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A direção teatral e o contexto de produção -
conversa com Christiane Jatahy
Entrevista com Christiane Jathay
Concedida à Dionatan Daniel da Rosa e Diordinis dos Santos
Para citar este artigo:
JATHAY, Christiane; ROSA, Dionatan Daniel da; SANTOS,
Diordinis dos. A direção teatral e o contexto de produção
- conversa com Christine Jathay.
Urdimento -
Revista de
Estudos em Artes Cênicas, Florianópolis, v.2, n.51, p.1-19,
jul. 2024.
DOI: 10.5965/1414573102512024e0501
A Urdimento esta licenciada com: Licença de Atribuição Creative Commons (CC BY 4.0)
A direção teatral e o contexto de produção - conversa com Christiane Jatahy
Entrevista com Christiane Jathay concedida à Dionatan Daniel da Rosa e Diordinis Baierle dos Santos
Florianópolis, v.2 n.51, p.1-19, jul. 2024
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A direção teatral e o contexto de produção1 - conversa com Christiane Jatahy2
Christiane Jathay
Dionatan Daniel da Rosa 3 | Diordinis Baierle dos Santos4
Resumo
Qual o papel da direção no processo da criação artística contemporânea? Em que medida o
contexto da produção afeta e condiciona os procedimentos da direção? De que se constitui
o campo da direção teatral, em termos de modos de fazer, no âmbito brasileiro? Essas são
algumas das questões que são discutidas no presente texto: uma entrevista com a diretora
Christiane Jatahy, realizada no mês de abril de 2024, de forma remota enquanto ela finaliza
sua montagem de
Hamlet
com estreia marcada em Bruxelas ainda no mesmo ano.
Palavras-chave:
Direção teatral. Procedimentos de criação. Contexto de produção
.
Theatrical direction and the production context - conversation with Christiane Jatahy
Abstract
What role does directing play in the process of contemporary artistic creation? To what
extent does the production context affect and condition directing procedures? What
constitutes the field of theater directing, in terms of ways of doing things, in Brazil? These
are some of the questions that are discussed in this text: an interview with director Christiane
Jatahy, conducted in April 2024, remotely while she was finalizing her production of Hamlet,
scheduled to open in Brussels later that year.
Keywords:
Theatrical direction. Creative procedures. Production context.
La dirección teatral y el contexto de producción conversación con Christiane Jatahy
Resumen
¿Qué papel desempeña la dirección en el proceso de creación artística contemporánea? ¿En
qué medida el contexto de producción afecta y condiciona los procedimientos de dirección?
¿En qué consiste el campo de la dirección teatral desde el punto de vista de las formas de
hacer en Brasil? Éstas son algunas de las cuestiones que se abordan en este texto: una
entrevista con la directora Christiane Jatahy, realizada en abril de 2024, a distancia, mientras
ultimaba su producción de Hamlet, cuyo estreno estaba previsto para finales de ese año en
Bruselas.
Palabras-Clave:
Dirección teatral. Procedimientos creativos. Contexto de producción.
1 Revisão ortográfica e gramatical do artigo realizada por Diego Spader de Souza. Licenciado em Letras -
Português/Inglês (UNISINOS). Mestre e Doutor em Linguística Aplicada (UNISINOS).
2 Essa entrevista integra a Tese “Encenações relacionais”, financiada pela CAPES, realizada no PPGAC/UFRGS,
com orientação da Prof.ª Dr.ª Patricia Fagundes.
3 Doutorando em Artes Cênicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Mestre pela
Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Graduação em Bacharelado em Artes Cênicas pela
Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Artista da cena e Professor. diouhp@gmail.com
http://lattes.cnpq.br/6910513337512462 https://orcid.org/0000-0002-5304-8214
4 Mestrando em Artes Cênicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Graduação em Teatro
pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). diordinis.b.santos16@gmail.com
https://lattes.cnpq.br/3938441112979368 https://orcid.org/0000-0002-5616-0631
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Christiane Jatahy5
Essa conversa ocorreu no dia 9 de abril de 2024, através do aplicativo
Google
Meet
, com a diretora Christiane Jatahy, reconhecida no meio teatral como uma
das mais inventivas em termos de linguagem, especialmente pela forma híbrida e
performática através da qual elabora as peças da Cia Vértice de Teatro.
Um dos destaques da Cia, a peça
Corte Seco,
teve sua dramaturgia original
criada no processo de ensaios, a partir de relatos reais, materiais de jornal e
processos judiciais, conforme informa sua página oficial. A peça-mosaico, que é
realizada sob um roteiro base e que se modifica em cada apresentação, aborda
uma sucessão de eventos cotidianos “enfretamentos entre casais, pais e filhos,
tabus sexuais, traumas, romances e acidentes” (Cia Vértice, 2019) que são
apresentados de forma randômica, segundo a edição do dia, que o corte das
cenas e sua montagem são realizados ao vivo pela diretora presente no palco.
A encenação de
Corte Seco
é parte de uma pesquisa continuada por uma
linguagem, na qual são exploradas zonas da criação artística de fronteiras, tais
como a mistura entre realidade e ficção na construção de dramaturgias da cena,
5 Fonte: https://www.eql.com.br/saude-emocional/2022/02/brasileira-christiane-jatahy-vence-leao-de-ouro-
da-bienal-de-veneza-por-sua-trajetoria-teatral/
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os efeitos de presença na atuação, “a indefinição proposital entre o território do
ator e o do público, o uso de espaços não convencionais ou uso não convencional
de espaços tradicionais” (Cia Vértice, 2019), e, principalmente, o diálogo entre o
teatro e outras áreas artísticas, com ênfase em suas relações com o cinema. Essa
aproximação com o cinema data de 2004, quando o grupo aprofundou a pesquisa
formal na montagem da peça
Conjugado
6
,
“monólogo interpretado por Malu Galli,
no qual a vida de uma mulher solitária ganha representação por meio da
combinação de performance, projeção de documentário e instalação”
(Enciclopédia Itaú, 2019).
Conjugado
(2004)
forma, com
A Falta que nos Move
(2005) e
Corte Seco
(2009), a trilogia
Uma cadeira para solidão, duas para o diálogo e três para a
sociedade
, na qual Jatahy e a Vértice se dedicaram a experimentar, dentro das
relações originadas da junção teatro/cinema, possibilidades de composição cênica
em cada encenação realizada: juntas, combinaram performance e teatro
documental em
Conjugado
, duplicaram a experiência da criação/recepção em
A
Falta que nos Move,
ao produzir/apresentar ao mesmo tempo um filme e uma
peça, com o mesmo enredo, deixando a cargo do espectador escolher a
plataforma pela qual recebê-la, e editaram ao vivo a montagem de
Corte Seco,
explorando a multiplicação dos espaços de representação por meio de câmeras
instaladas na parte de fora do teatro.
Essa conversa ocorreu em um dos intervalos de sua nova produção,
Hamlet
Nas dobras do tempo,
que estreou em maio de 2024, em Viena, seguindo em
turnê para Lyon, Amsterdam e Barcelona. Na pauta falamos de começos direção,
processos, hibridismo com o cinema, a importância do aporte financeiro estatal, a
construção de dramaturgias, procedimentos de encenação, ética na criação e
sobre a montagem de
Júlia
, que permanece em cartaz há quinze anos.
6 A busca pelo aprimoramento da forma na composição teatral estava presente no primeiro trabalho do
grupo em 2001, Carícias e também no Memorial do Convento, em 2003. (Enciclopédia Itaú, 2019)
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Christiane Jatahy Foto: Léo Aversa
Dionatan - Vai ser uma conversa bem informal. Eu tenho algumas perguntas
roteirizadas, que podem ou não passar pela nossa conversa. Mas, para começar,
eu gostaria de saber como começa a tua história com a direção teatral.
Christiane
: Em termos de trajetória, é isso?
Sim, quando que tu consideras que começa a tua história com a direção?
Eu acho que começa a partir do momento em que dou aula. Durante muitos
anos eu dei aula de interpretação. Na verdade, desde muito cedo, mesmo quando
ainda não projetava a ideia de encenar, de assumir a posição de direção teatral.
Mas, como eu sempre dei aula, e, como você dá aula também, você sabe que faz
parte do programa fazer uma montagem. Sempre no final do ano, antes mesmo
de dar aula dentro de cursos de formação de ator profissional, ainda mesmo
quando eu dava aula dentro de escolas ou cursos livres, enfim. Sempre tinha, no
final do período do curso, a ideia de uma montagem. Acho que foi nesse momento
que comecei a poder experimentar esse outro ponto de vista, que é estar fora da
cena e não o ponto de vista de estar dentro da cena, como atriz. Porque bem
no começo, meus estudos no teatro tinham a ver com a ideia de atuação.
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Saiu da cena completamente já, Chris? Não atua mais de forma nenhuma?
Acho que, como atriz, sim. Posso estar em cena de uma maneira diferente.
Agora mesmo estou fazendo um espetáculo que vou apresentar daqui dez dias
em Bruxelas, depois em Antuérpia, no qual estou em cena. Mas estou em cena
como eu mesma... Agora, claro, como eu falo um texto que é sempre o mesmo,
de alguma maneira isso também é atuar. Mas não existe a ideia de contracenar, é
mais dentro de uma ideia de estar apresentando, de estar em relação com o
público e com os atores. Acho que tem um certo grau de atuação, mas acho que
é diferente.
Voltando
,
começou assim, na verdade. Depois, foi com um dos grupos em
que dei aula numa escola, que nem existe mais, que era o Souza Leão. Depois
morei um tempo em Barcelona, onde fui participar de um projeto muito
interessante, de vários artistas de diversos países da América Latina. Ao voltar,
voltei a querer dar aula, até porque a aula passa a ser para muitas pessoas uma
forma de sobreviver, inclusive. Mas também é um espaço de pesquisa
importantíssimo. Eu valorizo muito esse período em que fui professora, porque
me ensinou muito. O professor não ensina, mas aprende. A gente aprende muito
no processo de aula.
O tempo inteiro.
O tempo inteiro. É realmente um grande espaço de pesquisa, de método, de
encontro, onde você tem uma liberdade de experimentação grande. De troca. E
esse grupo de alunos, ao qual eu dei aula nessa escola, me pediu para a gente
formar um grupo, pois eles tinham vários amigos que queriam fazer e se eu estava
disposta a voltar a dar aula para eles. E eu procurei um espaço no Rio de Janeiro,
onde eu morava, onde eu moro e nasci, e eu acabei buscando o Parque Lage, onde
havia uma escola de artes visuais.
Conheço lá, visitei a escola.
Na época, havia alguns artistas visuais que eram diretores da escola, os quais
eu conhecia, e propus o curso. Eles abriram esse espaço. Embora não fosse
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destinado às artes cênicas, concordaram com a ideia. Comecei a ministrar um
curso naquele local, que é um espaço incrível para criação. respondo à sua
pergunta sobre a importância do espaço de criação. Além disso, o curso foi além,
pois convidei uma pessoa para trabalhar comigo: uma professora de técnica
Alexander. Também convidei algumas pessoas ligadas à musicalidade, na época o
Moreno Veloso e o Domenico Lancelotti, que eram bastante jovens. Além disso,
nós tínhamos elementos relacionados à acrobacia, pois a ideia era desenvolver um
trabalho que estabelecesse uma relação com o espaço público, além do edifício
da escola e do parque.
Mas já tem bastantes recursos humanos envolvidos nessa produção. Já é uma
outra dimensão...
Mas ainda dentro da ideia de escola, não uma ideia de grupo profissional. No
entanto, acabou se tornando. Porque, respondendo a você, considero esse
momento como o início para mim, realmente, quando ficou clara a minha função.
Esse ponto de vista autoral e exterior da cena era algo que realmente me inspirava,
algo que eu queria fazer. Fiquei quatro anos com esse grupo, que acabou se
transformando em uma companhia. A escola continua existindo no Parque e
crescendo enormemente. Nossos trabalhos tiveram muita repercussão na época.
Isso foi entre 1994, 1995 e 2001, com esse grupo. Depois, enfim, paramos, pois cada
um precisava sair um pouco para outros lugares, o que é normal. Foi assim, uma
transição entre um processo de escola de formação e assumir esse papel de
encenadora.
Esse flerte com o cinema, ele vem depois ou ele começa aí? Esse cruzamento
com as linguagens?
Esse cruzamento com as linguagens... acho que ele sempre esteve presente.
Tenho algumas formações, porque não estudei teatro, também fiz Faculdade
de Comunicação, Jornalismo, e, dentro desse contexto, também especialização
em cinema. Então, de alguma maneira, isso estava ali interligado nas minhas
percepções, nos meus olhares. Até porque acho que o cinema não é quando
você trabalha com a projeção. O cinema tem muitas ferramentas. Tem a
ferramenta da relação com o público, o ponto de vista do espectador; mas,
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também é uma ferramenta que pode, muitas vezes, estar mais voltada para a
questão de ponto de vista cinematográfico ou mesmo na relação de construção
da atuação, da relação com os atores. Então, acho que, no Parque Lage, eu posso
forçar e dizer “sim, tem alguma coisa”, mas acho que, mais claramente, nos
primeiros espetáculos que fiz, considerados “teatro adulto”, porque naquela
época...
Dionatan -
(risadas) Eu gosto, adoro as distinções. Teatro adulto!
Naquela época, o trabalho que eu fazia no Parque Lage era chamado infanto-
juvenil, mas também podia ser para adultos. Na verdade, tinha um grupo enorme
de adultos que ia assistir, mas, claro, também era para crianças.
Nossa, não te imagino dirigindo uma coisa para crianças... imagino a ousadia de
um trabalho seu para a criança...
Eu
acho muito curioso, porque não era para ser... mas eu acho isso bem
interessante. Até mesmo a trilogia que foi construída ali. Não sei se é esse o
objetivo, chamava
Trilogia da Iniciação
. O principal texto que a gente trabalhou foi
Alice
, do Lewis Carroll, que não foi criado como texto para crianças; ele é
reapropriado para uma história infantil, mas ele é, na verdade, extremamente
complexo. Então, a ideia era trabalhar com textos que não foram escritos e
dirigidos às crianças, mas que se transformaram em histórias infantis, que
trabalhávamos a partir do original. Então, era um trabalho para adultos, mas, ao
mesmo tempo, como são textos que tratam do universo e do imaginário infantil,
as crianças piravam.
Pega por algum viés, claro.
Pega por um viés, é claro, mas é isso. E aí, te respondendo sobre a questão
do cinema, o
Carícias
é a primeira peça, em 2001, em que eu realmente assumo
que existe uma questão cinematográfica.
Só um detalhe que considero muito legal, te ver falando como o cinema pode
nos ajudar a pensar a relação com o espectador, como pode nos ajudar a pensar
o trabalho da atuação, das questões de enquadramento, profundidade,
significado.
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Total.
Eu uso muito a ideia de
raccord
7 para criar, por exemplo: como a gente vai
fazendo as transições na cena, utilizando elementos que deem uma sensação
de fluxo? Como tu achas que o contexto de produção impacta nesse trabalho
criativo do diretor?
Bem, o impacto da produção é sempre indissociável do processo que é
possível ser feito. Não para dissociar uma coisa da outra. A produção viabiliza
o processo artístico. Então, o que você tem ou não tem de produção impacta na
questão do seu processo e do seu resultado. Não necessariamente porque você
tem pouco, que não vai ter um resultado incrível. Ou porque você tem muito, que
vai ter. Não acredito que a proporção gere resultados melhores ou piores. Mas é
óbvio que, quanto mais confortável você estiver em termos de estrutura de
produção, mais possibilidades terá de pesquisar coisas que não seria possível de
outra forma.
Acho muito importante reforçar isso... Hoje em dia, tenho uma vasta
experiência em ter produzido muitas coisas no Brasil e também aqui na Europa.
Em contextos de produção na Europa, que são de muito privilégio, pois são
grandes teatros, isso me possibilitou aprofundar muitos aspectos da minha
pesquisa. No entanto, muitos dos meus trabalhos realizados com menos recursos
foram fundamentais em minha trajetória e mesmo em termos de resultado. Claro
que, pensando na relação com o cinema, uso de câmeras, de projeção, entrando
nesse aspecto, em que não é um ator e seu corpo em um espaço vazio, que
pode gerar trabalhos incríveis... veja o
Macacos8
agora, essa peça que é enorme.
Mas, se você vai trabalhar com dispositivos, com ferramentas
cinematográficas, é claro que isso exige que você tenha algum recurso. Por mais
que hoje em dia isso seja mais viável em termos de custos do que quando comecei
7
O raccord
refere-se a qualquer elemento de continuidade entre dois ou mais planos. Ele pode existir ao
nível dos objetos (num local de filmagem, se ouvirmos esses óculos não estão em raccord”, isso significa
que a personagem não usava os mesmos óculos ou até nenhum tipo de óculos no plano que vai ligar ao
que está sendo filmado); ao nível do espaço, podem ocorrer raccords de olhar, de direção, de posição ou
até de objetos ou pessoas [...]. (Bürch, 2015, p. 30)
8
Macacos
é uma montagem que conta somente com um ator e um batom, e trata da urgência da discussão
da vida negra no Brasil. O preconceito contra os povos pretos é abordado a partir do relato de um homem-
preto que busca respostas para o racismo que rodeia seu cotidiano e a história de sua comunidade. A
direção, o texto e a atuação são de Clayton Nascimento. (Informações do site da Cia Mugunzá, disponível
em https://ciamungunza.com.br/macacos). Acesso em: 12 abr. 2024.
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a trabalhar, com câmeras no celular e outros recursos que antes não tínhamos,
ainda assim restringe e limita determinados aspectos da pesquisa se você não
tiver apoio. E, é claro, um fator importantíssimo a se mencionar é pagar as pessoas
que trabalham (
risadas).
Importante.
Eu acho muito importante valorizar os recursos humanos e dar a base para
que as pessoas não precisem fazer cinco, seis coisas ao mesmo tempo, o que
também faz com que elas tenham mais possibilidade de estar voltadas para uma
determinada pesquisa. Então, apoio às artes também é sobre isso. Apoiar as
pessoas para que o que elas fazem seja trabalho. Trabalho exige remuneração.
Criar exige remuneração, né?
Eu acho muito importante apostar; na verdade, não perder a aposta, sabe?
Enfim, não é perder a aposta, mas não acreditar que a única forma de aprofundar
uma pesquisa está relacionada à quantidade de recursos que você tem. Acho que
é isso que eu estava tentando dizer. Ao mesmo tempo, por exemplo, acabamos
falando de produção, mas quando trabalho aqui na Europa, tenho apenas dois
meses para criar um espetáculo, que às vezes, é enorme. Em dois meses,
filmamos, ensaiamos e montamos o filme. Enfim, o espetáculo estabelece uma
relação muito complexa entre o teatro e o cinema. E, ao mesmo tempo, é uma
adaptação de Hamlet, que demanda também tempo para compreender a
linguagem, o entendimento do texto, a profundidade desse texto em todos os
aspectos. Uma equipe muito grande trabalhando. Mas eram apenas dois meses de
trabalho.
É uma loucura. É incrível no sentido de que há toda uma estrutura para que
isso aconteça em dois meses, mas, ao mesmo tempo, sinto nostalgia de quando
podia passar seis meses numa sala de ensaio. E é claro que esses seis meses
surgiam de um acordo coletivo, do fato de estarmos dispostos a investigar aquilo,
independentemente dos recursos que tínhamos. Porque aquilo era importante
para nós, o resultado se transformava e podia ter uma força gigantesca. Então,
acho que é muito importante. Volto a repetir, considero fundamental que as
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pessoas sejam remuneradas pelo trabalho que fazem. Isso não quer dizer que
precisamos fazer teatro amador, no sentido de amar o que fazemos e, por isso,
não precisar de remuneração. Precisamos ser remunerados, pois somos
profissionais do nosso exercício artístico. Na verdade, acho que isso deve ser um
pensamento do Estado, do governo. A cultura precisa ser apoiada.
Sim, total. Pina Bausch não existiria sem o apoio do governo.
Nem o Lepage, que você começou a pesquisar.
Nem o Lepage (risadas).
São
apoios estatais. Essa compreensão é muito importante, porque, senão,
parece que a gente também se resolve. Porque a gente se resolve, mas não é esse
o pensamento.
Sim. Em dois meses você não tem tempo de fazer uma deriva. Em seis meses,
a gente consegue fazer algumas derivas. Para, pensa, come, toma um banho,
dá uma refletida. Em dois meses entra num outro ritmo de produção.
Exatamente. Essa é a produção em que noventa por cento dos espetáculos
são produzidos nesses contextos internacionais. Dois meses. Às vezes você
consegue dois meses e meio, mas a base é dois meses.
Teu trabalho estreia e muda ao longo do trajeto, são trabalhos em processo ou
o que estreia é o que circula? Ou tem esse aspecto mais performativo que
pode...
Você conhece o meu trabalho. Meu processo e pesquisa seguem sendo os
mesmos. Para mim, um espetáculo nunca está realmente finalizado quando
estreia. Isso não significa que eu não o considere pronto, mas que o encontro com
o espectador é crucial para entender que o teatro se desenvolve no momento
presente da interação entre a cena e o público. É uma forma de arte que só existe
nesse aspecto. É interessante, falo muito sobre isso, sobre a relação entre arte e
cinema. O cinema é um registro do passado que se torna presente quando o
espectador assiste à obra, e tem essa habilidade ilusória de parecer conectado
com o momento presente do espectador, mas continua sendo um registro do
passado.
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No teatro, ao contrário, ele está sempre no tempo presente do público e da
cena. Ele acontece completamente nesse encontro. Então, para mim, é inevitável
continuar o processo, porque minha perspectiva muda com a presença do público.
Mas também porque a obra, como o
Júlia
, um espetáculo que fiz em 2011, continua
circulando. Acho que merecemos entrar para o Guinness, porque vai fazer, sei lá,
quinze anos! (risos) Esse espetáculo vai completar quinze anos em breve. Com os
mesmos atores e a mesma equipe.
A senhorita Júlia já é a senhora Júlia...
A gente brinca. Mas, é bem interessante isso. Quando eu assisto à peça, não
é sempre, mas quando eu assisto, continuamos reavaliando, repensando. Porque
ela não é uma peça de museu, que você expõe. Ela se redimensiona não na
relação com o tempo presente do público, mas com o tempo presente do mundo.
Hoje, a perspectiva das pessoas não é a mesma de olhar essa obra de quinze anos
atrás. Então, a obra se ajusta, ela se reavalia. E, fora isso, por exemplo, um projeto
como o
Corte Seco
, em que interfiro o tempo todo, faz parte do que me interessa
também como encenadora performativa, no sentido de que há uma performance
que está acontecendo continuamente, sendo reavaliada na própria relação com a
possibilidade de repensar o espetáculo. Não como um todo, mas você sabe...
Fazer esse ajuste permanente.
Fazer esse ajuste permanentemente. Depois de uma coisa, você muda tudo.
É sempre um sistema. Não são unidades isoladas. Sobre a coisa da
Júlia
, algumas
vezes a gente se viu nessa situação de ela falar “mas vai ter uma hora que eu vou
falar umas coisas e as pessoas vão... ahahahahaha”. Tem uma hora que ela fala
assim “eu tinha 18, 19 anos”. Ela realmente parece muito novinha. Ela falava que
era menor, agora ela fala e eu “hahahahaha”.
Vai se transformar numa comédia.
Mas, algo incrível, essa é a parte caricata. algo impressionante nisso.
Filmamos, certo?
Júlia
é uma filmagem ao vivo, mas também tem uma parte pré-
filmada. E é claro que nessa parte pré-filmada, você os mais jovens. algo
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que dá novo significado à obra, o que é lindo. Porque o público esquece que eles
são mais jovens, e, ao lembrar, estende-se na ideia de uma continuidade entre
passado e presente, como se esses personagens estivessem aprisionados dentro
de uma linha do tempo.
A sensação do tempo transcorrido, na memória do...
Do espectador. É super bonito. É isso, mas é claro, não é a mesma obra
que as pessoas viram há quinze anos atrás, em que isso não existia, em que era o
contrário; era o
raccord
perfeito, como você falou. Ela saía da tela para a cena e
parecia que realmente ela estava saindo mesmo da tela para a cena. Hoje em dia
ela sai da tela para a cena e você faz um curto-circuito relativo ao passado. E é
bonito.
E é uma condição de produção, né? Talvez essa memória do tempo nunca
aparecesse se tu não tivesses essa condição de dar continuidade a esse
trabalho por tanto tempo. Pensando sobre isso eu pergunto, você tem um
sistema de criação? Procedimentos que se repetem?
Sim, é claro, eu tenho sistemas de criação, né? Métodos e ferramentas, que
vão sendo desenvolvidas para...
Tu nunca vais escrever sobre isso para a gente, Chris?
É, deveria! Vai sair uma publicação agora muito extensa sobre a minha
pesquisa, que são falas, em uma revista francesa chamada
Théâtre Public
. É uma
revista de estudo, não é uma revista de banca. Foram muitas e muitas horas de
entrevistas e muitas pessoas escrevendo sobre as pessoas que participam do meu
trabalho. E acho que vai ser bem interessante, como base, para começar a
realmente organizar tudo isso.
Aqui no Brasil, há alguma coisa mais extensa sobre o teu trabalho?
A Sílvia Fernandes está fazendo uma pesquisa muito profunda sobre o meu
trabalho e vai fazer uma publicação agora. Ela também escreveu para a revista. O
José da Costa, da Unirio, publicou um livro sobre o meu trabalho chamado
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Teatro do Comum
.
Voltando à sua pergunta sobre um “método”, às vezes tenho mais tempo para
estabelecer essa base, que você chama de “aquecer os atores”, e que está
relacionada, na verdade, com construir essa ligação coletiva. Sim, acho que é uma
questão de todos falarem a mesma linguagem. Todos os meus exercícios são
preparados com esse propósito. Na verdade, há um aspecto fundamental no meu
trabalho. Não trabalho a partir da construção, mas da reação. O cerne da minha
abordagem na atuação é que os atores não estejam armados... Isso não é fácil,
porque exige que os atores estejam disponíveis para responder no momento
presente o tempo todo e evitem construir uma ideia prévia sobre o que farão.
Mesmo que possamos discordar sobre inúmeras coisas, inclusive sobre a
compreensão das relações, somos moldados por elas. Há algo bastante bonito na
biologia que não se trata da lei do mais forte, mas da lei da cooperação.
Sim, tem uma dupla de biólogos chilenos, Maturana e Varela, que fala isso.
Exatamente. Primeiro eles definem uma noção de
autopoiésis9
, em que o ser se
autoproduz. E a partir disso eles explicam o amor biologicamente, o porquê é
importante o convívio10...
Exatamente, porque a sobrevivência das bactérias, elas acontecem não
porque elas superam as outras, mas porque elas absorvem o diferente. Você
sobrevive porque você se une.
É bonito isso, né?
9 “Um sistema autopoiético produz a si mesmo ao mesmo tempo em que produz suas próprias condições,
tanto internas quanto externas. Os sistemas, portanto, sempre existem em um “ambiente”. O ambiente não
é o “real” ôntico, mas é produzido a partir de dentro como resultado da observação e redução da
complexidade do seu entorno”. (Keenan, 2022, não paginado).
“An autopoietic system produces itself while simultaneously producing its own conditions, both internal and
external. Systems thus always exist in an ‘environment’. The environment is not the ontic ‘real’ but rather is
produced from within as the result of observing and reducing the complexity of its surroundings”. (Tradução
nossa)
10 “Esse ato de ampliar nosso domínio cognitivo reflexivo, que sempre implica uma experiência nova,
podemos chegar pelo raciocínio motivado pelo encontro com o outro, pela possibilidade de olhar o outro
como um igual, num ato que habitualmente chamamos de amor - ou, se não quisermos usar uma palavra
tão forte, a aceitação do outro ao nosso lado na convivência. Esse é o fundamento biológico do fenômeno
social: sem amor, sem a aceitação do outro ao nosso lado, não há socialização, e sem socialização não há
humanidade”. (Maturana; Varela, 1995, p 263).
A direção teatral e o contexto de produção - conversa com Christiane Jatahy
Entrevista com Christiane Jathay concedida à Dionatan Daniel da Rosa e Diordinis Baierle dos Santos
Florianópolis, v.2 n.51, p.1-19, jul. 2024
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Muito bonito. E é realmente a grande revolução que precisamos fazer. E o
espaço do teatro nos permite isso. Construir a cena com essa base é um exercício
de treino, porque estamos acostumados a nos defender no processo construtivo
de nós mesmos, para que possamos agir em relação ao outro. Você fica muito
mais vulnerável quando precisa responder ao outro. E o outro a você, porque é
uma dinâmica de ação e reação. Então, em resposta à sua pergunta, primeiro
a compreensão disso tudo, mas depois uma série de exercícios, sistemas de
dramaturgia e ferramentas com as quais trabalho muito, que vêm desde coisas
que desenvolvi até coisas que foram absorvidas de forma inconsciente e
consciente, e que formam essa base. Essa é a base do meu trabalho com os
atores. No entanto, muitas vezes, os processos para chegar a isso são diferentes.
Nem sempre consigo, às vezes, preciso passar pela mesa. Trabalhei, por exemplo,
com vários atores de diferentes culturas e formações de trabalho muito diversas.
E a mesa é um lugar comum, acaba sendo um lugar em comum.
Da qual
eu fujo o máximo que eu posso. Contudo, por exemplo, você trabalhar
com atores alemães é mais difícil, porque são atores para os quais a mesa é
fundamental. Eles são pessoas do pensamento, eles pensam e depois colocam…
Eu falo isso porque trabalhei com atores alemães três vezes. No Brasil, a gente
vive e depois racionaliza. Os atores têm essa disponibilidade. Eles falam que vão
para a cena, a gente se joga, não sabe nem muito bem o que a gente está fazendo.
E depois você sai e discute, até que o seu corpo se relaciona com as coisas, se
junta. O pensamento vem do corpo também. Você não pensa para fazer, você faz
e pensa. E muitas vezes você faz e vai pensar depois. É claro que isso, de uma
maneira um pouco geral. Mas os atores alemães precisam entender. Eles
perguntam. "Por quê? Por quê?"
Mas, ao mesmo tempo, é incrível porque tem uma hora que eles estão
com seus textos, e é uma mesa enorme, cheia de dramaturgistas... é incrível.
Porque não é valorizar uma coisa pela outra. Porque, ali na mesa, vai-se tão fundo
na relação do texto, do pensamento, de esmiuçar aquilo. É uma língua da filosofia.
Não é à toa, tanto que cada palavra para eles é uma caixa de informações e de
pensamentos.
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No Brasil, a gente está com esse problema das narrativas políticas. É
interessante pensar como a gente domina menos esse pensamento sobre o
que está se dizendo ou o que está se pensando, é interessante a gente estar
em crise, nesse momento, artisticamente falando. Acho que os discursos têm
se esvaziado muito no que tem se produzido no Brasil, né? Ou se repetido.
Mas, ao mesmo tempo, acho que a Europa tem muito a aprender com a
gente. E tem um pensamento aí que está congelado no tempo.
um argentino chamado Victor Arrojo (2014) que faz uma distinção entre
esses procedimentos eurocentrados que a gente absorveu no processo de
colonização da América Latina. Ele chama de “procedimentos gerais”, e a leitura
de mesa é uma delas. Ele defende uma particularização dos procedimentos,
por exemplo, esse nosso pensamento no corpo, que é uma coisa que é menos
frequente.
Exato. E, pensando sobre essa experiência, eu estou falando da minha
perspectiva sobre eles, mas eles ficam alucinados também. A relação de ir para o
acontecimento, para a relação, e refletir, e depois refletir, também leva a
descobertas que são muito inesperadas.
Acho que faz parte do nosso processo de maturidade, de saber... Porque,
assim, se você está falando sobre a ideia de que a cena é um diálogo com o outro,
também acho que encenar é um diálogo com o outro. E cada pessoa dentro de
um grupo e cada grupo de pessoas exige que você olhe novamente. Porque acho
que a pior coisa é você ter a pretensão de saber, que você vai chegar ali já pronto.
Claro, você chega com toda uma bagagem, com tudo que você sabe e que você
quer. E eu sou uma encenadora que chego com muitas ideias já definidas. Muitas,
muitas mesmo.
Tu és muito diretiva?
Acho que tem a ver novamente com a questão do tempo do processo.
Quando eu faço uma peça como
Se elas fossem para Moscou?
, por exemplo, a
gente teve um longo tempo de trabalho em comum, é evidente que o nosso tempo
de colaboração, inclusive a questão da troca para a construção de um texto, é
muito maior, porque a gente tem esse espaço.
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Te permite ser mais colaborativa.
Exatamente. Mesmo que depois eu pegar esse material e transformá-lo.
Isso é normal. Porque o colaborativo não é o mesmo que o processo de criação
coletiva. É importante separar essas duas palavras, e isso também não é
hierárquico. Não se trata necessariamente de quem toma as decisões. Na verdade,
o colaborativo diz respeito ao fato de que cada pessoa tem seu potencial criativo,
que se interliga com as outras áreas, mas chega um momento em que as pessoas
precisam assumir seus lugares dentro desse sistema, para poderem avançar ainda
mais. Chega um momento em que é importante que o grupo se organize, porque
na criação coletiva, na verdade, todo mundo é tudo. O colaborativo é onde há uma
colaboração, onde há uma troca. E isso pode ser horizontal, mas onde os lugares
são diferentes e essas diferenças exigem escolhas, posições e relações distintas
para que as coisas progridam, para que o trabalho dê resultados.
Chris, vou te fazer uma última pergunta. E essa é uma pergunta sobre a qual
falamos, enfim, mas eu acho que seria bom te ouvir falar especificamente sobre
isso, que é a ideia de vida na cena. Eu precisei usar essa expressão, porque eu
venho de uma formação stanislavskiana. Mas cada diretor pensa de uma forma.
Para alguns tem uma relação com o texto, para outros uma relação com a
novidade, para outros ainda com a performatividade.
Acho que tem um pouco a ver com o que eu disse sobre a ideia de você estar
em reação. Pegando Stanislavski, também estudei muito Stanislavski, e acho que
ele chega a um ponto que para mim é crucial, que é a ideia de que... uma frase
que adoro: “as melhores cenas não são aquelas em que você sai lembrando o que
sentiu, mas sim o que viu no outro”. Portanto, no fim das contas, é sobre relação.
Acredito que, se existe algum momento em que alcançamos uma verdade no
teatro... Essa palavra, filosoficamente, tem muitos significados, mas para mim,
trata-se da ideia de que estamos todos vendo a mesma coisa. Isso é vida. Ou seja,
o ator e a atriz que estão em cena, ou as duas atrizes, essas pessoas que estão
em cena e o público, estão vendo a mesma coisa. E estar vendo a mesma coisa,
na verdade, tem a ver com um sentimento de realidade, que sai da ideia de
atuação e entra na ideia de que aquilo, por alguns instantes, é real. E essa realidade
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se dá, para mim, no entre. Ela não se na pessoa, embora a pessoa seja parte
do entre, portanto, é uma teia. E esse entre só acontece se existir uma conexão. E
essa conexão tem a ver com a resposta. Então é isso. Vida para mim em cena, é
isso. Sempre digo, para os atores com quem trabalho, que para mim o teatro está
no entre. E nesse lugar, que é tão visível e invisível ao mesmo tempo, e ao mesmo
tempo que é super concreto, né?
Eu vou te responder na medida em que te escuto, né? Então, se eu não te
escutar, você também não vai concordar, vai discutir, porque você realmente está
me escutando. E muitas vezes a gente constrói tanto em nossas cabeças que
paramos de fazer isso, de escutar. Se tivermos aqui duas pessoas nos assistindo,
nos ouvindo, elas vão ver tua reação e minha reação, e vão entender que existe
alguma coisa entre nós que está acontecendo e que isso é o real. Agora, o desafio
é como conseguimos isso na repetição. Porque estamos fazendo isso no
espontâneo. Mas acho que o grande desafio... Essa é a questão do teatro. Você
tem que repetir, porque vai fazer aquilo de novo, de novo, de novo, mas a repetição
não é sobre repetir. E, ao mesmo tempo, não é sobre buscar a variação o tempo
inteiro. Porque buscar a variação também está fora da relação. Então,
respondendo desde o início sobre métodos, essa é a questão. E, para mim, assim,
há pessoas que pensam em outras coisas. E isso também se na relação com o
cinema. O cinema, em meu trabalho, é absolutamente relacional ao que está
acontecendo na cena. Por isso que digo que meu uso dos dispositivos
cinematográficos é dramatúrgico. Não é estético. Embora, se olhar, tenha uma
estética evidente. Mas ele está muito ligado à questão dramatúrgica.
Para encerrar, gostaria de te agradecer pela conversa e te dizer que eu acho
muito valioso acompanhar tua experiencia como diretora brasileira no exterior,
principalmente em ambientes extremamente eurocentrados (em termos de
procedimentos).
Totalmente. Para fechar essa conversa, nas infinitas entrevistas que eu dou,
eu sempre digo, assim, na verdade, é sempre sobre o Brasil. É sempre sobre as
raízes, é sempre sobre o que eu sou, como artista, e me expresso como artista
com tudo que eu tenho da minha absoluta brasilidade. Tudo o que eu aprendi, na
verdade, ao nascer num país, e ter crescido e feito grande parte do meu trabalho
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no Brasil. Isso é sempre a nossa pérola. E a gente tem muitos bons referenciais
brasileiros e latino-americanos.
Referências
ARROJO, V. L.
¿El director teatral es o se hace? Procedimientos para la puesta en
escena
. Buenos Aires: Inteatro, 2014.
BURCH, Noel.
Práxis do Cinema
. São Paulo: Perspectiva, 2015.
CIA VÉRTICE.
Portal Christiane Jatahy
[s.i.], [s.d.]. Disponível em:
http://christianejatahy.com.br/cia-vertice. Acesso em: 25 jul. 2019.
CHRISTIANE Jatahy. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras.
São Paulo: Itaú Cultural, 2019. Disponível em:
http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa426802/cristiane-jatahy. Acesso em: 30 jan. 2024.
MATURANA, Humberto, R.; VARELA, Francisco, G. A Árvore do Conhecimento: As
bases biológicas do conhecimento humano. Campinas: Psy II, 1995.
KEENAN, Bernard
Niklas Luhmann
: O que é Autopoiése? 2022. Disponível em:
https://criticallegalthinking.com/2022/01/10/niklas-luhmann-what-is-autopoiesis/.
Acesso em: 30 jan. 2024
Recebido em: 30/04/2024
Aprovado em: 20/05/2024
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