
Corpo-que-escreve
Diogo Liberano
Florianópolis, v.4, n.53, p.1-41, dez. 2024
e um teatro, naquela época, novo (no qual a dramaturgia é um arranjo de ações
que não pode ser transcrito em palavras e posto no papel porque tal arranjo ou
texto é propriamente o acontecimento teatral, ou seja, o performance text): “seria
tautológico afirmar que o performance text (que é o espetáculo) pode ser
transmitido pelo espetáculo” (Barba, 2012, p.67).
Só há dramaturgia, no entanto, quando as ações começam a formar tramas.
A trama é o modo pelo qual as ações trabalham juntas, tal como a reunião das
linhas que, arranjadas coletivamente, formam um tecido. Interessado nos tipos de
trama que um espetáculo teatral pode compor, Barba sugere dois modos de
tramar ações: via concatenação (ou encadeamento) e via simultaneidade: “O
primeiro tipo de trama tem a ver com o desenvolvimento das ações no tempo,
através de uma concatenação de causas e efeitos”, enquanto o “segundo tipo de
trama [simultaneidade] tem a ver com a presença simultânea de várias ações”
(Barba, 2012, p.66). Tais dimensões – concatenação e simultaneidade – constituem
o texto do acontecimento teatral e “através de sua tensão ou de sua dialética,
determinam o espetáculo e sua vida: o trabalho das ações – a dramaturgia” (Barba,
2012, p.67). A relação entre tais polos não se dá por contradição, ele afirma, e sim
por uma espécie de oposição dialética, já que “o problema é o equilíbrio entre o
polo de concatenação e polo de simultaneidade” (Barba, 2012, p.67)4.
Em muitos casos, quanto mais difícil é para uma espectadora “interpretar ou
avaliar imediatamente o sentido do que acontece diante de seus olhos e de sua
mente, mais forte é a sensação de viver uma experiência”, ou ainda, “mais forte é
a experiência de uma experiência” (Barba, 2012, p.67). Barba acredita que a
dramaturgia, o trabalho das ações, deve equilibrar os dois polos, já que “a perda
do equilíbrio a favor da trama por concatenação leva a peça ao torpor de um
reconhecimento confortável” enquanto a perda do equilíbrio a favor da
simultaneidade “pode resultar na arbitrariedade, no caos” (Barba, 2012, p.68).
Mas se o encenador arrancou a dramaturgia do texto escrito e a transformou
4 “Empobrecer o polo da simultaneidade é o mesmo que limitar as possibilidades de fazer brotar significados
complexos no espetáculo. Esses significados não derivam de uma complexa concatenação de ações, e sim
do entrelaçamento de várias ações dramáticas, cada uma delas dotada de um ‘significado’ próprio e simples.
[...] E, assim, o significado [...] de um fragmento da peça não é determinado apenas pelo que o precede e
pelo que virá depois, mas também por uma multiplicidade de facetas, por uma sua presença, digamos
assim, tridimensional, que faz com que ele viva no presente com uma vida própria.” (Barba, 2012, p.67)