base para construção de epistemologias. Segundo a artista
interdisciplinar portuguesa Grada Kilomba, a Epistemologia
define não somente como, mas também quem produz conhecimento
verdadeiro e em quem acreditarmos [já que a epistemologia] determina:
1. (os temas) quais temas ou tópicos merecem atenção e quais questões
são dignas de serem feitas com o intuito de produzir conhecimento
verdadeiro.
2. (os paradigmas) quais narrativas e interpretações podem ser usadas
para explicar um fenômeno, isto é, a partir de qual perspectiva o
conhecimento verdadeiro pode ser produzido.
3. (os métodos) e quais maneiras e formatos podem ser usados para a
produção de conhecimento confiável e verdadeiro (Instituto Goethe, 2017,
p.4-5).
Conscientemente ou não, muito da academia reproduz a lógica do
colonialismo, que segundo Nelson Maldonado-Torres (2006, p. 3), “em sua forma
mais literal refere-se a relações políticas particulares” que começam a ocorrer no
Renascimento europeu. Nossos discursos são perpassados pelas lógicas e cultura
eurocêntrica que tendem a contar histórias únicas e, portanto, simplistas e
estereotipadas (Adichie, 2014) que subjugam e desqualificam formas de
conhecimento estranhas à ciência moderna, perpetuando epistemicídios
(Carneiro, 2005).
(Clique aqui se você quiser saber sobre uma treta)
Linda Alcoff (2016) em Uma epistemologia para a próxima revolução, a partir
das reinvindicações de Sylvia Wynter e Enrique Dussel, analisa como as
circunstâncias políticas ex. de autoridade e atribuição de autoridade, e de
valorização de certas metodologias e desvalorização de outras – no âmbito que o
saber é produzido, espelha desigualdades também na produção de teoria. Ciente
disso, Alcoff explica que
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A epistemologia tem sido a teoria protocolar para o domínio da
discursividade no ocidente, situada numa posição de autoridade que lhe
permite um julgamento bem além dos ciclos filosóficos. A epistemologia
presume o direito de julgar, por exemplo, o conhecimento reivindicado
por parteiras, as ontologias de povos originários, a prática médica de
povos colonizados e até mesmo relatos de experiência em primeira
pessoa de todos os tipos. É realístico acreditar que uma simples
“epistemologia mestre” possa julgar todo tipo de conhecimento originado
de diversas localizações culturais e sociais? As reivindicações de
conhecimento universal sobre o saber precisam no mínimo de uma
profunda reflexão sobre sua localização cultural e social (Alcoff, 2016, p.
131).
Chamo, então, atenção às práticas do logocentrismo ocidental, isto é, aquelas
cujo pensamento é fruto de uma consciência interiorizada e descorporificada, que
se expressa e investiga, de maneira ontológica, a realidade através da linguagem
falada/escrita. Assim, no logocentrismo ocidental há o “nós”, o “nosso”, e o “eles”,
o “deles e com isso a tendência ao “distanciamento” que produz “o outro”, “o
estrangeiro”, “o exótico”, e coisifica o que não sou o “eu” (os corpos, as terras, os
modos de vida) e que evita a confrontação desconfortável com as verdades que
não sejam a suas.
Felizmente no Brasil, temos um escopo suficiente de pesquisas de
qualidade implicadas nos seus contextos, não em suas práticas, mas também
pelas escritas. Defendo aqui que a escrita é tanto um modo de difundir saberes
insurgentes neste espaço como a própria estratégia.
Para Ramos do Ó (2019, p. 537) escrever na universidade é “por em
movimento a interrogação [...tem-se] a tarefa de investigar outros domínios de
correlação que não a da resposta”, construir o múltiplo. Assim, as perguntas iniciais
são postas como possibilidade de consciência do estado das coisas e inclusive das
suas dificuldades e perigos para criar os caminhos metodológicos. Para o
historiador, quando pensamos nos desafios da escrita implica num tipo de
reconhecimento:
admitir que o máximo de colaboração e cooperação de pessoas, de
ideias e de conceitos, de tempos de escuta e de fragmentos, pode
corromper os limites do absoluto que as instituições de formação e
ensino tomam para si. O problema que aqui esteve sempre foi, pois, o da
mediação, porque nesta se encontra a arma mais potente face ao velho
postulado da reduplicação, da dimensão discursiva que vai conduzindo
ao mesmo, ao análogo e ao semelhante” (Ramos do Ó, 2019, p. 538).
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Enquanto Ramos do Ó (2019), ao traçar o gesto universitário, apresenta uma
análise histórica profunda sobre os problemas da produção do discurso nas
instituições de saber (europeias) – para então prever os desafios para uma escrita
inventiva na universidade –, esta pesquisa faz outro caminho pela busca da
inventividade na escrita acadêmica.
Muitas das produções da Artes Vivas são práticas colaborativas de criação,
então por que então a escrita da pesquisa acadêmica em artes não proporia
também práticas colaborativas e criativas de pesquisa, de escrita e de
compartilhamento de saberes?
Nós, artistas na academia, temos responsabilidades com as redes que
fazemos, mantemos e que podemos criar, e acredito que permitir outras formas
de escrita na academia pode dar espaço a outras culturas de aprendizagem e
compartilhamento de conhecimento por possibilitar o exercício de interseções do
político, do poético e do ético.
Apesar de outras áreas também contribuírem para este movimento cada
qual com modos próprios de agência acredito que a academia precisa de artistas
para chacoalhar a estrutura, porque a universidade tem a ganhar com as nossas
práticas inventivas, colaborativas e com aquilo que devemos dizer e mostrar. As
possibilidades de escritas artísticas na academia são inúmeras. São muitas as
negociações possíveis e necessárias no espaço acadêmico. E que está o nosso
papel de artistas-pesquisadoras/es: atuar como redes entre pessoas, seres,
campos, saberes, criar impossíveis. Escrever textos que se comuniquem de outras
formas, que dialoguem com outros universos, sentidos e conhecimentos. É
também uma forma de escancarar que o conhecimento acadêmico,
supostamente produzido por mentes sem corpos com pretensões
universalizantes, é sim produzido por corpos diversos. Temos muito a dizer sobre
a relação entre os corpos e produção de conhecimento, temos muito a aprender
também.
Por isso as escritas das Pesquisas nas Artes Vivas podem ser tão profícuas
para difundir outras culturas de escrita e de pesquisa na universidade, não
somente pelas intercessões campos/disciplinas que cada pesquisa evoca, podem
ser muito profícuas para corroborar com a entrada de outros saberes-fazeres na
academia. Para além das características performáticas de pesquisas das Artes
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Vivas, por trazerem traços de performance na própria forma/estrutura da escrita
(sejam elas o relacional, o vocativo, o texto para ser lido em voz alta, feito para
estar em cena etc.), estes podem também serem gestos performativos. A escrita
deixa de ser apenas uma constatação, descrição ou relatório com enunciados
constativos, para ser um ato, um gesto que instaura mudança através de
enunciados.5
Os atos performativos são os atos que alimentam uma cultura inventiva e
coletiva na universidade, que instituem outros hábitos, tanto de pesquisa, como
de registro do arquivo e repertório6 cultural das Artes Vivas, que propõem uma
postura mais colaborativa entre pesquisadoras/es
e demais seres envolvidos no campo. Mais diretamente estimulam a investigação
em gêneros textuais, linguagens artísticas e mídias e o trabalho colaborativo.
Textos performativos acadêmicos das pesquisas nas Artes Vivas articulam forma
e conteúdo pelos modos das próprias
práticas artísticas; através da colaboração entre partes envolvidas no contexto da
pesquisa, ao
invés da insubordinação das artes a outros modos de pensar.
A escrita performativa, então, trabalha com a negociação do está assentado
e do que precisa mover, ser remodelado. Seja por uma postura ou proposta
decolonial7 (por explicitar relações de poder, hierarquias de classe, racismo,
5 John. L Austin em
How to Do Things with Words
(1962) propõe a teoria dos atos de fala (
speech acts
),
compreendendo que existem enunciados constativos (descritivos, que relatam) mas também enunciados
performativos, que não se submetem ao critério de verificabilidade (não são falsos nem verdadeiros). Mais
precisamente, são enunciados que, quando proferidos, na forma afirmativa e na voz ativa, realizam uma
ação. Esses não são verdadeiros sem falsos eles são propositivos. Nesse sentido, para Austin, dizer algo é
fazer algo.
6 Diana Taylor em O arquivo e o repertório” compreende performance como epistemologia, para ela, a
performance implica numa quebra com a construção discursiva da academia que é predominantemente
logocêntrica, baseada numa estrutura ocidental, por isso, patriarcal, racista e exploratória. A performance
implica, daí, numa reelaboração de nossas metodologias e práticas de pesquisa em combate a uma visão
única, universalizante e, consequentemente, excludente. Nossas fontes vêm de uma variedade de materiais,
essa é a relação que a Taylor apresenta entre o arquivo e o repertório.
7 “Os estudos decoloniais compartilham um conjunto sistemático de enunciados teóricos que revisitam a
questão do poder na modernidade. Esses procedimentos conceituais são: 1. […] ; 2. [...]; 3. A compreensão
da modernidade como fenômeno planetário constituído por relações assimétricas de poder, [...]; 4. [...]
implica necessariamente a subalternização das práticas e subjetividades dos povos dominados; 5. […]; 6. […]”
(Quintero; Figueira; Elizalde, 2019, p. 5) E, segundo José Jorge de Carvalho (2001, p. 128-32), lendo Spivak,
Said e Bhabha, aponta que é preciso 1) acusar a barbárie, 2) trabalhar com textos que estão em processo
de descolonização, 3) trazer a experiência dos grupos dominados, 4) identificar os monstros produzidos pela
colonialidade e -los pelo avesso, 5) identificar os signos sequestrados, 6) realizar o luto cultural; 7)
identificar a hierarquia pós-colonial.
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machismos, capacitismos etc.), seja por uma postura anti-antropocêntrica, seja
por nomear ou fabular modos de viver ainda não conhecidos, que terão que
conviver com nossos imensos legados de destruição.
Por isso, defendo aqui a ideia alargada da escrita acadêmica nas Artes Vivas,
delimitada pelas histórias e perguntas levantadas na(s) prática(s), marcada tanto
pelos modos como são apresentadas e fabuladas, como pela presença da(s)
autoria(s). Como um corpo de artista que pesquisa, defendo que é nossa
responsabilidade compreender as epistemologias que referenciamos,
compreender nossos procedimentos e os caminhos da pesquisa, não somente
para a elaboração da escrita, mas também para os vínculos e repercussões
gerados pelas e para as práticas.
Quando estamos pensando uma escrita performativa na universidade,
estamos pensando em maneiras de contribuir com uma produção intelectual
acadêmica não universalizante, mais diversa e plural, que estabelece outras
relações com o arquivo e repertório cultural, é preciso então
- agir contra a progressiva rigidez dos modos de pensar, o que Norval Baitello
Jr. (2012) chama de
pensamento sentado
, um pensamento domesticado, sedado,
empobrecido de experiências, sensorialidades e até de surpresas;
- trabalhar a escrita de modo que se pense nas pessoas que vão ler os
materiais, buscando estratégias para que ela não somente informe, mas que
possam ser um convite a uma experiência com o tema e o modo da pesquisa;
- instaurar uma cultura inventiva e colaborativa entre quem pesquisa e quem
participa dos contextos pesquisados (William, 2019; Taylor, 2016; Ramos do Ó, 2019)
e de reciprocidade entre docentes e discentes (Ramos do Ó, 2019);
- basear a investigação em práticas transdisciplinares, reconhecendo suas
múltiplas camadas, tanto dos comportamentos incorporados de uma realidade
regional, política e linguística (repertório) como suas tensões e interconexões com
as documentações literárias e históricas (arquivo) (Taylor, 2016);
- combater o prevalência da forma escrita, tanto na escolha das fontes da
pesquisa acadêmica – isso significa não se valer somente de livros e documentos
escritos/publicados para compreender os fenômenos –, como nas resultantes de
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uma pesquisa – retirar das escritas das teses e dissertações nas Artes Vivas como
garantia da validade de uma pesquisa. Que essas possam ser avaliadas também
pela capacidade transformadora de suas práticas, e não somente pela capacidade
explicativa e relatorial de suas teses e dissertações;
e ao mesmo tempo,
- acreditar e reconhecer o importante papel que contar novas histórias, e que
recontar histórias com outras versões, tem, pois isso exige, como lembra Natalie
Loveless (2019), inspirada por Thomas King, “um engajamento contínuo e uma
vontade de desnaturalizar as estruturas sociais, disciplinares e ideológicas nas
quais estamos inseridos” (p. 20).
A pesquisa de doutorado deste corpo que dança, ensina e escreve, buscou
por quatro anos uma investigação sobre o performativo nas escritas acadêmicas,
e antes de encerar um problema, desejou criar e sustentar um campo de
problematização.
Definitivamente, muito ainda tem a ser criado, praticado e pensado sobre o
tema. Mesmo não acreditando em conclusões,
hoje
depois de quatro anos em pesquisa de doutorado estudando o tema,
promovendo e fazendo ações; discutindo semanalmente sobre e com escrita com
o Coletivo Escrita Performativa; ministrando oficinas e cursos, dando palestras em
algumas universidades, organizando coletivamente três volumes (um livro, e dois
volumes em periódicos) de publicações acadêmicas –
hoje
por estar escrevendo coletivamente uma
Contracartilha sobre Linguagem
, por
orientar pesquisa de TCC em dança, por seguir revisando artigos, mentorando
projetos de pesquisa, guiando pessoas a encontrar e insistir nos modos de
escrever de suas próprias pesquisas e aprendendo com tantas experiências –
só por hoje
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eu este corpo se autoriza a propor um
MANIFESTO PARA UMA ESCRITA PERFORMATIVA NA UNIVERSIDADE
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Recebido em: 20/09/2024
Aprovado em: 23/11/2024
Universidade do Estado de Santa Catarina
UDESC
Programa de Pós-Graduação em Teatro
PPGT
Centro de Arte CEART
Urdimento
Revista de Estudos em Artes Cênicas
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