1
Aspectos formativos do
PANOS – Palcos novos
palavras novas
: um olhar estrangeiro,
inicial e tateante
Heloise Baurich Vidor
Isabel Gonçalves Bezelga
Para citar este artigo:
VIDOR, Heloise Baurich; BEZELGA, Isabel Gonçalves.
Aspectos formativos do
PANOS Palcos novos palavras
novas
: um olhar.
Urdimento
Revista de Estudos em
Artes Cênicas, Florianópolis, v. 3, n. 48, set. 2023.
DOI: 10.5965/1414573103482023e0205
Este artigo passou pelo
Plagiarism Detection Software
| iThenticate
A Urdimento esta licenciada com: Licença de Atribuição Creative Commons (CC BY 4.0)
Aspectos formativos do
PANOS Palcos novos palavras novas
: um olhar estrangeiro, inicial e tateante
Heloise Baurich Vidor | Isabel Gonçalves Bezelga
Florianópolis, v.3, n.48, p.1-25, set. 2023
2
Aspectos formativos do
PANOS Palcos novos palavras novas
:
um olhar estrangeiro, inicial e tateante1
Heloise Baurich Vidor2
Isabel Gonçalves Bezelga3
Resumo
Neste artigo são analisados aspectos formativos do projeto
PANOS Palcos
novos palavras novas
, desenvolvido pelo Teatro Nacional Dona Maria II de
Lisboa/ Portugal, o qual estabelece cruzamentos entre teatro escolar e juvenil
e novas dramaturgias. Com base na constatação de que o teatro juvenil é um
campo a ser expandido e visibilizado nos estudos teatrais brasileiros e
portugueses, refletiu-se sobre o trabalho com o texto escrito, o papel do(a)
professor(a) encenador(a) na articulação da dramaturgia e da cena
contemporânea e se preconizou um
olhar expandido
para o campo da
Pedagogia das Artes Cênicas. A revisão teórica realizada, a leitura de
dramaturgias do
PANOS
, as entrevistas e o acompanhamento
in loco
mostraram lacunas na investigação de cunho artístico e educacional voltadas
para a juventude em Portugal; os desafios que um projeto como
PANOS
enfrenta e suscita e, principalmente, sua relevância para a ampliação das
ações de ler, fazer, apreciar teatro e literatura dramática entre jovens.
Palavras-chave
: Pedagogia das Artes Cênicas. Dramaturgia contemporânea
em língua portuguesa. Teatro juvenil. Escola.
1 Revisão ortográfica, gramatical e contextual do artigo realizada por Janete Gheller, graduada em Letras-
Português pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Caxias do Sul). ghellerjanete@hotmail.com.
2 Pós-doutorado em Artes Cênicas na Universidade de Évora, Portugal. Professora associada do Departamento
de Artes Cênicas da Universidade do Estado de Santa Catarina. Docente permanente do Mestrado
Profissional em Artes (Profartes/UDESC) e do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas
(PPGAC/UDESC). heloisebvidor@gmail.com
http://lattes.cnpq.br/1457469064095505 https://orcid.org/0000-0002-4338-816X
3 Doutorado em Teatro pela Universidade de Évora/Portugal. Mestrado em Ciências da Educação -
Expressões Artísticas e Interculturalidade pela Universidade de Évora. Graduação em Ciências da
Educação/Formação de Professores/Formadores (Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação - U.L .
Professora-doutora Associada da Universidade de Évora/Portugal (UEvora) Escola de Artes Cênicas.
imgb@uevora.pt https://orcid.org/0000-0001-9048-240X
Aspectos formativos do
PANOS Palcos novos palavras novas
: um olhar estrangeiro, inicial e tateante
Heloise Baurich Vidor | Isabel Gonçalves Bezelga
Florianópolis, v.3, n.48, p.1-25, set. 2023
3
Formative aspects of
PANOS - Palcos novos palavras novas
: a
foreign, initial and exploratory look
Abstract
The article analyzes formative aspects of the
PANOS – Palcos novos palavras
novas
, developed by the National Theatre Dona Maria II in Lisbon, Portugal,
which establishes intersections with school and youth theatre and new
dramaturgies. Based on the finding that youth theatre is a field to be
expanded and made visible within Brazilian and Portuguese theatrical studies,
the authors reflect on working with written text, the role of the teacher-
director in the articulation of contemporary dramaturgy and scene, and
advocate for an expanded view of the field of Pedagogy of Theater Arts. A
theoretical review carried out, readings of dramaturgy from the
PANOS
,
interviews and observation
in loco
showed: gaps in artistic and educational
investigations focused on youth in Portugal; challenges that a project like
PANOS
faces and raises; and, above all, its relevance for expanding the actions
of reading, creating and appreciating theater and dramatic literature among
youth.
Keywords
: Pedagogy of Performing Arts. Contemporary dramaturgy in
Portuguese. Youth Theatre. School.
Aspectos formativos de
PANOS - Palcos novos palavras novas
: una
mirada extranjera, inicial y tanteada
Resumen
El artículo analiza aspectos formativos del proyecto
PANOS Palcos novos
palavras novas
, desarrollado por el Teatro Nacional Dona Maria II de
Lisboa/Portugal, que establece intersecciones con el teatro escolar y juvenil
y nuevas dramaturgias. Partiendo de la constatación de que el teatro juvenil
es un campo para ser ampliado y visibilizado dentro de los estudios teatrales
brasileños y portugueses, reflexionase sobre el trabajo con el texto escrito, el
papel del profesor-director en la articulación de la dramaturgia y la escena
contemporánea, y abogase por una
mirada ampliada
al campo de la
Pedagogía de las Artes Escénicas. La realización de revisión teórica; lectura
de dramaturgias del
PANOS
; entrevistas; investigación
in loco
mostraron
brechas en la pesquisa artística y educativa dirigida a la juventud en Portugal;
los desafíos que un proyecto como
PANOS
enfrenta y plantea; y señaló,
principalmente, su relevancia para la expansión de las acciones de leer, hacer,
apreciar el teatro y la literatura dramática entre jóvenes.
Palabras clave
: Pedagogía de las Artes Escénicas. Dramaturgia
contemporánea en portugués. Teatro Juvenil. Escuela.
Aspectos formativos do
PANOS Palcos novos palavras novas
: um olhar estrangeiro, inicial e tateante
Heloise Baurich Vidor | Isabel Gonçalves Bezelga
Florianópolis, v.3, n.48, p.1-25, set. 2023
4
(
Algum silêncio)
Encenador: Ser ator passa muito por dizer palavras de outros. Não é sempre assim,
há atores que trabalham com sua história pessoal, mas a maior parte das vezes
um ator trabalha com palavras que não são suas. Às vezes, são palavras
maravilhosas, que nos exaltam, outras vezes são palavras que não gostaríamos de
dizer. Algumas destas palavras, destes textos, são também desconfortáveis para o
público. O teatro é desconfortável, mas é quase sempre o desconforto que leva à
mudança, à uma mudança de mentalidades.
(André Tecedeiro)
Palavras tecidas, textos.
Tecedeiro é aquele que tece estas palavras da epígrafe no texto
Ensaio-texto
para teatro
, que a primeira coautora conheceu pela leitura em voz alta de pessoas
reunidas no palco do Teatro Nacional Dona Maria II/ TNDMII em Lisboa, Portugal,
em uma manhã de um sábado do mês de novembro de 2022. Travava-se do início
do
workshop
da edição de 2022-2023 do projeto
PANOS Palcos novos palavras
novas
, que ela teve a oportunidade - e por que não dizer - a felicidade de participar.
Durante um fim de semana intenso, manhã e tarde, jovens e adultos(as) de vários
cantos de Portugal, estavam para dar o impulso inicial em suas montagens,
vinculadas ao projeto
PANOS
.
PANOS Palcos novos palavras novas
chegou aos ouvidos da primeira
coautora pelas palavras de Tiago Rodrigues, aquele que lhe trouxe o texto
Coro
dos Maus Alunos.
Coro dos Maus Alunos
(2009), de Rodrigues, é resultado da
“encomenda” que o
PANOS
faz a autores(as) contemporâneos(as) para escreverem
um texto em língua portuguesa com o intuito de ser montado e apreciado por
jovens de 12 a 19 anos.
Coro dos Maus Alunos
foi a resposta de Rodrigues a essa
provocação, e o contato com essa obra levou-a a olhar mais atentamente para a
literatura e o teatro feito para e com jovens-adolescentes4 em interface com a
escola, através de reflexões vinculadas ao projeto de pesquisa
Leitura e
teatralidade: literatura juvenil e escola
, que desenvolve desde 2019 no
Departamento de Artes Cênicas da Universidade do Estado de Santa Catarina, em
Florianópolis, SC, Brasil.
4 Optou-se pelo binômio
jovens-adolescentes
, seguindo-se a circunscrição da Organização Mundial da Saúde
(OMS), que considera a adolescência a segunda década de vida, período entre os 10 e os 19 anos, e
considerando juventude como período que se estende entre 15 e 24. Entretanto, são aceitos
desdobramentos desses conceitos, identificando
adolescentes jovens
, aqueles(as) entre 15 e 19 anos, e
adultos jovens, aqueles(as) entre 20 e 24 anos. https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/07_0400_M.pdf
Aspectos formativos do
PANOS Palcos novos palavras novas
: um olhar estrangeiro, inicial e tateante
Heloise Baurich Vidor | Isabel Gonçalves Bezelga
Florianópolis, v.3, n.48, p.1-25, set. 2023
5
O impacto da dramaturgia de Rodrigues, que levou à realização de um projeto
de ensino no qual o texto foi encenado5, instigou igualmente a sua curiosidade
para realizar o estágio de pós-doutoramento no Centro de História da Arte e
Investigação Artística/ CHAIA da Universidade de Évora/Portugal, supervisionado
pela segunda coautora, com o propósito de conhecer o projeto
PANOS
.
Traz-se, aqui, algumas das reflexões suscitadas a partir do olhar estrangeiro
da autora que se deslocou do sul do Brasil para Portugal e contemplou durante
sete meses o
PANOS
, período em que esteve no país. Ela considera que foi uma
aproximação tateante, escavando aqui e ali rastros, falas, impressões, fotos, textos,
colhidos entre pessoas que compuseram essa rede formada anos, tecida por
tantas mãos.
Sete meses é pouco para estudar um projeto “em plena adolescência”, como
disse seu atual coordenador Sandro William Junqueira (Panos, 2021, p.14), projeto
que foi implementado em 2005; a primeira edição é de 2005-2006, pelas mãos de
Francisco Frazão na Fundação Caixa Geral de Depósitos, conhecida por Culturgest.
E que foi adotado pelo Teatro Nacional Dona Maria II, em 2019, sendo cuidado
durante a pandemia da Covid-19 para que não sucumbisse, tomando ar para seguir
e seguindo em plena forma até o momento.
Portanto, o que a primeira coautora fez nestes sete meses foi buscar material
publicado sobre o projeto; entrevistar pessoas envolvidas com o PANOS nos
últimos anos e observar
in loco
o
workshop
referente à edição 2022-2023.
Diferente de um projeto encerrado que, com um distanciamento temporal se
consegue analisar o todo, este objeto de pesquisa segue vivo, é um corpo pulsante
e cheio de vitalidade, que exigiu a definição de alguns parâmetros para selecionar
o que seria trazido para a presente discussão, em cruzamento com as questões
que se relacionam aos temas como literatura juvenil, teatro contemporâneo e
escola.
Desta forma, neste artigo abordamos um breve histórico do projeto
PANOS
,
assim como suas características principais, etapas e regras e analisamos questões
que emergiram a partir desse olhar estrangeiro, inicial e tateante em relação a um
5 Ver: Vidor & Biscaro, 2021.
Aspectos formativos do
PANOS Palcos novos palavras novas
: um olhar estrangeiro, inicial e tateante
Heloise Baurich Vidor | Isabel Gonçalves Bezelga
Florianópolis, v.3, n.48, p.1-25, set. 2023
6
projeto que acontece no contexto português, procurando discuti-las na
perspectiva formativa dos(as) jovens que dele participam, a partir do campo da
Pedagogia das Artes Cênicas.
Modos de aproximação do
PANOS
e cenários investigados
aspectos metodológicos
Como dito anteriormente, o estudo de um projeto da envergadura do
PANOS
,
com tantos anos de existência, tendo uma produção literária e teatral expressivas,
requer um contato prolongado e aprofundado com as várias facetas que o
compõem. Nesse caso, consideramos que o movimento realizado foi de uma
aproximação inicial, colhendo informações aqui e ali, registrando o que ‘saltava aos
olhos’, ou seja, debruçamo-nos sobre as questões que emergiram a partir desta
escavação inicial.
Conforme fomos nos deparando com as informações dos livros publicados
do
PANOS
até a edição de 2021, fomos nos impressionando com “as quantidades”:
45 textos inéditos de dramaturgia contemporânea publicados em 14 livros ao longo
das 13 edições realizadas; 373 grupos escolares e não-escolares participantes e,
segundo a fala de um dos membros da equipe do Teatro D Maria II, Rui Catarino,
na abertura do
workshop
PANOS 2022-2023, desde que o projeto começou a ser
gerido pelo teatro no ano de 2019, 1600 jovens dele participaram. Se extrapolarmos
os dados, podemos chegar a uma soma aproximada de mais de cinco mil jovens
envolvidos com o projeto de diferentes regiões de Portugal ao longo de todos os
anos de realização, desde 2006.
Os números impactam. Mas, para além dos números, o que também chamou
a nossa atenção foi a excelência literária dos textos, o que se reflete como
falaremos adiante na formação estética e ética dos(as) jovens que dele participam,
tanto em termos da fruição literária, quanto da prática e da fruição cênica. Sobre
os textos, na introdução do livro
PANOS
de 2007, Francisco Frazão reforça os
princípios que devem guiar tanto os(as) autores(as) quanto os(as) professores(as)-
encenadores(as) na lida com eles: “sem moralismos fáceis, sem restrições
temáticas, com a exigência que todos os textos pedem” (Frazão, 2008, p. 9). E
Sandro Junqueira, referindo-se às dramaturgias da 20ª. Edição, complementa:
Aspectos formativos do
PANOS Palcos novos palavras novas
: um olhar estrangeiro, inicial e tateante
Heloise Baurich Vidor | Isabel Gonçalves Bezelga
Florianópolis, v.3, n.48, p.1-25, set. 2023
7
“[elas] convocam-nos para a nossa responsabilidade ética quando em confronto
com o mundo e com os outros. E é isso mesmo que pretendemos: novas palavras,
outros desafios”.
Vale ressaltar que a formação estética e poética se estende também aos(às)
professores(as) que, com ou sem formação inicial na área do teatro, levam a cabo
o projeto. Através do
Panos
, eles(as) têm a possibilidade de acessar obras
contemporâneas que evocam uma “disposição extra” para enfrentarem o desafio
de pô-las em cena, de forma a se confrontarem, não somente com um texto
contemporâneo, mas igualmente com a cena contemporânea, o que para
muitos(as), de acordo com suas falas nas entrevistas, não é tarefa fácil.
Se por um lado nosso impacto com o projeto crescia, por outro a
inexistência de estudos acadêmicos sobre o
PANOS
nos surpreendeu e intrigou.
Encontramos um texto publicado em uma revista acadêmica6 e dois textos
publicados em um jornal7 que fazem referência ao projeto e pequenas reportagens
de jornais locais na internet, divulgando as apresentações. Pensamos: por que será
que um projeto formativo e artístico como este, que envolve jovens-adolescentes
de grande parte do país, com uma contribuição cultural tão relevante, existente
há tantos anos, não é estudado? Há aqui uma lacuna.
Essa mesma lacuna, em certa medida, pode ser identificada na produção
acadêmica brasileira quando, por exemplo, em consulta ao
Léxico de Pedagogia
do Teatro
(Koudela; Almeida Júnior, 2015), que é uma referência importante para
a área, encontram-se verbetes relacionados ao “teatro infantil” e “teatro na terceira
idade”, mas nenhuma menção ao “teatro e juventude” ou “teatro jovem”. Será que
esse fato se deve a um entendimento de que não diferença entre o teatro
adulto e o teatro jovem e, portanto, não o que ser observado como
especificidade nesta categoria? Ou será que é por que o “teatro jovem” é visto
pelos(as) artistas e pesquisadores(as) da área como um “teatro menor” e, portanto,
irrelevante de ser pesquisado? Ou ainda, é porque, como disse um dos
6 Carneiro, 2008, p. 18.
7 Entrevista a Miguel Castro Caldas, realizada por Ana Bigotte Vieira. O país visto pelo
PANOS (um projecto de
teatro escolar/juvenil associado às novas dramaturgias
),
Le monde diplomatic
, edição portuguesa, 21 de maio
de 2009;
PANOS Palcos novos Palavras novas & urgências
, de Ana Bigotte Vieira, Le monde diplomatic,
edição portuguesa, 9 de fevereiro de 2016.
Aspectos formativos do
PANOS Palcos novos palavras novas
: um olhar estrangeiro, inicial e tateante
Heloise Baurich Vidor | Isabel Gonçalves Bezelga
Florianópolis, v.3, n.48, p.1-25, set. 2023
8
professores-encenadores entrevistados “[...] faz-se teatro infantil para apresentar
nas escolas e ganhar dinheiro, mas não tem sentido fazer um “teatro para jovens”,
quem pagaria por isso?” [Entrevista concedida à primeira coautora, não publicada].
Ou seja, será que sua fala quer insinuar que não um incentivo financeiro ou
mercadológico para que companhias se dediquem a montagens especialmente
“para jovens”, pois este seria um nicho pouco preciso e pouco rentável às
companhias teatrais? Retomaremos a questão adiante.
Outra referência que acessamos sobre o
PANOS
foi o
Balanço da
monitorização e avaliação da edição do projeto PANOS
(2021-2022), realizado por
Patrícia Santos, membro da equipe do Teatro Nacional Dona Maria II, com data de
setembro de 2022. Este documento, que foi cedido pela equipe diretiva do Teatro,
é o primeiro documento oficial de avaliação do projeto, porém contempla apenas
uma edição.
Diante da escassez de referências teóricas e documentais, as entrevistas
conformaram o cerne do material a ser analisado, ou seja, elas realmente tiveram
um papel fundamental na escuta das vozes dos diferentes segmentos envolvidos
no projeto. Elas seguiram um roteiro prévio que foi feito para a própria orientação
da pesquisadora na condução da conversa, mas que serviu efetivamente como
um norteador, de modo que a entrevista fosse aberta, criando espaço para que
novas questões pudessem ser levantadas, tanto pelo(a) entrevistado(a) quanto
pela entrevistadora. A princípio, considerou-se que tudo que foi dito em relação à
participação do(a) entrevistado(a) no
PANOS
interessava e ajudaria na
compreensão das impressões do(a) professor(a)-encenador(a) do grupo, da escola,
da visão de teatro que estava em jogo. De forma geral, o roteiro seguia os temas:
relação do(a) participante com o projeto; principais qualidades e principais desafios
do projeto; considerações sobre as etapas; fala livre sobre algo que desejasse
comentar e que não havia sido perguntado pela entrevistadora.
As entrevistas foram realizadas tanto presencialmente, quanto de modo
remoto e duraram em torno de 1h. Os(as) entrevistados(as) foram: a) atual
coordenador do
PANOS
e sua assistente, membros da equipe do Teatro Nacional
Dona Maria II; b) seis professores(as)-encenadores(as) no total, sendo cinco que
participaram de alguma das edições do
PANOS
, entre 2019 e 2022, e que possuem
Aspectos formativos do
PANOS Palcos novos palavras novas
: um olhar estrangeiro, inicial e tateante
Heloise Baurich Vidor | Isabel Gonçalves Bezelga
Florianópolis, v.3, n.48, p.1-25, set. 2023
9
vínculo com escolas de ensino regular da região da grande Lisboa; além de um
professor-encenador de uma Escola Livre de Artes, de uma cidade localizada na
região noroeste do país, que foi participante do
PANOS
como estudante e agora
participa como professor, trazendo uma visão de quem está em uma escola não
pertencente ao ensino regular e fora do eixo artístico-cultural principal de Portugal:
as cidades de Porto e Lisboa. Esse entrevistado participou do Festival
PANOS
, tanto
como aluno quanto como professor-encenador; c) estudantes: foram realizadas
duas conversas que aconteceram de modo coletivo com cada grupo de
participantes: um grupo integrante de uma das escolas secundárias de Lisboa que
tem o Curso Profissional Artes do Espetáculo – Intérprete -Ator-Atriz e um grupo
formado pelas participantes da Escola Livre de Artes. Houve dificuldade de
encontrar os(as) estudantes para as entrevistas, pois muitos(as) haviam
terminado o ciclo escolar desde que participaram do projeto e não estavam
mais vinculados às escolas; d) dramaturgo: realizou-se conversa com um dos
dramaturgos que teve um texto encomendado pelo projeto; e) componente do
júri: uma das componentes do júri que seleciona os espetáculos que participam
do
Festival PANOS
. As falas serão trazidas durante a discussão dos temas sem
revelar os nomes dos(as) entrevistados(as) e das instituições de ensino, com o
intuito de preservar suas identidades.
É importante entender o contexto do teatro nas escolas regulares
portuguesas, que tem sofrido diversas alterações ao longo dos anos em função de
distintas concepções educacionais em que se basearam as reformas do sistema
educativo português. Em texto recente, vejamos a explanação de Célida Mendonça
e Isabel Bezelga (2020):
Em Portugal, o ensino de Teatro não é considerado obrigatório na
educação básica, podendo ser oferecido como opção nos e 3ºciclos.
Embora a área de Expressão Dramática e movimento esteja consignada
nas Orientações Curriculares, quer para a Educação Pré-escolar, quer
para o 1ºCiclo, ela é da responsabilidade dos Professores titulares de
turma (monodocentes) e principalmente desenvolvida pelos profissionais
da Educação Infantil. A presença do Teatro nas escolas públicas ocorre
de forma muito tímida através da oferta de oficinas ou nos Programas de
Enriquecimento Curricular (AEC) com outros profissionais. A Lei de Bases
do Sistema Educativo Português (Lei n. 46/86, de 14 de outubro) articula
plenamente a necessidade da educação artística como componente
essencial da educação global da criança, entretanto o sistema de ensino
Aspectos formativos do
PANOS Palcos novos palavras novas
: um olhar estrangeiro, inicial e tateante
Heloise Baurich Vidor | Isabel Gonçalves Bezelga
Florianópolis, v.3, n.48, p.1-25, set. 2023
10
oficial privilegia apenas as artes visuais como obrigatórias e a música até
ao final do 2º Ciclo (Mendonça; Bezelga, 2020, p.5).
A Oficina de Expressão Dramática nos 10º, 11º e 12º Anos do Ensino Secundário
Geral, que teve uma relação estreita com o projeto
PANOS
, foi gradualmente
extinta e substituída, em apenas algumas escolas, por cursos profissionais de artes
do espetáculo.
Presentemente, no 3º Ciclo da Educação Básica, correspondendo aos 7º, 8º e
Anos (cuja faixa etária se situa em termos genéricos entre os 13 e 16 anos)
algumas escolas oferecem Oficina de Teatro como disciplina curricular aos seus
estudantes e, muito recentemente, no presente ano letivo foi implementado curso
de Teatro na Educação Básica para alunos dos 5.º e dos 7.º anos com pendor pré-
profissionalizante.
Portanto, entre os(as) participantes entrevistados(as) que são vinculados às
essas escolas, encontramos professores(as) de cursos profissionais de Artes do
Espetáculo; professor da disciplina Teatro, dentro da grade curricular do 12º. ano
do ensino secundário; professores(as) que ministram outras disciplinas no ensino
curricular, mas que conduzem as atividades teatrais no âmbito extracurricular, nos
“clubes de teatro”, como são conhecidos em Portugal.
PANOS - Palcos novos palavras novas: gênese e modo de
funcionar
Segundo as definições para o projeto que encontramos no site do Teatro
Nacional Dona Maria II,
PANOS Palcos novos palavras novas
é um projeto “que
visa cruzar o teatro escolar e juvenil com as novas dramaturgias. Para isso,
encomenda, anualmente, peças originais a escritores reconhecidos, com o objetivo
de serem representadas por adolescentes” ou “Através de uma encomenda anual
de peças originais a escritores com obra reconhecida, a serem representadas por
grupos de atores adolescentes no Festival
PANOS
, o projeto visa estimular o
encontro entre as novas dramaturgias e o teatro escolar e juvenil”; ou ainda “O
PANOS - Palcos novos palavras novas
encomenda, anualmente, peças originais a
escritores com reconhecimento, para serem representadas por adolescentes,
cruzando o teatro escolar e juvenil com as novas dramaturgias” ou, ainda, de forma
Aspectos formativos do
PANOS Palcos novos palavras novas
: um olhar estrangeiro, inicial e tateante
Heloise Baurich Vidor | Isabel Gonçalves Bezelga
Florianópolis, v.3, n.48, p.1-25, set. 2023
11
mais sintética: “um projeto que junta a nova escrita para teatro ao teatro que é
feito por adolescentes”.
Tendo nascido como uma versão lusitana do projeto inglês
Connections
,
criado e realizado pelo Nathional Theatre de Londres, o
PANOS
foi realizado entre
2006 e 2017 pela Fundação Culturgest em Lisboa, coordenado por Francisco
Frazão. Em 2019, foi abraçado pelo Teatro Nacional Dona Maria II de Lisboa,
contando com a coordenação do autor e encenador Sandro William Junqueira,
seguindo ativo até o momento. De qualquer forma, nota-se que o
PANOS
segue
os passos do Connections, onde o National Theatre “encomenda” a dramaturgos
contemporâneos conceituados dez textos dramáticos voltados para o público
jovem. Abre-se uma inscrição na qual os grupos de todo o país podem se inscrever
para montar um dos textos propostos. Os trabalhos são acompanhados por
diretores e roteiristas especialmente contratados para darem supervisão e
selecionarem os trabalhos que participam do
Partner Theatre Festival
. Os critérios
mencionados no
site
do projeto inglês para a escolha dos grupos que participarão
do Festival são: clareza e audibilidade, narrativa clara, convicção e energia no
elenco e ritmo. Depois, apenas uma produção de cada uma das dez peças é
escolhida para ser exibida no
Festival National Theatre
que acontece em Londres8.
Voltando à versão portuguesa, foco da presente discussão, as etapas do
PANOS
são: I. Inscrição: os grupos de teatro jovem de todo o país se inscrevem no
projeto, podendo ser escolares ou não. Recebem fragmentos dos três textos que
serão indicados para as montagens, de modo que a cada edição, três textos são
criados especialmente para o projeto. Cada grupo escolhe um dos três textos para
montar; II. Workshop: no mês de novembro, tendo em vista que se segue o
calendário escolar europeu, realiza-se um
workshop
com os(as) autores(as)
destinado aos encenadores(as)-professores(as) e que conta com a participação de
um(a) jovem-participante por grupo, de maneira que haja o “envolvimento dos
próprios escritores no projeto, através de workshops de exploração e
experimentação dos textos direcionados aos encenadores e alguns dos jovens
8 Houve uma versão brasileira do
Connections
, chamado
Projeto Conexões Jovem
, que iniciou em 2007, em
São Paulo/ Brasil. O projeto foi realizado pela Cultura Inglesa de São Paulo, em parceria com o National
Theatre, British Council, o Colégio São Luís, a Escola Superior de Artes Célia Helena, tendo encerrado no
ano de 2020.
Aspectos formativos do
PANOS Palcos novos palavras novas
: um olhar estrangeiro, inicial e tateante
Heloise Baurich Vidor | Isabel Gonçalves Bezelga
Florianópolis, v.3, n.48, p.1-25, set. 2023
12
atores” (Santos R. M., 2019). Depois da participação no
workshop
, os grupos
recebem a versão final do texto e trabalham no processo de montagem do
espetáculo, que deve ser estreado até o mês de abril do ano subsequente. III.
Estreia e apreciação do júri. Na ocasião da estreia, uma comissão de especialistas
do campo de teatro, tendo experiência com crianças e jovens, assiste a todos os
espetáculos e seleciona seis trabalhos para serem apresentados no
Festival
PANOS
que, desde 2019, acontece no mês de maio no Teatro Nacional D Maria II
em Lisboa. Ou seja, dois espetáculos de cada um dos três textos é que são os
escolhidos para participarem do Festival. IV.
Festival PANOS
: realizado em um final
de semana no Teatro D Maria II, onde os grupos selecionados apresentam seus
trabalhos, e é o momento no qual ocorre o lançamento do livro com a publicação
dos três textos da respectiva Edição.
Em relação às regras do projeto, identificamos três principais: a) faixa etária
dos(as) jovens-adolescentes entre 12 e 19 anos; b) tempo de espetáculo não
superior a uma hora; c) manutenção das palavras do texto, ou seja, não é permitido
trocar, cortar ou acrescentar palavras ou trechos no texto original.
Em entrevista a Rita Matias dos Santos (2019), Sandro William Junqueira,
coordenador atual do Festival, diz:
Os
PANOS
têm um poder transformador tremendo naqueles que dele
participam e que com ele se envolvem. É mais do que levar teatro às
escolas e aos grupos de jovens - é dar-lhes as ferramentas, as melhores
possíveis, para que eles façam teatro, para que tenham a oportunidade
de ver como o teatro faz pensar, imaginar, agir, chegar ao lugar do outro,
expandir o mundo” (Junqueira apud Santos R. M., 2019, p.1).
E Junqueira conclui, mencionando o projeto
Connections
de Londres, que o
objetivo de ambos,
Connections
e
PANOS
, é colocar em contato novas
dramaturgias e o teatro escolar-juvenil:
[...] queremos também que as escolas, os grupos, os jovens venham ao
teatro, seja porque vão apresentar o seu espetáculo, seja porque querem
ver o que os outros fizeram, seja porque simplesmente perceberam o
poder que isto tudo tem e querem aproveitar. E eu sei que isto não é
conversa, é mesmo verdade, porque estive do outro lado, à frente de um
grupo de jovens atores que tiveram o privilégio de viver os PANOS. É por
tudo isso que digo que, tendo em conta a dimensão nacional do projeto
e a premissa de serviço público que o envolve, faz todo o sentido que
esta seja a casa dos
PANOS
por muitos e bons anos (Junqueira apud
Santos R. M., 2019, p.1).
Aspectos formativos do
PANOS Palcos novos palavras novas
: um olhar estrangeiro, inicial e tateante
Heloise Baurich Vidor | Isabel Gonçalves Bezelga
Florianópolis, v.3, n.48, p.1-25, set. 2023
13
Há, aqui, dois aspectos que consideramos importantes de serem destacados
e que serão retomados na discussão que propomos. São eles: o de “dar
ferramentas” aos(às) jovens para que possam fazer teatro, ou seja, bons textos,
contato com bons encenadores(as) ou atores(atrizes), com o intuito de que
possam seguir conduzindo grupos no futuro; e a dimensão nacional e abrangente
do projeto que tem um impacto em termos de política pública, funcionando como
um disseminador de obras teatrais entre população de todas as regiões do país.
Sobre os aspectos formativos: o que o PANOS nos dá a pensar?
A partir do contato que a primeira coautora teve com o projeto e da análise
dos dados que foram coletados, optamos por destacar alguns tópicos que
emergiram deste acercamento geral e inicial. Consideramos importante,
primeiramente, recolocar a nossa perplexidade ao constatar que um projeto como
este, na área do teatro, com uma contribuição cultural e artística tão relevante,
existente há tantos anos (desde 2005/2006), não tenha sido estudado e analisado
em termos acadêmicos. Como dissemos anteriormente este fato mostra que
uma lacuna na área da Pedagogia do Teatro em Portugal, que o
PANOS
é um
projeto longevo e de abrangência nacional, que mobiliza jovens de praticamente
todo o país para o teatro, além de efetivamente ser um incentivador de produção
de literatura dramática contemporânea inédita de muito impacto - a cada ano,
três textos dramáticos inéditos são publicados –, escrita por autores(as)
conceituados(as) da cena literária portuguesa. Dito isso, aquilo que vamos
problematizar na presente discussão é com o intuito de incrementar o debate que
envolve o tema do teatro feito com e para jovens, que valoriza o trabalho com o
texto escrito e que acaba criando reverberações na formação destes jovens,
dentro ou fora da escola.
Portanto, dentro da questão formativa, destacamos os seguintes tópicos: a
proposta de trabalho do
PANOS
com o texto escrito e o princípio da alteridade; o
papel do(a) professor(a)-encenador(a) na condução do processo de montagem e
na articulação entre o texto dramático e não-dramático com a cena
contemporânea. Ambos os tópicos anteriores colocam em discussão a perspectiva
pedagógica como passível de ser expandida para além de uma pedagogia da
Aspectos formativos do
PANOS Palcos novos palavras novas
: um olhar estrangeiro, inicial e tateante
Heloise Baurich Vidor | Isabel Gonçalves Bezelga
Florianópolis, v.3, n.48, p.1-25, set. 2023
14
atuação. Em um último tópico, procuramos apontar os desafios que todavia
orbitam o projeto e que poderiam ser enfrentados em sua continuidade.
O trabalho com o texto e o princípio da alteridade: a literatura e o teatro
juvenis
Maria Lúcia Pupo, importante pesquisadora da área da Pedagogia do Teatro
no Brasil, defende que:
Um desafio de grandes proporções dentro da reflexão pedagógica atual
sobre o teatro, tanto em sua vertente especificamente escolar, quanto
no âmbito da ação cultural é o confronto com o pensamento do outro,
presente na materialidade do texto. Entrar em relação com um texto de
ficção é mergulhar em outra lógica, é experimentar outras identidades,
outros pensamentos, outras existências, o que implica naturalmente em
um poderoso exercício de alteridade (Pupo, 2005, p. 4).
Alinhadas com o pensamento de Pupo (2005), entendemos que, em termos
formativos, um projeto de criação vinculado a textos, sejam ele dramático ou não-
dramático, evoca o princípio da alteridade, radicalizado no ato de “dizer as palavras
do outro”, ou seja, não olhar pela perspectiva do outro ou se colocar na situação
do outro, mas assumir as palavras do outro como se fossem suas. Assumir a
linguagem do outro como palavras encarnadas, que evocam o “empenho do corpo”
(Zumthor, 2000), remete-nos ao que Jorge Larrosa diz sobre a convicção de que
“as palavras produzem sentido, criam realidades e, às vezes, funcionam como
potentes mecanismos de subjetivação” (Larrosa, 2016, p. 16). E o autor segue:
Eu creio no poder das palavras, na força das palavras, creio que fazemos
coisas com as palavras e, também, que as palavras fazem coisas
conosco. As palavras determinam nosso pensamento porque não
pensamos com pensamentos, mas com palavras, não pensamos a partir
de uma suposta genialidade ou inteligência, mas a partir de nossas
palavras (Larrosa, 2016, p. 16).
Friccionar nossas palavras com as palavras de outra pessoa, no caso o(a)
autor(a), é friccionar nossos pensamentos, nossas visões de mundo, causando o
estranhamento necessário para que algo ou alguém se forme e se transforme
(Larrosa, 2016). Assim, na medida em que o projeto
PANOS
tem como regra a
realização de uma montagem teatral de um texto dramático, com regras estritas
que implicam não alterar palavras, não acrescentar textos, não cortar textos, fica
claro que ele traz à luz esse princípio, o que, na prática, pode gerar certa
Aspectos formativos do
PANOS Palcos novos palavras novas
: um olhar estrangeiro, inicial e tateante
Heloise Baurich Vidor | Isabel Gonçalves Bezelga
Florianópolis, v.3, n.48, p.1-25, set. 2023
15
resistência, observada principalmente na fala dos(as) estudantes, mas é um
princípio instigante em termos formativos. Talvez, a preocupação do projeto
quando coloca essas regras seja mais a de “respeitar o(a) autor(a)”, já que se trata
de um texto inédito encomendado especialmente para ser estreado neste
contexto. Contudo, a fala a seguir, do coordenador do projeto mostra que, de
alguma maneira, estas questões estão implicadas:
Permitam-me que vos fale do Miguel. É uma pessoa. É um entre os
milhares que viveram esta experiência, mas representa o real poder
transformador deste projeto. Conheci o Miguel quando ele tinha 13 anos.
Tímido, inseguro, com claras dificuldades de socialização. Nunca tinha
entrado sequer num teatro. O Miguel teve a oportunidade de participar
em várias edições dos
PANOS
e, tal como os seus colegas de grupo,
através dos desafios propostos, foi obrigado a pensar, a discutir, a
argumentar, a questionar, a experimentar, a imaginar, a agir. Ao fazê-lo,
cresceu nas competências pedagógicas, motoras, sociais e artísticas.
Hoje, o Miguel está no terceiro ano da Escola Superior de Teatro e Cinema.
Confidenciou-me recentemente que irá estrear-se profissionalmente na
peça de um encenador de renome internacional. Não é que isto seja o
mais importante. Mesmo que o Miguel não se tivesse tornado ator (não é
esse o objetivo), a passagem pelos
PANOS
aumentou-lhe o mundo,
esticou-lhe horizontes, abriu-lhe portas e janelas. Apetrechou-o de
sentido crítico e deu-lhe a oportunidade de
calçar os sapatos do outro
.
Sei que é uma história. É o Miguel. Mas é isto que é este projeto:
uma rede de fios, aparentemente invisíveis, que se vão cruzando e
entrecruzando e tecendo efeitos difíceis de prever. Acredito que haverá
mais, muitos mais a aproveitarem esta oportunidade. Nas mais diversas
áreas” (Junqueira, 2019, p. 12-13).
A ideia de não “calçar os sapatos do outro”, mas efetivamente dizer as
suas palavras é o que estamos querendo ressaltar como ponto altamente
impactante do
PANOS
em termos formativos. A ação de levar os(as) jovens e
também os(as) adultos(as) envolvidos(as) - a conhecerem e discutirem ideias e
pontos de vista que o texto traz, que são do outro (do autor/ da autora), fazendo
com que eles(as) consigam dar corpo às palavras e colocá-las na cena para fruição
- não sem se inquietarem, revoltarem-se ou se desestabilizarem com isso – é um
dos elementos que ancoram e sustentam o processo de convívio e criação e
evocam um outro aspecto que é lidar com uma Literatura (com L maiúsculo).
A Literatura (com L maiúsculo) a qual nos referimos são os textos criados
para o projeto e levados à cena pelos(as) jovens, que provocam aquilo que Sara
Bertrand (2021) diz, a partir de Roberto Bolaño, como sendo “a aposta literária”, ou
Aspectos formativos do
PANOS Palcos novos palavras novas
: um olhar estrangeiro, inicial e tateante
Heloise Baurich Vidor | Isabel Gonçalves Bezelga
Florianópolis, v.3, n.48, p.1-25, set. 2023
16
seja, “uma fricção entre o argumento e a estrutura” (Bertrand, 2021, p. 118). No caso
do
Panos
, como uma ênfase na categoria “juvenil”, poder-se-ia correr o risco
de que a adjetivação dada pelo “juvenil” à literatura (Andruetto, 2012) pudesse
enfraquecer o literário. Neste sentido, a fala de Frazão (2008) sobre os textos do
projeto é contundente: “[que sejam] sem moralismos fáceis, sem restrições
temáticas, com a exigência que todos os textos pedem” (Frazão, 2008, p. 9). E
Sandro Junqueira (2019) reforça que os textos contemporâneos “convocam-nos
para a nossa responsabilidade ética quando em confronto com o mundo e com
os outros. E é isso mesmo que pretendemos: novas palavras, outros desafios”
(Junqueira, 2019, p. 1).
A liberdade dada pelos coordenadores aos(às) autores(as), quando na
encomenda dos textos, é um elemento chave para o impacto estético, poético e
ético do
Panos
na formação dos(as) jovens participantes e, por que não dizer,
dos(as) professores(as)-encenadores(as) que os colocarão em cena, ainda que se
corra o risco de os textos não criarem uma empatia inicial entre ambos.
Em relação à encenação, mesmo tendo em mente as palavras de Bernard
Dort de que “[a cena] não realiza mais ou menos um texto: ela o critica, o força, o
interroga” (Dort apud Pupo, 2005, p. 2), notamos que na articulação entre texto e
cena, a partir do material das entrevistas, outras questões acabam por emergir,
tais como: a concepção de teatro que está em jogo; o papel do(a) professor(a)-
encenador(a) nessa articulação.
Observamos que os textos dramáticos do projeto nem sempre seguem um
modelo tradicional de dramaturgia, tendo preceitos aristotélicos, o que as
seguintes falas extraídas das entrevistas confirmam: “os textos do PANOS são
muito difíceis” ou “textos com temas que não são para adolescentes” ou ainda
“textos um tanto surreais” ou “que tenha didascálias, etc.”9. Aparece nessas falas
uma concepção de teatro, que Jorge Dubatti (2020) chama de “teatro-matriz”, ou
seja, é aquele que procura uma unidade de tempo, espaço, ação – começo, meio
e fim; personagens realistas; conflito. Notamos, inclusive, que um dos critérios de
escolha de textos para as montagens pode ser esse, um texto que siga a proposta
9 Falas extraídas das entrevistas concedidas à primeira coautora/ não publicadas.
Aspectos formativos do
PANOS Palcos novos palavras novas
: um olhar estrangeiro, inicial e tateante
Heloise Baurich Vidor | Isabel Gonçalves Bezelga
Florianópolis, v.3, n.48, p.1-25, set. 2023
17
de dramaturgia tradicional.
Em oposição ao “teatro-matriz”, Dubatti (2020) denomina o “teatro-liminal”,
que abarcaria as manifestações teatrais não-dramáticas. É claro que esse aspecto
da “dramaturgia tradicional versos dramaturgia contemporânea” ou do “teatro-
matriz versos teatro-liminal” varia de acordo com a produção textual de cada
edição do projeto e também com o perfil dos(as) professores(as)-encenadores(as),
no sentido de terem ou não formação teatral, de qual formação é essa - mais
tradicional ou mais contemporânea - ou simplesmente de estarem mais ou menos
sintonizados(as) com a cena teatral contemporânea portuguesa ou ocidental.
Notamos, através das conversas realizadas, que a dramaturgia contemporânea,
em alguns casos, pretendia ser lida como dramaturgia tradicional, sem levar em
conta que: “Hoje, textos de toda e qualquer natureza, escritos para serem
representados ou concebidos para outros fins, podem ir para a cena; não é mais
necessariamente o modo de escrita que caracteriza o teatro” (Pupo, 2005, p. 2).
Ou seja, a premissa de que no teatro contemporâneo qualquer texto pode ser
posto em cena, não parece ser considerada por parte dos(as) participantes
entrevistados(as), entre eles(as) os(as) jovens-atores(atrizes) e também os(as)
professores(as)-encenadores(as).
Deste tema se desdobra outro fundamental que diz respeito ao papel que
o(a) professor(a)-encenador(a) desempenha na condução do processo de
montagem e na criação e estreia do espetáculo.
O papel do(a) professor(a)-encenador(a) na articulação entre o texto
dramático e não-dramático e a cena contemporânea: aspectos do
workshop PANOS
O(A) professor(a), que aqui chamamos de professor(a)-encenador(a), carrega
consigo uma dupla responsabilidade, muito bem colocada por Barbara Tavares
dos Santos: “o trabalho do professor-encenador envolve uma artesania ética,
estética, política e pedagógica que, pela coordenação das funções educativas e
artísticas, torna-se bastante complexa” (Santos B. T., 2019, p. 141). No caso do
projeto
PANOS
, essa complexidade do papel desempenhado pelo(a) professor(a)-
encenador(a) se verifica em vários aspectos do processo, iniciando com a escolha
do texto a ser encenado, que em termos temáticos pode evocar de cara questões
Aspectos formativos do
PANOS Palcos novos palavras novas
: um olhar estrangeiro, inicial e tateante
Heloise Baurich Vidor | Isabel Gonçalves Bezelga
Florianópolis, v.3, n.48, p.1-25, set. 2023
18
relacionadas à ética e à pedagogia e, termos estéticos, obriga-os(as) a lidar com
as dramaturgias mais ousadas, que exigem que a criação cênica esteja alinhada a
uma cena contemporânea.
Entretanto, como observamos através das entrevistas, o perfil desses(as)
professores(as)-encenadores(as) que participam do
PANOS
é muito diverso em
termos de formação na área das Artes Cênicas, de modo que outra questão acaba
se colocando: qual é a relação deles(as) tanto como criadores(as) de obras
teatrais, quanto como fruídores(as) delas - com a cena contemporânea?
Como citado anteriormente, sobre os(as) professores(as) entrevistados(as)
notamos que vários perfis. aqueles(as) que têm formação teatral, inclusive
atuam profissionalmente como artistas e outros(as) que têm formação em
áreas como língua portuguesa e história, mas que se arriscam no campo do teatro,
desbravando esse território e tentando levar aos estudantes a possibilidade desta
vivência na escola. Pensando nestes últimos, se por um lado, para participarem do
PANOS
, eles(as) assumem uma tarefa a mais entre as tantas que têm e o fazem,
como diz uma das entrevistadas, “por “amor à camisola”10, como exigir que eles(as)
estejam familiarizados(as) com a cena contemporânea? Uma inquietação surge a
partir destas falas: Por que participam? Qual é o impacto do projeto para os(as)
professores(as)? As falas ouvidas foram: “Possibilidade de ampliar o convívio com
outros colegas, com autores (sair um pouco do mundinho da escola)”;
“Possibilidade de ter um texto interessante, atual, de qualidade, referendado para
montar”; “Possibilidade de montar um texto sem ter que pagar direitos autorais”;
“Possibilidade de vivenciar um processo semelhante a um contexto profissional”;
“Perspectiva de apresentar-se em Lisboa, no Teatro Nacional”11
O aspecto de intercambiar conhecimento e vivências, através de um projeto
consolidado e de grande envergadura em termos artísticos como o
PANOS
, parece
ser determinante para os(as) professores(as) que resolvem dele participar,
encarando a sobrecarga de trabalho como uma oportunidade de respiro em
relação ao “mundinho da escola”. Esse convívio é favorecido pelo projeto em uma
10 Falas extraídas das entrevistas concedidas à primeira coautora/ não publicadas.
11 Falas extraídas das entrevistas concedidas à primeira coautora/ não publicadas.
Aspectos formativos do
PANOS Palcos novos palavras novas
: um olhar estrangeiro, inicial e tateante
Heloise Baurich Vidor | Isabel Gonçalves Bezelga
Florianópolis, v.3, n.48, p.1-25, set. 2023
19
de suas etapas, que é o
workshop
. Sobre o
workshop
, segundo as entrevistas
realizadas, percebemos que para os(as) professores(as)-encenadores(as) que têm
formação em teatro, eles(as) percebem que o
workshop
acrescenta pouco, pois
eles(as) mesmos(as) têm ferramentas tanto para lidar com o texto, quanto para
criar a encenação, superando as dificuldades que o texto coloca a seus contextos
específicos (número de participantes em relação ao número de personagem,
gênero dos participantes em relação ao dos personagens, resolução das cenas,
etc.). Já, os(as) professores(as) que não têm formação inicial em teatro consideram
o
workshop
a parte mais interessante, pois afirmam que ele ajuda a ter ideias para
o espetáculo.
A primeira coautora, que acompanhou in loco o
workshop
da edição
2022/2023, saiu refletindo sobre qual é o real propósito desta etapa. Pareceu-lhe
interessante que os(as) participantes pudessem conhecer o(a) autor(a) da obra, ter
a oportunidade de ouvi-lo(a) sobre o processo de criação do texto, quais foram
suas motivações em termos da temática, da própria estrutura do texto, o sentido
das cenas e dos personagens. Entretanto, o que ela presenciou foi a enunciação
de perguntas sobre como o(a) autor(a) “queria e permitia” que algumas cenas
fossem feitas. Ou mesmo em relação ao significado de algumas cenas, o que o(a)
autor(a) quis dizer com determinada frase ou fala, de modo que muitas das
perguntas direcionadas ao autor(a) desejavam obter uma resposta objetiva sobre
como elas deveriam se resolver no espetáculo. É claro que a impressão aqui
compartilhada diz respeito ao que foi visto em poucas horas de acompanhamento
dos três grupos ali reunidos. Essa situação gera um impasse. Se por um lado visa
“instigar a imaginação” (Junqueira, 2021, p. 11), por outro ela parece abrir espaço
para que uma prática de trabalho com o texto muito ultrapassada se delineie, que
é a noção de “servir ao texto”. A regra, bastante explícita, colocada pelo projeto de
proibir qualquer alteração em termos de corte, acréscimo ou modificação de
palavras do texto, garante um total respeito ao autor(a) que pensou
cuidadosamente em cada palavra, em cada ponto, em cada vírgula que ali está
colocado.
Além disso, em alguns casos havia, além da presença do(a) autor(a), um(a)
profissional do teatro (ator/atriz ou encenador(a)), que em diálogo com o(a)
Aspectos formativos do
PANOS Palcos novos palavras novas
: um olhar estrangeiro, inicial e tateante
Heloise Baurich Vidor | Isabel Gonçalves Bezelga
Florianópolis, v.3, n.48, p.1-25, set. 2023
20
autor(a) propunha a leitura do texto, abrindo espaço para ouvir a posição do(a)
autor(a) com respeito a cenas e falas e sugerindo também possíveis soluções para
a encenação. No nosso ponto de vista, aqui outro impasse que é, parte-se desde
as primeiríssimas leituras a apontar soluções que, muitas vezes, poderiam ser
encontradas pelo grupo no processo, de forma mais orgânica e condizente com
as suas próprias características. Ou seja, os(as) participantes saem do workshop
influenciados(as) pelas ideias do(a) autor(a) e do(a) profissional do teatro e isso
pode interferir no processo de descoberta por eles(as) mesmos(as) tanto da
interpretação do texto, como da criação das cenas. Em termos formativos, essa
prática pode acentuar a posição dos “expertos versos os ignorantes” (Rancière,
2010), como se as ideias dos(as) expertos(as) fossem melhores ou mais adequadas,
o que, em termos pedagógicos, seria um ato
embrutecedor
(e não
emancipador
).
Interessante pensar que a estratégia pedagógica trazida por Rancière, através do
exemplo da prática de Joseph Jacotot para propor a tese da igualdade de
inteligências, está assentada na presença do livro. O livro é a “coisa comum, o laço
intelectual igualitário entre o mestre e o aluno” (Rancière, 2010, p. 31). Aqui, no caso,
podemos considerar o texto a ser encenado como a coisa comum que vai
sustentar a premissa da igualdade das inteligências.
Parece-nos que o mais potente do
workshop
é a reunião de grande parte
dos(as) participantes. Esse convívio estimula e energiza o processo que está na
fase bem inicial, inclusive para os(as) autores(as) que ainda irão enviar uma versão
final do texto, colocando-os(as) em contato, criando um espaço de troca de
experiências que, para quem não participa do
Festival PANOS
, é único. E mais, no
espaço de um teatro – e não de qualquer teatro – que, sem sombra de dúvida, é
impactante não somente por sua arquitetura e estrutura interna glamorosa,
luxuosa, com tecidos de veludo, pilares dourados e lustre de cristal, mas
principalmente pelo valor simbólico que carrega, ou seja, o espaço que é a casa
teatral dos(as) portugueses(as), abrindo suas portas para pessoas muito jovens de
muitas partes do país.
Com isso, achamos que o propósito de realizar um encontro de dois dias com
o(a) autor(a), com quatro turnos, ou seja, quase 16h, para além de conhecê-lo(a) e
conhecer aspectos do seu processo criativo e do texto, pode ser uma
Aspectos formativos do
PANOS Palcos novos palavras novas
: um olhar estrangeiro, inicial e tateante
Heloise Baurich Vidor | Isabel Gonçalves Bezelga
Florianópolis, v.3, n.48, p.1-25, set. 2023
21
oportunidade para ampliar a formação dos(as) professores(as)-encenadores(as) e
dos(as) jovens participantes. Esse poderia ser um espaço para a
instrumentalização, de modo a dar-lhes mais um dispositivo para a criação, aos
moldes, por exemplo, de uma oficina introdutória de escrita dramatúrgica.
Este gesto de ampliar a formação dos(as) participantes para outros afazeres
envolvidos na criação cênica, leva-nos a um último aspecto relacionado ao papel
do(a) professor(a)-encenador(a) no projeto que é a sua sensibilidade para conduzir
o grupo em prol de uma experiência artística, alimentando o desejo dos(as) jovens
de lerem, encenarem e fruírem teatro de uma forma mais ampla. E, de uma forma
mais específica, de incentivarem a ampliação das possibilidades de participação
dos(as) jovens na montagem do espetáculo, ainda que não unicamente através da
“subida ao palco”. Pelo que observamos
in loco
e também pelas falas dos(as)
entrevistados(as), a participação é fortemente baseada na atuação, de modo que
os(as) jovens não são incentivados(as) a desenvolverem outros aspectos da
encenação como criação de cenários, coreografias, músicas, direção de atores,
direção cênica, dramaturgia, produção, por exemplo. Principalmente na
perspectiva da formação artística destes(as) jovens, reiteramos que seria bem-
vindo um olhar expandido à Pedagogia das Artes Cênicas para além da Pedagogia
do Ator.
Desafios a serem enfrentados pelo
PANOS
: palavras nossas
Antes de falarmos sobre os desafios, é interessante dizer que outra
qualidade do
PANOS
que merece ser ressaltada, que é a da abrangência do projeto
em termos territoriais e o aspecto de universalidade dos(as) participantes, na
medida em que ele é voltado para grupos de teatro de jovens (12 a 19 anos) de
todo o país. Incentiva-se que jovens de todo o território português façam teatro,
cria-se uma rede de contato entre os(as) professores(as)-encenadores(as) e,
também, entre jovens vindos de contextos muito diferentes: escola regular de
ensino básico e secundário, escolas livres, grupos de teatro de comunidades e
associações, grupos profissionalizantes e grupos profissionais.
Em termos formativos, esse aspecto é muito interessante, pois se reúnem
grupos que têm muita experiência e estrutura para montar um espetáculo, tendo
Aspectos formativos do
PANOS Palcos novos palavras novas
: um olhar estrangeiro, inicial e tateante
Heloise Baurich Vidor | Isabel Gonçalves Bezelga
Florianópolis, v.3, n.48, p.1-25, set. 2023
22
uma abordagem quase profissional a outros grupos que não têm nem estrutura,
nem experiência, nem conhecimento técnico dos coordenadores(as), nem apoio
financeiro. O que ambos têm em comum são as inquietações próprias da idade e,
ainda, o interesse pelo teatro. Portanto, essas diferenças não seriam
necessariamente um problema. Porém, há o
Festival PANOS
que, por mais que os
gestores insistam em dizer que não é um concurso - aparece em vários textos
introdutórios consultados (PANOS 2007; 2009; 2010; 2021) e na entrevista com o
atual coordenador -, seleciona, através de um corpo de jurados, seis espetáculos
para serem apresentados no Teatro Nacional D Maria II, em Lisboa, sem critérios
claros de escolha.
Em um ano em que 46 grupos inscritos, por exemplo, nessa edição de
2022/2023, a escolha de seis espetáculos para participarem do
Festival
representa
13% do total, o que nos parece muito pouco. Percebemos que, entre os(as)
entrevistados(as) que são das escolas regulares, praticamente todas as críticas ao
projeto vem daí, do fato de vincular a prática de teatro com jovens a uma situação
de competitividade. Para quem “ganha”, é uma experiência inesquecível, mas,
proporcionalmente, o número de “ganhadores” é muito pequeno.
Portanto, se parte de uma desigualdade de experiência teatral e de
estrutura consideráveis e não se apresentam critérios claros para a seleção. Esse
fato acaba dando muito espaço para o aspecto subjetivo da avaliação e deixando
os “perdedores” sem conhecimento do porquê de não terem sido escolhidos. Em
termos formativos, é fundamental que se explicitem os critérios e os motivos de
uma avaliação, até para que haja avanço no conhecimento, aqui no caso, do
próprio teatro.
A questão da competitividade foi problematizada por vários(as)
professores(as)-encenadores(as), ou seja, o fato de vincular uma atividade artística,
teatral, com a ideia de concurso, de quem são os melhores. Observamos que essa
questão pautou muitas das falas, tanto dos(as) entrevistados(as), quanto dos(as)
participantes do workshop que queriam “checar” com o(a) autor(a) e com o
coordenador o jeito certo de fazer para não serem “desclassificados”. Pensamos
que esse apelo competitivo é desnecessário como “estratégia para motivar o grupo
Aspectos formativos do
PANOS Palcos novos palavras novas
: um olhar estrangeiro, inicial e tateante
Heloise Baurich Vidor | Isabel Gonçalves Bezelga
Florianópolis, v.3, n.48, p.1-25, set. 2023
23
e para evitar desistências”12, justificativa mencionada por um dos entrevistados,
dizendo que ela foi utilizada pela equipe de coordenação do projeto.
Destacamos, a seguir, algumas falas que problematizam esse aspecto e que
apontam alguma alternativa: “Acredito que teriam que pensar em alternativas para
esse formato, que ampliassem o número de participantes nesse momento
fundamental de convívio, partilha e aprendizado, quando podem ver versões de
espetáculos do mesmo texto”; “Podia ser mais próximo ao formato de uma
mostra”; “Podia ser um momento de formação de alguma técnica teatral para
todos, professores-encenadores e alunos”13.
Contudo, é importante frisar que a coordenação do projeto no Teatro D Maria
II está ciente e de acordo com a necessidade de ampliar os momentos de encontro
entre os(as) participantes no processo de montagem propostas de inserção de
uma reunião online entre os(as) participantes e autores(as) no mês de fevereiro,
ou seja, mais próximo da estreia do espetáculo - e depois da estreia, proposta de
realizar parcerias com grupos de teatro de outras regiões de Portugal para
realizarem Mostras de Espetáculos, de modo que os(as) participantes que não
foram escolhidos para o Festival possam se apresentar. É importante, também,
frisar que há o reconhecimento por parte dos(as) participantes que, em termos de
logística, é difícil resolver este impasse, contando apenas com a estrutura, a gestão
e a coordenação do Teatro Dona Maria II de Lisboa.
Considerações finais
A aproximação inicial e tateante do
PANOS Palcos novos palavras novas
,
projeto inspirado no
Connections
, evidenciou sua potência formativa e artística ao
promover a oportunidade de que jovens adolescentes se aproximem da linguagem
teatral, seja como participantes das montagens, seja como público. É inegável a
importância do projeto para estimular a aproximação dos(as) jovens do teatro,
ampliando sua formação ética e estética.
A criação de um banco de textos dramáticos contemporâneos, voltados para
12 Falas extraídas das entrevistas concedidas à primeira coautora/ não publicadas.
13 Falas extraídas das entrevistas concedidas à primeira coautora/ não publicadas.
Aspectos formativos do
PANOS Palcos novos palavras novas
: um olhar estrangeiro, inicial e tateante
Heloise Baurich Vidor | Isabel Gonçalves Bezelga
Florianópolis, v.3, n.48, p.1-25, set. 2023
24
jovens, é um dos resultados do projeto, que inclui publicação em livro dos textos
de cada edição, o que se configura como uma importante contribuição com o
teatro voltado a esta categoria nas línguas inglesa e portuguesa, fato que contribui
também com a pesquisa acadêmica sobre o tema.
Em termos da relação com a escola, ao mesmo tempo que o projeto
demanda uma carga extra de trabalho aos professores(as)-encenadores(as), ele
também possibilita uma formação que se dá pela decisão destes(as) docentes de
participarem, sem imposições de caráter institucional. A busca pelo intercâmbio
de experiências, com colegas de contextos diversos, balizada pela arte, pode ser
inspiradora e ajudar a alimentar o desejo de seguirem como professores(as) do
ensino básico.
Portanto, o desenvolvimento das propostas do
PANOS
impactam nas
políticas públicas na área de cultura, da arte e da educação voltadas para a
juventude, cobrindo uma lacuna existente com ações concretas no campo da
mediação literária e da pedagogia teatral, de modo a ampliar as possibilidades de
pensar e praticar a leitura e a convivência com textos dramáticos e com a cena
contemporânea.
Referências
ANDRUETTO, María Teresa.
Por uma literatura sem adjetivos
. São Paulo: Pulo do
Gato, 2012.
BERTRAND, Sara.
Patos e lobos-marinhos
: Conversas sobre literatura e juventude.
São Paulo: Solisluna Editora, 2021.
CARNEIRO, João. PANOS. Um dos mais inteligentes e generosos projectos. In.
Sinais
de cena 9
- Revista de Estudos de Teatro e Artes Performativas/ Dossiê Temático,
Lisboa, 2008.
DUBATTI, Jorge. T
eatro y territorialidad Perspectivas de Filosofía del Teatro y
Teatro Comparado
. Buenos Aires: Gedisa Editorial, 2020.
FRAZÃO, Francisco.
PANOS 2010
. Lisboa: Culturgest, 2010.
FRAZÃO, Francisco.
PANOS 2009
. Lisboa: Culturgest, 2009.
FRAZÃO, Francisco.
PANOS 2008
. Lisboa: Culturgest, 2008.
Aspectos formativos do
PANOS Palcos novos palavras novas
: um olhar estrangeiro, inicial e tateante
Heloise Baurich Vidor | Isabel Gonçalves Bezelga
Florianópolis, v.3, n.48, p.1-25, set. 2023
25
FRAZÃO, Francisco.
PANOS 2007
. Lisboa: Culturgest, 2007.
JUNQUEIRA, Sandro William.
PANOS 2021
. Lisboa: Teatro Nacional Dona Maria II,
2021.
JUNQUEIRA, Sandro William.
PANOS 2019
. Lisboa: Teatro Nacional Dona Maria II,
2019.
KOUDELA, Ingrid. & JÚNIOR, José Simões de Almeida. (Org).
Léxico de Pedagogia
do Teatro
. São Paulo: Perspectiva, 2015.
LARROSA, Jorge.
Tremores
: escritos sobre experiência. Belo Horizonte: Autêntica,
2016.
MENDONÇA, Célida Salume; BEZELGA, Isabel Maria Gonçalves. Um olhar sobre o
impacto da experiência teatral no exercício da alteridade e no processo de
socialização de crianças em contextos educacionais
. Revista Educação, Artes e
Inclusão
, Florianópolis, v. 16, n. 4, 2020, p. 143-165.
https://www.revistas.udesc.br/index.php/arteinclusao/article/view/17957.
PUPO, Maria Lúcia de Souza Barros. Entre o Mediterrâneo e o Atlântico: uma
aventura teatral. São Paulo: Perspectiva, 2005.
RANCIÈRE, Jacques. O mestre ignorante. Cinco lições sobre emancipação
intelectual. Tradução de Lilian do Valle. Belo Horizonte: Autêntica, 2010.
SANTOS, Bárbara Tavares dos. Poéticas da encenação: tessituras de experiências
cênicas em abordagem feminina sobre a docência da encenação no ensino
superior / Bárbara Tavares dos Santos. - São Paulo, 2019, p. 302 f.: il.
SANTOS, Rita Matias dos.
Festival Panos muda de palco para o Teatro D. Maria II
.
Gerador, 2019. https://gerador.eu/festival-panos-muda-de-palco-para-o-teatro-dona-maria-ii/
VIDOR, Heloise Baurich, & BISCARO, Barbara. Diálogos entre teatro, escola e
universidade: o Coro dos maus alunos.
Textos FCC
, 59, 2021, 53–81.
https://doi.org/10.18222/fcc-pprmm2021_3
ZUMTHOR, Paul.
Performance, recepção, leitur
a. São Paulo: Cosac Naify, 2007.
Recebido em: 26/07/2023
Aprovado em: 24/08/2023
Universidade do Estado de Santa Catarina
UDESC
Programa de Pós-Graduação em Teatro
PPGT
Centro de Arte CEART
Urdimento
Revista de Estudos em Artes Cênicas
Urdimento.ceart@udesc.br