Danço, logo duvido: Uma parceria entre a Dança de Rua de Bruno Beltrão e a Filosofia Pop
Charles Feitosa
Florianópolis, v.3, n.48, p.1-20, set. 2023
interpretações, Bruno dizia que não tinha grandes pretensões teóricas, mas falou
um pouco da relação íntima entre dança e pensamento em
Crackz
:
Mas o fato é que todos esses movimentos têm uma origem a ser
questionada. Chamei um professor brasileiro de filosofia que leciona no
Rio de Janeiro, Charles Feitosa. Ele viu conosco como ligar esses
movimentos às vezes a Platão e às vezes a Aristóteles. Platão é a imagem
da imagem. Com Hegel, vimos que criar é combinar coisas existentes.
Cada gesto que fazemos não vem do nada, nada vem do acaso, mas
reuni-los traz algo novo. Nietzsche voltou a ser mencionado. Esses
filósofos não estão diretamente relacionados, é claro, com a dança que
fazemos, mas pensar com eles ajuda a trazer as coisas à tona (Duplat,
2013).
Bruno não esteve presente em todos os ensaios, mas revia com Ugo Neves
todas as gravações dos encontros, especialmente dos momentos de conversa
entre mim e os bailarinos. Quando perguntei ao Bruno como surgiu esse interesse
de combinar dança e pensamento, ele resumiu seu trajeto, não sem bastante
ironia, à provocação feita por um amigo de que ele teria dado o “golpe da filosofia”:
Meu contato inicial foi na 7a série (não sei como se chama agora) mas
passei batido, não houve nenhum tipo de relação naquela época. Não sei
se a professora era pouco incisiva, ou se ainda era tudo muito
abstrato. Quando entrei na faculdade de dança em 2000, o professor
Roberto Pereira dava aula de filosofia, além disso, provocava muito os
trabalhos e a bagagem de dança que cada um trazia. Ali me fisgou. O
contato com ele me motivou muito, e passei a olhar o que a gente
produzia de forma muito crítica. Problematizava tudo no nosso trabalho,
e nossas referências se ampliaram. Um ano depois criamos o ‘Do popping
ao pop’, que na minha opinião, mostra que algo realmente mudou na
nossa forma de enxergar o que fazíamos. Tenho um amigo fdp que um
dia disse que eu dei o “golpe da filosofia” rsrs, como se tivesse usado ela
para dar um tom ao meu trabalho que não existe (conversa por e-mail
em fevereiro de 2021).
Se foi mesmo um golpe, então provavelmente foi um “golpe de asa”, quer
dizer, um ato de coragem. A palavra “golpe” parece ter sido usada pelo amigo
malicioso no sentido de uma ação ardilosa, mas o termo (do latim colpus) indica
originariamente uma batida com impacto que resulta no contato de um corpo com
outro. Há certamente um “golpe” entre dança e filosofia na obra de Bruno Beltrão.
Eu me pergunto às vezes se também não dei o “golpe da dança” ao me deixar
“cair para cima”, do modo clássico para o modo pop, em filosofia. Podemos
imaginar que a filosofia, especialmente a filosofia pop, assim como a dança,