A escrita de si e a cena performativa decolonial: narrativas urgentes, corpos insurgentes
Andréa Stelzer
Florianópolis, v.4, n.53, p.1-16, dez. 2024
de seu corpo dançado e nas palavras que constroem o imaginário de sua
ancestralidade, num giro entre presente, passado e futuro, procurando descobrir
quem é “Deiço”. A sua performance busca questionar as diferentes formas de
reinvenção de si por meio de memórias, sonhos e fabulações, revelados pelo corpo
que se insurge em uma dança potente de encontro com a sua ancestralidade.
A cena apresenta experiências de vida, de sonho e de testemunho por meio
de uma escrita fragmentada entre memória e imaginação, estabelecendo um
espaço cênico entre o real e o onírico. O exercício autoficcional começou a partir
de uma investigação a respeito do seu nome, partindo das questões: Quem deu o
nome? Qual a origem do nome e sobrenome? Qual a sua ancestralidade? Qual o
significado do nome? Neste exercício, ele apresentou uma escrita que seria a
origem para a sua performance final:
Davidson era uma possibilidade de conforto. Os avós queriam neto
macho para quebrar a cisma da morte: Diz que o primeiro filho e o sétimo
eram homens, mas morreram ainda muito pequenos. “Não guardou
resguardo” falava a vó. E por isso, antes de ser Davidson, era menino.
Nascer homem era um alivio para a mãe e a certeza de cumprir a
promessa de peregrinar à Bom Jesus da Lapa com a criança na primeira
oportunidade. Quando chegaram da maternidade a notícia de que era
menino-home já faziam uns vibrarem e ao primeiro olhar já tiraram o
macacãozinho azul bordado para ver o saco preto. “Como é? O nome?”
Davidson, pai. “Deiço?” DA VI DI SON. “Hum... e é só Deiço?” Quero
Davidson José, pra ter uma parte do nome do pai. Antes de ser Davidson
e ser homem, era uma prece. Veio depois de uma outra gestação
abortada, que a mãe desconversa sempre o assunto. Então, Deiço ecoou
fruto das papilas gustativas da avó, e orou em formato de beijo nos pés,
quando o avô o pegou no colo. Neste entreter, a boca da avó mastigava
um fio de linha vermelha que ela apanhou com a ponta dos dedos e
fazendo um pequeno bolo colocou na testa da criança e fez um sinal da
cruz. Quem chamou Davidson pela primeira vez foi a irmã da mãe. Iris era
enfermeira e ouvia no hospital histórias de maternagem e por isso sabia
todos os nomes de crianças de Antônio a Washington. “Põe Davidson”.
“Achei bonito... Davidson”. “É sonoro”. Ela tinha escutado Davidson da
boca de outra mãe que homenageava a moto preferida do marido e, em
outra oportunidade, de um padre dizendo que era filho de Davi. Ficaram
com a versão mais sagrada, já que a mãe tinha entregado a criança nas
mãos da Virgem enquanto rezava, durante a gravidez. Então, ficou
Davidson um principezinho. Soou bonito e ficou. Registrou-se. Ficou no
registro batismal Davidson José, mas na vida ficou Deiço mesmo.
Depuseram a nobreza, encarnaram a santidade. Rachou-se o nome
inglesado e, nos lábios das primas, ficou Deicin, Dê, Dedê, Dei. Deu-se
assim, melhor ser homem quando o nome descasca. Davidson virou
pretérito perfeito e Deiço entregou-se às abreviações. Hoje perguntei para
mãe qual era a história do meu nome, daí ela falou assim: seu nome não