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Corpo, escrita e performance:
a Educação performativa na formação inicial de
professores de Arte
Jair Mario Gabardo Junior
Sheurily Santos da Costa
Para citar este artigo:
GABARDO JUNIOR, Jair Mario; COSTA, Sheurily Santos da.
Corpo, escrita e performance: a Educação performativa na
formação inicial de professores de Arte.
Urdimento
Revista
de Estudos em Artes Cênicas, Florianópolis, v. 4, n. 53, dez.
2024.
DOI: 10.5965/1414573104532024e0105
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Florianópolis, v.4, n.53, p.1-25, dez. 2024
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Corpo, escrita e performance: a Educação performativa na formação inicial de
professores de Arte1
Jair Mario Gabardo Junior2
Sheurily Santos da Costa3
Resumo
A partir da nossa experiência prática, neste artigo apresentamos dois procedimentos para o ensino de
Arte por meio das relações entre corpo, escrita e performance. Por intermédio de diferentes escolhas
metodológicas, tentamos compreender como tais práticas pedagógicas configuram modos para a
reflexão sobre Educação performativa, em especial aquelas capazes de ampliar o entendimento acerca
da escrita performática na formação de professores nos cursos de Licenciatura em Artes Visuais e
Licenciatura em Dança de uma universidade pública.
Palavras-chave
: Corpo. Performance. Escrita. Escrita performática. Formação de professores.
Body, writing and performance: Performative education in initial teacher training in Arts
Abstract
Based on our practical experience, in this article we present two procedures for teaching Art exploring
the relationships between body, writing and performance. By means of different methodological
choices, we attempted to understand how two distinct pedagogical practices have configured ways of
thinking on performance in Education, especially those capable of expanding our understanding of
performative writing in teacher training in a Bachelor's Degree in Visual Arts and a Bachelor's Degree in
Dance at a public university.
Keywords:
Body. Performance. Writing. Performance writing. Teacher Training.
Cuerpo, escritura y performance: educación performativa en la formación inicial de profesores de
Arte
Resumen
En este artículo buscamos presentar, a partir de la experiencia de sus autores, dos procedimientos de
enseñanza del Arte a través de las relaciones entre cuerpo, escritura y performance. Se trataba, por
tanto, de comprender cómo tales prácticas pedagógicas, a través de sus diferentes opciones
metodológicas, configuran caminos de reflexión sobre la performance en educación, especialmente
aquellos capaces de ampliar la comprensión sobre la escritura performativa en la formación docente
realizada en la Licenciatura en Artes Visuales y en la Licenciatura en Danza en una universidad pública.
Palabras clave
: Cuerpo. Performance. Escritura. Escritura performativa. Formación Docente.
1 Revisão ortográfica e gramatical do artigo realizada por Luzia Araújo, formação acadêmica: Mestre e Doutora
em Linguística Aplicada-Tradução pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).
2 Pós-doutorando pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Doutor e Mestre em Educação pela
Universidade Federal do Paraná (PPGE/UFPR). Bacharel e licenciado em Dança pela Universidade Estadual
do Paraná (UNESPAR). Docente do Curso Licenciatura em Dança da UNESPAR.
jair.gabardo@unespar.edu.br
http://lattes.cnpq.br/2486959099861750 http://orcid.org/0000-0003-1903-4748
3 Doutoranda e Mestre em Educação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Graduada em Tecnologia
em Produção Cênica pela Universidade Federal do Paraná (2017) e graduanda em Licenciatura em Artes
Visuais na Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR/FAP). sheurily@gmail.com
http://lattes.cnpq.br/7863732241233120 https://orcid.org/0000-0002-1118-1869
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Introdução
Fazer da escrita uma postura
Diminuir a distância do meu corpo com a grafia
in-corporar a palavra
Aproximar da sensação antes de tomar a palavra para si
(e então escrevê-la com verdade)
O que um corpo-memória comprometido com a escrita é capaz de criar?
(Maynara Gonçalves)4
O presente artigo apresenta duas proposições de cunho artístico-pedagógico,
como resultado discursivo de práticas metodológicas vivenciadas no contexto do
Ensino Superior em Arte nos cursos de Licenciatura em Artes Visuais e Dança de
uma universidade pública ao longo do primeiro semestre de 2024. As práticas aqui
em questão foram inspiradas pelos estudos educacionais sobre a performance,
em especial a partir da tendência investigativa da Educação performativa
(Gonçalves; Oliveira, 2020; Gonçalves; Gabardo Junior, 2020).
Para isto, serão apresentadas, sequencialmente, as ideias sobre corpo, escrita
e performance, bem como a delimitação do que compreendemos por
escrita
performática
. Nossa investigação ancora-se nas ideias dos estudos de Diana Taylor
(2013) e Jacques Derrida (2001) para a compreensão do lugar da performance face
às relações entre a experiência do corpo – entendida por
repertório
– e as noções
de
arquivo
como textos, escritas. São também emprestadas as ideias Paul
Zumthor (1993, 2007), Richard Schechner (2013) e Judith Butler (2003), a fim de
ampliar o debate sobre as relações entre o corpo e a escrita na cena
contemporânea, considerando o contexto do ensino de Arte na formação inicial
docente como principal prisma investigativo.
Introduzimos aqui o conceito de arquivo desdobrando-o, no decurso do texto,
como um modo de pensar a ação discursiva da escrita e sua abertura às
insurgências causadas pela performance na Educação. Por fim, buscamos suscitar
o saber acerca do arquivo por intermédio da sua materialidade física textual, quer
seja por meio da sua produção documental, quer por sua reformulação a partir de
um caráter performaticamente experimental.
A análise e os apontamentos propostos ao final do texto partem de um
4 Gonçalves. Fazer da escrita uma postura [Instagram]. 25. fev. 2024.
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corpus
constituído por exercícios de ensino teórico-práticos para professores de
Arte em formação. Ou seja, não como análise discursiva das escrituras produzidas
pelos estudantes
in situ
, mas pela atenção aos processos de construção e
experimentação dos corpos que, pela escrita performática, discursam e ampliam
suas percepções sobre os diversos temas emergentes na sala de aula.
Corpo, escrita e performance
Descritores como “performance” e “escrita”, ou alguns dos seus outros
termos compostos, como por exemplo, “escrita performativa” e/ou “escrita
performática”, parecem produzir ideias em torno da indissociabilidade entre o
corpo de quem escreve e a escrita produzida. Como modos de marca e
continuidade, a performance e a escrita têm funcionado como uma espécie de elo
produtor de sentidos cuja presença é demarcada tanto no corpo quanto nas
formas materiais de registros.
Boa parte desta afirmação pode ser melhor delineada a partir das ideias
propostas por autores, tais como Derrida (2001) e Taylor (2013), de quem
tomaremos emprestado algumas contribuições para a temática do corpo, da
escrita e da performance, em particularmente na elaboração de dispositivos
metodológicos para o ensino de Arte na Educação performativa de professores de
Arte em formação.
Nossa investigação parte da problemática abordada por Taylor (2013), ao
considerar as relações nem sempre fáceis entre a performance e a escrita. Para a
ela, a performance funciona como repertório, isto é, como ato vital de
transferência por meio de ações incorporadas, oferecendo, pois, sentidos de
pertencimento, difusão e memória. Muitas vezes, subjugada ao poder da escrita
na sociedade ocidental, a performance tem sido, para a autora, um espaço de
tensão na disputa pela luta discursiva, assumindo-a como objeto para a afirmação
da identidade cultural e, portanto, da própria história. À performance caberia a
consciência do/sobre o corpo e das suas formas de reprodução, vínculo e hábito
aprendido e/ou ritualizado, os quais incluem roteiros irreproduzíveis e não
totalmente destituídos de registro, mas, de maneira oposta, demarcados no
próprio corpo.
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É importante sinalizar que, na perspectiva de Taylor, não uma dicotomia
radical entre as noções de arquivo e repertório, ou seja, entre as formas escritas e
o corpo. Ao contrário, estaríamos tratando da necessidade de análise das
narrativas culturais capaz de superar a primazia em torno dos registros do tipo
escrito em detrimento das produções do conhecimento que escapam às noções
ocidentalizadas. Esta última, pautada pela experiência da performance como meio
de elaboração e complexidade epistêmica, especialmente “quando a escrita
funciona como evidência arquival, como prova da presença” (Taylor, 2013, p. 69).
Outra perspectiva que busca desestabilizar e relativizar o lugar cristalizado e
hierárquico do arquivo, e, necessariamente interessante para a nossa
compreensão das relações entre o corpo, a escrita e a performance, é atravessada
pelas lentes derridianas. Derrida (2001) problematiza o caráter de poder irredutível
e ontologicamente absoluto depositados sobre o arquivo por meio da
desconstrução
como método e teoria. O autor questiona o poder e a verdade
presentes no arquivo, sobretudo aqueles encontrados nos discursos positivistas
da história e da historiografia ocidental, revisitados por ele a partir da psicanálise
impressão freudiana
–, a saber: o inconsciente, a memória e a pulsão de morte.
Para Birman (2008), a ousadia teórica de Derrida localiza-se “justamente na
colocação em questão que realizou do
suporte
, que não apenas registra os nossos
enunciados, mas também os ordena hierarquicamente nas suas várias séries
discursivas, isto é, o arquivo” (2008, p. 108, ênfase do autor).
Nessa direção, a empreitada de lidar com a noção de arquivo a partir de uma
mirada desconstrutivista supõe sobre ele – o arquivo – novas e futuras aberturas
para interpretações. O arquivo passa a ser assumido não como algo fixo e
temporal, mas como registro, no qual o passado estaria constantemente operando
por temporalidades presentes em favor de interpretações futuras.
O
mal de arquivo
presente no pensamento derridiano ofereceu aos registros
a virtualidade, fazendo-os lacunar e sintomáticos. Para Derrida, o arquivo envolve
temporalidades outras, ou seja, pensado em seu presente passado, presente atual
e presente futuro. Ou, nas palavras do autor, um
vir-a-ser
. Quer dizer, um contínuo
processo de repetição que desafia conceder aos registros sua finitude, mas, ao
contrário, tornando-os passíveis de revisitação e, continuamente, de produção da
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diferença.
Por via da desconstrução do arquivo – portanto, da própria escrita – cede-se
lugar às vindouras interpretações. A impressão freudiana de Derrida, ancora-se na
pulsão de morte de Freud o seu próprio mal de arquivo: uma renovação
arquiviolítica para todas as formas de registros. Nesse sentido, “os limites, as
fronteiras, as distinções terão sido sacudidos por um sismo que não poupa
nenhum conceito classificatório e nenhuma organização do arquivo. A ordem não
está mais garantida” (Derrida, 2001, p. 15).
Atravessado pela perspectiva derridiana, o arquivo é compreendido, pois, por
sua verdade histórica e não apenas material, encontrando através destes outros
espaços de consignação, “lugares de relativa exterioridade, quer se trate de
escritos, de documentos, ou de marcas ritualizadas sobre o próprio corpo”
(Derrida, 2001, p. 62). Birman traduz o mal de arquivo na possibilidade do corpo
jogar/lidar/atualizar o arquivo. Com isso, o arquivo perderia a sua fixação e “suposta
estabilidade documental, isto é, a sua pretensa dimensão de fato e de verdade
material, para se transformar pela consignação, realizada pelo intérprete, em
verdade histórica” (Birman, 2008, p. 116).
A partir dessas contribuições, passamos a considerar aqui o corpo como
intérprete e também arquivista, como um corpo capaz de inscrever e escrever
suas sensações por meio da sua dimensão performativa. Ou seja, dimensão que
inclui não apenas as performances de práticas incorporadas, mas também a
possibilidade para escrevê-las e dissertá-las como ação virtual das suas
experiências. Para tanto, no presente estudo, é preciso assumir o arquivo e o
repertório como conceitos expandidos: é o corpo da cena, é a fotografia, é o vídeo,
é a escrita, é o texto etc. Um conjunto de
arquivos-corpos
que tecem, cruzam e
interferem face à performatividade sentida na realidade vivida e analisada por
professores de Arte em formação.
A escrita performática para se pensar o texto e o corpo
Apresentamos aqui a escrita performática, entendendo-a como ação
conjunta e indissociável entre o arquivo e o repertório, isto é, escrita e corpo.
Retomamos que a temática em torno do corpo, da escrita e da performance
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apresenta um espaço emergente de investigação a partir de diferentes
ramificações e nomenclaturas. Muitas delas em constante atualização conceitual
e servidas com diferentes intencionalidades, em especial no território da Arte, mas
não findado unicamente a este.
Tomando por certo a formação inicial de professores como um espaço para
novas práticas performativas, Gonçalves (2016) compreende que a escrita
performática proporciona um fazer e refazer de si como narrativa discursiva,
retirando do texto qualquer característica de fixação ou linearidade. Para a autora,
esta prática convida o corpo ao movimento a fim de pensá-lo performaticamente,
assumindo-se a escrita e a performance como materialidades do próprio discurso.
A partir dos gestos do corpo e da escrita, temos, então, sujeitos que ocupam não
apenas a posição de autoria, mas também a posição de
performers
conscientes
da sua presença e das suas possibilidades de criação, de invenção e de
improvisação mediante à feitura do texto.
A estruturação do que propomos como escrita performática fundamenta-se
também no conceito de
performance oral
de Zumthor (1993), ao explorar a relação
entre corpo, som e escrita, encarando o texto como algo vivo e atribuído de sentido
a partir da performance. O autor constrói um deslocamento crucial que reitera a
perspectiva da presentificação no ato de escrever, um processo que exigirá
vivência e fisicalidade. Em outras palavras, a performance e a escrita não podem
ser vistas separadamente. Zumthor (2007) amplia a discussão entre corporeidade
e escrita ao defender que a performance contém a oralidade do gesto e, assim,
proporciona uma abordagem inovadora da produção textual. Para o autor, o corpo
é a ferramenta principal de transmissão e recepção do arquivo, ou seja, ele o
legitima como um agente ativo de enunciação.
Ao incorporarmos nesta delimitação o conceito da performatividade,
proposto por Butler (2003), torna-se possível refletir sobre a funcionalidade do
discurso como resultado de um ato performativo, ou seja, uma produção de
efeitos de linguagem que podem ser reiterados, repetidos e recriados. Desta forma,
o exercício da escrita performática, no âmbito da construção de identidades por
meio da linguagem, pode abrir um espaço de ação capaz de promover mudanças
políticas e sociais, inclusive em relação ao corpo, mesmo no contexto da docência.
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Afinal, o espaço educacional sempre refletirá questões pertinentes à sociedade
como um todo.
Embora o seu recorte para estudar a performance não esteja diretamente
ligado à escrita, a “arte do fazer” defendida por Schechner (2013) reforça a
estruturação a respeito das ações intrínsecas ao ato de escrever, pois ele pode ser
compreendido também como o ato performático proposto pelo autor e, por isso,
gerador de significados, passível à repetição e a variação. Voltamos os olhares,
então, para o que ele delimita como temporalidade da criação por meio do corpo
em seu estado de presença, isto é, um corpo que, no ato de escrever, performa
em tempo real.
A definição da escrita performática neste estudo compreende, portanto: i) a
escrita como um gesto performativo que emerge da ocupação dinâmica e
intersubjetiva da posição aluno-professor, incluindo seus entrelaçamentos e
tensões; ii) a ampliação da materialidade discursiva que ultrapassa o texto e se
expande aos não-ditos e as lacunas discursivas impressas no e sobre o corpo; e
iii) a estimulação do ato criativo pelo corpo, revelando a indissociabilidade entre
arquivo o registro textual, o que é fixado e repertório a memória viva e
corporal, aquilo que é performado. Assim, ela se configura como exercício
propulsor de uma articulação contínua entre discurso e presença, colocando em
xeque os moldes tradicionais da produção textual.
Há, portanto, neste texto, o desejo de ampliar as maneiras de compreensão
do discurso, sobretudo não pela hierarquização e dicotomia entre o corpo e a
escrita, mas por enxergá-los como lugares horizontalizados que incluam
processos para a subjetivação e novos reconhecimentos de si e do entorno. Nesse
sentido, interromper a defesa de uma separação entre a mente e o corpo significa
abandonar práticas educacionais que não consideram a presença corporal de
professores e estudantes, a fim de não mais ignorar as suas próprias narrativas,
histórias e maneiras de escrevê-las performaticamente no âmbito do ensino e da
sua plenitude.
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Corpo, escrita e performance na formação inicial de
professores de Arte
Tendo por pano de fundo as considerações teóricas acima delineadas,
buscaremos discorrer sobre duas práticas pedagógicas no contexto da formação
inicial de professores, mais especificamente a partir de duas de nossas
experiências, vivenciadas individualmente. Num primeiro momento, nossa
intenção é refletir de maneira coletiva sobre essas práticas distintas, a fim de
ampliar as nossas percepções acerca da temática em torno das questões sobre
corpo, escrita e performance.
São faces desta mesma intencionalidade convergir experiências interessadas
em situações de ensino atravessadas pela dimensão performativa do corpo, em
especial sobre a égide dos estudos sobre performance na educação, tal qual
sugerem Gonçalves e Oliveira (2020) em sua noção de Educação performativa.
Essas aproximações e convergências objetivam analisar como as práticas, por
meio das suas diferentes escolhas metodológicas, podem configurar meios
pedagógicos para a sistematização do pensamento sobre corpo no ensino de Arte,
em especial nas confluências educativas servidas da escrita em possíveis
processos criadores.
Da primeira, descreve-se os processos metodológicos utilizados na
elaboração do plano de aula no curso de Licenciatura em Artes Visuais. Trata-se
de uma abordagem qualitativa, entendida como a mais adequada diante da
temática trabalhada. Apresentamos a seguir a estruturação realizada para a
aplicação metodológica, bem como a forma utilizada para a geração de dados de
maneira detalhada. A proposição da pesquisa teórico-prática foi desenvolvida
dentro da disciplina obrigatória de “Didática”, cujo objetivo consiste em possibilitar
que os discentes possam elaborar e aplicar uma aula, explorando diferentes
metodologias de ensino. Assim, os procedimentos descritos configuram-se como
uma experimentação com alunos da graduação, interessados em atuar como
professores de Artes Visuais.
Na etapa inicial, foi estabelecida como abordagem metodológica uma aula
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laboratorial de corpo, visando o caráter experiencial, de modo que o foco central
fosse proporcionar escritas por meio de atividades que convidassem os alunos à
consciência das suas posições como sujeitos de uma formação em licenciatura.
Assim sendo, o ponto de partida para a proposta foi elaborar reflexões que
estimulassem futuros professores de Arte a pensar suas práticas de aula como
ferramenta vigorosa para compreender o corpo na educação. Sequencialmente,
delimitou-se como teoria de sustentação metodológica a Educação performativa,
que concebe o corpo como agente transformador do espaço escolar (Gonçalves;
Castilho; Gabardo Junior, 2019), propositor de seus enunciados e produtor de
conhecimentos (Gabardo Junior, 2020).
O tema escolhido para a prática de aula foi “Corpo e escrita performática:
disparadores visuais e teatrais na educação em Arte”, cuja proposta buscou
apresentar de forma breve os principais conceitos de uma Educação performativa
e compreender o corpo como dispositivo para fruição da escrita por diferentes
linguagens artísticas. Delimitado por cinco fases, o tempo total de execução foi de
duas horas com um grupo de 15 alunos, sendo a maioria pertencentes ao terceiro
período do curso, com idades variando entre 18 e 35 anos.
Cada fase foi construída e nomeada respectivamente como: Parte 1:
Disparador poético visual; Parte 2: Introdução teórica à Educação performativa;
Parte 3: Prática de experimentação 1 - Teatro Imagem de Augusto Boal; Parte 4:
Prática de experimentação 2 - Corpo e espaço; Parte 5: Retorno ao disparador
poético visual. É importante destacar que, para a aula, foi solicitado à professora
regente a possibilidade de ocupar outros espaços da universidade além da sala
onde a aula ocorre cotidianamente. Para isso, utilizou-se de uma galeria destinada
à exposição de obras visuais, que, no momento da prática, encontrava-se
totalmente vazia.
Na parte 1, Disparador poético visual, foram espalhados pelo chão da sala
alguns papeis em branco, tamanho A1, de modo a formar uma espécie de tapete.
Por cima, foram dispostas várias imagens, como fotografias, ilustrações e pinturas,
as quais abordaram temáticas relacionadas ao corpo na escola ou em
aprendizagem, fosse em movimento, fosse encarcerado, fosse em estruturas de
diferentes contextos escolares ou mesmo em variações culturais dadas ao ensino.
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A proposta de curadoria imagética levou em consideração obras de forte
circulação, publicadas em livros, revistas e até mesmo apresentadas em
exposições.
Entre as imagens, três palavras foram escolhidas para compor o “tapete”,
funcionando como palavras-chave em relação às imagens: CORPO, ARTE,
EDUCAÇÃO. Foi solicitado aos alunos que, ao adentrarem o espaço, conforme
chegassem à universidade, circulassem ao redor desse grande tapete e
escrevessem frases, palavras e sensações que lhes viessem à mente ao
contemplar as imagens e as três palavras maiores. Para isso, foram
disponibilizados diversos tipos de riscantes, como canetas, giz, lápis, entre outros.
Os primeiros registros ocorreram de forma tímida e com poucas palavras, o intuito
era captar os primeiros sentidos que esses alunos pudessem atribuir ao que estava
disposto, sem reflexões prévias sobre a performance e a educação, que seriam
trabalhados na sequência.
Na parte 2, intitulada Introdução teórica à Educação performativa, foi
apresentada aos alunos, de forma resumida, uma introdução a diferentes
caminhos para se pensar a performance sob diversas perspectivas e sua relação
com a educação. Discutiu-se, assim, o caráter da performance como manifestação
vinculada a contextos e interesses específicos dos corpos, que produzem
memórias e cultura (Taylor, 2013); a performance como o reconhecimento de
qualquer atividade humana no exercício da existência social (Schechner, 2010); e a
performance no âmbito escolar, entendida como uma conduta que pode ser
estruturada, repetida e transformada em sua operação cotidiana (Gabardo Junior,
2020). Além disso, também foi introduzida aos alunos a percepção da performance
como pertencente ao campo da linguagem, o que permitiu compreender a
produção do texto como um processo intrinsecamente atado ao corpo
performativo (Zumthor, 2007).
Nesta parte, os alunos também assistiram e discutiram disparadores
audiovisuais para refletir sobre diferentes narrativas construídas do corpo na
escola frente à relação professor-aluno. Foram utilizados quatro videoclipes5
5 Os videoclipes utilizados como disparadores poéticos para a relação corpo-escola-linguagem foram: O corre
- Jup do Bairro (2021) disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=QbeKvHI2sVg Pedagoginga - Tiago
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musicais de artistas contemporâneos, retratando situações nas quais os
marcadores como raça, gênero, sexualidade e classe, dentre outras questões que
promovem uma marginalização do corpo, são recebidos ou negados de forma
impactante na vida de cada sujeito. A ideia foi proporcionar a visualização de
narrativas que estabelecessem uma relação com as imagens propostas na parte
1, junto às escritas realizadas pelos alunos.
Após a explanação teórica, foi iniciada a Parte 3, Prática de experimentação -
Teatro-Imagem de Augusto Boal, durante a qual os alunos foram convidados a
uma prática teatral oriunda do Teatro do Oprimido de Boal (1991), cujo intuito
original foi trazer visualidade cênica para questões políticas em que as pessoas
tivessem a oportunidade de tecer opiniões no entrelace teatro e linguagem. No
Teatro-Imagem a cena era esculpida de modo que cada corpo representasse uma
ação congelada da temática geral em discussão; logo depois, quem ocupava o
lugar de espectador opinava se aqueles corpos congelados em uma imagem
presente retratavam os sentidos do tema.
Na adaptação da proposta, solicitou-se aos alunos que formassem grupos, e
foram distribuídas frases de diferentes autoras que discutem a Escola, a Arte e o
Corpo. Assim, cada grupo teve um tempo para discutir como iriam esculpir suas
cenas. Diferente da proposta original de Boal, os demais alunos-espectadores não
tiveram acesso à frase-tema recebida por cada grupo; eles puderam visualizar
todas as frases projetadas na parede da sala e, após a montagem das cenas,
votaram na que acreditavam ser a correspondente.
Algumas frases propunham um contraponto de perspectivas sobre o corpo
do aluno na escola, como por exemplo:
Dar aulas me coloca continuamente em risco, pois não tenho e nunca
terei resposta para tantas questões que nascem, permanecem ou
desaparecem com o correr dos meses. E gosto disso. As certezas sempre
me incomodam e a normatização excessiva sempre me enlouqueceu
(Azevedo, 2020, p. 27).
Quando a educação é a prática da liberdade, os alunos não são os únicos
chamados a partilhar (...) Nas minhas aulas não quero que os alunos
Elniño (2017) disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=lEM-zYi7hcs Parabéns Piranha (tu agora
formada) - Tati Quebra Barraco e DJ Batata (2023) disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=QjK9lpBHRro e ABC do QQ - Quebrada Queer (2021) disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=XHdwk3wNbkM. Acessos em: set. 2024.
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corram nenhum risco que eu mesma não correr, não quero que
partilhem nada que eu mesma não partilharia (hooks, 2017, p. 35).
Pedagogia e criação artística se completam quando as aulas partem de
princípios claros de pesquisa e seguem rumo ao desconhecido da
improvisação e da criação artística, quando as regras inexistem o
importante é caminhar (Azevedo, 2020 p. 28).
A maioria dos meus professores não estavam nem um pouco
interessados em nos esclarecer. Mais do que qualquer outra coisa,
pareciam fascinados pelo exercício do poder e da autoridade dentro do
seu reininho - a sala de aula (hooks, 2017, p. 30).
Por diferentes ângulos da relação professor-aluno, tanto Azevedo quanto
hooks estabelecem uma crítica aos processos escolarizantes que não reconhecem
os alunos como sujeitos integrais, com uma diversidade de questões, dúvidas e
trajetórias. Em suas pesquisas, elas encontram formas distintas para questionar a
prática pedagógica e retratar situações vivenciadas pelos sujeitos, nas quais é
possível identificar a inquietação dos professores e dos alunos diante das
dinâmicas coletivas, ou a ineficiência de uma prática didática que cria muros
imaginários, distanciando os corpos que ocupam a sala de aula. Estas foram
apenas quatro das sete frases distribuídas para a atividade Teatro-Imagem e,
mesmo não se tratando de alunos das Artes Cênicas, todos envolveram-se
assiduamente com a atividade e levantaram várias discussões durante a dinâmica
de apresentação.
Iniciada a parte 4,
Prática de experimentação - Corpo e espaço
, foi proposta
a ampliação da discussão para refletir sobre os espaços físicos das escolas
também retratados nas imagens dispostas na atividade da parte 1 de modo a
discutir formas de ampliar a prática docente, oferecendo espaços diversos para
que os alunos pudessem refletir sobre suas próprias performances corporais, de
acordo com a delimitação de sua posição dentro da escola e os espaços que lhes
são permitidos.
A proposta foi estabelecida então com o seguinte desafio: nos mesmos
grupos da atividade anterior, os alunos deveriam pensar em um conteúdo de
interesse para abordar na posição de professores de Arte, sem delimitação de
anos/séries ou idade dos alunos a serem trabalhados. A partir dessa escolha, os
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grupos deveriam circular pela universidade e encontrar espaços alternativos isto
é, fora da sala de aula comum onde pudessem ministrar suas aulas e
proporcionar maiores experiências corporais aos alunos. Ao escolher o espaço, os
grupos deveriam fotografar o local e se reunir novamente para partilhar as imagens
e justificar qual conteúdo gostariam de ministrar e por que escolheram aquele
espaço, com base nas experiências corporais que ele proporciona.
Por fim, a proposta de aula chegou à parte 5,
Retorno ao disparador poético
visual
, em que os alunos foram convidados a olhar para o que haviam escrito no
início da aula e refletir sobre as novas palavras que circulavam por seus corpos
após todas as discussões realizadas. Posteriormente, retornaram ao tapete de
papeis e imagens e realizaram uma nova escrita livre, relacionada ou não às
palavras que haviam escrito anteriormente. Como resultado, os discursos finais
elaborados nesse tapete de palavras trouxeram novas reflexões, em contraponto
às primeiras, as quais serão apresentadas nos registros a seguir e aprofundadas
na sessão de análise (Figuras 1, 2 e 3).
Figura 1 - Primeiras observações. Foto: Sheurily da Costa (Curitiba, 2024).
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Figura 2 - Imagens e textos I. Foto: Sheurily da Costa (Curitiba, 2024).
Figura 3 - Imagens e textos II. Foto: Sheurily da Costa (Curitiba, 2024).
Em uma relação comparativa do primeiro exercício de escrita para o último,
o que reverbera e chama a atenção para uma análise discursiva é a mudança da
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relação corpo-imagem-texto. No primeiro exercício de escrita, ainda sem a
experimentação corporal da aula, a relação imagem e texto estabeleceu-se
principalmente de forma descritiva, de acordo com o que liam das imagens. Já, no
segundo exercício, percebeu-se que as palavras carregavam outros sentidos além
da simples descrição, pois estas haviam sido experienciadas pelo corpo no
decorrer da aula e, portanto, traziam maiores possibilidades discursivas uma vez
impressas por um corpo presente e mais consciente de si.
Outra observação inicial foi que os alunos estavam livres para escrever frases,
pequenos textos ou palavras. No entanto, unanimemente, todos escreveram
utilizando apenas palavras isoladas nos dois momentos. Uma possível dedução a
partir dessa escolha é que a criação textual também nasce de um processo
rigoroso de
mastigar
e
digerir
palavra por palavra. Escolher uma palavra em vez de
outra é um exercício intrínseco ao corpo, pois revela o que ele também abandona.
A jornalista e pesquisadora da área da comunicação, Bruna Rocha, viralizou
recentemente nas redes sociais com uma publicação que esmiuçou a relação
entre a escolha e a dificuldade da escrita:
Escrever é decidir, por isso, tão difícil. Seja um tuíte ou um livro. Um artigo
de jornal ou científico. Uma carta de amor ou uma tese de doutorado.
Escolher uma palavra e não outra. Se expor à perda. Não se pode dizer
tudo, é, portanto, assumir o risco de escolher o que dizer (Rocha, 20246).
Portanto, é neste gesto de escolhas e abandonos que se presentifica o corpo
que escreve; além disso, este delicado exercício de escolhas e renúncias escancara
a materialidade do papel como uma espécie de superfície capaz de refletir a
imagem de seu autor/criador, isto é, existir por meio das palavras que escorrem
rumo ao preenchimento do arquivo que lhe é endereçado, ou ainda: “Me debruçar
sobre a própria escrita, amá-la; Me demorar sobre a folha em branco, não ter
pressa, entendê-la; A que escreve sempre tem tanto por viver a própria palavra;
Alcançá-la com meu corpo, enternecendo-o” (Gonçalves, 2024).
Das materialidades texto-visuais resultantes da aula, os primeiros registros
trouxeram palavras como:
tensão
,
vazio
,
tédio
,
representação
,
movimento
,
6 A citação direta não possui número de página por se tratar de uma publicação via plataforma digital do
Instagram.
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desconfortável
,
espaço
,
sala
,
corporativo
,
grade
,
estética
,
vigiar
,
detalhes
, projeto,
encaixe
,
ganância
,
estrutural
, dentre outras. Cabe destacar que, nesta etapa,
algumas palavras se repetiram, como
desconforto/desconfortável
e
movimento
,
esta última citada em dois espaços com imagens diferentes. Além disso, é possível
observar perspectivas opostas em relação às imagens e as palavras centrais. No
entanto, no primeiro momento, o que se sobressaiu foram as perspectivas de uma
escola não acolhedora para o corpo.
Já, no segundo momento, alguns optaram por trabalhar uma reescrita da
primeira palavra, ou então uma interferência, formando outras palavras, surgindo,
assim:
In-tensão
,
vazio
-
cheio
,
descontrolável
,
des-encaixe
,
experiência
,
possibilidades
,
criação
,
relax
,
potencialidades
,
ação
,
liberdade
,
ser
,
leveza
e
poder
.
Novamente, os alunos optaram pela continuidade da expressão textual apenas
com palavras únicas. Entretanto, neste momento, elas não estavam mais isoladas
ou soltas, pois as segundas relacionavam-se com as primeiras ou então
propunham de forma clara um outro olhar sobre os primeiros apontamentos,
demonstrando que, após a proposta de uma prática de Educação performativa, os
sujeitos não olhavam apenas para o que estava exposto no tapete, mas na relação
de seus corpos junto a estas materialidades em uma composição conjunta.
A segunda prática metodológica realizada no curso de Licenciatura em Dança
consistiu em um conjunto de ações metodológicas organizadas ao longo do
primeiro semestre de 2024, em uma disciplina obrigatória denominada “Criação-
Ensino-Aprendizagem IV”, cuja ementa prevê discussões que abarquem o ensino
da dança na perspectiva de uma Educação Inclusiva. Desse modo, objetivou-se
compreender quais sentidos sobre docência esses sujeitos – professores de Arte
em formação possuíam em torno das discussões acerca dos corpos com
deficiência no âmbito da dança, sobretudo no interesse como esses mesmos
sentidos significava o entendimento dos processos didáticos mais inclusivos nos
contextos formais e não formais de educação.
Dentre as intenções estava ampliar as perspectivas diante das múltiplas
maneiras para se dançar com base nos pressupostos da Educação Inclusiva,
maneiras estas pautadas, essencialmente, na singularidade do corpo com
deficiência, a fim de romper com metodologias excludentes, segregadoras e/ou
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integradoras em detrimento da acessibilidade em processos de ensino e criação.
A escrita foi, então, assumida como parte da materialização das impressões
individuais e coletivas sobre essas questões. Ou seja, como meio de convergir o
pensamento e a atitude pedagógica dos sujeitos, professores de Arte em
formação, para com a elaboração de possíveis sistematizações no ensino da dança
e na busca por performances críticas sobre os processos pedagógicos em Arte.
Foi proposta a questão disparadora “Qual a docência em dança me
interessa?”, no intuito não apenas de mapear os interesses mais pessoais sobre a
elaboração de aulas de dança, mas também de sinalizar como os nossos
interesses pedagógicos consideram, ou não, perspectivas educacionais mais
inclusivas. Quer dizer, abordar este assunto em forma de elaboração de possíveis
respostas “pode ganhar contornos novos pela percepção do lugar teórico de onde
partem atualmente, gerando novos inícios, que poderão causar diferenças imensas
ao longo do tempo nos estados transitoriamente finais de discussão deste tema”
(Bertoldi; Souza, 2009, p. 51).
A fim de estabelecer critérios para a formulação do exercício e instigar os
diálogos a partir das possíveis respostas, sugeriu-se a elaboração de uma síntese
textual acompanhada de uma proposta performativa. Em outras palavras, a escrita
e o corpo deveriam convergir em estratégias metodológicas por meio de
proposições que levassem o sujeito a mover a sua própria escritura. Portanto,
arquivo e repertório configuram relações mais dialéticas e menos hierárquicas para
a formação da consciência crítica, indispensável para a formulação de novas ideias
e hipóteses para com a autonomia do fazer-pensar docente.
A respeito das escritas, estas contemplaram diferentes suportes e técnicas.
Dentre elas, proposições a partir do recorte e da colagem para a confecção das
escritas, realizadas com a intenção de mobilizar dizeres sobre a dança na
perspectiva inclusiva. A exemplo de um dos sujeitos, uma professora em
formação, que, ao dispor de materiais alternativos, buscava problematizar as suas
inquietações pedagógicas quando deparada com corpos com deficiência frente
aos desafios em torno da escassez de recursos didáticos nos sistemas públicos
de ensino formal. Os textos construídos por meio de palavras e frases eram
tecidos em tempo real, configurando a performance na sala de aula por meio de
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uma escrita performática que, por um lado, emergia das provocações da
estudante/proponente e, por outro, fomentava um coletivo de performances que
proporcionaram uma troca efetiva de impressões sobre o assunto em questão,
mobilizando o corpo e a escrita de maneira contínua e didaticamente interessante
(Figura 4).
Figura 4 - Elaboração para a escrita performática I. Jair Gabardo (Curitiba, 2024).
Zumthor (2007) nos lembra que o corpo na performance oferece ao
conhecimento do ouvinte-espectador uma situação de enunciação. A feitura do
texto e a sua leitura por meio do ato de fazê-lo promovem enunciações que
objetivam adentrar nas questões reconhecidas como urgentes por aqueles
sujeitos. Ou seja, a escrita performática se configura tanto como metodologia de
trabalho e criação quanto como um dispositivo para discursar
pelo
e
com o
corpo
no momento da sua realização. Palavras, vozes, movimentos e a artesania,
presentes no momento na elaboração do texto, configuram-se na escrita
performática como modo para se refletir sobre suas próprias narrativas, cuja
escrita se faz meio de inscrição do próprio corpo e reflete a sua realidade
educacional, permeada de espaços para o dizer sobre si.
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Aqui, cabem as especulações de ordem subjetiva e a abertura metodológica
para os diferentes modos de discursar por meio do corpo e da escrita. A
performance na educação encontra nos arquivos cartazes, palavras, frases sobre
o suporte do papel e repertórios ações propostas para e com o corpo da
sala de aula a possibilidade de experimentação e presença como motes para
levantar o pensamento crítico sobre aquilo que desejamos aprender e discutir.
Para Gonçalves,
As perguntas que se lançam nesse momento são: como olhar para as
narrativas escritas dos sujeitos dessa pesquisa a partir da noção de
performance escrita performática? O que fica dos sujeitos e de suas
histórias quando estes se propõem a narrar fatos e histórias sobre si na
perspectiva das experimentações performáticas? Tentando respondê-
las, seria prudente destacar que o próprio conceito de performance
deixaria entrever a teatralização da imagem do autor-sujeito. Quem é o
sujeito escritor e quem é o sujeito-autor? Considerando a escrita como
performance, essa é a pergunta que menos interessa responder, porque
não se quer, nesse viés, um sujeito pleno, que pode ser refletido ou
mascarado pelo texto que escreve (2016, p. 94).
Em outras palavras, a escrita performática consiste na ação que busca
problematizar, convergir e friccionar arquivos e repertórios, palavras escritas e
faladas com e pelo corpo daquele que, em performance, discursa. A autoria é,
portanto, um ato performativo que se constrói mediante as relações dos sujeitos
que desempenham os seus papeis sociais de professores em formação. A escrita
performática se constitui na relação para além da sua forma escrita, pois, afinal,
escrever consiste em fazer escolhas capazes de oferecer voz, movimento e, ao
que se espera da escrita performática como suporte metodológico, apresentar o
corpo e convocá-lo às novas maneiras de se inscrever no mundo.
É notável como corpo, escrita e performance constroem e se problematizam
“no percurso da escrita, em um emaranhado de letras e representações que
desembocam em uma exposição de si mesmo, do sujeito enunciador e do espaço
do qual enuncia” (Gonçalves, 2016, p. 95). Isso inclui a dimensão performativa como
espaço produtor de sentidos não saturáveis, mas compreendidos à luz dos modos
para se enunciar e escutar performaticamente.
Ao compartilhar as suas impressões pessoais, cada estudante é convidado a
responder os enunciados que emergem das trocas faladas e movimentadas pelos
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corpos num coletivo de performances que, corporalmente, lançam e respondem
questões intrínsecas aos seus processos de formação (Figura 5). Corpo, escrita e
performance parecem incluir um arsenal de ações que convocam olhares
espectadores, autorias compartilhadas e capacidade de síntese em forma de
frases e/ou palavras-chave que são recortadas/coladas/escritas ao longo da
performance na sala de aula.
Figura 5 - Elaboração para a escrita performática II. Jair Gabardo (Curitiba, 2024).
O resultado aparece em forma de cartaz (Figura 6). As palavras, escritas e
danças são elencadas em relações horizontalizadas e complementares, isto é, o
texto de um(a) é a continuidade e complemento de outro(a). As frases tomam
forma junto com a forma que se tomam as discussões sobre corpos com
deficiência na educação. A educação em Arte nos interessa revelada pelas
diferentes maneiras para discursar corpos que ainda temem lidar com a inclusão.
Não por sua aversão, mas pelo compromisso social de educar que não se faz – e
nem mesmo se pode fazer sozinho. Ao mesmo tempo em que revela, passa a
confirmar a necessidade de ampliar as discussões sobre a inclusão na dança que,
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por sua vez, denota a importância e a urgência de incluir no ensino de Arte
procedimentos de escrita que convoquem, como nos lembra Pineau (2013), os
corpos a lutarem corporalmente com os conteúdos e saberes das disciplinas
escolares/acadêmicas.
Figura 6 - Elaboração para a escrita performática III. Jair Gabardo (Curitiba, 2024).
Algumas considerações nunca finais…
Corpo, escrita e performance triangulam os modos de pensar a Educação
performativa a partir de práticas metodológicas no ensino de Arte, cuja escrita
performática evidencia maneiras de pensar a sala de aula performaticamente. A
ligação entre o corpo e a escrita pelas vias da performance não apenas reorienta
os modos de conceber o discurso dentro da sala, mas também expande
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alternativas para a elaboração do trabalho didático.
Inclui-se aqui a escolha de procedimentos metodológicos pautados pela
experiência vivida irreproduzível da performance no momento presente e a certeza
de que, por meio de arquivos, possamos não apenas arquivar informações, mas
manuseá-los em sua virtualidade, a fim de (re)configurar e atualizar os
performativos em processos artístico-pedagógicos.
As nuances performativas inscritas no arquivo toma-se aqui os textos, as
colagens, as intervenções escritas oferecem subsídios para (re)leitura e
(re)escrita como processos educacionais de infinitos arranjos criadores. Os corpos
que escrevem, performam e dançam em contextos educacionais tornam-se
sujeitos intérpretes/arquivistas do seu processo de escrita performática.
Pode-se perceber que a simples provocação de se movimentar pelo campus
com o olhar atento para outros espaços, de acompanhar uma aula prático-teórica
fora da sala de aula, de fotografar ou criar cenas com o corpo, dentre outras
relações vivenciadas pelos planos de aula oferecidos, proporcionou aos
estudantes resultados como a elaboração textual reflexiva ainda que, em sua
maior parte, por meio da oralidade sobre a prática docente e as experiências dos
sujeitos diante das posturas dos professores em sala de aula.
Consideramos imprescindível atribuir a esses arquivos produzidos ao longo
das duas experiências pedagógicas supracitadas um estado lacunar, quer dizer, a
possibilidade para novas atualizações, tão capazes de ressignificar o entendimento
sobre o corpo, a escrita e a performance, especialmente frente às impressões e o
conhecimento dos assuntos até então abordados. Tal perspectiva sugere, por meio
da escrita performática, a continuidade, o desdobramento, ou um
vir-a-ser
para
se refletir sobre a educação em Arte na contemporaneidade. Afinal, tanto o arquivo
quanto o repertório refletem a sua incompletude e potência para novas maneiras
de se performar educacionalmente.
Por fim, a experiência com a escrita performática reforçou o exercício de
existência do corpo discursivo, atravessado e embebido pelas palavras e
estimulado por uma escrita ativadora do pensamento crítico, desierarquizando e
também desdicotomizando a escrita sobre o corpo e ampliando as nossas
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Aprovado em: 16/10/2024
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