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Juntos somos mais fortes:
o tratado “Sobre o coro”, de Sófocles
Marcus Mota
Para citar este artigo:
MOTA, Marcus. Juntos somos mais fortes: o tratado “Sobre
o coro”, de Sófocles.
Urdimento
Revista de Estudos em
Artes Cênicas, Florianópolis, v. 2, n. 51, jul. 2024.
DOI: 10.5965/1414573102512024e0114
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Juntos somos mais fortes: o tratado “Sobre o coro”, de Sófocles
Marcus Mota
Florianópolis, v.2, n.51, p.1-27, jul. 2024
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Juntos somos mais fortes1: o tratado2 “Sobre o coro”, de Sófocles
Marcus Mota3
Resumen
Neste artigo propõe-se o estudo detido das implicações de um tratado sobre coros
atribuído a Sófocles. Nessa obra perdida o foco era a atividade coral, compreendida
por meio do confronto entre a tradição e sua renovação. A partir das referências
indiretas à carreira e dramaturgia de Sófocles presentes em autores e obras da
Antiguidade, buscou-se tornar compreensível os contextos performativos que
melhor esclarecem as possíveis ideias e argumentos de Sófocles.
Palabras chave:
Coralidades. Sófocles. Dramaturgia
.
Together we are stronger: Sophocles' treatise "On the Chorus"
Abstract
This paper proposes a detailed study of the implications of a treatise on choirs
attributed to Sophocles. In this lost work, the focus was on choral activity,
understood through the confrontation between tradition and its renewal. Based on
the indirect references to Sophocles' career and dramaturgy found in authors and
works from antiquity, the aim was to make understandable the performative
contexts that best clarify Sophocles' possible ideas and arguments.
Keywords
: Coralities. Sophocles. Dramaturgy
Juntos somos más fuertes: el tratado de Sófocles "Sobre el coro"
Resumo
Este artículo propone un estudio detallado de las implicaciones de un tratado
sobre coros atribuido a Sófocles. En esta obra perdida, la atención se centraba en
la actividad coral, entendida a través de la confrontación entre la tradición y su
renovación. A partir de las referencias indirectas a la trayectoria y la dramaturgia
de Sófocles halladas en autores y obras antiguos, se pretende hacer comprensibles
los contextos performativos que mejor aclaran las posibles ideas y argumentos de
Sófocles.
Palabras clave
Coralidades. Sófocles. Dramaturgia
.
1 A revisão ortográfica e gramatical do artigo foi realizada por Marcus Mota, Bacharel em Letras pela
Universidade de Brasília (UnB).
2 Este artigo foi elaborado durante pesquisa em andamento: Wagnerianas: Metodologia integrada de
Dramaturgia, Orquestração e Mediação Tecnológica a partir das propostas de Richard Wagner e sua recepção
da ideia de Coro do Teatro Grego Antigo”, financiada com os recursos do edital CNPq/MCTI/FNDCT No 18/2021.
3 Pós-doutorado na Universidade de Lisboa Portugal. Doutorado em História na Universidade de Brasília
(UnB). Mestrado em Literatura na UnB. Vínculo profissional com a Universidade de Lisboa Portugal. Prof.
Dr. Universidade de Brasília (UnB). marcusmotaunb@gmail.com
http://lattes.cnpq.br/5312349289996473 https://orcid.org/0000-0003-4745-8927
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Felizardo Sófocles, que longa vida viveu
e morreu como homem bem afortunado e habilidoso.
Tendo composto muitas belas tragédias,
de bela morte morreu, e sem dor alguma4.
Preliminares
A utopia de se retomar o que seria o coro grego apresenta suas ressonâncias
em diversas tentativas de se pensar e realizar grupos multidimensionais em cena,
ou seja, “coralidades”5. Muitas das dificuldades dessa utopia residem na própria
transmissão dos materiais em torno da produção de espetáculos trágicos na
Antiguidade: a partir dos esparsos e fragmentários documentos restantes, forjou-
se um conjunto de avaliações, referências e procedimentos analíticos de gabinete,
distanciados do cotidiano de processos criativos de obras multitarefa e
pluriartísticas6.
Neste artigo, nos propomos a (re)interrogar os testemunhos indiretos, textos
em diversos autores e fontes da Antiguidade dispersos em um arco temporal que
se estende do período arcaico até os últimos suspiros do helenismo, os quais nos
informam sobre diversos aspectos em torno da coralidade, tomando por base a
inusitada obra perdida de Sófocles: um tratado sobre o coro7.
É com este propósito que o esforço de interpretação aqui disposto foi
exercido: procurar esclarecer, inicialmente, a construção de uma reflexão detida
sobre o coro em suas diversas implicações. Ou melhor, adiantando a conclusão,
em que medida uma “teoria sobre o coro”, desde si, não seria uma “teoria
coralizada”, a qual leva em conta modos coletivos de produção e sociabilidade?
4 Versos do comediógrafo Frínico, em sua obra As musas, encenada em 405 a.C. Fonte: Soph. T 105 Radt.
Quando não indicado, todas as traduções são de minha responsabilidade.
5 Sobre o senso utópico de projetos de recepção e reencenação do teatro grego antigo, v. Vasseur-Legangneux,
2014. Bauer (2019), após revisar alguns padrões da coralidade antiga, discute usos de coros na prática teatral
do século XX. Sobre “Coralidades”, v. Mota, 2024.
6 V. Dupont, 2017; Hannik, 2014; Lamari, 2017.
7 As fontes indiretas são citadas em sua tradução e original em colchetes. Para as fontes, nos valemos de:
Radt, 1999 [29-85]; Sousa, 2022. Diversos dos testemunhos sobre Sófocles estão disponíveis online no link
https://livingpoets.dur.ac.uk/w/index.php/Sophocles:_A_Guide_to_Selected_Sources. Acesso em: 20 abr.
2024. Sobre a recepção de Sófocles a partir dessas referências indiretas, v. ainda Wright, 2012; Tyrrel, 2012;
Kinkade, 2021.
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O tratado de Sófocles sobre os coros
Como as coisas seriam diferentes se tratado sobre o coro atribuído a Sófocles
tivesse sobrevivido!!! A informação sobre a obra nos chegou a partir do léxico
enciclopédico bizantino chamado “Suda”, do século X de nossa era, que, no verbete
sobre o dramaturgo grego, assim registra: “e também escreveu elegias e peãs e
um tratado em prosa detalhado a respeito do coro, em antagonismo a Téspis e
Quérilo8”.
No texto, vemos que Sófocles se envolvia em outras práticas composicionais
performativas além da dramaturgia: elaborou, respectivamente, canções-solo de
lamento estruturadas em séries de versos duplos (dísticos) e métrica contínua
(dátilos), acompanhadas de um
aulos
, instrumento musical semelhante ao oboé;
e performances cantadas e dançadas a Apolo.
Ou seja: inicialmente temos um dramaturgo musical e coreógrafo
destacado associando-se a formas artísticas não teatrais. Tal fato, pois,
entra em conflito com a divisão entre práticas performativas, como se
em
A República (Rep
, 395 a,b), de Platão, na qual dramaturgos e
intérpretes de Tragédia não são os mesmos dos da Comédia: “uma vez
que nem sequer as mesmas pessoas imitam bem ao mesmo tempo duas
artes miméticas que parecem próximas uma da outra, a comédia e a
tragédia. [...] Nem sequer os atores são os mesmos nas comédias e nas
tragédias (Platão, 2017, p. 119-120)”.
Contudo, tal presumida especialização de tradições compositivas em
dramaturgia musical é uma visão tardia e parcial sobre o sistema de produção
ateniense de espetáculos, e não leva em consideração sua heterogeneidade
performativa: a dramaturgia ateniense antiga negociava com “gêneros líricos” pré-
existentes, como performances corais relacionadas a lamentos fúnebres
(Trenodias), festividades nupciais (Himeneus), celebrações de vitórias em jogos
olímpicos e em batalhas (Epinícios) e ritos de passagem feminina (Partenions),
entre outros9.
Tais gêneros líricos ou tradições performativas pré-existentes eram
organizados em manifestações corais, com danças, cantos e música, integrando
8 Suda Σ,815.
9 Sobre o tema, v. Swift, 2010. V. ainda Rodighiero, 2012; Bagordo, 2015.
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uma Cultura Performativa (
Mousiké
) na qual a dramaturgia ateniense se insere10.
Assim, mais que incorporar “gêneros pré-trágicos”, a realização de obras
dramático-musicais para o Teatro de Dioniso pode ser vista como uma
reelaboração da diversidade performativa das tradições corais pré-existente, como
bem demonstram as seções métricas corais das tragédias restantes11. Para nós
hoje, tais seções corais são fósseis dessa cultura.
Logo, a familiaridade de Sófocles com peãs e elegias indicada no verbete do
Suda não é ocasional nem sua versatilidade é fortuita: os “gêneros líricos” eram
atividades formadores da identidade coletiva e se manifestavam como eventos
multissensoriais. A própria dramaturgia ateniense seria um espaço de
experimentação com essas práticas corais.
Continuando o texto do Suda, vemos que, além de compor obras para
manifestações culturais coletivizadas, Sófocles desdobra-se em autor de um
“tratado em prosa a respeito do coro12.” Esta notícia parece estranha, pois, na
recepção da Antiguidade, radicalizou-se uma separação entre quem realiza arte e
quem a comenta, ecoando diagnóstico platônico (
Rep
,607b) do “antigo diferendo
entre a filosofia e a poesia (Platão, 2017, p. 473).”
Mas o dramaturgo Sófocles não é um caso isolado: chegaram para nós
informações de diversos artistas contemporâneos que haviam escrito sobre suas
práticas criativas, como comediógrafo Crates, o pintor e cenógrafo Agatarco de
Samos, o escultor Policreto, o tragediógrafo Pratinas e o polígrafo Íon de Quios, os
quais foram precedidos por ‘artistas tratadistas’ do século VI a.C. como o rapsodo
Laso de Hermíone13.
Ou seja, embora não tenhamos os textos dessas obras, podemos identificar
10 V. ensaios em Murray& Wilson, 2004.
11 V. Herington, 1985, p. 75.
12 No original “em linguagem de conversação, em prosa”, para se opor à organização métrica das obras
performativas. V. Platão, Leis, 7.81b “Quanto às aulas sobre escritos de poetas/autores que não são
acompanhados de instrumento de corda [Lira], algumas das quais metrificadas, outras sem divisões rítmicas,
escritos que seguem apenas a fala e são desprovidas de ritmo e padrões melódicos.”
13 Conf. De Martino, 2003, p. 441-442 e Naerebout, 1987. Paralelamente, segundo Rossetti, 2006, p.118-119,
temos o incremento nas décadas centrais do século V a. C. de publicação de tratados de “ciência natural”,
[ Sobre a Natureza, Περ φσεως], o que demonstra a formação de uma audiência interessada em participar
de e compartilhar saberes e experiências a partir de diversos campos de conhecimento.
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referências a desdobramentos escriturais entre arte e reflexão sobre arte, uma
mesma pessoa produzido eventos/objetos estéticos e discorrendo sobre essa
produção, especialmente no âmbito das artes performativas.
Na parte final da notícia do Suda, somos informados do conteúdo da obra
escrita por Sófocles: seria uma reação polêmica às obras de dramaturgos de outra
geração. A cronologia dos concursos trágicos em honra a Dioniso em Atenas é
extremamente fragmentária. Os nomes indicados por Sófocles nos remetem ao
período inicial desses concursos, na figura quase mítica de Téspis e seu
contemporâneo Quérilo. Téspis vence o primeiro festival em 534 a.C., mas a
primeira peça que temos o texto completo é
Os Persas
de Ésquilo, performada
em 472 a.C. O tratado perdido de Sófocles se refere a um período obscuro do
desenvolvimento da dramaturgia ateniense: temos apenas referências indiretas
títulos obras e nomes de autores cujas realizações não podemos avaliar
totalmente14. Em todo caso, Sófocles antagoniza com estes autores de uma fase
inicial da dramaturgia ateniense antiga, ou seja, estabelece uma relação contrastiva
entre sua arte e a arte desses dramaturgos antigos.
Ora, se o título da obra de Sófocles diz respeito ao trabalho com os coros em
uma dramaturgia musical, e foi escrita em uma oposição aos primeiros
dramaturgos musicais atenienses, temos que Sófocles defende seu trabalho com
os coros diferindo-se daquilo que se fazia no início dos concursos trágicos.
Assim, mais que um manual prático de como se ensaiar coros, o tratado em
prosa escrito por Sófocles busca um diálogo com a tradição criativa da
dramaturgia ateniense antiga para que a atual forma de se propor e produzir
eventos corais seja compreendida. Ao recrutar predecessores, pioneiros em uma
tradição performativa, Sófocles amplia o escopo de sua interferência atual na
dramaturgia: aqui ele não está imediatamente se dirigindo a artistas
contemporâneos, não está em rivalidade ou competição com realizações e
propostas de seu tempo, mas posiciona-se em antagonismo, em disputa com algo,
com um alvo crítico. E esse alvo crítico é o passado que não passou, é a tradição
mesma. Sófocles não precisaria ter de escrever um livro sobre aspectos de sua
14 V. Mota, 2011, p. 45-54; Else, 1965, p. 9-77.
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dramaturgia se não fosse necessário. E, para isso, interrogou essa tradição mais
que centenária à sua época. Se a interroga, é porque, em parte, as propostas de
Sófocles alteravam essa tradição, ao ponto de haver o questionamento de sua
pertença, de Sófocles se integrar ao cânone. Como não registro dessa polêmica,
percebe-se que o questionamento viria do próprio Sófocles e de sua dramaturgia.
E, novamente pelo título do tratado, a provocação para o pensamento viria a partir
da relação entre o coro e a tragédia. Téspis e Quérilo de um lado e Sófocles de
outro são dramaturgos, coreógrafos profissionais que elaboraram eventos
performativos coralizados para o Teatro de Dioniso. Essa é a própria condição para
se participar dos concursos trágicos: “solicitar um coro”15. Só concorre quem saiba
compor com e para coros. Ou seja, tragédia e coro eram termos intercambiantes,
o espetáculo trágico era o coro.
Ampliando a disputa
Sófocles discorrendo a partir de sua atividade não seria algo excêntrico: em
outra notícia, agora em Plutarco (42-120 d.C.), indica-se a interação entre os
comentários de autointerpretação de Sófocles e sua pertença à tradição cênica
ateniense16:
Pois, como Sófocles disse que, depois de ter primeiro brincado jogando
com as dimensões extravagantes [do estilo] de Ésquilo e, em seguida,
com a agudeza e artificialidade de seu próprio engenho, em terceiro então
mudou para uma forma de expressão verbal que fosse mais
caracterizante e excelente17.
Sófocles, neste trecho citado, distingue três fases de sua carreira: a primeira,
em que o jovem dramaturgo se vale do modelo do dramaturgo mais bem sucedido
de seu tempo – Ésquilo18; segunda, quando ele busca sua identidade por meio de
15 Conf. Platão Rep 282C 2, Leis 817d 7; Aristóteles, Poética 1449b1-2.
16 Em sua edição de tratados antigos sobre o drama, Bagordo, 1998,p.2 associa essa citação de Plutarco ao
tratado perdido de Sófocles sobre os coros: “ Seria ainda mais interessante se pudéssemos combinar com
este tratado de Sófocles [Fr.1] uma observação de Plutarco que distingue três fases no desenvolvimento do
estilo de Sófocles[Fr.2]. A primeira que foi influenciada pela solenidade (γκον) de Ésquilo; um segundo,
caracterizado por um estilo frágil e pouco natural (πικρν κα κατάτεχνον); e um terceiro, em que a
apresentação dos personagens estava em primeiro plano (θικώτατον)”.
17 Plutarco, Moralia 79 B. Sobre este trecho de Plutarco, v. Bowra, 1940; Pinnoy,1984; Pelling,2007.
18 Segundo biografia anônima, Sófocles “Aprendeu a arte da tragédia com Ésquilo (Vita,4)”.
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liberdade inventiva, afastando-se de suas referências iniciais e vigentes; e enfim,
sua derradeira e madura fase, em que busca aproximar as figuras em cena de
altos padrões de tanto personificação quanto de relevância coletiva.
Comparando com a referência ao livro sobre coros no Suda, vemos como há
uma reiteração de atos de autointerpretação que se desdobram em atos
correlativos: falar de si mesmo é também estabelecer relações com Outros. Se no
caso de seu livro sobre coros Sófocles vinculou-se a Téspis e Quérilo, aqui no
trecho citado por Plutarco Sófocles dirige-se a Ésquilo, com quem concorreu mais
diretamente19. Assim vai se formado uma tradição: as identificáveis figuras
individuais irrompem como redirecionadoras de práticas expressivas a partir do
relacionamento com outras figuras. A sucessão dos dramaturgos em competição
efetiva a continuidade dos concursos trágicos. Os concursos mesmo se tornam o
espaço de emergência cíclica destes nexos interindividuais: os dramaturgos estão
conjugados em função da disputa. E é o retorno da disputa que confere a
singularidade aos competidores. Sófocles é Sófocles pois está inserido nessa
recorrência de exposições contrastantes de habilidades. Os concursos não são
plataformas para individualidades ensimesmadas. Sófocles se habilita como
dramaturgo a partir de sua relação de apropriação e transformação de Ésquilo,
assim como Ésquilo o fora em relação ao legado de Quérilo e Téspis.
Sófocles, pois, encontra-se duplamente definido em relação a Ésquilo e aos
antigos dramaturgos do Século VI a.C., a seu imediato antecessor e ao passado
dentro do passado. Visualmente, tal duplo vínculo assim se estabelece20:
19 V. Davinson, 2012.
20 As setas de duas pontas procuram registrar as interações em diversas vias: Téspis parte da tradição coral
e a transforma. Quérilo dialoga com Téspis e com a tradição coral. E assim por diante. Todos são englobados
pela coralidade.
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Tabela 1 - Sucessão histórica de dramaturgos atenienses antigos
Fonte: Laboratório de Dramaturgia LADI-UnB.
Como vimos, Téspis teria sua primeira participação nos concursos em 533
a.C, o que o aproxima de Quérilo, formando a primeira geração, de criadores
cênicos na dramaturgia ateniense antiga. Ésquilo pertence a um outro momento,
a uma outra geração. Embora mais próximo a Sófocles, Ésquilo posiciona-se entre
os antigos e a época do autor de
Antígona
. Em uma anônima biografia de Ésquilo,
esta distribuição de linhagem é proposta:
Quanto à simplicidade de sua composição dramática, se alguém o
[Ésquilo] avalia em relação aos que vieram depois dele, poderia ser
considerada como algo fraco e sem elaboração, mas, se é relacionada
com os que o precederam, é de se admirar sua perspicácia e
inventividade. Quem quer que pense que Sófocles foi o poeta trágico mais
completo está correto, mas deve levar em conta que, vindo depois de
Téspis, Frínico e Quérilo, foi muito mais difícil elevar o nível da tragédia,
que, depois de Ésquilo, atingir a perfeição de Sófocles (Mota, 2018, p.56)21.
Neste texto, retomam-se as estratégias utilizadas no Suda e em Plutarco para
espacializar
a tradição dramatúrgica em torno dos concursos trágicos em Atenas:
cada autor é posicionado em relação a um outro autor, constituindo um
encadeamento de nexos e vínculos que não apenas marca pontos em uma
cronologia: uma comparação entre eles quanto ao que realizaram a partir da
21 Frínico o t