
A escrita e o teatro em um encontro com a escola: possibilidades em redemoinho, ETC
Júlia Fernandes Lacerda
Florianópolis, v.1, n.54, p.1-25, abr. 2024
os participantes à escrita ficcional, mediante o desenvolvimento da capacidade de
jogar teatralmente” (Pupo, 2005, p. 119-120). Nas experiências relatadas no livro, os
“jogos teatrais efetuados em grupos deram origem a textos de ficção escritos, às
vezes, dentro e outras vezes, fora dos encontros e eram depois comunicados
dentro da oficina” (Pupo, 2005, p. 120). Nesse sentido, a aproximação se dá por
considerar que “uma das grandes contribuições que o jogo teatral pode dar ao
processo de desenvolvimento da escrita é a ênfase na experiência sensível, tanto
por parte daquele que atua, quanto por parte de quem assiste ao jogo” (Pupo,
2005, p. 134), abrindo espaço para refletirmos sobre as potencialidades da escrita
em processos artísticos nas aulas de Teatro e Artes Cênicas.
Pontuamos, até o momento, que a escrita é ação, movimento, criação. Logo,
a escrita pode ser vista também como ação teatral, quando pensada em uma
escrita a partir da cena, em cena ou para a cena. Essa escrita está extremamente
vinculada ao acontecimento teatral que demanda a presença dos corpos em ação,
em um estado de representação, de criação e/ou recriação de histórias diversas,
apropriação e reescrita de narrativas orais próprias ou advindas de outras fontes.
“O que o teatro faz, portanto, é produzir algo visível a partir de palavras” (Guénoun,
2003, p. 51), mas não somente a partir delas.
Quando nos referimos ao teatro nessa pesquisa, falamos sobre um teatro
essencialmente escolar, no sentido do termo
skholé
proposto por Masschelein e
Simons (2018) e Rancière (2022)8, como um lugar em que há um “tempo livre” –
um tempo da suspensão, separado do tempo da produtividade – o qual se difere
completamente do termo escolarizado – que carrega um sentido até pejorativo,
como muitas vezes é tratado, em função do didatismo como é caracterizado (ou
poderia dizer julgado) por estar situado na escola. Um teatro que reconhece o
espaço escolar das salas de aula como um lugar para a experimentação artística,
para a percepção sensível de si e do outro, especialmente por meio da brincadeira,
8 Jacques Rancière, professor universitário e filósofo francês, escreve no ano de 1988 um texto intitulado
Escola, Produção e Igualdade republicado no livro Jacques Rancière e a escola: educação, política e
emancipação (2022), no qual reflete sobre a forma-escola: “A escola não é, a princípio, uma função ou um
lugar definidos por uma finalidade social exterior. Ela é, antes, uma forma simbólica, uma norma de
separação de espaços, tempos e ocupações sociais” (Rancière, 2022, p. 77). Seguindo esse pensamento e
retomando o termo colocado por Rancière, os autores e filósofos Masschelein e Simons refletem sobre “a
tradução mais comum da palavra grega skholé”, bastante difundida entre pesquisadores e pensadores da
educação: “tempo livre para o estudo e a prática oferecida às pessoas que não tinham direito a ele de acordo
com a ordem arcaica vigente na época” (Masschelein; Simons, 2018, p. 9).