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Reflexões sobre o tempo-ritmo e a transição entre a
palavra falada e cantada no Teatro Musical
Thiago Augusto Schuenck Moreto Linhares
Tiago Mundim
Para citar este artigo:
LINHARES, Thiago Augusto Schuenck Moreto; MUNDIM, Tiago.
Reflexões sobre o tempo-ritmo e a transição entre a palavra
falada e cantada no Teatro Musical.
Urdimento
Revista de
Estudos em Artes Cênicas, Florianópolis, v. 2, n. 51, jul. 2024.
DOI: 10.5965/1414573102512024e0208
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Reflexões sobre o tempo-ritmo e a transição entre a palavra falada e cantada no Teatro Musical
Thiago Augusto Schuenck Moreto Linhares | Tiago Mundim
Florianópolis, v.2, n.51, p.1-26, jul. 2024
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Reflexões sobre o tempo-ritmo e a transição entre a palavra falada e cantada no Teatro Musical1
Thiago Augusto Schuenck Moreto Linhares2
Tiago Mundim 3
Resumo
Este trabalho propõe a reflexão acerca do conceito de
Tempo-Ritmo
e algumas de suas
possibilidades no Teatro Musical, especialmente no que diz respeito à transição entre a
Palavra Falada e a Cantada. Apresentamos uma contextualização deste conceito, levantando
primeiramente definições de
Tempo
e de
Ritmo
separadamente, desde suas definições
utilizadas na Música e no Teatro, passando por Stanislavski e o desenvolvimento do conceito
Tempo-Ritmo
em si, até o diálogo com outros pesquisadores sobre o tema, como Jerzy
Grotowski, Renato Ferracini e Jacyan Castilho. Por fim, apresentamos possibilidades de
relação entre o
Tempo-Ritmo
e a transição entre a Palavra Falada e Cantada em espetáculos
de Teatro Musical.
Palavras-chave
: Tempo-Ritmo. Teatro Musical. Transição. Palavra Falada. Palavra Cantada.
Thoughts about Time-Rhythm and the transition between Spoken and Sung Word in Musical
Theatre
Abstract
This work proposes thoughts about the concept of
Time-Rhythm
and some of its possibilities
in Musical Theatre, especially with regard to the transition between Spoken and Sung Words.
We present a contextualization of this concept, first raising definitions of
Time
and
Rhythm
separately, since their definitions used in Music and Theatre, going through Stanislavski and
the development of the
Time-Rhythm
concept itself, up to the dialogue with other
researchers on the subject, such as Jerzy Grotowski, Renato Ferracini and Jacyan Castilho.
Finally, we present possibilities for the relationship between
Time-Rhythm
and the transition
between Spoken and Sung Words in Musical Theatre shows.
Keywords
: Time-Rhythm. Musical Theatre. Transition. Spoken Word. Sung Word.
Reflexiones sobre el Tempo-Ritmo y la transición entre la Palabra Hablada y Cantada en el
Teatro Musical
Resumen
Este trabajo propone una reflexión sobre el concepto de Tempo-Ritmo y algunas de sus
posibilidades en el Teatro Musical, especialmente en lo que respecta a la transición entre
Palabra Hablada y Cantada. Presentamos una contextualización de este concepto,
planteando primero definiciones de Tiempo y Ritmo por separado, desde sus definiciones
utilizadas en la Música y el Teatro, pasando por Stanislavski y el desarrollo del propio
concepto Tiempo-Ritmo, hasta el diálogo con otros investigadores del tema, como Jerzy
Grotowski, Renato Ferracini y Jacyán Castilho. Finalmente, presentamos posibilidades para
la relación entre Tempo-Ritmo y la transición entre Palabra Hablada y Cantada en
espectáculos de Teatro Musical.
Palabras clave
: Tempo- Ritmo. Teatro Musical. Transición. Palabra Hablada. Palabra Cantada.
1 Revisão ortográfica e gramatical do artigo realizada por Marina Araújo Rodrigues. Mestrado em Políticas e poéticas do texto
pela Universidade de Brasília (UnB). Licenciatura em Letras Português e Respectiva Literatura pela UnB.
2 Mestrado em Artes cênicas pela Universidade de Brasília (UnB). Licenciatura em Artes Cênicas pela UnB.
thiago_schuenck@hotmail.com
http://lattes.cnpq.br/9671334859913118 https://orcid.org/0009-0007-1171-8922
3 Pós-Doutorado no PPG-CEN da UnB com Bolsa PNPD. Doutor em Arte Contemporânea pela Universidade de
Brasília (UnB), com período sanduíche na Royal Central School of Speech and Drama - University of London.
Mestrado em Artes Cênicas pela UnB. Bacharelado em Interpretação Teatral, Licenciatura em Artes Cênicas
pela UnB. Prof. do Departamento de Artes Cênicas da Universidade de Brasília.
tiago.elias.mundim@gmail.com
http://lattes.cnpq.br/0586365487485364 https://orcid.org/0000-0003-3079-6671
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Introdução
Uma das questões que instigaram o desenvolvimento desta pesquisa foi a
percepção de como a transição entre a Palavra Falada e a Palavra Cantada em
alguns espetáculos de Teatro Musical4 acontece de modo tão sutil e envolvente
que quase não é percebida. O fim do texto falado e o início da canção se
desenrolam de forma tão harmônica que, quando menos se espera, o ator-
cantor-bailarino5 está cantando e nem se conta de como aconteceu a
transição entre a Palavra Falada e a Cantada.
Isso nos fez buscar compreender melhor como ocorre esse processo e como
o
Tempo-Ritmo
do espetáculo pode colaborar para essa percepção, ou até
mesmo para deixar marcada a mudança entre a parte falada e a parte cantada
dentro de um musical. Para isso, buscamos pelas definições dos conceitos de
Tempo e Ritmo, para então nos aprofundarmos no conceito de
Tempo-Ritmo
e
levantarmos algumas reflexões acerca desse tema e de como ele se reverbera
no processo de composição de um espetáculo de Teatro Musical, a fim de
minimamente conseguirmos compreender e direcionar essa percepção do
público acerca da transição entre a palavra falada e a palavra cantada ao longo
da performance musical.
Tempo e Ritmo
Iniciando por uma consulta ao dicionário Aulete, observamos que
Tempo
na
música é descrito como o "movimento de execução de uma peça musical,
4 Estamos considerando neste trabalho o Teatro Musical como sendo a vertente teatral baseada no Teatro
Musical anglófono produzido “nos países de língua inglesa, mais especificamente nos Estados Unidos (Nova
Iorque/Broadway) e na Inglaterra (Londres/West End), que mescla o teatro, a música, a dança e outras
modalidades artísticas como elementos estruturantes em um único espetáculo, combinando-os de forma
orgânica, harmoniosa e sem uma hierarquia entre eles, no qual todas essas modalidades estejam a serviço
do espetáculo com o mesmo grau de importância, mesmo que aparecendo em diferentes proporções”
(Mundim, 2021, p. 11).
5 O termo “ator-cantor-bailarino” é utilizado para designar especificamente os
performers
que buscam um
treinamento que contemple o desenvolvimento de suas habilidades nas áreas de interpretação, canto e
dança, bem como da utilização concomitante dessas habilidades para serem executadas em simultaneidade
em performances de Teatro Musical (Mundim, 2014).
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indicado por expressões técnicas como moderato, allegretto, marcha, etc.",
enquanto
Ritmo
é definido como "a combinação de tempos dentro de uma
composição". Notamos uma interdependência entre esses conceitos, mas uma
falta de clareza na diferenciação entre eles.
Comparando com o dicionário Grove de música, encontramos que a definição
de Tempo é mais ampla sendo apresentados seis tipos de tempos:
Tempo,
Tempo Giusto, Tempo Ordinário, Tempo Primo, Tempos Fortes e Tempos Fracos
.
Para
Tempo,
especificamente, existem duas definições:
tempo
(1) A pulsação básica subjacente à música; é a unidade fundamental do
COMPASSO, representada em regência por um movimento da mão ou da
batuta.
(2) Diz-se do ANDAMENTO de uma peça musical, como “em tempo de
marcha”, ou para caracterizar um ritmo, como “tempo de minueto”
(Dicionário Grove de música, 1994, p. 919).
Segundo o Grove,
Ritmo
é descrito como "a subdivisão perceptível de um
intervalo de tempo; a organização de sons musicais, especialmente através de
duração e ênfase" (
Dicionário de Grove de música
, 1994, p. 788). Essa definição
destaca a importância da duração e da ênfase na música, o que se assemelha ao
ritmo presente na fala, em que variações, pausas e ênfases também são
utilizadas.
Ao analisarmos o
Ritmo
na música, nossa atenção se volta habitualmente
para a duração e a ênfase da melodia preexistente. E quando introduzimos um
texto cantado, como ocorre no Teatro Musical, tendemos a seguir esse padrão
estabelecido pela música. No entanto, ao pensarmos no
Ritmo
da fala, o
referencial é o conteúdo interior do discurso, o que torna a duração e as ênfases
mais flexíveis. A fluidez da transição entre a fala e o canto no Teatro Musical é
um aspecto fundamental que exige delicada articulação entre o
Ritmo
da palavra
falada e o Ritmo musical associado à palavra cantada. Essa relação oscila entre
a precisão métrica da música e a flexibilidade natural da fala, sem que isso
signifique a criação de duas personas distintas: uma para a fala e outra para o
canto.
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Podemos entender que os conceitos de
Tempo
e
Ritmo
são
interdependentes, influenciando-se mutuamente e modificando a composição
de maneira significativa. A interpretação do
Tempo
e do
Ritmo
pelo músico
também afeta a execução, visto que termos como
moderato
ou
allegretto
são
indicativos de como uma peça deve ser tocada, geralmente medidos em BPM
(batimentos por minuto). Por exemplo, um moderato tem um valor referencial
de 108 a 112 BPM, oferecendo ao regente certa liberdade interpretativa na
condução da obra.
O compositor Raymond Murray Schafer o
Ritmo
como uma direção em
movimento constante, comparando-o a degraus que dividem o percurso
(Schafer, 1991, p. 87). Ele categoriza
Ritmos
em Regulares e Irregulares, sendo o
primeiro mecânico, enquanto o segundo pode dilatar ou encurtar o tempo real,
aproximando-se do tempo psicológico. A noção de
Ritmo
Irregular destaca a
interação entre Tempo e Ritmo, na qual o tempo se afasta da cronologia e dialoga
com o subjetivo.
O teórico teatral Patrice Pavis (1998) trata o
Ritmo
como uma parte intrínseca
à fabricação da peça teatral e como parte constituinte do sentido. O
Ritmo
daria
vida ao texto e seria através dele que surgiria o sentido de dizer o que está sendo
dito. Pavis salienta a dualidade do ritmo biológico, como a inspiração/expiração,
de maneira que sua utilização force uma fuga do sequencial:
[...] encontrar, na respiração dos atores, na alternância das pausas e das
explosões vocais e gestuais, essa dualidade dos ritmos biológicos e em
impor ao texto transmitido um esquema rítmico que faça com que sua
linearidade seja detonada e que impeça qualquer identificação do texto
com uma individualidade psicológica (1998, p. 344).
O
Ritmo Biológico
influencia-nos involuntariamente, evidenciando-se em
momentos de ansiedade, com respiração acelerada, ou ao acordar, quando o
corpo está mais lento. Ele impacta diretamente nossa performance, sendo
frequentemente difícil de o controlar. A dualidade mencionada por Pavis torna-
se complexa ao considerar a falta de controle, somando-se aos ritmos biológicos
da personagem. Pavis também compartilha a ideia de
Ritmo Irregular
, destacando
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que o ritmo da encenação não se limita à duração, mas define os sentidos do
texto e os caminhos da encenação. Segundo Pavis (1998), a escolha do ritmo na
encenação é guiada pela busca pelo significante, pela busca por destacar o
sentido do texto e da cena. O ritmo, nesse contexto, seria uma ferramenta para
a construção do significado.
Sobre o
Tempo
, Pavis reconhece a sua fundamentalidade em cena, mas, ao
mesmo tempo, coloca em questionamento a sua descrição, que, para isso,
seria necessário analisar de fora do tempo que realmente aconteceu. Partindo
dessa motivação, Pavis divide o
Tempo em Cênico
e
Extracênico
.
O Tempo
Cênico
:
É ao mesmo tempo aquele da representação que está se desenrolando
e aquele do espectador que a está assistindo. Consiste num presente
contínuo, que não para de desvanecer-se, renovando- se sem cessar.
Esta temporalidade é ao mesmo tempo cronologicamente mensurável -
de 20h31 a 23h15, por exemplo - e psicologicamente ligada ao sentido
subjetivo da duração do espectador (Pavis, 1998, p. 400).
A ideia de
Tempo Cênico
esclarece nossa percepção de
Tempo
e
Espaço
ao
assistir a uma peça ou a um filme. Um espetáculo de duas horas e meia pode
parecer fluido para alguns espectadores, enquanto para outros pode arrastar-se.
No entanto, é imprudente generalizar essa sensação entre todos na plateia, pois
as percepções individuais variam de acordo com os referenciais pessoais.
Segundo Castilho (2013), a análise do
Tempo
na encenação deve considerar a
perspectiva do espectador, com foco na captação e manutenção da atenção
durante o espetáculo, a qual determina a percepção individual de tempo dilatado
ou conciso.
O
Tempo Extracênico
, conforme definido por Pavis, cria a ilusão de um
mundo distinto e estruturado como o tempo do calendário. Esse tempo está
intrinsecamente ligado à história narrada. A interseção entre o
Tempo Cênico
e o
Extracênico
resulta em um universo onde o espectador perde a noção do tempo
real, pois o novo conceito de
Tempo
surge da combinação desses dois tipos. A
composição desses diferentes tempos e durações em um espetáculo confere
significado aos elementos. “Para Meierhold, o domínio do tempo e a montagem
das durações podem, por si só, comportar sentidos. Para Stanislavski, eles são
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um meio, um canal, para se atingir estados psíquicos” (Castilho, 2013, p. 196).
Ao mergulharmos nas definições de
Tempo
e
Ritmo
em busca de um
entendimento de suas possibilidades no Teatro Musical, um universo de
questionamentos se abre diante de nós. Se um espetáculo for construído
inteiramente a partir do estudo meticuloso do
Tempo
e do
Ritmo
, teremos o
poder de controlar completamente as percepções temporais da plateia? Será
possível alcançar um
Ritmo
fluido e constante em todas as apresentações?
Como o
Ritmo
da palavra falada e o Ritmo musical da palavra cantada podem
dialogar harmoniosamente em um espetáculo de Teatro Musical? Qual é a
verdadeira influência exercida pelo
Tempo
e
Ritmo
na experiência cênica?
[...] o ritmo, esse construtor de sentido, esse criador de poiesis, esse
articulador do movimento e, para encerrar por enquanto, esse elemento
semântico da composição do texto/tecido espetacular, seja de tão difícil
definição: todos o desejam, mas poucos se dedicam a tomá-lo como
objeto de estudo, com fins estéticos ou analíticos. Todos o intuem,
satisfeitos com o fato de que o ritmo, intrínseco ao espetáculo, pode ser
apreendido pela percepção sensorial; Satisfeitos, portanto, com o fato de
que podemos
sentir
o ritmo. E, de alguma forma, sabedores de que o
ritmo, perceptível em nível cinético, provoca efeitos fisiológicos e até
cognitivos tão imediatos e espontâneos (desde alteração na pulsação
sanguínea e na contração muscular até alteração da consciência e dos
níveis de atenção), que quase se torna dispensável que nos dediquemos
a analisá-lo, a pensá-lo como signo constituinte do discurso (Castilho,
2013, p, 02).
Dessa forma, como recorte inicial para essa pesquisa, apropriamo-nos das
ideias de Schafer sobre
Ritmo
e das ideias de Castilho e Pavis sobre
Tempo
para
tentarmos estabelecer uma relação mais clara e profunda entre os conceitos de
Tempo
e
Ritmo
, com foco especial nos espetáculos de Teatro Musical e em suas
transições entre a palavra falada e a cantada. Assim, buscamos uma
compreensão mais abrangente das possibilidades que esses conceitos podem
oferecer na estruturação de novos espetáculos, abrindo caminho para novas
formas de expressão cênica. Acreditamos que o
Ritmo Irregular
de Schafer tem
um caráter fundamental e transformador nos espetáculos, visto que se aproxima
do tempo psicológico, do
Tempo
como uma noção individual, sendo subjetivo e
interdependente de uma visão externa, assim como o
Tempo Cênico
defendido
por Pavis. A percepção de
Tempo
gerada pela rítmica cênica, tendo como bússola
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a noção de que o Tempo em cena, e fora dela, torna-se subjetivo no estado de
espetacularização, ajudará a entender a ação do
Ritmo
no espetáculo,
especialmente quando buscamos compreender (e estruturar) a relação entre o
Ritmo
e o
Tempo
da palavra falada e o
Ritmo
e o
Tempo
da palavra cantada
associada à música em espetáculos de Teatro Musical.
Tempo
e
Ritmo
cênicos se tornam conceitos subjetivos quando entram em
contato com os outros elementos cênicos e o próprio público. Acreditamos que
um espetáculo criado a partir das análises de
Tempo
e
Ritmo
possa trazer novos
horizontes, e que, se conseguirmos manipular o
Ritmo Regular
e
Irregular
do
espetáculo, conseguiremos também afetar a noção de
Tempo Cênico
trazida por
Pavis.
Tempo-Ritmo
Stanislavski faz o agrupamento de
Tempo
e
Ritmo
com a percepção de
que um afeta e atravessa completamente o outro. O seu sistema é criado sempre
com a influência do ritmo, seja ele interno, retratado no conceito da circunstância
interna, ou externo, nas próprias circunstâncias externas, ações, no texto falado
e cantado. Antes de definir (ou não) o que é
Tempo-Ritmo
, e as motivações por
ter feito esse aglomerado de conceitos, ele explicita o que se entende por cada
um, de maneira muito direta, colocando o
Tempo
e o
Ritmo
como:
Tempo é a rapidez ou a lentidão do andamento de qualquer das unidades
previamente estabelecidas, de igual valor, em qualquer compasso
determinado. Ritmo é a relação quantitativa das unidades - de
movimento, de som - com o compasso determinado como unidade de
extensão para certo tempo e compasso (Stanislavski, 1970, p. 252).
O teórico se aproxima da definição conceitual feita pela música, já discutida
anteriormente, abordando terminologias da linguagem em questão, como
andamento6, compasso7 e som. No entanto, Stanislavski reverbera a noção de
Tempo
dentro da cena, e em como ela pode se presentificar nas ações e no
6 “É a indicação da duração absoluta do som e do silêncio determinando precisamente o valor das figuras”
(Bohumil, 1996, p.187).
7 “É a divisão de um trecho musical em séries regulares de tempos; o agente métrico do ritmo” (Bohumil,
1996, p. 114).
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texto, mesmo ele sendo considerado “[...] uma questão de medida, pedante,
mecânica. [...] Acelera ou arrasta a ação, apressa ou retarda a fala” (1970, pp. 254-
255). Ainda quando olhamos pela óptica mecânica do
Tempo
, o seu poder de
interferência na cena é percebido, visto que ele altera efetivamente o
andamento dos acontecimentos cênicos. Quando, por exemplo, cronometramos
uma cena, estamos utilizando do tempo mecânico como uma forma de medida:
se dermos uma minutagem específica para ela ser realizada, os atores terão que
acelerar ou ralentar a execução de suas ações, ou textos, modificando
completamente a cena.
Jerzy Grotowski dialoga com o trabalho feito por Stanislavski, principalmente
quando se trata das reverberações provocadas pela linguagem musical. Logo,
percebemos a consonância em tratar o
Ritmo
da cena como algo variável, que
não seja estático e sim mutante. Todavia, enquanto Stanislavski refletia sobre a
importância do
Tempo
e do
Ritmo
na cena, Grotowski problematizava a falta
de
Ritmo
em espetáculos teatrais.
Para Stanislávski (2017), o
Tempo
em cena é visto não apenas como algo que
passa, mas que também é preenchido: por movimentos e imobilidade (na ação);
pela duração do som, pausas e silêncios (na fala). A influência musical no trabalho
de Stanislavski faz com que ele analise o
Tempo
dentro da cena da mesma forma
que analisamos uma partitura musical, observando nessa “pauta cênica” os
silêncios, as pausas, as ações, e os sons produzidos. Essa forma de “análise” do
Tempo
dentro da cena, remonta às ideias defendidas por Mônica Andréa Grando:
No texto escrito, essa relação com o tempo se através do espaço entre
as palavras, do tamanho da folha, do tamanho das letras, dos espaços
entre as folhas e do número de folhas. No caso da fala, o tempo é uma
questão quase musical para a duração das palavras, sílabas e das letras
(2015, p. 47).
Essa relação com o
Tempo
dada por Grando (2015), no texto escrito, também
pode ser vista nas rimas, que conseguem modificar a cadência, nas pontuações,
que podem provocar a velocidade, por conta das paradas em um ponto final, ou
até mesmo um pequeno respiro entre vírgulas, e nas repetições, que criam a ideia
de ciclicidade.
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Grotowski também trabalhou com a ideia de partitura como forma de
assegurar as linhas de ações físicas, trabalhando em consonância com a música
e utilizando de termos da linguagem. A diferença da noção da partitura física de
Grotowski para Stanislavski é que o primeiro reflete sobre a questão do contato
em cena, ação e reação, e o segundo “[...] se refere a sequência exata, detalhada,
de ações físicas que o ator executa na consecução dos objetivos da personagem”
(Castilho, 2013, p. 207). A organicidade alcançada pelos atores transforma a
partitura em mais do que uma mera reprodução mecânica, elevando-a a uma
interpretação espontânea e viva.
Grotowski sempre frisou que o trabalho sobre as ações físicas é a chave
para o ofício do ator. Um ator deve ser capaz de repetir a mesma partitura
muitas vezes, e ela deve ser viva e precisa a cada vez. Como podemos
fazer isso? O que um ator pode fixar, assegurar? Sua linha de ações
físicas. É como a partitura para um músico. A linha de ações físicas deve
ser elaborada no detalhe e memorizada por completo. O ator deve ter
absorvido essa partitura de tal forma que não precisa pensar de jeito
nenhum,
no que fazer depois
(Richards, 2012, p. 34).
Temos também o outro lado da moeda, o
Ritmo
, tão natural para o humano,
pois está inserido em tudo que entramos em contato, seja na voz de alguém
discutindo na sala ao lado que sem querer escutamos, no pulsar do nosso
coração quando nos deitamos para dormir, ou nas gotas de chuva caindo na
janela. Maciel (2016) destaca que Stanislavski identificou no
Ritmo
um elemento
crucial para guiar e preencher as ações dos atores. Para ele, não se tratava de
mero silêncio, pausa ou movimento, mas sim da execução desses atos com um
Ritmo
específico.
Stanislavski (1970, p. 313) diz que “O ritmo é inerente ao ator e se manifesta
quando ele está em cena, quer nas suas ações, quer imóvel; quando fala ou
quando está calado [...]”. Assim como na música, os momentos de pausa e
silêncio também fazem parte do
Ritmo
e colaboram com a pulsação e
andamento da cena. Para o teórico, o Ritmo auxilia na afetação do nosso estado
psicoemocional e no nosso subconsciente. Podemos notar isso acontecer em
cena quando uma música, cantada ou instrumental, é inserida e tem a
capacidade de contrapor ou potencializar as nossas emoções e ações, como
defende Ferracini:
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[...] o ritmo particular das palavras (prosódia), sua musicalidade e
articulação, às vezes em conjunto com a música instrumental, tornam-
se, não por si só, mas também fortalecidos pelas ações físicas dos atores,
componentes de um
punctum
. A própria trilha sonora, e em especial a
música tema da peça, pelo grande poder de afecção que é próprio dessa
linguagem artística, é um agente das impressões que se gravam no corpo
de memórias do espectador (2013, p. 244).
Entretanto, Stanislavski trabalha com duas definições de
Ritmo
:
Ritmos
Incorretos
e
Apropriados
. Acreditamos ser uma abordagem
perigosa/tendenciosa, pois essa visão, a nosso ver, está mais para uma discussão
de escolhas estéticas do encenador. Podemos optar por seguir um
Ritmo
que
converse com a cena, ou contrapor intencionalmente ao que está sendo
apresentado. A escolha por um
Ritmo
contrário ao da cena, não define se ele é
incorreto para a encenação. Segundo Castilho (2013), a dramaturgia
contemporânea parece romper com a busca por um sentido específico de
harmonia, optando por vezes por temáticas que exploram a desorganização da
forma, sem deixar de construir um sistema rítmico complexo e rico em
possibilidades, nem de estabelecer relações de proporção entre suas partes.
A conceituação de
Ritmo
, abordada de maneira mais subjetiva por
Stanislavski, aparece nos estudos de Grotowski como algo que necessita de uma
“catalogação”, afastando-se do
Ritmo
como sensação e se aproximando do
Ritmo como algo preciso, por isso ele cria a
unidade de medida da matéria do
Ritmo
:
Protótipos biológicos do ritmo são o batimento do coração e a respiração.
Por analogia aproximamo-nos talvez, no teatro, da “unidade de medida
da matéria” rítmica (como a sístole e a diástole do coração, como a
inspiração e a expiração). Se não se encontra essa “unidade elementar”,
falar do ritmo pode ser só uma sensação, não pode ter precisão (Flaszen,
2007, p. 46).
A divisão por unidades nos permite entender melhor a proposta de
Stanislavski sobre a linha direta de ação, evidenciando como as mudanças de
Ritmo
dentro de um espetáculo são cruciais para torná-lo mais vibrante e
dinâmico. No entanto, o que diferencia esses dois pensamentos é a transição
entre os
Ritmos
, que Grotowski não esclarece sua importância nesse processo.
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Grotowski separa as unidades em três linhas: estética, psíquica e da
concretude. Analisando essas linhas, interpretamos que a primeira linha é mais
inerente ao dito trabalho de mesa, que seria um estudo prévio sobre a temática,
estéticas utilizadas e conteúdo do espetáculo. A segunda agrega a primeira, ao
mesmo tempo que parte para o trabalho expressivo em sala de ensaio, guiada
pela experimentação. a terceira, e última, é a continuação da segunda, mas
agora fixando o que foi proposto. Essa abordagem ajuda a compreender melhor
a relevância do
Ritmo
e suas ramificações ao longo do processo, facilitando sua
análise e compreensão. Grotowski destaca que essa distribuição não impacta
apenas os atores, mas também o contato do espectador com a cena.
Além das mudanças de
Ritmo
destacadas anteriormente, as relações entre
diferentes ritmos são fundamentais para criar uma atmosfera potente na peça
teatral. Se todos os personagens, músicas e movimentos seguissem o mesmo
Ritmo
do início ao fim, a experiência teatral provavelmente seria percebida como
cansativa e monótona, em vez de dinâmica e cativante. “Onde não há mudanças
de ritmo, não novidades. A mente se desinteressa, considerando isso uma
‘pausa’” (Castilho, 2013, p. 100). Os ritmos diversos presentes no espaço cênico,
quando entram em contato, criam novos significados e se alteram de forma a
criar dinamicidade, como defende Michael Chekhov (2003, p. 158):
O ritmo rápido, se for uniforme, torna-se inevitavelmente monótono. O
espectador tem a atenção entorpecida e, alguns momentos depois,
começa a ter a impressão de que o ritmo da performance está ficando
cada vez mais lento; como resultado disso, o espectador perde
involuntariamente seu interesse nos atores e fica escutando apenas os
diálogos. Para evitar esse desagradável efeito, essa diminuição do
significado do ator no palco, o intérprete deve, de tempos em tempos,
abrandar subitamente seu ritmo, nem que seja apenas por uma frase ou
movimento, ou introduzir ocasionalmente uma curta mas expressiva
pausa.
Chekhov, que foi aluno de Stanislavski, parece seguir o trabalho feito pelo
mentor no que se diz respeito aos
Ritmos Internos
e
Externos
. Para Chekhov
(2003, p. 96), o “[...] ritmo interior pode ser definido como uma rápida ou lenta
mudança de pensamentos, imagens, sentimentos [...]. O ritmo exterior expressa-
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se em ações e falas rápidas ou lentas”. Stanislavski defendia que os
Ritmos
Internos
estimulam as ações que até então estavam no campo da imaginação,
no nosso subconsciente, impulsionando a ação física que é reproduzida por
determinado tempo.
O
Tempo
e o
Ritmo
se tornam intrínsecos e dependentes, justificando assim,
a junção pré-estabelecida dos conceitos pelo teórico russo. “Onde quer que haja
vida haverá ação; onde quer que haja ação, movimento; onde houver movimento,
tempo; e onde houver tempo, ritmo” (Stanislavski, 1970, p. 268). Assim, ocorre o
afastamento da definição trazida pela música desses dois conceitos agrupados.
“Para nós o termo ‘tempo’ é velocidade do ritmo” [(Stanislavski)]. Nessas
condições, e que os dois, o tempo e o ritmo, não podem existir em
separado (a não ser em teoria), Stanislavski, no seu trabalho em teatro,
sempre usou o termo único TEMPO-RITMO frisando com isso a absoluta
necessidade de nunca separar esses dois fatores na sua aplicação em
teatro (Kusnet, 1985, p. 84).
Adriana da Silva Maciel, em sua dissertação, reflete sobre a definição de
Tempo-Ritmo
pela visão de Stanislavski, que, ao mesmo tempo que se distancia
da métrica prevista pela linguagem musical, aproxima-se da espontaneidade
sugerida pelo teatro. Nesse sentido, Maciel (2016) reafirma a necessidade da
criação de conteúdo interior pelo
Tempo-Ritmo
, fugindo assim da artificialidade:
Stanislavski, ao se utilizar do conceito de “tempo-ritmo”, parecia buscar
algo que descrevesse as leituras rítmicas que fazia nas ações físicas.
Pensando nas ações físicas, o trabalho com o tempo-ritmo poderia ser
útil no sentido de oferecer certa estrutura e, ao mesmo tempo, estímulo
para provocar estados criativos nos atores. Concomitantemente, o
mestre russo sabia que a ação física deveria ter vida interior e não deveria
se resumir à mecanicidade do movimento no espaço. Dessa forma, para
Stanislavski a ideia de “ritmo” estava relacionada tanto aos fatores
métricos quanto fluidos, visto que o mesmo acreditava que o tempo-
ritmo seria algo complexo, vivo, ligado a certas intenções (p. 39).
Kusnet, em sua minuciosa análise do sistema criado por Stanislavski, reitera
essa via de mão dupla entre
Tempo-Ritmo
. Até mesmo se nos debruçarmos
sobre as definições feitas pela linguagem musical e o que foi visto até aqui,
entendemos que, alterando um desses elementos, automaticamente alteramos
o outro, e, por isso, é um objeto complexo cheio de pequenas partes que podem
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afetar completamente o todo. Por exemplo, se eu altero o
Tempo
do meu texto
falado, consequentemente altero o
Ritmo
da cena, reverberando no
Tempo-
Ritmo
do espetáculo. Da mesma forma em um musical, se eu altero o Tempo do
texto cantado e não altero o
Ritmo
da música, o desencontro torna-se
musicalmente desastroso, gerando um efeito dissonante e desagradável para o
público. Isso explica a dificuldade que existe de entendimento do conceito
Tempo-Ritmo
e até mesmo dos conceitos desmembrados, fazendo com que
eles, muitas vezes, fiquem em um campo subjetivo e impalpável. Justifica-se,
mais uma vez, a importância do trabalho prático e experiencial8 com os conceitos
abordados.
Longe de mim a ideia de dar aqui uma receita para o uso do “tempo-
ritmo”. Esse elemento é de uma sutileza e complexidade tão grandes que
a dificuldade de seu uso só pode ser vencida por um longo e sistemático
trabalho com muitas e muitas experiências práticas que sempre devem
ser feitas sob um controle rígido (Kusnet, 1985, p. 90).
Assim, organizamos os conceitos de
Tempo
,
Ritmo
e
Tempo-Ritmo
que
estamos considerando nessa pesquisa para facilitar ao leitor a compreensão do
que estamos querendo dizer ao falarmos de cada um deles:
Tabela 1 - Conceitos de Tempo, Ritmo e Tempo-Ritmo utilizados nesta pesquisa.
Conc
eito
Definição/Entendimento
Temp
o
Velocidade em que o ritmo é
executado; Duração
Ritm
o
Variador de pulsação;
articulador dos movimentos
Temp
o-Ritmo
Contínua alternância de
estados; Linha ininterrupta
8 “Experienciar, portanto, é agir pelo poder do afeto, que gera uma vivência intensiva, que por sua vez se
virtualiza em memória e que, em processo de atualização, produz o território do que chamamos de ação
física ou matriz. Essa pode ser recriada em fluxo de diferenciação que afeta todo o processo, recriando-o
em um movimento espiralado de recriação. Dessa forma podemos esquematizar a seguinte relação em
espiral das multiplicidades: memória, vivência, experiência” (Ferracini, 2013, p. 125).
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Tempo-Ritmo e seus desdobramentos
A partir dessas definições, surgem diversos tempos-ritmos a serem
destrinchados por Stanislavski ao longo da exposição do seu sistema, como o
Tempo-Ritmo Interno
e
Externo
,
Estilizado
, de
Movimento
, e
Comum
. Segundo
Stanislavski (1970), o
Tempo-Ritmo
pode ocorrer - e automaticamente ser
percebido - se houver a existência de imagens interiores, criando um diálogo
entre as circunstâncias dadas e o próprio
Tempo-Ritmo
. Podemos compreender
que o teórico russo parte da premissa que o
Tempo-Ritmo
surge internamente,
com essas imagens interiores criadas pelas circunstâncias dadas, estimulando e
impulsionando a ação do corpo, através da voz e do silêncio, da movimentação
e da imobilidade.
Dessa forma, por meio da confluência entre o
Tempo-Ritmo
Interno e sua
externalização, emerge o
Tempo-Ritmo
comum, que une texto e subtexto. Nesse
contexto, o
Tempo-Ritmo
Interno
assume papel fundamental na compreensão
do conceito como um todo, pois atua como estímulo criador e, ao mesmo tempo,
como elo entre o conteúdo interno e externo da criação:
Em poucas palavras, o
Tempo-ritmo
possui não apenas características
externas que nos afetam, mas tem também um conteúdo interno que
alimenta nossos sentimentos. E é nessa forma que a memória o retém e
o disponibiliza para propósitos criativos (Stanislávski, 2017, p. 499).
A pluralidade de tempos-ritmos internos gera fricção, verticalizando e criando
profundidade na construção dos personagens. O contato com um
Tempo-Ritmo
diferente pode criar conflitos que são reverberados nas ações e no texto,
tornando o personagem mais intrigante, que, quando somos tomados por
diversos tempos e ritmos internos, os seus contrastes e suas semelhanças
mudam completamente o jogo de ação e reação com outros personagens, ou até
mesmo dramaturgias. Para Stanislavski (1970), “Isto acentua a experiência do ator
em seu papel, reforça a atividade interior e excita os sentimentos” (p. 277). A
combinação de tempos e ritmos distintos se torna essencial para não
bidimensionalizar um personagem, a ponto dele não ter variações de suas
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circunstâncias internas. “Mesclamos a maior variedade possível de tempos e
ritmos, cuja soma total cria os matizes de uma vida real, verdadeira, palpitante.
Esta união de vários ritmos é necessária [...]” (Stanislavski, 1970, p. 276).
Maciel (2016) consegue dimensionar a importância do trabalho do
Tempo-
Ritmo
Interno na construção da personagem, e sua ferramenta estimuladora para
Stanislavski:
Portanto, podemos concluir que Stanislavski, ao falar em tempo-ritmo,
pressupõe que o ator, em sua prática, além dos princípios métricos,
deverá sempre buscar meios que despertem suas qualidades interiores.
Podemos pensar que isso pode ser alcançado principalmente através das
circunstâncias dadas e do “se” mágico. Além disso, pelo fato do tempo-
ritmo estar associado ao “conteúdo interior” do ator, é parte inerente de
sua existência, podendo ser utilizado como estímulo criativo, visto que se
liga a memórias e sentimentos (Maciel, 2016, p. 42).
Se analisamos o
Tempo-Ritmo Interno
como o impulsionador que nos leva
até a ação, precisamos discutir o
Tempo-Ritmo
que é externo a isso, por exemplo,
o que diz respeito ao movimento. Stanislavski (1970) defende que o
Tempo-Ritmo
de movimento é capaz de sugerir sentimentos adequados, desperta a sensação
de vivência e, por fim, ajuda também a despertar a nossa capacidade criadora.
Podemos concluir que o
Tempo-Ritmo
Externo afeta e, ao mesmo tempo, é
afetado pelo
Interno
, havendo assim uma via de mão dupla em que ambos vivem
em constante provocação. Levando em consideração que uma ação tenha o
mesmo
Tempo-Ritmo Externo
, a execução dela realizada por diversos atores
simultaneamente pode ser completamente diferente para cada um deles, pois o
Tempo-Ritmo Interno
irá singularizar a práxis, e vice-versa.
Segundo Stanislavski (2017), a reprodução em massa de um único
Tempo-
Ritmo
, seja em um coro ou em uma cena de grupo, pode não ser interessante
para a nossa arte, uma vez que a pluralidade cria camadas essenciais para a cena,
permitindo alcançar as diversas tonalidades da vida. A unificação do
Tempo-
Ritmo
, por outro lado, pode levar à mecanicidade generalizada. As diferenças
criam uma teia de individualizações necessárias até mesmo para cenas em que
o grupo possa ter o mesmo pensamento.
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Até então, discutimos
Tempo-Ritmo
por um prisma micro, dado que partimos
do
Tempo-Ritmo Interno
, mas também existe o
Tempo-Ritmo
da peça como um
todo. É comum escutarmos de um diretor que o ritmo da peça está lento, ou
acelerado, e isso afeta diretamente todos os outros tempos-ritmos. O espetáculo
tem o seu próprio
Tempo-Ritmo
formado por “[...] uma série de conjunções,
pequenas e grandes, de muitos e variados índices de velocidade e compassos,
compondo harmoniosamente um grande todo” (Stanislavski, 1970, p. 285). O
Tempo-Ritmo
de cada personagem afeta o
Tempo-Ritmo
total de um
espetáculo, e vice-versa, mas os dois se diferem. Da mesma forma, o Tempo-
Ritmo da palavra cantada se difere da palavra falada, e buscamos compreender
essas diferenças e minimizá-las (ou potencializá-las) de acordo com a
estruturação concebida para o espetáculo. Segundo Stanislavski (1970), para
compreendermos o
Tempo-Ritmo
completo de uma peça, é necessário
analisarmos o seu conteúdo subtextual9 e a linha direta da ação:
Por tudo que eu disse, vocês podem facilmente calcular o papel
importantíssimo que o tempo-ritmo representa no trabalho do ator.
Junto com a linha direta de ação e com o subtexto, ele atravessa como
um fio todos os movimentos, palavras, pausas; a experiência emocional
de um papel e a sua interpretação física (p. 315).
É inegável a importância do conteúdo subtextual de uma peça, pelo menos
quando analisamos o
Tempo-Ritmo
. O subtexto é o combustível para
verbalizarmos o que falamos em cena, seja com o corpo, seja com o texto falado,
ou cantado. O subtexto é a tradução mais profunda do tempo e do ritmo interno
dos personagens interpretados. Para Maciel (2016), o subtexto é um criador de
significado.
De início é preciso entender que a fala é um instrumento para transmitir
o texto e o subtexto. O texto pode ser ouvido, como as ações físicas e o
tempo-ritmo externas podem ser vistos; o subtexto não pode ser ouvido,
bem como as ações físicas internas não podem ser vistas. O subtexto
não pode ser ouvido porque não é proferido com palavras, são ideias
implícitas, às vezes dentro de uma frase ou pausa, que irão guiar e dar
9 “[...] O subtexto é uma teia de incontáveis, variados padrões interiores, dentro de uma peça e de um papel,
tecida com ses mágicos, com circunstâncias dadas, com toda sorte de imaginações, movimentos interiores,
objetos de atenção, verdades maiores e menores, a crença nelas, adaptações, ajustes e outros elementos
semelhantes. É o subtexto que nos faz dizer as palavras que dizemos numa peça” (Stanislavski, 1970, pp.
163-164).
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significado às ações do ator (Maciel, 2016, p. 50).
Enquanto associamos o subtexto a tudo aquilo que está implícito ao texto
que está sendo dito, Castilho (2013, p. 218) reflete sobre a importância do subtexto
nos momentos de pausa: “Parece óbvio pensarmos que, quando cala a palavra,
o vazio pode aparecer. Nesse vazio, transparecem todos os significados ocultos
[...]”. O agregar significado aos silêncios e momentos de suspensão, muito me
animam para a pesquisa, pois os significados criados podem ajudar a manter o
Tempo-Ritmo
do texto falado mesmo quando nada está sendo verbalizado,
contribuindo assim para um tempo-ritmo coerente.
Eis, por fim, os dois equívocos para os quais eu gostaria de chamar
atenção: em primeiro lugar, uma cena sem palavra não significa uma cena
silenciosa, posto que as mensagens continuam sendo emitidas; e, em
segundo lugar, a ausência de palavras, e mesmo de ação externa, não
deve ser confundida e muito menos temida como um momento vazio,
inexpressivo - porque esse momento existe na iminência da falta de
coerência na cena (Castilho, 2013, p. 220).
Em razão de termos uma pluralidade de tempos e ritmos na mesma fala,
precisamos nos atentar para as transições entre eles. Tanto para as transições
dentro de um mesmo trecho de palavra falada quanto entre a palavra falada e a
cantada. As alterações de velocidade/andamento precisam ser realizadas de
forma orgânica, evitando criar uma ruptura não intencional na linha direta de
ação, que é um dos pilares do
sistema
. Para Stanislavski (1970, p. 317) “[...] o tempo
deve se manter vivo, vibrante e até certo ponto mudar, nunca permanecer
petrificado num único índice de andamento”. Quando falamos sem estar fazendo
um
spectacle vivant
10, criamos intuitivamente variadas melodias, pausas, tempos
e ritmos, rompendo com as falas monocórdicas, que muitas vezes são resultadas
em um espetáculo. Pulsamos e, por isso, precisamos construir modos de falar
efêmeros.
Existe
Tempo-ritmo
na prosa, assim como na música e na poesia. Porém,
na fala comum, ele é bastante fortuito. Na prosa, o Tempo-ritmo está em
todo lugar. Um compasso tem um ritmo, o compasso seguinte tem outro
bastante diferente. Uma sentença é arrastada, outra é abreviada, e cada
uma delas tem o seu próprio ritmo (Stanislávski, 2017, p. 521).
10 “[...] fenômeno que ocorre num mesmo tempo/espaço compartilhado por artistas e público, em mútua e
simultânea presença [...]” (Bião, 2011, p. 354).
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Castilho (2013), p. 33) entende que a rítmica na palavra falada é muito
importante e automaticamente vem repleta de indicações no texto escrito,
como pontuações, acentuações e prováveis ênfases, e utiliza como principal
exemplo o texto em verso já que “[...] a métrica, e consequentemente a cadência
do verso, produzem um efeito de repetição”.
Quando lemos os trabalhos de Stanislavski, podemos observar a importância
que o teórico à palavra falada, à pronúncia e à enunciação produzida pelos
atores. Por sua trajetória sempre se aproximar da música, ele não criava uma
barreira entre o texto falado do cantado, mostrando que o texto nada mais é do
que uma melodia: “Letras, sílabas e palavras são as notas musicais da fala, com
as quais criamos compassos, árias e sinfonias. A bela fala é chamada, com justiça,
de musical” (Stanislávski, 2017, p. 517). O
Tempo-Ritmo
se faz valioso para a
interpretação de um texto, modificando os significados e trazendo à tona a
construção interior da personagem/subtexto.
De quantos modos diferentes essa frase pode ser cantada e cada vez de
um novo jeito! [...] Experimente trocar o lugar das pausas e das
acentuações e conseguium número cada vez maior de significações.
Paradas curtas, combinadas com acentuações, destacam nitidamente a
palavra-chave e a apresentam diferente das outras. Pausas maiores, sem
sons, permitem impregnar as palavras com um novo conteúdo interior.
Isto tudo é auxiliado pelos movimentos, pela expressão facial e a
entonação. Essas mudanças produzem estados de espírito renovados,
dão novo conteúdo a toda uma frase (Stanislavski, 1970, p. 129).
Stanislavski relaciona o texto do que seria a partitura para o músico, a
diferença principal é que, na última, a forma é mais rígida e, na primeira, ela se
torna mais volátil, modificando-se de acordo com o conteúdo interno construído.
Para ele, a “[...] fala é música. Os diálogos em uma peça são uma melodia, uma
ópera ou uma sinfonia. A dicção no palco é uma arte tão difícil quanto a de cantar,
exigindo preparação e técnica no mesmo nível de um virtuose” (Stanislavski, 2017,
p. 420). O som produzido pela emissão do texto faz emergir o conteúdo
imagético, por isso, ele pede para que “[...] quando estiver em intercâmbio verbal
em cena, fale menos para o ouvido do que para a vista” (Stanislavski, 1970, p. 169).
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O som da fala também tem que seguir uma linha que não se rompe, uma
linha que não se quebra, como uma melodia que percorre seu curso sem
interrupções. Tanto no decorrer da palavra falada quanto na transição para a
palavra cantada e vice-versa. Ao contrário do que podemos interpretar, as
pausas e os silêncios são de grande valia para que essa linha se mantenha
pulsante e o tempo não siga de forma estática. A imobilidade, seja no corpo ou
na voz, não significa passividade. Stanislavski criou e ressignificou da linguagem
musical diferentes tipos de pausas (Tabela 2) para o texto falado, possibilitando
uma grande variedade de tempo-ritmo.
Tabela 2 - Definições de pausas de Stanislavski
Tipos de pausa
Definição
Pausa lógica
Unem as palavras em grupos (ou orações) e
separam esses grupos uns dos outros
Pausa psicológica
vida aos pensamentos, frases, orações. Ajuda
a transmitir o conteúdo subtextual das palavras
Luftpause
Pausa para tomar ar ou
fôlego
As pausas comuns e as pausas respiratórias na poesia e na prosa faladas
têm enorme importância não como partes componentes da linha
rítmica, mas também porque representam um papel significativo e
importante na própria técnica de criar e controlar o ritmo. Ambos os tipos
de pausa possibilitam a coincidência das acentuações dos ritmos de fala,
de ações e de emoções, com os acentos da contagem interior de batidas
do ator (Stanislavski, 1970, p. 307).
Percebe-se que Castilho também se aproxima dos tipos de pausas criadas
por Stanislavski com o seu trabalho voltado para os tipos de silêncios.
Acreditamos que Castilho escolhe tratar o silêncio por vê-lo como algo que não
interrompe o discurso, e a palavra “pausa”, por si só, carrega a ideia de
suspensão. Para a pesquisa, prefiro utilizar as noções de silêncio da teórica, visto
que pode ajudar a impedir a criação de uma lacuna nas transições do
Tempo-
Ritmo
da fala para outro diferente. Castilho (2013) cria três tipos de silêncios, o
decifrável, metafísico e o de suspensão (Tabela 3).
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Tabela 3 - Definições de silêncio de Jacyan Castilho
Tipos de silêncios
Definição
Decifrável
O que revela os aspectos psicológicos da fala recalcada
Metafísico
Que revela a impossibilidade congênita de se comunicar
De suspensão
O instante da pausa, da preparação do discurso ou ação
Tempo-Ritmo
no Teatro Musical e a transição entre a fala e o canto
No Teatro Musical, o
Tempo-Ritmo Externo
costuma influenciar diretamente
no texto falado e cantado, criando rupturas, ou até mesmo lacunas no
texto/interpretação. As transições de um trecho para o outro, normalmente, são
meticulosamente estudadas para que não haja nenhum escape da linha direta
da ação. Acreditamos que o
Tempo-Ritmo Externo
dado por uma música
consegue se prevalecer sob o
Tempo-Ritmo Interno
do personagem, que, a
partir da entrada da música, o ator-cantor-bailarino terá que seguir a melodia
imposta por ela, podendo criar uma espécie de fissura do modo que ele falava
anteriormente. Ter que acompanhar um
Tempo-Ritmo Externo
pré-determinado
pode fazer com que ele se desconecte completamente do seu
Tempo-Ritmo
Interno
, de modo que “[...] o tempo-ritmo, quer seja criado mecânica, intuitiva ou
conscientemente, atua deveras sobre a nossa vida interior, os nossos
sentimentos, as nossas experiências interiores” (Stanislavski, 1970, p. 321).
Ao observarmos alguns espetáculos musicais, percebemos que existia uma
ruptura não intencional entre o texto falado e o texto cantado11. Parecia que a
mudança era repentina, a cena antecedente não tinha uma transição precisa para
a música, colaborando com aquilo que artistas do Teatro Musical
costumeiramente costumam ouvir: “Não gosto de musical, pois as pessoas
começam a cantar e dançar do nada”. Essa ruptura brusca ente o texto falado e
o cantado observada nesses espetáculos dava a sensação de que faltava alguma
11 “Algumas das diferenças entre a fala e o canto estão em que a fala, como entendemos hoje, tem como
princípio a função pragmática de se fazer entender. No canto, a prioridade encontra-se nas sensações
provocadas pela sequência de sons que podem estar ou o associados ao entendimento das palavras”
(Lignelli, 2011, p. 292).
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conexão entre o ritmo interno de cada personagem/ator com o ritmo externo
dado pelo próprio instrumental na música.
Essa percepção ficava ainda mais evidente em alguns espetáculos
importados da Broadway, nos quais os atores, obrigatoriamente, seguem
marcações cênicas e construções de personagens pré-estabelecidas pelas
produções originais. O que observamos, muitas vezes, foi a reprodução mecânica
de notas e representações, como ressalta a teórica e diretora teatral Neyde
Veneziano (2008, pp. 02-03):
Junto com o texto, recebe-se o “pacote”, com todas as coreografias,
arranjos, cenários, figurinos, divisão de vozes. [...] Nestes espetáculos nada
ou quase nada parece ser criado. Muito menos improvisado. No entanto,
há a exigência de qualidade, o não-erro, a técnica, a eficiência.
Vale ressaltar que existem diversos artifícios cênicos utilizados para criar a
mescla do texto falado com a música, quando a proposta é não haver a ruptura
citada acima, como iniciar o instrumental ainda com o texto falado, ou até
mesmo transformar os sons produzidos na cena em música, o que César Lignelli
(2008) chama de entorno acústico12. Esses dois exemplos estão presentes no
revival
do musical
Once on this Island
(2017), baseado no romance de 1985
My
love, my love
, como pode ser observado na canção
Ti Moune
13 nos segundos 0:00
a 0:45, e na canção
One Small girl
14 nos segundos 0:00 a 1:00.
12 “[...] todo o som de origem referencial, produzido para e na cena teatral, relacionado às demais esferas
acústicas, que pode exercer distintas funções referenciais, dramáticas e discursivas, não caracterizado como
palavra nem como música, onde se incluem ainda sons não pré-estabelecidos como algumas manifestações
da plateia (tosses, interjeições, risadas), dos atores (queda de objetos de cena, trocas de figurinos), de
fenômenos naturais (ventos, chuvas e trovões) e demais sons externos ao local da cena (buzinas, passeatas,
shows) que podem afetar a cena” (Lignelli, 2008, p. 03).
13 O vídeo pode ser acessado no seguinte link: https://www.youtube.com/watch?v=QAcs1buGXcw - acesso em:
09 ago. 2022
14 O vídeo pode ser acessado no seguinte link: https://www.youtube.com/watch?v=x1f2so4MX9I - acesso em:
09 ago. 2022
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Figura 1 - Cena do
revival
musical
Once on this Island
Fonte: Sara Krulwich -
The New York Times
Stanislavski se aproximava com a interpretação dentro do texto cantado,
quando aplicou o sistema com cantores de ópera do século XX, utilizando o
Tempo-Ritmo como alicerce fundamental para a musicalidade em cena
(Santolin, 2018), sustentando o diálogo entre o teatro, a música e a dança.
Segundo Stanislavski (1989, p. 515), “Para unificar a música, o canto, a palavra e a
ação é necessário não um tempo-ritmo físico externo, mas interno, espiritual”. O
teórico russo percebeu que a partitura musical da ópera pode colaborar, através
do ritmo, para a construção interna das circunstâncias das personagens.
Assim, podemos compreender um pouco melhor a influência do
Tempo-
Ritmo
e suas relações com o texto falado e cantado, bem como com o subtexto
de cada personagem, proporcionando-nos inúmeras possibilidades de estar
utilizando desse artifício para a construção da dramaturgia, especialmente no
Teatro Musical. Ao compreendermos que podemos nos utilizar de rupturas
menos bruscas ao introduzirmos a canção, proporcionando uma transição menos
perceptível entre a palavra cantada e a palavra falada, podemos ampliar a
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conexão com a plateia e oferecer uma maior fluidez na percepção da passagem
de tempo pela audiência, por exemplo. Além disso, podemos utilizar quebras
bruscas entre o texto falado para iniciar a música para deixar clara alguma
transição dentro da dramaturgia ou proporcionar novos/diferentes tempos-
ritmos para um determinado espetáculo.
Importante frisar que, ao compreender essas variações de
Tempo-Ritmo
no
Teatro Musical e suas inúmeras possibilidades de transição a partir de um trecho
falado, passando pelo desenvolvimento da canção com palavra cantada com um
Tempo-Ritmo
em diálogo com a música e sua volta à palavra falada, teremos à
disposição inúmeras e importantes ferramentas de composição e estruturação
de um espetáculo musical, no qual podemos minimamente estabelecer uma
proposta de condução da percepção temporal da plateia ao longo do espetáculo.
Esse estudo do
Tempo-Ritmo
no Teatro Musical pode possibilitar tanto ao
roteirista quanto ao diretor e aos atores-cantores-bailarinos essa percepção de
que o Tempo-Ritmo e seus desdobramentos podem permitir inúmeros caminhos
para a criação cênica e para a construção de personagens, ampliando o potencial
criativo de todos os envolvidos na construção do espetáculo. Também, permite-
nos compreender como podemos, de certa forma, encontrar caminhos e
dispositivos para direcionar a percepção de tempo da plateia ao longo de um
espetáculo, possibilitando a criação de diferentes camadas de percepção e
engajamento do público com o espetáculo que estiver sendo apresentado.
Através da variação planejada do
Tempo-Ritmo
, podemos estabelecer propostas
de condução da percepção temporal da plateia, guiando-a por diferentes
emoções e sensações ao longo de um espetáculo musical.
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Recebido em: 27/12/2023
Aprovado em: 24/06/2024
Universidade do Estado de Santa Catarina
UDESC
Programa de Pós-Graduação em Teatro
PPGT
Centro de Arte CEART
Urdimento
Revista de Estudos em Artes Cênicas
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