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Que espaço as epistemologias teatrais devem ocupar nos
novos currículos da Licenciatura em Teatro?
Francisco André Sousa Lima
Para citar este artigo:
LIMA, Francisco André Sousa. Que espaço as
epistemologias teatrais devem ocupar nos novos currículos
da Licenciatura em Teatro?
Urdimento
Revista de
Estudos em Artes Cênicas, Florianópolis, v. 2, n. 51, jul. 2024.
DOI: 10.5965/1414573102512024e0210
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Que espaço as epistemologias teatrais devem ocupar nos novos currículos da
Licenciatura em Teatro?1
Francisco André Sousa Lima2
Resumo
O artigo aborda a crise nas relações entre epistemologias teatrais e educacionais a partir do
contexto das novas diretrizes curriculares da formação de professores (Resoluções CNE
02/2015 e CNE 02/2019). Tem como estudo de caso o currículo do curso de Licenciatura em
Teatro da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia e suas iniciativas visando conjugar
dimensão pedagógica e propedêutica da linguagem teatral. A partir dos estudos
contemporâneos em pedagogia do teatro, estabelece-se vínculos entre práxis artística,
teorias teatrais e teatro-educação para dirimir possíveis controvérsias sobre a veiculação de
princípios da composição artística na formação de professores em Teatro.
Palavras-chave
: Epistemologias teatrais. Pedagogia do teatro. Formação de professores.
Criação artística. Resolução CNE 02/2019.
What space should theater epistemologies occupy in the new degree program for theater
teachers?
Abstract
The paper addresses the crisis in the relationship between theatrical and educational
epistemologies in the context of the new curriculum guidelines for teacher training in Brazil
(CNE Resolutions 02/2015 and 02/2019). As a case study, it looks at the curriculum of the
Theater Degree course at the Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Brazil) and its
initiatives designed to combine the pedagogical and propaedeutic dimensions of drama.
Based on contemporary studies in theater pedagogy, it establishes links between artistic
praxis, theatrical theories and theater-education in order to resolve possible controversies
about the conveyance of artistic composition principles in the training of theater teachers.
Keywords
: Theatrical epistemologies. Theater pedagogy. Teacher training. Artistic creation.
CNE Resolution 02/2019.
¿Qué espacio deben ocupar las epistemologías teatrales en los nuevos planes de estudio de la
Licenciatura de Teatro?
Resumen
El artículo aborda la crisis de la relación entre las epistemologías teatral y pedagógica en el
contexto de las nuevas directrices curriculares para la formación de profesores en Brasil
(Resoluciones CNE 02/2015 y 02/2019). Su estudio de caso es el currículo de la carrera de
Licenciatura en Teatro de la Universidad Estadual del Sudoeste de Bahía y sus iniciativas
dirigidas a conjugar las dimensiones pedagógica y propedéutica del lenguaje teatral. A partir
de estudios contemporáneos de pedagogía teatral, establece vínculos entre praxis artística,
teorías teatrales y teatro-educación para resolver posibles controversias sobre la transmisión
de principios de composición artística en la formación de profesores de teatro.
Palabras clave:
Epistemologías teatrales. Pedagogía teatral. Formación de profesores.
Creación artística. Resolución CNE 02/2019.
1 Revisão ortográfica e gramatical do artigo realizada por João Vítor Barbosa Cândido - Mestrando pelo
Programa de Pós-Graduação em Letras, Cultura, Educação e Linguagens (PPGCEL/UESB). Licenciado em
Letras Língua Portuguesa pela UESB). Tradutor e revisor.
2 Doutorado em Artes Cênicas pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Mestrado em Artes Cênicas pela
UFBA. Licenciado em Teatro pela UFBA. Professor doutor Adjunto da Universidade Estadual do Sudoeste da
Bahia atuando nos cursos de Teatro e Dança. francisco.lima@uesb.edu.br
http://lattes.cnpq.br/9355338335468937 https://orcid.org/0000-0002-2536-8675
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Como em todo campo transdisciplinar, o debate sobre a formação em
Licenciatura em Teatro vez ou outra se enreda no problema da conjugação de
interesses específicos dos dois campos de atuação que a caracteriza: o teatro e a
educação. Como configuram bases epistêmicas autônomas, suas teorias possuem
convergências e controvérsias que podem ganhar evidência em conjunturas de
reforma. Testemunhamos na última década reorientações estruturantes de ordem
política e filosófica na educação básica e no ensino superior que trouxeram à baila
o debate sobre a natureza do conhecimento artístico e teatral, que novamente
precisam ser defendidos em diferentes arenas do debate público.
Neste trabalho me detenho a um pequeno recorte dessa discussão ao
analisar o papel da criação artística e das teorias teatrais para a formação de
professores e consolidação das epistemologias do ensino de teatro. Terei como
estudo de caso o currículo do curso de Licenciatura em Teatro da Universidade
Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), onde atuo na cadeia de disciplinas
vinculadas às metodologias e práxis artístico-pedagógicas. Buscarei nas linhas que
se seguem destrinchar brevemente algumas bases teóricas que nos auxiliam na
compreensão dos intuitos pedagógicos do que aqui denominarei de
disciplinas
criativas
3 previstas no itinerário oferecido pela instituição. Trata-se de
componentes curriculares obrigatórios que preveem o desenvolvimento de
processos de montagem e que culminam em um resultado estético em formato
de espetáculo cênico.
Analisaremos o modo como estas disciplinas se articulam com as práticas
de estágio supervisionado, os componentes de dimensão pedagógica e demais
princípios instituídos pelos atuais marcos legais que pavimentam a graduação em
artes cênicas (BRASIL, 2003, 2004a, 2004b) e a formação de professores no Brasil
(BRASIL, 2015, 2019). O foco será o de estabelecer os vínculos teóricos entre
pedagogia do teatro, criação e fruição artística nesses processos, visando dirimir
possíveis controvérsias sobre a (in)adequação da veiculação de princípios e
procedimentos relacionados à composição artística na formação de professores
em Teatro.
3 O uso da expressão visa realçar o real objetivo desses componentes, que se destinam a uma apropriação
da ética profissional, epistemes e singularidades da criação artística.
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Teatro na educação: avanços e retrocessos
Em momentos sócio-históricos como o que vivenciamos na década recente,
permeado de instabilidade política e pouco espaço para amplos e aprofundados
debates, o protagonismo de governos de viés autoritário acabam por resultar em
redirecionamento de políticas de estado e no desmantelo de importantes
iniciativas resultantes de lutas históricas. No caso específico da educação
brasileira, o desejo por melhorias no sistema público de ensino tem reforçado um
apetite reformista por vezes estabanado – que desagua em desastres do porte
da Lei 13.415/2017, que instituiu a Reforma Curricular do Ensino Médio (BRASIL,
2017). Mesmo a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), aprovada em 2017, pode
ser incluída nesse bojo, uma vez que trouxe pequenos avanços para áreas de
conhecimento hegemônicas ao passo que deu margem a retrocessos em campos
de estudos como o das Artes.
No caso das linguagens artísticas, além de perder espaço no currículo do
“Novo Ensino Médio”, a implementação da BNCC (BRASIL, 2018) basicamente
paralisou conquistas instituídas pela Lei 13.278/2016 que implementou a oferta
obrigatória do ensino de artes visuais, dança, música e teatro em toda educação
básica (BRASIL, 2016). Uma oportunidade de avançarmos no sentido da
implementação de componentes específicos a cada linguagem dentro do
currículo. A nova base nacional continua atribuindo ao componente genérico
“Artes” a missão de apresentar aos discentes da educação básica o denso e
heterogêneo campo de domínio de cada uma das linguagens artísticas. O que
também deu margem ao retorno da antiquada pauta da formação polivalente.
Alia-se a isso a mudança de status das Artes, que deixou de ser considerada área
de conhecimento para se tornar um componente da área de Linguagens.
É para esse contexto que a formação em Licenciatura em Teatro estaria
formando profissionais, segundo as novas diretrizes de formação de professores
disparadas pelas Resoluções 02/2015 e 02/2019 do Conselho Nacional de
Educação (CNE). Um contexto onde seu campo de formação é considerado mera
unidade temática ou subcomponente de outra disciplina. E embora habilitado para
ministrar a disciplina “Artes” na educação básica, a formação oferecida pelos
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cursos superiores – que segundo a legislação atual deve ser desenvolvida em um
mínimo de 3.200 horas (BRASIL, 2019, p.05) continuarão formando docentes para
atuar em uma linguagem específica. Como conjugar encaminhamentos
abertamente conflitantes?
O panorama atual das políticas educacionais não me parece condizente com
os avanços dos debates sobre arte-educação, teatro-educação e pedagogia do
teatro. Nos últimos 50 anos o criterioso trabalho de sistematização e divulgação
de princípios, procedimentos e metodologias realizado por artistas, docentes e
pesquisadores que se dedicam aos estudos da pedagogia do teatro, por exemplo,
criou farta produção epistemológica e bibliográfica. Desde então essa base
teórica vem demonstrando por meio de diferentes objetos de estudo que o
fortalecimento do campo das artes na educação básica é uma premissa
importante para o aperfeiçoamento do sistema de ensino brasileiro.
Logo no início do século XXI Ingrid Koudela (2000) discorria sobre uma
profunda transformação na imagem social acerca do papel e relevância das artes
e do teatro seja para o campo acadêmico, seja como fonte de saberes
necessários às distintas áreas – disparadas pelos estudos em pedagogia teatral:
Do ponto de vista epistemológico, se num primeiro momento os
fundamentos do teatro na educação foram construídos a partir de
questões dirigidas ou formuladas pela psicologia e educação como áreas
capazes de fornecer os indicadores de caminho, hoje, com o vínculo com
a área de formação através da articulação de questões da história e
estética do teatro fornecem conteúdos e metodologias norteadoras para
a teoria e prática educacional. Podemos dizer que a situação se inverteu,
sendo que especialistas de várias áreas e em vários níveis de ensino
(desde a educação infantil) buscam a contribuição única que as áreas de
arte podem trazer para a educação (Koudela, 2000, p.03-04).
Se como indica a autora essa relevância se fazia notar no início da
revolução digital, o que não esperar das contribuições de epistemes e práxis
teatrais para a educação na atualidade? A necessidade de uma educação estética
permeando os distintos níveis e modalidades de ensino me soa ainda mais
fundamental no mundo onde a imagem, os signos e o próprio conhecimento
científico passaram a ser relativizados ou banalizados. Com os tantos desafios ora
existentes, as conquistas alavancadas a passos lentos, no sentido de valorar
aprendizados que se guiam pela subjetividade, conjugando o diálogo de ideias com
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a dimensão sensível, não devem ser deixados de lado ou reduzirem-se a um único
componente curricular, como no caso mencionado.
Para além de uma afirmação político-ideológica, entendo que o debate em
torno dos currículos da educação básica e do contexto da formação de
professores lança luz a questões epistemológicas que dizem respeito a disputas
de interesses entre campos teóricos. Isso porque os entrelaçamentos conceituais
que caracterizam as relações entre arte e educação, teatro e pedagogia delineiam
premissas que interferem de forma direta e indireta nas políticas públicas, nos
currículos e no cotidiano dos processos de formação das práxis artístico-
pedagógica. Discutir e compreender essas premissas pode ser um passo
importante para consolidação da arte-educação e pedagogia do teatro enquanto
campos conceituais autônomos e independentes que dialogam de forma
horizontal com as epistemologias educacionais, mas que não são reféns de seus
debates e sistematizações. Um avanço importante, mas que pode encontrar
muitos entraves.
Foi percebendo a necessidade de maior espaço para esses debates na
produção acadêmica das artes cênicas que na última década as epistemologias
do ensino do teatro passaram a ser meu horizonte de interesse. Durante os
estudos de mestrado e doutorado em Artes Cênicas busquei sistematizar
pesquisas que vinculam práxis artística, teorias teatrais e pedagogia do teatro4. A
partir de distintos objetos de estudo visei refletir teoricamente sobre os modos e
meios pelos quais podemos reinterpretar conceitos oriundos do campo
educacional adequando-os às especificidades dos processos educacionais em
artes cênicas. A partir de minha trajetória na Educação Superior, atuando na
formação de professores de teatro e integrando comissões de verificação e análise
de currículo dos cursos junto ao Conselho Estadual de Educação da Bahia, venho
percebendo o quanto essas definições conceituais delimitam espaços de poder,
sobretudo no que diz respeito aos itinerários curriculares, que como afirma Miguel
Arroyo (2013, p.14), são o palco de intensas batalhas epistemológicas.
4 Durante o mestrado (Lima, 2014) sistematizei o conceito de pedagogia do teatro de grupo a partir da análise
de ações de educação não formal promovidas por coletivos artísticos brasileiros. no doutorado (Lima,
2020) propus o termo currículo aberto para interpretar a organização da aprendizagem no ensino de teatro
realizado na educação profissional técnica de nível médio ofertada nos estados da Bahia e São Paulo.
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As novas diretrizes curriculares e a formação de professores
de teatro
Outro problema que o panorama das novas políticas educacionais busca
enfrentar é o enfraquecimento da atuação de licenciados com formação específica
no território da rede pública de ensino. No nosso caso, por exemplo, a criação de
novos cursos de Licenciatura em Teatro verificados entre 2007 e 20195 no país não
necessariamente tem repercutido em plena cobertura da demanda de licenciados
com formação específica atuando no ensino básico. O problema é que a demanda
de mão de obra especializada em pedagogia teatral está aberta em distintas
frentes. Os licenciados em teatro têm ocupando posições na gestão educacional,
como pesquisadores da pós-graduação, no turismo, na educação não formal
proposta por OSCIPs6, na educação profissional e em diferentes outros espaços.
Mesmo se considerarmos apenas a demanda oriunda da educação básica, o
número de graduados é facilmente absorvido pelo mercado do ensino privado ou
público, considerando a desproporcionalidade entre oferta e demanda.
Um dos caminhos visando solucionar esse problema é o fortalecimento das
licenciaturas na Educação Superior. Desde 2015 o Conselho Nacional de Educação
(CNE) tem empreendido iniciativas no sentido de aperfeiçoar a formação de
professores de modo que o caráter pedagógico dos currículos não seja um tema
acessório. As Resoluções do CNE 02/2015 e sua subsequente 02/2019, que
definem as diretrizes curriculares nacionais para a formação inicial e cursos de
segunda licenciatura, implementam medidas que abertamente fortalecem o
vínculo da formação docente com a prática de campo, sobretudo na educação
básica. De certo modo isso vem corroborando para a extinção de cursos em
formatos como o clássico formato 3+1, onde a formação do licenciado se configura
5 Para se ter uma ideia da dimensão dessa ampliação, tomando como base o nordeste do país, pelos menos
cinco grandes cursos de licenciatura em teatro foram implementados nesse período: em Natal-RN, na
Universidade Federal do Rio grande do Norte (2007); em Fortaleza (CE), na Universidade Federal do Ceará
(2009); em Aracaju (SE), na Universidade Federal de Sergipe (2009); em Jequié-Ba, na Universidade Estadual
do Sudoeste da Bahia (2012); no Crato-CE, na Universidade Regional do Cariri (2015); e em Senhor do Bonfim-
Ba, na Universidade do Estado da Bahia (2017). em 2019 a Universidade Federal da Bahia implementou
novos cursos de Educação à Distância destinados à formação de licenciados em teatro.
6 Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público. A expressão caracteriza os diferentes atores sociais
que sistematizam iniciativas de cunho pedagógico, cultural, político ou social. Diz respeito à associações,
fundações, sindicatos, grupos artísticos e culturais, Organizações Não Governamentais (ONGs), dentre outras
instituições do chamado terceiro setor que geralmente desenvolvem atividades sem fins lucrativos.
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como uma extensão dos cursos de bacharelado. Essas medidas coadunam a ideia
de que a professoralidade é um processo que se desenvolve no decurso de todo
um itinerário formativo, não estando vinculado apenas às disciplinas de caráter
pedagógico.
No caso específico da Licenciatura em Teatro, essa nova orientação do CNE
trouxe avanços importantes para o fortalecimento dos entrelaçamentos entre
produção artística, pesquisa acadêmica e professoralidade do artista docente.
Atribuir mais tempo da formação veiculada nas licenciaturas para atuação dos
discentes na educação básica e maior exploração das epistemes e práxis
vinculadas à didática, epistemologia do ensino, diversidade e educação inclusiva
suprem com louvor a estratégia de aprofundar os vínculos dos discentes com
pedagogia do teatro. Qualquer artista-pesquisador minimamente comprometido
com a pedagogia teatral conseguiria perceber e referendar esses avanços.
Mas, abraçar o território da educação básica e as disciplinas pedagógicas não
devem ser razão pela qual se diminui os conhecimentos vinculados à propedêutica
da formação específica em teatro, que irão nutrir de forma essencial as práticas
artístico-pedagógicas desenvolvidas nesses territórios. Se por um lado a resolução
contribuiu para estabelecer de forma clara o caráter pedagógico da formação
inicial e continuada de professores, por outro acabou por incentivar a
compartimentação dos itinerários formativos em três eixos distintos:
Art. 11. A referida carga horária [mínimo de 3.200h] dos cursos de
licenciatura deve ter a seguinte distribuição:
I - Grupo I: 800 (oitocentas) horas, para a base comum que compreende
os conhecimentos científicos, educacionais e pedagógicos e
fundamentam a educação e suas articulações com os sistemas, as
escolas e as práticas educacionais.
II - Grupo II: 1.600 (mil e seiscentas) horas, para a aprendizagem dos
conteúdos específicos das áreas, componentes, unidades temáticas e
objetos de conhecimento da BNCC, e para o domínio pedagógico desses
conteúdos.
III - Grupo III: 800 (oitocentas) horas, prática pedagógica, assim
distribuídas:
a) 400 (quatrocentas) horas para o estágio supervisionado, em situação
real de trabalho em escola, segundo o Projeto Pedagógico do Curso (PPC)
da instituição formadora; e
b) 400 (quatrocentas) horas para a prática dos componentes curriculares
dos Grupos I e II, distribuídas ao longo do curso, desde o seu início,
segundo o PPC da instituição formadora (BRASIL, 2019, p.06).
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A partir das premissas instituídas na Resolução, cada curso de licenciatura
precisou implementar adequações curriculares, a serem encaminhadas para
análise e aprovação dos Conselhos Estaduais de Educação. E nos novos currículos
era preciso apresentar, de forma bastante detalhada, uma separação entre
conhecimentos específicos das áreas de conhecimento, disciplinas com dimensão
pedagógica, prática como componente curricular e estágio supervisionado para
demonstrar, sistematicamente, o atendimento das medidas propostas pelo
documento normativo. A versão da resolução editada em 2019, substitutiva da
anterior CNE 02/2015, avança ainda mais nas restrições impostas às licenciaturas,
na medida em que estabelece que deve haver vínculo direto entre conhecimentos
específicos da área e objetos de conhecimento previstos pela BNCC.
Esse quadro de aparência meramente técnica indiretamente tende a
fortalecer a lógica de separação entre pedagogia e propedêutica da área específica,
quando todo o currículo destinado a formação de licenciados deveria refletir um
caráter pedagógico. É curioso perceber que nas Resoluções de 02/2015 e 02/2019
o CNE se dedicou, de forma bastante minuciosa, em preservar na formação de
professores os espaços adequados às vivências e epistemes pedagógicas. Mas,
diante de tamanho esforço, acabou por terceirizar a responsabilidade de
estabelecer conexões entre a didática e práxis pedagógica com as epistemologias
de determinada área de atuação aos interesses da equipe pedagógica dos cursos,
à liberdade de cátedra docente ou mesmo à autonomia de pensamento dos
estudantes. Mesmo que essa atitude vise preservar as especificidades de cada
área do saber intersecionada com a formação em licenciatura, organizações
normativas como as propostas acabam por reforçar uma lógica binária que não
contribui para a compreensão da complexidade que permeia o fenômeno da
educação.
Como é possível verificar nesse exemplo, o modelo disciplinar de
fragmentação do conhecimento e da aprendizagem ainda guiam nossas práticas,
seja no desenvolvimento das políticas educacionais, seja no próprio ambiente da
pesquisa acadêmica. Se os tempos são outros, é preciso reconhecer que essa
fórmula em que pese ser confortável para os agentes das políticas educacionais
não esgota as possibilidades de relação com os saberes e as práticas
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pedagógicas. E isso ganha uma dimensão ainda maior no que diz respeito ao
campo das Artes.
Entendo que os currículos das licenciaturas, enquanto catalizadores de uma
formação, devem refletir essa aproximação entre área específica e saberes
pedagógicos. Para além do desenho disciplinar, isso pode ser alcançado por meio
de vetores ou linhas de força que atravessam todo o itinerário formativo proposto.
No caso da Licenciatura em Teatro, se não estreitarmos os conhecimentos
específicos com as dimensões pedagógica e prática docente dificilmente
conseguiremos avançar na compreensão da indissociabilidade entre teatro e
pedagogia. Na docência em teatro, a prática artística e pedagógica são duas
interfaces que devem corroborar aos mesmos propósitos.
Célida Salume Mendonça (2013) traz importantes contribuições nesse
sentido, ao perceber a sala de aula como espaço de onde se pode emergir um
profícuo e genuíno diálogo com as práticas teatrais. Atendo-se à encenação no
espaço delimitado pelo currículo formal na educação básica, a pesquisadora
aponta que
Um dos maiores desafios para o ensino de teatro nas escolas públicas é
construir uma nova atmosfera para a experiência teatral e ajudar os
alunos a encontrarem sentido nas atividades que desenvolvem nessas
aulas, possibilitando que sintam sua contribuição como indispensável
para esse processo. Isso implica uma mudança epistemológica no ato de
ensinar para uma pedagogia crítica, que se utiliza de uma postura
investigativa e do sentimento de autoria no aprendizado artístico,
transformado em saber (Mendonça, 2013, p.146).
O trabalho da autora nos mostra que certamente não é simplificando o ato
artístico, com base em nossos preconceitos sobre o que é exequível com os
estudantes nos espaços delimitados pelo currículo formal, subestimando a
dimensão estética e poética da experiência artística em sala de aula, que
conseguiremos atingir os objetivos de incentivo à criatividade, o reconhecimento
das potencialidades sensório-motoras e expressivas do público da educação
básica. O aprendizado estético-poético, portanto, ocorre se não negamos a eles
a possibilidade de uma vivência real de produção e fruição artística.
Outra característica importante da interconexão entre produção artística e
território escolar está na sua capacidade de ampliar o olhar sensível dos
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estudantes para as relações que se estabelecem dentro e fora da comunidade
escolar. A docente e pesquisadora Renata Patrícia Silva (2019) faz interessantes
apontamentos nessa direção ao destacar que o cotidiano da educação básica é
fortemente marcado por normas e regras que servem de microcosmo da vida em
sociedade. O teatro, nesses ambientes, então assumiria uma função disruptiva:
[...] para exercer suas ações dentro do contexto escolar o fazer teatral
deve levar em conta as possibilidades e limites que se instalam no/do
cotidiano e atravessam suas ações. Por isso, ao discorrer sobre uma
docência como ação tática, proponho que as ões com o teatro atuem
enquanto micropolítica cotidiana, provocando pequenas rupturas e
movimentos de (re)existência, apropriando-se do território das
formalidades da educação institucionalizada, a fim de legitimar o lugar da
arte dentro da escola e criar espaços, que evidencie a multiplicidade de
saberes-fazeres que se inscreve nesse cotidiano (Silva, 2019, p. 237).
Esgueirando-se entre as fronteiras do cotidiano e extracotidiano, as
experiências teatrais seja por meio da apreciação estética, da vivência de jogos
e/ou composição artística possibilitam assimilar novas formas de expressão e
comunicação que modificam a paisagem social e a dimensão estética dos muros,
corredores, pátios ou salas de aula. A ocupação artística nas escolas desenvolvidas
dentro e fora do espaço reservado pelo currículo formal possibilitam releituras do
próprio sistema educacional e aguça o senso crítico dos discentes.
Infelizmente, a cartografia espacial de boa parte das instituições escolares,
sobretudo na educação pública, é demarcada por salas estranguladas, mal
arejadas e as vezes impróprias para a pluralidade de demandas oriundas da
diversidade de áreas de conhecimento. Quem convive com o teatro na educação
básica percebe a dificuldade de ter um espaço adequado para realização de
atividades corporais e de expressividade artística, o que possibilita outra relação
dos estudantes e comunidade escolar para com essa linguagem. É preciso que a
formação de professores de teatro crie espaços propícios para compreensão da
precariedade enquanto aliada dos processos artístico-pedagógicos. Por exemplo,
fazendo uso de estéticas, poéticas e procedimentos metodológicos que possam
ser adequados aos mais distintos contextos e estruturas.
Desenvolver procedimentos cênicos na realidade escolar pode ser algo
desafiador para professores de teatro. Conta muito para esse quesito suas
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experiências prévias na condução de processos criativos, seja na condição de
artista criador ou encenador-pedagogo. E onde criar esse repertório de referências
senão no contexto da formação em licenciatura? Nem todo estudante em
formação chega na graduação com experiências prévias ou uma carreira
consolidada com a linguagem cênica. A realidade do público atendido pelo curso
de Licenciatura em Teatro da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB),
onde atuo desde 2017, tem demonstrado que esse perfil tem sido mais exceção
do que regra.
A meu ver a formação em licenciatura deve ser justamente o espaço onde as
perspectivas pedagógicas se plasmam com as epstemologias teatrais. Como então
conjugar interesses distintos em um percurso de ensino-aprendizagem? Formar
licenciados buscando aproximação com as demandas educacionais,
socioeconômicas, artísticas e culturais que permeiam o território a que pertencem
e ao mesmo tempo corresponder às demandas instituídas pelos os marcos legais
que visam fortalecer os vínculos da formação de professores com a educação
básica e o ensino público são desafios complexos que os cursos destinados à
formação de professores no Brasil precisarão responder a partir de agora.
O lugar das epistemologias teatrais na formação de professores
Os desafios gerados por essa sobreposição de demandas entre dimensão
pedagógica, práxis artístico-pedagógica e propedêutica da linguagem cênica
podem ser melhor compreendidos a partir da análise de um contexto específico.
Nesse sentido, apresentarei como estudo de caso as experiências desenvolvidas
pela equipe pedagógica vinculada ao curso de Licenciatura em Teatro da UESB,
onde atuo no Núcleo Docente Estruturante (NDE) e ministrando a cadeia de
disciplina vinculadas às metodologias do ensino, improvisação e jogos e processos
criativos.
Essa universidade multicampi atende estudantes oriundos de cidades de
pequeno e médio porte do interior do estado da Bahia e busca intervir de forma
propositiva para o desenvolvimento regional em diferentes esferas. O curso de
Licenciatura em Teatro está localizado no campus de Jequié-BA, sendo um dos
três cursos de Artes oferecidos pela instituição.
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Dialogando com a sua região de origem, a arquitetura curricular da
Licenciatura em Teatro leva em consideração a conjuntura cultural e social do
Território de Identidade Médio Rio de Contas. E, infelizmente, fora dos grandes
eixos metropolitanos a oferta de práticas artísticas ou de recepção estética ainda
é bastante sazonal ou escassa. A partir de um estudo dessa realidade contextual,
nos dois primeiros anos da formação proposta pela UESB um claro e proposital
entrelaçamento entre pedagogia do teatro, criação e fruição artística por meio de
quatro componentes que aqui reunirei sob a alcunha de
disciplinas criativas
7.
Nelas, cada turma irá desenvolver processos de composição artística envolvendo
distintos aspectos dos saberes teatrais e que resultam em uma produção artística
posta a público ao final de cada semestre.
Além de compor o currículo obrigatório da graduação, essas disciplinas
criativas nutrem iniciativas promovidas pelos cursos no âmbito do Programa de
Extensão Engenho de Composição. A iniciativa realizada desde 2013 congrega um
conjunto de ações vinculadas à mediação cultural e pedagogia do espectador
envolvendo comunidade acadêmica, comunidade externa, escolas públicas,
programas e projetos sociais desenvolvidos em contextos educacionais. Ou seja,
mesmo no currículo anterior à reforma provocada pelas Resoluções do CNE, o
curso instituía espaços de convergência entre dimensão pedagógica e
conhecimento específico do campo teatral, compreendendo que arte e pedagogia
são duas dimensões que, embora diferentes, são complementares em um
itinerário destinado a formar professores.
Grande parte dos temas escolhidos para as montagens reverberam aspectos
instituídos pelos temas transversais integradores estabelecidos nas Diretrizes
Curriculares Referenciais da Bahia (DCRBs) (BAHIA, 2020a e 2020b) e debates
relacionados às leis 10.639/2003 (BRASIL,2003) e 11.645/2008 (BRASIL,2008), que
instituem a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Africana e Indígena no
7 Os componentes curriculares são: “Processos de Criação Cênica I: Teatro e Contemporaneidade” e “Processo
de Criação Cênica II: Dança e Contemporaneidade” (disciplinas de tronco comum entre os dois cursos e
veiculadas, respectivamente, no primeiro e segundo semestre letivos); “Estágio em Interpretação Teatral I:
Teatro Realista e Teatro Épico” e “Estágio em Interpretação Teatral II: Rupturas, Vanguardas e Referências
Contemporâneas” (disciplinas específicas do curso de teatro veiculadas, respectivamente, no terceiro e
quarto semestres); Estágio de Criação em Dança I:Vanguardas Modernas” e “Estágio de Criação em Dança
II: Dança e Contemporaneidade” (disciplinas específicas do curso de dança veiculadas, respectivamente, no
terceiro e quarto semestres).
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Ensino Fundamental e Médio. Mas, como esses vínculos não são obrigatórios, as
aproximações da montagem a esses contextos estão condicionadas ao campo de
interesse de estudantes e docentes envolvidos no processo.
No caso das
disciplinas criativas
todo o saber veiculado durante o itinerário
de processos criativos ecoa aspectos pedagógicos. Seja no que diz respeito às
relações interpessoais traçadas entre os agentes do processo, seja por meio da
compreensão dos vínculos entre técnicas, procedimentos e poéticas cênicas com
as metodologias pedagógicas. Isso também pode ser verificado por meio dos
relatos de experiência e objeto de estudo que são pautados nos trabalhos de
conclusão de curso desenvolvidos pelos estudantes na etapa final da formação.
Nessas produções acadêmicas encontramos evidências que nos possibilitam
mensurar como o vínculo afetivo com as linguagens, temas e poéticas cênicas
estabelecido por meio das disciplinas criativas ressoam em sua professoralidade.
O que indica que o perfil profissiográfico instituído pela formação veiculada na
UESB não desassocia prática docente e valorização das especificidades do
conhecimento artístico.
Os princípios que regem esses processos criativos – tanto do ponto de vista
estético quanto procedimentais e filosóficos são de fundamental importância
para contextualizações artístico-pedagógica que ocorrerão na etapa de
desenvolvimento dos estágios supervisionados realizados em escolas da rede
pública. A partir da reforma curricular, implementada no curso no primeiro
semestre letivo de 2024, esses estudos também passarão a dialogar com os
Laboratórios de Pedagogia Teatral8 desenvolvidos desde a primeira etapa da
formação.
A diversidade de poéticas cênicas, técnicas e métodos criativos
compartilhados por meio dessas disciplinas indicam aos discentes em formação
referências teóricas e estratégias de composição no âmbito das artes cênicas.
Perceber esses caminhos é essencial para que a/o artista-docente em formação
sinta-se preparado para lidar com os diferentes estímulos criativos e desafios que
8 Instrumento pedagógico instituído no curso para desenvolvimento das práticas como componente curricular,
em conformidade com as novas diretrizes da formação de professores. Diz respeito a intervenções estético-
pedagógicas a serem desenvolvida nos territórios escolares, aproximando os formandos com a realidade do
ensino do teatro em escolas públicas.
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podem emergir ao longo de sua atuação profissional, seja no território da
pedagogia teatral, seja na condição de artistas e mobilizadores culturais.
Experimentar por meio de processos criativos essa multiplicidade de formas
legam a esses artistas docentes um importante repertório de referências que
serão revisitadas, recombinadas e reinterpretadas nos diferentes contextos
artístico-pedagógicos que atuarão, seja na etapa dos estágios supervisionados, que
ocorrem a partir da segunda metade do curso, seja por meio da sua própria
atuação profissional durante e após a sua formação.
Para Jorge Larrosa (2016), a criação de vínculos afetivos com a matéria de
estudo é fundamental para que uma experiência se constitua em formação. Uma
premissa que se aplica tanto no campo pedagógico quanto no saber de experiência
que emerge de diferentes contextos das relações humanas. Em sua pedagogia
profana, ele caracteriza o fenômeno da formação a partir da releitura de obras de
Peter Handke tangenciando o conceito com os princípios que configuram o
conhecimento artístico. Para o autor, o fenômeno da aprendizagem não diz
respeito a uma relação exterior àquilo que se aprende, onde uma clara
dissociação entre sujeito e objeto de estudo:
Na formação humanística, como na experiência estética, a relação com a
matéria de estudo é de tal natureza que, nela, alguém se volta para si
mesmo, alguém é levado para si mesmo. E isso não é feito por imitação,
mas por algo assim como por ressonância. Porque se alguém ou escuta
ou olha com o coração aberto, aquilo que lê, escuta ou olha ressoa nele;
ressoa no silêncio que é ele, e assim o silêncio penetrado pela forma se
faz fecundo. E assim, alguém vai sendo levado à sua própria forma
(Larrosa, 2016, p.52).
No caso da formação proporcionada pelos cursos de Teatro e Dança da UESB,
as
disciplinas criativas
acompanham a primeira etapa da formação ofertada. O
itinerário das montagens proporciona uma espécie de imersão nos princípios,
saberes e práxis específicas das artes cênicas, oportunizando que discentes
construam um lastro que amalgamará a sua relação com o conhecimento teatral.
Ou seja, as disciplinas criativas são para a epistemologia das artes cênicas o que
os estágios supervisionados obrigatórios são para o exercício da docência dos
futuros licenciandos em teatro e dança. São espaços onde as teorias e epistemes
se plasmam em saberes de experiência (Larrosa, 2019).
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As montagens dos dois cursos assumem uma dimensão curricular, não
sendo, portanto, algo acessório à formação ofertada. O processo criativo dessas
obras opera com a condicionante de refletirem o caráter sensível, estético,
epistemológico e pedagógico do fazer artístico. Um itinerário complexo que
envolve o engajamento em práticas corpóreo-vocais, assimilação de conceitos,
teorias, sistemas e formas cênicas, além de reflexões sobre o caráter didático da
elaboração de um produto cênico. Ou seja, são espaços que se destinam à
apropriação de uma ética profissional e do repertório semântico específico das
Artes, com ênfase nas as artes cênicas.
Como defendo em minha tese de doutorado (Lima, 2020, p.216-235), em que
me dedico a uma definição de currículo aberto no contexto da formação em
interpretação teatral, o conhecimento das artes cênicas, assim como os saberes
necessários à regência de uma sala de aula, precisa se fazer encarnados.
Transmutar em experiências significativas que ecoem vínculos afetivos e reflexões
teóricas sobre a prática. No caso da formação oferecida pela UESB, o currículo da
Licenciatura em Teatro é encarnado por meio de imersões em processos criativos
e de troca de saberes nas salas de aula, salas de ensaio e demais espaços de
ensino-aprendizagem localizados nos territórios dos espaços culturais, nas
escolas de educação básica, nos espaços formais e não-formais de educação,
produção cultural e artística.
Em que pese o fato de as disciplinas criativas não terem o peso dos estágios
supervisionados obrigatórios no sentido de proporcionar vivências pedagógicas
específicas no território escolar, não como negar que essa apropriação de
valores, conceitos e atitudes artísticas contribuem e reverberam na
professoralidade dos futuros artistas docentes. É importante observar também
que mesmo não sendo obrigatório o vínculo das montagens com a educação
básica, sempre um esforço institucional de aproximação dessa produção
artística com as instituições de ensino.
Durante o Festival Engenho de Composição sempre uma mobilização no
sentido de estreitar parcerias institucionais da UESB com as redes pública estadual
e municipal de Jequié e cidades circunvizinhas. E isso tem possibilitado que
escolas se engajem na proposta e se organizem no sentido de que suas turmas
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possam prestigiar as sessões dos espetáculos. Nesse caso, as modalidades de
ensino atendidas vão depender do perfil de público pretendido por cada obra
oriunda das
disciplinas criativas
. Em algumas edições pontuais temos conseguido
realizar intervenções de mediação cultural, com acompanhamento pré e pós-
exposição às obras artísticas, o que também em si é um território de atuação
artístico-pedagógico.
Com certa frequência mostras de cenas curtas oriundas dos dois cursos
também são veiculadas em escolas parceiras. A maioria são instituições que
recebem outros Programas como o PIBID, Residência Pedagógica, Programa de
Educação Tutorial Institucional (PETI) e os estágios curriculares obrigatórios do
curso. A realização de temporadas dos espetáculos resultantes das disciplinas
criativas diretamente nos territórios escolares ainda é um desafio a ser
enfrentando, considerando a infraestrutura precária que o curso atualmente
possui e as diferentes dinâmicas de calendários letivos da graduação e da
educação básica.
As reverberações das montagens na professoralidade dos discentes em
formação também pode ser verificada no que diz respeito ao contexto do próprio
processo criativo vivenciado por cada turma. Durante as
disciplinas criativas
as
dimensões turma e coletivo artístico coincidem. Ali os discentes podem estreitar
as relações interpessoais, exercitar a cooperação e criação compartilhada, o que
os fortalecerá de sobremaneira para a vivência de processos de ensino-
aprendizagem com seus futuros alunos.
Nos cursos da UESB as turmas são fixas ao longo de todo itinerário formativo.
Inclusive, disciplinas que são ofertadas de forma conjunta entre os cursos de
Licenciatura em Teatro e Licenciatura em Dança, o que estreita os laços de
identificação dessas linguagens entre si e com poéticas vinculadas ao campo
expandido das artes cênicas. Coletividade e postura transdisciplinar que auxiliarão
nos desafios impostos pelo novo perfil de licenciado evocado pelas atuais
legislações.
Uma cultura espontânea implementada entre os estudantes vem sendo a
necessidade de elencar um nome ou ideia-força que expresse suas identidades
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de grupo. A heterogeneidade de gêneros, estilos e formas artísticas verificadas a
cada edição do Engenho de Composição traduz com fidelidade essa diversidade
criativa, autonomia artística, liberdade de cátedra e de expressão (individual e
coletiva) dos artistas estudantes de cada turma e seus respectivos encenadores-
pedagogos, reunidos para uma montagem que tem a duração de um semestre
letivo.
As atitudes dos encenadores pedagogos responsáveis pelas montagens e
pela execução das disciplinas criativas também trazem um referencial importante
que pode balizar positiva ou negativamente a professoralidade dos futuros
artistas docentes. Ao todo são quatro processos criativos vivenciados ao longo da
graduação. O que possibilita um amplo referencial de atitudes pedagógicas,
poéticas, metodologias criativas, discursos estéticos e políticos veiculados pelos
encenadores pedagogos e artistas discentes, que são coautores do trabalho
artístico em desenvolvimento.
Essas diferentes perspectivas oferecem alternativas de linhas de estudo,
trabalho artístico e atuação pedagógica. Cada estudante ao longo da formação,
dentro de sua autonomia e subjetividade, poderá escolher trilhar ou se especializar
em um dos caminhos criativos apreendidos nesses processos criativos ou mesmo
descobrir itinerários completamente novos, a partir das pistas descobertas ao
longo das montagens ou em qualquer outra cadeia de disciplinas que ofereça um
tema catalisador ou campo de estudos que lhe despertem interesse.
Ademais, para além de compor o currículo obrigatório da Licenciatura em
Teatro e Licenciatura em Dança as mostras artísticas coadunam ações de ensino,
pesquisa e extensão, traduzindo os valores instituídos no tripé universitário. O fluxo
contínuo entre território da sala de aula, que também coincide com o espaço da
sala de ensaios, troca de saberes e práxis com a comunidade interna e externa à
UESB, envolvendo inclusive a educação básica e intervenções pedagógicas de
caráter formal e não formal, transformam o território das
disciplinas criativas
em
espaços rizomáticos de intensa troca de saberes e de corporificação da produção
de conhecimento em Artes Cênicas.
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Considerações finais
A nova legislação que regulamenta a formação de professores foi criada com
o claro objetivo de estreitar os laços dos docentes em formação com a educação
básica e o chão da escola. Fortalecer a educação pública gratuita e de qualidade
me parece objetivos pacificados entre pesquisadores, formadores e agentes
educacionais. O problema talvez esteja na concretização dessas metas por meio
de medidas prescritivas executadas sem considerar a complexidade e diversidade
dos problemas enfrentados pela Educação Superior.
Os cursos universitários destinados à licenciatura têm a desafiadora missão
de propor uma aproximação epistemológica, procedimental, pragmática, sensível
e afetuosa com o cotidiano de uma profissão extremamente desafiadora,
considerando a conjuntura brasileira. Cada qual a seu modo buscam propor
caminhos de aproximação entre realidade objetiva do campo educacional e
elaboração teórica que ampliam as fronteiras e horizontes educativos. Mas,
enquanto fenômeno, o ato formativo diz respeito à aventura pessoal e
intransferível dos sujeitos no processo de construção de suas identidades e
formulação de saberes. É algo que se desenvolve de forma implicada, consciente
e apaixonada. Um universo onde cognição, afetividade e relação se emaranham de
tal forma que não podem ser desassociadas. No caso específico do teatro-
educação, como desenvolver esses vínculos com a pedagogia do teatro sem
envolver na equação as epistemologias teatrais?
Aqui no interior da Bahia, não são raros os casos de estudantes que se
aproximaram da Licenciatura em Teatro pela mera oportunidade de uma
formação artística e em razão da não disponibilidade em suas regiões de origem
de uma formação técnica ou bacharelado na área. De início, isso acaba produzindo
uma crise de identidade em parte dos licenciandos em formação, que muitas
vezes se aproximam do curso com o foco na especialização oferecida pela cadeia
de processos criativos, técnicas e metodologias ativas específicas do teatro. Sendo
a única via de formação disponível, muitos acabam demonstrando pouco vínculo
ou interesse para com a docência. Esse é um tipo de desafio presente não apenas
nos cursos de artes, sendo comum a outras licenciaturas de áreas específicas no
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país.
Nesses casos, o principal desafio do curso é demonstrar a esses arte-
educadores em formação que a dimensão estética e poética das práticas teatrais
não se opõem à didática e epistemologia do ensino do teatro nos distintos
contextos de ensino-aprendizagem. Ao que as
disciplinas criativas
previstas no
currículo obrigatório têm o importante papel de aproximar a rede semântica que
operam as especificidades do teatro e da educação.
Partindo do arcabouço teórico e prático veiculado nessas experiências nossos
discentes são instados a compreender a escola enquanto território cultural e
educacional rico de possibilidades expressivas. Que a satisfação com o fazer
artístico pode ser conjugada ao caráter pedagógico. Que ao invés de ser artista
fora do horário da sala de aula, é possível ser artista e educador dentro da própria
grade curricular, conduzindo processos educacionais a partir da cartografia
sinuosa, flexível e apaixonada dos conhecimentos teatrais. E, especialmente, que
a vivência de processos criativos na educação básica não configura algo de menor
valor estético por ser pedagógico.
Os inúmeros esforços empreendidos pelos profissionais da UESB no sentido
de fortalecer uma pedagogia das Artes com uma perspectiva alinhada com as
demandas teórico-epistemológicas que emergem dos estudos desenvolvidos no
campo das Artes Cênicas e da Educação contemporânea é uma grande
contribuição para as artes na educação básica da Bahia. Muito ainda precisa ser
conquistado na instituição para que o itinerário formativo proposto possa ser
considerado uma referência a ser replicada em outros contextos. No currículo
atual ainda existem muitas lacunas, tanto no que diz respeito aos objetos de
ensino-aprendizagem, que precisam revisitados e atualizados para ganharem uma
roupagem decolonial, quanto em relação à infraestrutura com a qual o curso
atualmente opera. Mas, isso não desabona as estratégias de articulação entre
apropriação propedêutica da linguagem cênica e dimensão pedagógica
estabelecida no curso e que podem ser um interessante caminho de aproximação
entre epistemologias teatrais e artístico-pedagógicas.
Importa salientar que defender as epistemologias das artes cênicas na
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formação de professores não significa, de modo algum, reivindicar uma espécie
de bacharelização das nossas licenciaturas. Ainda que eu entenda ser relevante a
atuação de licenciados em teatro em diferentes espectros da pedagogia teatral, é
incontestável a premissa de que o teatro como componente curricular na
educação básica demanda competências e habilidades muito distintas se
comparadas ao contexto da formação e capacitação profissional de artistas da
cena, por exemplo. É plácida a distinção epistemológica e procedimental que
caracterizam esses dois territórios. Ali o termo pedagogia teatral vai expressar
atitudes pedagógicas, objetivos e objetos de ensino-aprendizagem muito
específicos. E mesmo se considerarmos apenas o texto frio do documento
curricular, os termos teatro e pedagogia ganharão roupagens bem diferentes, ainda
que seja possível traçar premissas que atravessem ambos os contextos.
Como aqui busquei demonstrar, aproximações entre os termos
teatro e
pedagogia
requerem um olhar específico para essas duas redes semânticas, que
não devem ser encaradas como categorias ou termos absolutos, sendo sempre
necessárias adequações contextuais. Um princípio delimitado na área de
educação, por exemplo, nem sempre poderá ser transportado sem modificações
quando aplicado no âmbito da pedagogia teatral. Isso não significa,
necessariamente, admitir que essas interpretações se oponham ao sentido
predominante na área da educação, mas aferir que, uma vez apropriados pelas
epistemologias do ensino do teatro, qualquer possível alteração, divergência ou
ampliação de sentido a eles atribuídos deve ser compreendida a partir das
especificidades que marcam essa linguagem artística.
Acredito que as discussões em torno das epistemologias do ensino do teatro
contribuem para fortalecer a luta por reconhecimento de nosso campo de
atuação. Contrariando o que deseja os burocratas, os cursos de Licenciatura em
Artes não são meros “apêndices” do campo educacional.
Referências
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BAHIA, Secretaria de Educação.
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diretrizes e bases da Educação Nacional, para incluir no currículo oficial da rede
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Aprovado em: 20/06/2024
Universidade do Estado de Santa Catarina
UDESC
Programa de Pós-Graduação em Teatro
PPGT
Centro de Arte CEART
Urdimento
Revista de Estudos em Artes Cênicas
Urdimento.ceart@udesc.br