Cena e a teoria entre o nós e o ele, o eu e o outro
José Da Costa
Florianópolis, v.2, n.51, p.1-26, jul. 2024
extraio algumas das minhas problemáticas teóricas mais persistentes nos últimos
anos. Em texto de Stuart Hall publicado no Brasil já há alguns anos dentro de uma
coletânea de estudos culturais, lemos o que se segue:
Acima de tudo, e de forma diretamente contrária àquela pela qual elas
são constantemente invocadas, as identidades são construídas por meio
da diferença e não fora dela. Isso implica o reconhecimento radicalmente
perturbador de que é apenas por meio da relação com o Outro, da relação
com aquilo que não é, com precisamente aquilo que falta, com aquilo
que tem sido chamado seu
exterior constitutivo
, que o significado
“positivo” de qualquer termo – e, assim, sua identidade” - pode ser
construído. As identidades podem funcionar, ao longo da história, como
pontos de identificação e apego apenas
por causa
de sua capacidade
para excluir, para deixar de fora, para transformar o diferente “exterior”,
em abjeto. Toda identidade tem, à sua “margem”, um excesso, algo a
mais. A unidade, a homogeneidade interna, que o termo “identidade”
assume como fundacional não é uma forma natural, mas uma forma
construída de fechamento: toda identidade tem necessidade daquilo que
lhe “falta”- mesmo que esse outro que lhe falta seja um outro silenciado
e inarticulado (Hall, 2000, 110).
Alguns aspectos saltam aos olhos quando lemos essas linhas da tradução
brasileira do texto de Stuart Hall. Chama a atenção, por exemplo, o modo como o
texto recorre a sinalizadores gráficos (letra maiúscula, fonte em itálico, aspas).
Alguns desses recursos parecem, mais do que meramente realçar a importância
de um conteúdo textual, querer apontar para um suplemento de sentido
desestabilizador de tal conteúdo, a exemplo do
exterior constitutivo
(em itálico)
frente ao que é mencionado como o suposto significado “positivo” (adjetivo
marcado com aspas). A dúvida ou inquietação diz respeito, nesse caso, ao grau em
que a margem externa (exterior constitutivo) pode ser apreendida de fato como
não pertinente àquilo que, como um campo determinado (significado positivo),
busca se separar daquela margem (negativa ou perturbadora). O esforço de
separação almeja constituir uma unidade integralmente discreta e definida,
quando o que se tem possivelmente seja, antes de tudo, apenas um campo cuja
delimitação não pode ser senão parcial.
Mas, no texto (como argumentação verbal, estrutura formal e procedimento
de escrita, incluindo os elementos diacríticos), o caráter contingencial, aberto ou
mesmo vulnerável do campo ou lugar da identidade, que se quer afirmar, ganha
corpo em grande medida precisamente pela materialidade dos sinais gráficos ou