Da escrita como contrafeitiço a um manifesto para uma escrita performativa na universidade
Ines Saber de Mello
Florianópolis, v.4, n.53, p.1-19, dez. 2024
Vivas, por trazerem traços de performance na própria forma/estrutura da escrita
(sejam elas o relacional, o vocativo, o texto para ser lido em voz alta, feito para
estar em cena etc.), estes podem também serem gestos performativos. A escrita
deixa de ser apenas uma constatação, descrição ou relatório com enunciados
constativos, para ser um ato, um gesto que instaura mudança através de
enunciados.5
Os atos performativos são os atos que alimentam uma cultura inventiva e
coletiva na universidade, que instituem outros hábitos, tanto de pesquisa, como
de registro do arquivo e repertório6 cultural das Artes Vivas, que propõem uma
postura mais colaborativa entre pesquisadoras/es
e demais seres envolvidos no campo. Mais diretamente estimulam a investigação
em gêneros textuais, linguagens artísticas e mídias e o trabalho colaborativo.
Textos performativos acadêmicos das pesquisas nas Artes Vivas articulam forma
e conteúdo pelos modos das próprias
práticas artísticas; através da colaboração entre partes envolvidas no contexto da
pesquisa, ao
invés da insubordinação das artes a outros modos de pensar.
A escrita performativa, então, trabalha com a negociação do está assentado
e do que precisa mover, ser remodelado. Seja por uma postura ou proposta
decolonial7 (por explicitar relações de poder, hierarquias de classe, racismo,
5 John. L Austin em
How to Do Things with Words
(1962) propõe a teoria dos atos de fala (
speech acts
),
compreendendo que existem enunciados constativos (descritivos, que relatam) mas também enunciados
performativos, que não se submetem ao critério de verificabilidade (não são falsos nem verdadeiros). Mais
precisamente, são enunciados que, quando proferidos, na forma afirmativa e na voz ativa, realizam uma
ação. Esses não são verdadeiros sem falsos eles são propositivos. Nesse sentido, para Austin, dizer algo é
fazer algo.
6 Diana Taylor em “O arquivo e o repertório” compreende performance como epistemologia, para ela, a
performance implica numa quebra com a construção discursiva da academia que é predominantemente
logocêntrica, baseada numa estrutura ocidental, por isso, patriarcal, racista e exploratória. A performance
implica, daí, numa reelaboração de nossas metodologias e práticas de pesquisa em combate a uma visão
única, universalizante e, consequentemente, excludente. Nossas fontes vêm de uma variedade de materiais,
essa é a relação que a Taylor apresenta entre o arquivo e o repertório.
7 “Os estudos decoloniais compartilham um conjunto sistemático de enunciados teóricos que revisitam a
questão do poder na modernidade. Esses procedimentos conceituais são: 1. […] ; 2. [...]; 3. A compreensão
da modernidade como fenômeno planetário constituído por relações assimétricas de poder, [...]; 4. [...]
implica necessariamente a subalternização das práticas e subjetividades dos povos dominados; 5. […]; 6. […]”
(Quintero; Figueira; Elizalde, 2019, p. 5) E, segundo José Jorge de Carvalho (2001, p. 128-32), lendo Spivak,
Said e Bhabha, aponta que é preciso 1) acusar a barbárie, 2) trabalhar com textos que estão em processo
de descolonização, 3) trazer a experiência dos grupos dominados, 4) identificar os monstros produzidos pela
colonialidade e vê-los pelo avesso, 5) identificar os signos sequestrados, 6) realizar o luto cultural; 7)
identificar a hierarquia pós-colonial.