Dramaturgia: do texto para a cena, da ação para o sentido
Sandra Parra
Florianópolis, v.3, n.48, p.1-24, set. 2023
deveria ser pensada apenas das bordas do espaço cênico para dentro. Ela sempre
se constituirá – quer os artistas envolvidos tenham consciência disso, quer não –
na relação com o público para o qual se apresenta e no ambiente criado por todas
as obras com as quais ela tenha contato. Quanto mais rico esse ambiente, essa
relação, mais rica a dramaturgia.
Esta linha de raciocínio também nos afasta, paulatinamente, da definição
tradicional de “dramaturgia como organização de ações de um espetáculo” (Barba,
2012a, p. 66a). Essa definição apresenta um ponto problemático, dado que ela não
engloba, por exemplo, espetáculos de dança ou de teatro que escolham não
trabalhar com ações, ou cujo foco, ou eixo estruturador, não sejam ações. Também
não esclarece o funcionamento de pensamentos dramatúrgicos como
dramaturgia da luz, dramaturgia do espaço, dramaturgia do movimento etc. já que
nenhum desses elementos é ação ou propõe ação em si.32
Assim, aproximamo-nos cada vez mais da definição de dramaturgia como
modo de
estruturação do sentido do espetáculo
, tal como Ana Pais coloca. Uma
estruturação que não simplesmente se dá a ver, e que também não simplesmente
organiza internamente seus elementos de composição, seus temas ou
eventualmente sua narratividade. Na estruturação do sentido, ou no modo de
organizar a percepção, a dramaturgia inclui como matéria de trabalho a alteridade,
a complexidade, o risco do jogo cênico. É uma forma de pensar a dramaturgia que
considera de maneira equivalente, mas não uniforme, a percepção e os sentidos
tanto do artista da cena quanto do público e, sendo assim, compele a um
engajamento ético na criação da cena.
32 Barba propõe uma noção particular de ação, afirmando que “ações são, inclusive, todas as relações, todas
as interações dos personagens entre si, ou entre eles e as luzes, os sons, o espaço. Tudo o que age
diretamente sobre a atenção do espectador, sobre sua compreensão, sua emotividade e sua cinestesia
também é ação” (Barba, 2012a, p. 66b, grifos do original). Ou seja, não apenas ações humanas, atos com
intencionalidade, mas também no sentido mais amplo de “algo que acontece” e “força que se manifesta”,
como no caso da “ação do tempo”, ou “ação dos elementos da natureza” etc. Podemos, no entanto,
questionar se a ação estaria (como Barba coloca) nos sons, nos ruídos, nas luzes, nas variações de luz, de
ritmo, de intensidade, ou na pessoa que os propõe, intencionalmente, no momento da criação; ou na pessoa
que os mantém, intencionalmente, como parte da obra a ser apresentada ao público. Essa definição
extrapola e se distancia da definição, e subsequentes discussões apresentadas sobre o tema, que se
encontram na
Stanford Encyclopedia of Philosophy
, na qual se lê, no verbete
Action
: “[...] uma ação, em
algum sentido básico, é algo que um agente faz e que foi ‘intencional sob alguma descrição’, e muitos outros
filósofos concordam com ele que há um vínculo conceitual entre ação genuína, por um lado, e intenção, por
outro” (Wilson; Shpall, 2016, p. 1-2.) [(...) an action, in some basic sense, is something an agent does that was
‘intentional under some description,’ and many other philosophers have agreed with him that there is a
conceptual tie between genuine action, on the one hand, and intention, on the other. (Tradução nossa.)]