O museu sem fim de 1976 (Sala 1: uma erótica da crítica))
Daniele Avila Small
Florianópolis, v.2, n.51, p.1-25, jul. 2024
de um processo de trabalho que parte de uma pergunta, de um questionamento,
de uma inquietação, então uma crítica é uma resposta que vem participar desse
questionamento, que oferece outras perspectivas de continuidade para aquela
investigação. Nesse caso, uma crítica negativa é uma interlocução criativa, um
debate de ideias, um investimento intelectual em um campo de conhecimento.
Quando se pensa em artefatos e eventos para o consumo e a satisfação de
clientes, aparece um critério que geralmente se toma por universal, o critério de
qualidade. Quando se pensa em criação artística, esse critério, a qualidade, se
torna bastante problemático, porque os projetos artísticos não partem de uma
única conjuntura, não têm a intenção de chegar ao mesmo lugar, nem de alcançar
os mesmos espectadores. Nesse âmbito, a ideia de qualidade pode ser um falso
critério, um valor distorcido. De qualquer modo, seja uma obra um produto
cultural para o mercado das artes ou uma criação que faz parte de um campo de
pesquisa, a partir do momento em que ela passa a fazer parte do mundo, ela
precisa ser pensada em relação a seu contexto. Porque as obras fazem coisas.
A ideia da arte como um campo à parte, autônomo, que não tem motivações e
consequências mundanas é questionável. Se isso fosse verdade, os movimentos
de extrema direita não teriam tanto ódio de artistas. Isso só acontece porque as
criações artísticas são significativas na formação dos afetos, das mentalidades.
Mas nem por isso se deve idealizar a prática artística. Artistas são seres humanos
como todos os outros. Seres humanos e seres históricos. Por isso, as obras de arte
devem ser pensadas e debatidas como qualquer objeto da cultura. Falar
publicamente sobre criações artísticas é uma forma de cuidado. Um investimento
não só intelectual, mas também afetivo, nessa prática e no mundo do qual as
obras fazem parte.
O diretor foge propositadamente à fidelidade histórica em relação
ao episódio. Talvez seja uma justificativa afirmar que a obra artística
para se concretizar não pressupõe rigor científico. A fantasia é a
matéria prima para uma boa obra em cinema. Podemos concordar
com isso. Não podemos concordar, entretanto, que o conhecimento
de um povo que, juntamente com o branco, formou a nação
brasileira, esteja ausente em todos os momentos do filme. E que
este se contente com o humor barato e grosseiro em cima dos
estereótipos mais vulgares a respeito desse povo.
A crítica de Beatriz Nascimento ao filme
Xica da Silva
foi um gesto de cuidado que
também foi um gesto de combate. Combate à irresponsabilidade artística e à
ignorância histórica, ao racismo e à misoginia. No texto, ela denuncia: uma série
de preconceitos, estereótipos e reduções, a conservação do mito de que a
colonização portuguesa foi amena e até divertida, o mau uso do humor, o
tratamento equivocado que o filme dá ao líder quilombola, as características
pejorativas conferidas à protagonista. Ela chama atenção para o desconhecimento