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Editorial - Sem receitas ou definições:
apontamentos iniciais sobre dramaturgia da dança
Paloma Bianchi
Para citar este artigo:
BIANCHI, Paloma. Editorial - A Sem receitas ou
definições: apontamentos iniciais sobre dramaturgia
da dança.
Urdimento
Revista de Estudos em Artes
Cênicas, Florianópolis, v. 1, n. 46, abr. 2023.
DOI: http:/dx.doi.org/10.5965/1414573103482023e0101
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Paloma Bianchi
Florianópolis, v.1, n.46, p.1-7, abr. 2023
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Editorial - Sem receitas ou definições: apontamentos iniciais sobre
dramaturgia da dança
Paloma Bianchi1
Resumo
Esse texto de abertura apresenta as diferentes perspectivas sobre dramaturgia da
dança que compõe o dossiê temático, e destaca a ausência de definições precisas
e a ainda escassa disponibilidade de discussões sobre dramaturgia da dança. O texto
também expõe como as diversas propostas textuais abordaram o tema do dossiê,
apresentando maneiras singulares de fazer-pensar o tema, bem como relacionando-
o com áreas de conhecimentos das artes e das humanidades.
Palavras-chave
: Dramaturgia da dança. Dança. Processos dramatúrgicos
Editorial - Without recipes or definitions: initial notes on dance
dramaturgy
Abstract
This opening text introduces the different perspectives on dance dramaturgy that
constitute this thematic dossier, highlighting the absence of a precise definition and
the still sparse availability of discussions on dance dramaturgy. The text also
presents how the various textual proposals have explored the theme of the dossier,
presenting unique approaches to the subject, and connecting it to fields of
knowledge in arts and humanities.
Keywords:
Dance dramaturgy. Dance. Dramaturgical processes.
Editorial - Sin recetas ni definiciones: notas iniciales sobre la
dramaturgia de la danza
Resumen
Este texto de apertura presenta las diferentes perspectivas sobre la dramaturgia de
la danza que componen el dossier temático, y resalta la falta de definiciones precisas
y la disponibilidad aún escasa de debates sobre la dramaturgia de la danza. El texto
también expone cómo las distintas propuestas textuales han abordado el tema del
dossier, presentando formas singulares de hacer-pensar el tema, así como
poniéndolo en relación con áreas de conocimiento de las artes y las humanidades.
Palabras clave
: Dramaturgia de la danza. Danza. Procesos dramatúrgicos.
1 Doutora em Teatro na Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), com período sanduiche na
Universidad de Zaragoza, Espanha. Mestre em Teatro pela UDESC. Graduação em Comunicação das Artes
do Corpo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Professora-colaboradora no curso de
Bacharelado em Dança na Universidade do Estado do Paraná (UNESPAR). Artista da dança professora e
pesquisadora. Participa do Coletivo Mapas e Hipertextos desde 2013. bianchi.paloma@gmail.com
http://lattes.cnpq.br/0602271354700034 https://orcid.org/0000-0003-2983-0465
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Quando pensamos em propor esse dossiê temático, tínhamos o desejo de
difundir fazeres em dramaturgia de dança que estavam fechados em salas de
ensaio, salas de aula, palcos de teatro e pesquisas situadas em outros ambientes.
Como disse Marianne Van Kerkhoven (1996), uma das primeiras dramaturgistas da
dança, queríamos conhecer as tais receitas secretas da dramaturgia da dança e
de dramaturgistas atuantes no Brasil e América-Latina. Falar que a dramaturgia da
dança é de difícil definição e que não modelos a seguir, são bordões frequentes
nos textos e narrativas sobre o tema. Bordões que não deixam de ser, de certa
forma, reais. Talvez porque o campo da dramaturgia da dança ainda seja
relativamente novo. Talvez porque seja uma atividade especificamente ligada à
prática artística e não um conceito que possa ser definido com exatidão. Talvez
porque ocorra exclusivamente durante processos de criação, sem que haja tempo
ou interesse em sua documentação e sistematização. Talvez porque a dramaturgia
da dança se manifeste de maneira singular, pois emerge intrinsecamente das
relações entre as pessoas e as questões de cada processo. As hipóteses são
inúmeras e uma grande probabilidade de que nenhuma esteja correta,
tampouco equivocada.
Então, talvez não haja uma receita secreta. Da mesma forma que na culinária
não uma única receita para, por exemplo, creme inglês, na dramaturgia da
dança também não um modo único de praticá-la. Esse dossiê é a prova de que
incontáveis receitas, ou melhor, incontáveis maneiras de pensar-fazer
dramaturgias da dança. Nesta edição a dramaturgia da dança é uma prática que
envolve diferentes aspectos de um processo de criação, é também uma atividade
que se predominantemente pelo e no corpo, é uma questão a ser
problematizada pois sua origem é colonial. Ela aparece amparada por outras áreas
de conhecimento da arte, principalmente as artes visuais, mas também é
apresentada em relação íntima com a teoria crítica, a filosofia, a política e os
estudos culturais. Se fosse possível apontar um caminho que levasse à
dramaturgia da dança, esse caminho seria disperso em múltiplas direções.
Esse dossiê recebeu 18 propostas, das quais foram selecionados dez artigos
e um relato de experiência. Ele reuniu artistas, pesquisadoras e pesquisadores da
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área da dança e das artes cênicas para refletir sobre e com dramaturgia da dança
de maneira múltipla. O texto de Sandra Parra, que abre esse dossiê, procura situar
historicamente o termo dramaturgia, fazendo um apanhado conceitual desde
Aristóteles até Ana Pais, para concluir que dramaturgia é um modo de estruturação
de sentido, que considera tanto as percepções das(es/os) artistas em cena, como
as das pessoas do público.
Usando termos como
pausar, aterrar, aquilombar, outrar, deslocar
protagonistas, encantar, rebolar e partilhar
, Marina Guzzo faz um convite para
coreografarmos a crise da atual urgência climática. Dança e dramaturgia, no texto
de Guzzo, diz respeito à necessidade de reconhecermos, antes de tudo, que o
sistema capitalista funda um mundo com incontáveis e extremas desigualdades.
Diante disso, a autora nos convoca a pisar o chão e, seguindo os passos de Beatriz
Nascimento, nos convida a buscar refúgio em posição de resistência, para
compreendermos que a prática de dança pode não ser apenas uma prática de
dança, mas uma ação que move mundo a partir da construção de alianças, do
exercício de alteridade e do encantamento.
As dramaturgistas Ana Krein e Paloma Bianchi apostaram na prática da
dramaturgia da dança para refletir sobre a própria prática de dramaturgia da
dança.
O que diz respeito ao pinheiro, aprenda do pinheiro; o que diz respeito ao
bambu, aprenda do bambu
se propõe a documentar e refletir sobre um processo
no qual elas foram artistas e dramaturgistas uma da outra para poder evidenciar
os modos como praticam este ofício ainda obscuro para muitas pessoas. Durante
o processo, as dramaturgistas desenvolveram algumas ferramentas e
procedimentos dramatúrgicos que compartilham em seu texto.
Em seu artigo
Dramaturgia e audiodescrição de mãos dadas nos processos
de criação em dança
, Thiago Cerejeira traz contribuições urgentes para o campo
da dança e sua relação com acessibilidade. Cerejeira conta de a necessidade de
artistas da dança considerarem a tradução em audiodescrição de seus trabalhos
desde o processo de criação, pois ela irá dançar junto com a performance na
intenção de traduzir a obra poética e esteticamente e, assim, mover a imaginação
das pessoas cegas ou com baixa visão. O autor ainda posiciona a audiodescrição
como construtora da dramaturgia dos trabalhos e sugere que o encontro entre as
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duas - dramaturgia e audiodescrição - pode se tornar um processo de reinvenção
de cada uma delas.
Tereza Rocha e Thiago Torres narram seus trabalhos docentes com
dramaturgia da dança em instituições de ensino formais e não-formais em
Fortaleza (CE) e descrevem como ela aparece na história recente das formações
em dança dessa cidade nordestina. Dramaturgia, nesse texto, é o trabalho com a
produção de sentido, atravessado pela ética e a política, para revelar uma po-ética
de experimentação de corpo. Para tanto, Rocha e Torres apostam no
regime de
perguntação
, na atenção ao visível e ao invisível e, acima de tudo, na construção
de laços de confiança e parceria entre discentes e docentes.
Charles Feitosa, em seu artigo
Danço, logo duvido: Uma parceria entre a
Dança de Rua de Bruno Beltrão
, discorre sobre o que entende por filosofia pop
para, a seguir, descrever o encontro entre ele e o artista Bruno Beltrão. Feitosa
demonstra que do "golpe" entre filosofia e dança, nada ficou ileso. Ainda que não
se coloque como dramaturgista e não mencione o termo
dramaturgia da dança
em seu texto, ela aparece nos acompanhamentos dos diversos processos vividos
entre filósofo e artistas.
O artigo
Atlas Coreodramatúrgico: constelações de imagens como método de
criação em dança
traz o pensar e o fazer dramatúrgico amparados pela
metodologia do Atlas Coreodramatúrgico (ACD), desenvolvida pelo Professor Éden
Silva Petretta em sua pesquisa de pós-doutorado. Petretta se inspirou nos
procedimentos de criação de Tatsumi Hijikata em intersecção com o Atlas
Mnemosyne, desenvolvido por Aby Warburg, e as reflexões de Didi-Huberman e
Georges Bataille sobre a filosofia da imagem. O pesquisador apresenta ainda como
essa pesquisa vem sendo aplicada no trabalho de dramaturgia da dança em
diferentes contextos pedagógicos de criação em dança. Esse artigo apresenta uma
prática singular que pode inspirar docentes e artistas no desenvolvimento de
pedagogias e procedimentos em dramaturgia da dança.
Em
Contradramaturgia e corp.oralidades Pretas: Outro ponto de vista sobre
noção de dramaturgia
, Laudemir Pereira Santos apresenta uma discussão
pertinente às artes cênicas ao afirmar que a própria ideia de dramaturgia,
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especialmente a teatral, é marcada pela colonialidade e sua lógica cartesiana,
hegemônica e eurorreferenciada. Santos propõe o termo
contradramaturgia
como
ação estética e política contra-discursiva a partir de reflexões baseadas em
epistemologias africanas, afro-brasileiras e anticoloniais.
Em
Dramaturgias crip: O ambíguo desfazimento do corpo-organismo em
cenas anti-antropocêntricas
, Thany Sanches e Christine Greiner se voltam para os
trabalhos de Jeong Geumhyung, Manuela Infante e Eduardo Fukushima para
formular o conceito de
dramaturgias crip
, inspiradas em estudos críticos da
cultura. As pesquisadoras apostam que esses diferentes fazeres dramatúrgicos
podem desarticular as assimetrias entre sujeito e objeto, humano e não-humano,
eficiência e falha.
O fazer dramatúrgico na dança: processo documental em
The Hot One
Hundred choreographers de Cristian Duarte
, as pesquisadoras Gislaine Sacchet e
Mônica Fagundes Dantas se voltam para a obra
The Hot One Hundred
choreographers
do artista brasileiro para pensar como os arquivos de documentos
coreográficos podem se tornar um dispositivo dramatúrgico que auxilia a criação
de uma obra. No texto, Sacchet e Dantas analisam o processo criativo do artista e
tecem reflexões sobre a desierarquização entre diferentes fazeres em dança, a
relação entre memória individual e memória coletiva, e entre biografia e
autobiografia.
Em
A dramaturgia de um puerpério: uma videodança a partir da Técnica
Klauss Vianna
, Jaqueline Barbosa Pinto Silva e Jussara Miller fazem um relato de
experiência sobre o processo de criação de uma videodança durante o período da
pandemia de Covid-19. O processo de criação aborda a construção da dramaturgia
da dança sob ponto de vista do corpo em processo de maternagem a partir da
Técnica Klauss Vianna, e visibilidade pela ótica feminista às questões da mulher
na área da dança.
Antes de terminarmos essa apresentação do dossiê, gostaríamos de
reconhecer o esforço da Revista Urdimento em contemplar escritos de artistas e
fazedoras (es) de cultura. A maioria das revistas acadêmicas de arte aceitam
apenas proposições textuais de pessoas que transitam no ambiente acadêmico.
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Isso se explica pelas políticas da Capes, no entanto, quando se trata de arte e seus
fazeres, a restrição imposta limita e empobrece nosso próprio campo de
conhecimento. É no fazer de artistas e fazedoras (es) de cultura que situamos
nossos estudos, assim, a troca equânime entre ambiente acadêmico e ambiente
artístico é indispensável para a complexificação de nossos discursos, narrativas,
conceituações, reflexões, assim por diante. Nesse sentido, a Urdimento se mostra
como um espaço de fato democrático no qual o pensar-fazer das artes não estão
dissociados. Esperamos que as demais revistas de Artes do Brasil também
assumam sua responsabilidade em reconhecer a contribuição de artistas e
fazedoras(es) de cultura que não transitam na academia.
Recebido em: 13/09/2023
Aprovado em: 13/09/2023
Universidade do Estado de Santa Catarina
UDESC
Programa de Pós-Graduação em Teatro
PPGT
Centro de Arte CEART
Urdimento
Revista de Estudos em Artes Cênicas
Urdimento.ceart@udesc.br