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Circo da Democracia: de lonas abertas para a
arte e a resistência!
Entrevista com Carlos Frederico Marés de Souza Filho e Eduardo Faria Silva
Concedida à Elizandra Garcia da Silva e Alice Viveiros de Castro
Para citar este artigo:
SILVA, Elizandra Garcia da; CASTRO, Alice Viveiros de.
Circo da Democracia: de lonas abertas para a arte e a
resistência! [Entrevista concedida a Elizandra Garcia da
Silva e Alice Viveiros de Castro].
Urdimento
- Revista de
Estudos em Artes Cênicas, Florianópolis, v.1, n.46, p.1-20,
abr. 2023.
DOI: http:/dx.doi.org/10.5965/1414573101462023e0502
A Urdimento esta licenciada com: Licença de Atribuição Creative Commons (CC BY 4.0)
Circo da Democracia: de lonas abertas para a arte e a resistência!
Entrevista concedida a Elizandra Garcia da Silva e Alice Viveiros de Castro
Florianópolis, v.1, n.46, p.1-24, abr. 2023
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Circo da Democracia: de lonas abertas para a arte e a resistência!
Elizandra Garcia da Silva
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Alice Viveiros de Castro
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Resumo
Entrevista com o professor Dr. Carlos Frederico Marés de Souza Filho, dos
Advogados pela Democracia, e com o professor Dr. Eduardo Faria Silva,
representante do Sindicato dos Engenheiros do Paraná. Ambos lideraram a
idealização e execução do Circo da Democracia, realizado em Curitiba, de 05
a 15 de agosto de 2016. Os mastros do Circo Zanchettini, trasladado em Circo
da Democracia, foram fincados na Praça Santos Andrade e suas lonas foram
escancaradas em defesa da democracia e contra o golpe a presidenta Dilma
Rousseff. Durante 10 dias, o Circo da Democracia atuou e recebeu em seu
picadeiro, dirigentes políticos, dentre eles a presidenta Dilma Rousseff,
movimentos culturais, sindicais, estudantis, de mulheres, indígenas e do
campo, protagonizando arte e resistência. Esperançosas na retomada das
liberdades democráticas e com forças renovadas para seguirmos na luta,
apresentamos a entrevista com os companheiros Carlos e Eduardo, realizada
em janeiro de 2023.
Palavras-chave
: Circo da Democracia. Golpe. Circo Zanchettini.
1
Pós-doutorado, pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Doutorado em Educação, pela Universidade
Federal do Amazonas (UFAM). Mestrado em Educação, pela Universidade Estadual de Maringá (UEM).
Graduação em Licenciatura Educação Física, pela UEM. Profa. Universidade Federal Fluminense (UFF).
Coordenadora do Projeto de Extensão Prax-circense/PROEX/UFF. elizandragarcia@hotmail.com
http://lattes.cnpq.br/1822479471813746 https://orcid.org/0000-0002-1580-156X
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Formada em Teatro. Trabalha como atriz, escritora, musicista, pesquisadora, produtora e
diretora. Atualmente é especialista em Circo, dedicando-se à trabalhos documentários, jornalísticos e
literários sobre o mundo circense. elizandragarcia@id.uff.br https://orcid.org/0000-0002-5456-4560
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Circus of Democracy: with open canvases for art and resistance!
Abstract
Interview with teacher PHD Carlos Frederico Marés de Souza Filho, from
Lawyers for Democracy, and with teacher PHD Eduardo Faria Silva,
representative of the Union of Engineers of Paraná. Both led the creation and
execution of Circus of Democracy, held in Curitiba, form august 5 to 15, 2016.
The poles of Circo Zanchettini, transferred to Circus of Democracy, were
planted in Santos Andrade Square and their canvases were wide open in
defense of democracy and Against the coup Against President Dilma
Rousseff. For 10 days, Circus of Democracy performed and received political
Leaders, among them President Dilma Rousseff, cultural, union, student,
women, indigenous and rural movements, Leading art and resistance. Hopeful
for the resumption of democratic freedoms and with renewed strength to
continue the fight, we present the interview witch comrades Carlos and
Educardo, held in january 2023.
Keywords
: Circus of Democracy. Coup. Circus Zanchettini.
Circo de la Democracia: de lonas abiertas para el arte y la
resistência!
Resumen
Entrevista con el maestro Dr. Carlos Frederico Marés de Souza Filho, de
Abogados por la Democracia, y con el maestro Dr. Educardo Faria Silva,
representante del Sindicato de Ingenieros del Paraná. Ambos lideraron la
creación y ejecución del Circo de la Democracia, realizado en Curitiba, del 5
al 15 de agosto de 2016. Los postes del Circo Zanchettini, trasladados al Circo
de la Democracia, fueron plantados en la Plaza Santos Andrade y sus lienzos
se abrieron de par en par em defesa de la democracia y contra el golpe de la
presidenta Dilma Rousseff. Durante 10 días, el Circo de la Democracia actuó
y recibió a líderes políticos, entre ellos la presidenta Dilma Rousseff, de
movimientos culturales, sindicales, estudiantes, de mujeres, indígenas y
rurales, que lideran el arte y la resistencia. Esperanzados por la reanudación
de las libertades democráticas y con fuerzas renovadas para seguir em la
lucha, presentamos la entrevista a los compañeros Carlos y Eduardo,
realizada en enero de 2023.
Palabras clave
: Circo de la Democracia. Golpe. Circo Zanchettini.
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Meu sangue é dos que não negociaram, minha alma é dos
pretos, minha carne dos palhaços, minha fome das nuvens, e
não tenho outro amor a não ser o dos doidos.
(Carlos Drummond de Andrade, 2012, p. 80)
Apresentação
Em 2016, no contexto de profunda crise mundial, em que mergulha o capital,
décadas, ocorreu, no cenário da política brasileira, um golpe, mediado pelo
impeachment
da presidenta Dilma Rousseff. Em estudos de 2016, Osvaldo
Coggiola nos forneceu uma análise qualificada das relações entre a crise do capital,
desde a década de 1970, o
impeachment
e o golpe.
Vale resgatar, desses estudos, que “O golpe-impeachment brasileiro pôs na
berlinda um prato que vinha sendo cozinhado como possível alternativa política
havia mais de um ano (ou seja, apenas três meses depois da posse do governo
Dilma II) [...]” (Coggiola, 2016, p. 01). Nesse lento cozimento, articulações políticas
foram apurando o prato e fazendo evaporar, ou talvez nem compusessem os
ingredientes, princípios legais e democráticos (Jardim, 2016) restando como prato
principal a “[...] apresentação da moção de destituição da presidenta [...]” (Coggiola,
2016, p. 01).
À mesa desse banquete, na plenária do Senado, realizada em 11 de maio de
2016, 55 senadores se fartaram e, baseados em suas “evidências” votando sim,
contra apenas 22 que se posicionaram contra a destituição da presidenta Dilma
(Jardim, 2016, p. 18).
Diante desse fato político houveram distintos posicionamentos, da população
e de entidades e movimentos organizados, em nível nacional e internacional.
Destacamos nessa apresentação a posição favorável ao golpe tomada pela Ordem
dos Advogados do Brasil/OAB, por ter sido motivação principal da idealização e
execução do Circo da Democracia, conforme explicitou Carlos Frederico Marés de
Souza Filho, na entrevista que segue.
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Se por um lado a OAB defendeu o golpe, por outro, os Advogados pela
Democracia e o Sindicato dos Engenheiros do Paraná, seguidos por mais de 100
entidades
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, se posicionaram contrários ao golpe. Além do posicionamento público
os Advogados pela Democracia e o Sindicato dos Engenheiros do Paraná, reunidos,
deliberaram pela organização de um espaço público, que reunisse o debate sobre
a democracia, o golpe e atividades artísticas.
Dentre os principais representantes dessas entidades trazemos à tela o
professor Dr. Carlos Frederico Marés de Souza Filho, dos Advogados pela
Democracia, e com o professor Dr. Eduardo Faria Silva, advogado do Sindicato dos
Engenheiros do Paraná.
O professor Dr. Carlos Frederico Marés de Souza Filho, graduado, mestre e
doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná, foi Secretário de Cultura
de Curitiba e Presidente da Fundação Cultural de Curitiba, Procurador Geral do
Estado do Paraná, Presidente da FUNAI (Fundação Nacional do Índio), Procurador
Geral do INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), Diretor do
Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul, integrante do Conselho
Diretor do Instituto Latino-americano para una Sociedad y un Derecho
Alternativos-ILSA (Bogotá), dentre outros tantos trabalhos, acadêmicos e políticos,
na qual cabe destacar seu exílio político no Uruguai, Chile, Dinamarca e São Tomé
e Príncipe (África), de 1970 a 1979.
O professor Dr. Eduardo Faria Silva, graduado, mestre e doutor em Direito
pela Universidade Federal do Paraná. Professor Doutor Titular de Direito
Constitucional da Universidade Positivo. Professor no Mestrado do Programa de
Pós-graduação em Direito da Universidade Positivo. Em 2016 foi advogado do
Sindicato dos Engenheiros do Paraná.
As entrevistas, via
Google Meet
, nos dias 23 e 24 de janeiro de 2023, tiveram
duração aproximada de 40 minutos e foram transcritas, na íntegra, pelas
entrevistadoras. Na prosa, que segue, será possível conhecer, e se emocionar, com
3
Passa de 100 o número de entidades que aderem à proposta, entre elas as Frentes Brasil Popular e Povo
Sem Medo, movimentos culturais, sindicais, estudantis e do campo.” Disponível em:
ttps://www.brasildefato.com.br/2016/07/15/circo-unifica-movimento-em-defesa-da-democracia-em-
curitiba/ Acesso em: 26 jan. 2023.
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detalhes, da idealização, organização e execução do Circo da Democracia,
realizado sob as lonas do Circo Zanchettini, família circense que resiste e insiste
em viver a arte circense brasileira, há décadas.
Fazendo a praça
4
:
A abertura dessa sessão se destina ao registro de como os organizadores do
Circo da Democracia fizeram a praça, convidando e preparando a plateia para
participar deste importante espaço de luta e resistência em defesa da democracia
e contra o golpe da presidenta Dilma. Com a palavra!
Carlos Frederico Marés de Souza Filho
: Eu me lembro que, antes de instalar
o Circo, nós fizemos uma campanha de instalação do Circo, e fizemos debates
com alguns circenses, em alguns lugares, na universidade e tal, então a gente
levava um ou dois, por exemplo os malabares, levava os malabares para mostrar
o que é a arte circense. Dizer, olha, nós estamos associando a arte circense ao
debate político. Isso foi feito antes. Então eles também, a família [Zanchettini] tinha
plena consciência do que estava fazendo, não estavam vendendo um espetáculo
simplesmente, ao contrário, estavam participando de um debate político de alto
nível, porque era um debate político pela democracia mesmo; contra a cassação
da Dilma. Então os espetáculos eram muito bem, eles tinham e sempre tiveram
essa sensibilidade de aliar os movimentos que estavam ali presentes com o
espetáculo, e isso foi; então a Erimeide cantava, tinha várias coisas, faziam o que
o circo faz, o que a família faz, e sempre muito adequado com o debate político
que estava sendo apresentado naquele momento, em que os movimentos sociais
estavam presentes. Então isso foi encantador.
4
Denominação referente ao trabalho de preparação do circo para as apresentações: desde a chegada à
determinada cidade, passando por toda a logística de montagem e até a divulgação pública das
apresentações.
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Que rufem os tambores!!! O espetáculo já vai começar!!!
Adaptado do vídeo Circo da Democracia: Nosso espetáculo. Curitiba 2010.
Acervo: Trópico Audiovisual
Elizandra e Alice - Como surgiu a ideia da lona como espaço para acolher as
discussões sobre democracia e o golpe, em curso, em 2016?
Carlos Frederico Marés de Souza Filho
- pois bem, durante o processo
Constituinte, em 1987, foi montado em Curitiba, ali na Praça Santos Andrade, um
chamado o Circo
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da Constituinte, e esse Circo da Constituinte foi montado ali
como um espaço público de debate e teve um sucesso enorme, teve uma
repercussão muito grande, e passou por ali muitos nomes da Constituinte, de
Ulisses Guimarães, Tancredo e todos os grandes nomes da Constituinte passaram
por ali, Mário Covas e etc., Roberto Requião, evidentemente porque ele era aqui do
Paraná e estava mais próximo. Então a gente tinha essa experiência em Curitiba
do Circo da Constituinte.
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Utilizaremos a grafia da palavra circo com iniciais maiúsculas quando os entrevistados estiverem falando do
Circo da Constituinte, do Circo da Democracia ou do Circo Zanchettini e, com iniciais minúsculas ao tratarem
do circo de forma generalizada.
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Quando nós, um grupo de advogados, liderado pelo Eduardo Faria, que era
advogado do Sindicato dos Engenheiros, estávamos reunidos, indignados, os
advogados aqui do Paraná, liderados por ele, estávamos indignados com relação a
OAB [Ordem dos Advogados do Brasil] com relação ao Golpe, porque a OAB estava
deliberadamente apoiando o Golpe, e, pra nós era uma coisa inconcebível, que os
advogados, que tem justamente a função de defender o direito, e as normas
jurídicas, estivesse propondo o Golpe, então, dessa indignação, surgiu - como nós
poderíamos atuar, com relação a OAB. fizemos uma série de ações, mas como
formou-se um grupo que pensava contra o Golpe, né, logo se aproximou, e como
nós estávamos dentro, e o Sindicato dos Engenheiros nos possibilitou um espaço
de discussão, e escutou nossas discussões, embora não fossem advogados, e o
Sindicato dos Engenheiros começou a se interessar a discutir mais, aprofundar
mais, debater mais a respeito de o que fazer em relação ao Golpe. E, nós
começamos então a organizar debates públicos e etc., na Faculdade de Direito [da
Pontifícia Universidade Católica do Paraná], que fica praticamente em frente, ao
lado do Sindicato dos Engenheiros.
E aí nós pensamos em fazer alguma coisa grande, pra chamar atenção, pra o
debate chamar atenção mesmo, e nós imaginamos fazer, como nós somos do
Direito, nós imaginamos fazer um Tribunal do Golpe, um tribunal popular que
julgasse o Golpe, né, o andamento do Golpe, como estava sendo feito e etc. E
pensamos em fazer isso e levamos isso à um debate nacional, a respeito das
correntes que estavam contra o Golpe. Para nossa surpresa, exatamente o Estado
em que você está, o Rio de Janeiro, disse assim; ‘a ideia é maravilhosa, nós vamos
fazer!’ E nós ficamos chupando o dedo, aqui no Paraná, província, de longe aqui, o
Rio de Janeiro vai fazer, que que nós vamos fazer? Nós vamos chupar o dedo!
Então nós ficamos sem a ideia de fazer o Tribunal, e o Tribunal foi feito no Rio,
realmente com muito sucesso e tal. Mas então nós ficamos pensando aqui o que
nós poderíamos fazer pra chamar atenção, e alguém, que não me lembro quem,
disse ‘olha, aqui teve o Circo da Constituinte, nós poderíamos repetir o Circo da
Constituinte’. E eu disse ‘bom, quem dirigiu o Circo da Constituinte fui eu, então
eu sei como é que faz!’ começou a surgir a ideia, exatamente pra fazer uma
coisa grande, de fazer um circo. Agora, daí, quando eu dirigi o Circo da Constituinte,
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eu era Secretário de Cultura do Município, e tinha circo, o Município tinha circo,
então eu armei o circo da Prefeitura, portanto, com custos bancados pela
Prefeitura, sem nenhum tipo de custo a mais. O Sindicato [dos Engenheiros] não
poderia fazer isso e nem nós tínhamos circo, onde é que a gente iria arranjar um
circo? E aí, na conversa eu disse ‘eu sei, quem tem circo, eu sei, é só perguntar!’
liguei para a Edlamar [Zanchettini] e disse ‘olha Edlamar, a ideia é essa, essa e
essa’, contei pra ela a ideia e perguntei se ela não tinha uma lona pra alugar pra
gente, porque ela sempre tem outra lona, de um parente que tivesse uma lona
meio... e ela me disse ‘não, não, esse projeto o Circo faz!’ Aí eu disse ‘pera aí, então
mudou de conversa’. Daí quando eu falei para as pessoas, as pessoas regalaram
um olho deste tamanho, né, e eu disse ‘só que é um Circo que vai ter palhaço, vai
ter espetáculo... senão não é circo’. deu medo. as pessoas ficaram com medo.
Disseram assim ‘não... porque aí vão dizer ... que esse movimento de Golpe é uma
palhaçada, vão ligar ao palhaço, então não vamos fazer com o circo, vamos
alugar a lona e vamos chamar de Lona da Democracia’. E eu disse ‘não, eu não
faço sem intermediação, pra tirar o Circo da Democracia, não. Ou é Circo da
Democracia ou vocês arranjem outro, deve ter alguém que alugue.’ E esse Eduardo
Faria, que era o advogado, logo em seguida me apoiou e disse ‘não’ e o grupo dos
advogados disse ‘não, é circo mesmo, e é circo de verdade, é circo popular, onde
o povo vai!’ E convenceu os engenheiros, os engenheiros estavam meio assim,
mas era gente muito boa, gente politizada, e quando a gente argumentou e
mostrou o que era um circo, que circo não é uma ‘palhaçada’, que circo é arte
popular, é a ligação com o povo... eles começaram a lembrar da infância, né,
começaram a lembrar e disseram ‘não, mas sabe que tem, é mesmo, minha
saudade, saudade do circo e tal’. Bom, então foi assim que surgiu, então quando
você pergunta a ideia de lona, você escreveu ali, né, na verdade não é, foi ideia de
um circo, até pensaram em virar uma lona, mas não, a lona é o de menos, a lona
é a visibilidade, a ideia era do circo mesmo! a Edlamar, o Sílvio, os irmãos
[Zanchettini] vieram no Sindicato [dos Engenheiros], a gente conversou, e eu
disse ‘olha, tem duas conversas pra serem feitas: uma de programação, de
atividades, como é que vai fazer; nessa eu estou! A outra é de custo, custo eu não
estou, custo, eu não tenho nada com isso, não sei fazer e não tenho dinheiro. Então
custo conversa com o Sindicato [dos Engenheiros]’. E realmente, eles [família
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Zanchettini] fizeram uma reunião com o Sindicato [dos Engenheiros], montaram o
orçamento, o Sindicato buscou recursos com outros sindicatos, fizeram um pool
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de sindicatos, porque isso não é barato, ou seja, é manter, você sabe, é uma família
[família Zanchettini] grande, e que está trabalhando, então essa família tem que
ser mantida, não tem como, não é, então este custo é alto, e alto pra nós [risos].
Então os sindicatos montaram um pool financeiro pra bancar o circo e aí era um
problema de quantos dias ficaria; o custo variava disso, de quantos dias ficaria... a
nossa ideia é que ficasse tempos, mas não tinha dinheiro pra tanto e aconteceu,
e então aqui eu estou respondendo a segunda pergunta, por que os Zanchettini.
Eduardo Faria Silva
- Na verdade a gente tem um grupo de advogados que se
reúne há muito tempo, desde os anos, início dos anos 2000, e, nos momentos de
maior tensão, esse grupo se reencontra e começa a fazer as leituras dos cenários
que se apresenta no país. E, de 2013 pra frente, até 2016, a gente teve uma série
de encontros. Porque a gente inicia em 2013; todas aquelas movimentações de rua
no Brasil, todo o período que surge dali, o impulsionamento das redes sociais,
então elas, efetivamente elas entram, e esse é um instrumento político importante
nesse início ali dos anos de 2010, e a gente vai acompanhando todas as ações que
aconteciam no país, ao longo destes anos. E quando em 2016 todo um
procedimento feito no Congresso pra abertura então do impeachment da Dilma,
a gente entendeu que havia a necessidade de refletir sobre o que estava
acontecendo no país. E a gente sempre teve um esforço, muito grande, de pensar
formas de tentar sensibilizar as pessoas pra refletir, e àquele momento, pra nós,
a palavra circo tinha vários significados e o circo traz vários significados, então o
circo é um lugar sério, mas também é o lugar da palhaçada, então tu consegue ter
essa linha, que ela é fluida, pra trazer uma discussão que pra nós era muito
importante, e o Marés, o Carlos, ele tinha um histórico com a parte de cultura, foi
presidente da Fundação Cultural, conheceu a família Zanchettini muitos anos,
e sugeriu, ‘ó, quem sabe a gente não trabalha com a ideia do circo’... E, legal, a
gente fez essa discussão toda sobre os recortes do circo como um espaço sério,
mas também o circo como espaço do escracho, da palhaçada, e o palhaço como
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Reunião, temporária, de várias entidades, para atuar entorno de um objetivo comum.
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sendo um ator muito importante nisso, porque o palhaço tem essa possibilidade
de trazer as discussões tensas de maneira alegre, mas também de fazer chorar,
se for necessário. E o Marés disse ‘olha, tem a família Zanchettini, eu conhecia,
vamos fazer uma ponte, vamos ver se eles tem interesse’ e foi que surgiu o
contato, e teve todo um período, não é, de convencimento até das outras pessoas,
de onde colocar o circo também, porque era um momento muito tenso, o Brasil
vive momentos tensos, né, até hoje, mas, especificamente ali, em 2016, era um
momento muito tenso e que muitas pessoas, é compreensível, tinham receio de
se expor, absolutamente compreensível isso também, e outras não conseguiam,
tinham se posicionado numa linha de que havia necessidade de mudança, que
tudo o que tava acontecendo ali era legal, legítimo, e mesmo que não fosse legal
nem legitimo, era necessário. Então a gente inicia um processo; bom, e agora? A
gente vai botar o circo, aonde que a gente vai colocar o circo? E a gente optou por
fazer o Circo [da Democracia] numa região central da Cidade [Curitiba], que é um
símbolo da Cidade; a Praça Santos Andrade.
Adaptado do vídeo Circo da Democracia. Curitiba 2010. Acervo: Trópico Audiovisual.
E a ideia era colocar no Centro da Cidade porque era uma discussão central.
Então porque que nós íamos colocar o Circo numa região periférica da Cidade? É
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possível, obvio, mas era a ideia também da centralidade da discussão, num lugar
central e que passa muitas pessoas de todas as classes sociais, então ali [Centro]
é um ambiente da Cidade que permite isso pela geografia que existe.
E foi, assim, um momento muito rico que a gente teve, de conexões com
vários grupos, tinha uma possibilidade de convergência de grupos diferentes, para
além da advocacia, pessoas que estavam preocupadas com o que estava
acontecendo no país, então, algumas mais esclarecidas, outras menos, mas a
gente conseguiu criar um ambiente importante, uma sinergia. E foi um acerto,
naquele período, como um elemento de resistência, acho que a gente tem que
enxergar, e o circo também é um ambiente de resistência, né, se a gente for pensar
existe a invisibilidade do circo, dos circos, né, no país, e se a gente pensar do ponto
de vista histórico, sabe Deus quando começou o circo, né, a gente tem o circo
como elemento de resistência; eles existem até hoje! Apesar de todas as outras
fontes que existem em espaços culturais, eles permanecem, eles existem, as
famílias estão ali, então há um elemento forte de resistência.
Adaptado do vídeo Circo da Democracia. Curitiba 2010. Acervo: Trópico Audiovisual.
a gente trabalhou, durante algum tempo, pra estruturar e colocar ele [Circo]
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na Cidade. E tem o processo de convencimento dos órgãos públicos, de que era
possível, um cuidado ambiental que a gente teve, porque aquele espaço é um
espaço que tinha muitas arvores, e ele era um espaço também com patrimônios
públicos importantes, então a gente teve o cuidado do posicionamento, da
construção das arquibancadas, e todo o conhecimento da família Zanchettini foi
importante, né, porque eu me recordo, a gente olhava assim, a primeira vez, a
gente tava pensando em colocar o Circo... ‘onde vocês estão pensando em colocar
o Circo?’ [pergunta endereçada aos organizadores por outrem]. ‘ali, mas a gente
não sabe se dá’ [resposta]. Eles bateram o olho: ‘dá’ [resposta da família
Zanchettini]. eu disse ‘bom, legal que dá, mas tem árvore, tem monumento, tem
planta, tem cadeira, como é que a gente vai fazer isso?’.
E a habilidade que se tem de se moldar aos espaços e eles conseguiram
visualizar e fazer a inclusão do Circo num lugar super diferenciado, acho que é o
primeiro evento, na história de Curitiba, que tem um circo daquele tamanho, uma
lona daquele tamanho ali, e, com todos os cuidados que a gente tinha em relação
à Cidade, à preservação do bem, da coisa pública, e que evitasse questionamentos
que desviasse da questão central que a gente queria levar. Então, foi um processo
muito bonito. Tanto que, esse processo, foi um processo que, naquele período,
mobilizou a imprensa, não só daqui [Curitiba], mas saiu em vários lugares, ou seja,
a gente teve um acerto na estratégia. Era difícil também pra imprensa,
eventualmente que tinha um posicionamento contrário, fazer uma crítica, porque,
a gente usou o circo, e como ele tem essa palavra dúbia, então eles também não
conseguiam fazer uma crítica. ‘Ó lá, vem um circo né, da Democracia’ [se referindo
a um início de possível crítica]. Mas a ideia era essa, então a pessoa não conseguia
estruturar uma crítica, né, exatamente porque achava que tudo era um circo, um
circo com suas várias possibilidades. E a gente começou a mobilizar muita gente,
pra vir pra cá, dos mais variados segmentos, né, a população que via; queria entrar.
De grupos e movimentos sociais organizados, da classe política, da classe
acadêmica, então a gente conseguiu; pelo momento, pela estratégia, pelas pessoas
que estavam ali, mobilizar uma série de pessoas e fez um evento de resistência
muito bonito.
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Elizandra e Alice - Por que a escolha pelo Circo Zanchettini?
Carlos Frederico Marés de Souza Filho
-
Porque a conversa minha era com
os Zanchettini. Eu conversei com a Edlamar e na verdade não era, no começo não
era para ser um circo, era pra ser uma lona, o aluguel de uma lona, mas quando a
proposta foi de circo, melhorou muito a proposta, engradeceu muito, porque, claro,
nós tínhamos os espetáculos, eles montaram o Circo com espetáculo dentro, e,
obviamente com as portas abertas, não tinha sentido cobrar ingresso porque a
gente não queria espetáculo, era o espetáculo e o debate, nos quais a família
[Zanchettini] participava integralmente, não tinha nenhuma limitação, e participava
e participava bem, participou muito bem, com muita atividade; o palhaço fazia
sempre referência ao Golpe, então, foi uma coisa muito politizada, os espetáculos
foram politizados, a organização do Circo [Zanchettini] foi muito ativa, eles não
emprestaram o Circo, nem alugaram o espaço, não. Teve uma participação
circense efetivamente.
Adaptado do vídeo Circo da Democracia. Curitiba 2010. Acervo: Trópico Audiovisual.
Pois bem, e isso tem umas histórias que são muito interessantes: quando
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nós fomos ver o espaço, pra ver se o Circo [Zanchettini] cabia, porque o Circo da
Constituinte, 40 anos atrás, 30 e poucos anos atrás, era um Cirquinho pequeno,
e eu conversei com eles e disse ‘não, a gente botou o Circo [da Constituinte]
aqui’. Aí eles olharam pra mim e disseram ‘é, aquele teu Cirquinho cabe fácil, mas
o nosso não é pequeno; então vamos ver o espaço’. E fomos ver o espaço.
Chegamos à Praça [Santos Andrade], e nós estávamos com o Sindicato dos
Engenheiros, não se esqueça, e os engenheiros com as maquininhas nas mãos,
fazendo conta se dava, e o pessoal do Circo [Zanchettini] olhou, andaram, deram
a volta, conversaram, e disseram; ‘olha, o Circo cabe aqui!’. Os engenheiros caíram
na risada. ‘Não. Quanto que é? Tantos metros, por tantos metros, tantas colunas:
não cabe’ [fala dos engenheiros se referindo às medidas do Circo]. E eles [família
Zanchettini] disseram: ‘cabe’. Os engenheiros diziam que não cabia, que era
impossível montar circo ali. [...] Bom, evidentemente que o Circo coube, e, foi
montado exatamente onde não cabia [risos]. E com uma precisão, que os
engenheiros ficaram com o olho deste tamanho, com uma precisão, que tinha
uma estátua, e eles [engenheiros] falaram; ‘essa estátua não dá’. Aí eu disse; ‘não,
põe a estátua dentro’. A estátua ficou dentro do Circo, arrumaram, não estragaram
um arbusto: o Circo ficou perfeitamente enquadrado dentro da Praça [Santos
Andrade]. Os engenheiros, a gente que não era engenheiro riamos deles, eles
ficaram abismados; ‘não é possível ...’.
Elizandra - São décadas de conhecimento tradicional.
Carlos Frederico Marés de Souza Filho -
É claro, olhou o espaço, tem uma
árvore aqui, outra ali, eu vou ficar um mastro aqui, outro do outro lado e [falando
como se fosse a idealização dos circenses ao se deparar com o tamanho e
geografia do local]. E os engenheiros faziam as contas nas maquininhas e não dava,
não cabia. Pois bem, esse é um episódio muito curioso e daí a discussão era como
a gente faria o Circo, mesmo, essa foi uma discussão de conteúdo e a gente não
abriu mão, a gente disse: ‘circo é circo! Se não tiver palhaço, se não tiver trapézio,
pode não ter tudo, porque a gente fez uma programação mais limitada, não era
uma programação integral, mas tinham alguns dos espetáculos que a família
[Zanchettini] escolhia os números e etc. e a gente fazia os debates. Pra família, a
Circo da Democracia: de lonas abertas para a arte e a resistência!
Entrevista concedida a Elizandra Garcia da Silva e Alice Viveiros de Castro
Florianópolis, v.1, n.46, p.1-24, abr. 2023
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família trabalhou um pouco menos como artista, durante o período, porque tinham
outras atividades dentro do Circo, mas como circenses trabalharam igual:
mantinham o Circo vivo!
Eduardo Faria Silva
- Então o Carlos, eu chamo de Marés, o Marés, ele
conhecia pelo período que ele passou na Fundação Cultural, a família Zanchettini.
Então, quando surgiu a ideia, ele falou ‘olha, eu conheço, é uma família, e vou
entrar em contato pra ver se eles têm o interesse’. E, pelos vínculos que eles
tinham construído no passado, a família aceitou. Então foi o conhecimento do
Marés e os vínculos pessoais que permitiram que a gente conseguisse botar a lona
ali no Centro.
Elizandra e Alice - Como foi apresentar, no centro do mesmo picadeiro,
movimentos culturais, sindicais, estudantis, indígenas e do campo,
protagonizando arte e resistência?
Carlos Frederico Marés de Souza Filho
- E os debates foram sucesso
absoluto. O Circo vivia cheio, por quê? Porque a gente abriu a programação, então
os jovens queriam debater, vinham pro Circo, debater do que fosse. Mulheres,
jovens, movimento negro, movimento indígena, e imagine, você sabe o que é
uma lona de circo num lugar; não tem que passe e não veja, é impossível você não
ver e não querer saber o que é isso no meio de uma Praça [Santos Andrade], em
frente à Universidade [PUC/PR].
Bem, um detalhe que talvez te interesse, Eliz, que foi a dificuldade que a
gente teve na liberação da Prefeitura. A Prefeitura não queria dar [a liberação para
a instalação do Circo]. Mas na época o prefeito era um prefeito do PDT [Partido
Democrático Trabalhista] chamado Gustavo Fruet, que é filho do Maurício Fruet,
que talvez você lembre de memória, que foi prefeito também.
Este está repetido abaixo.
Circo da Democracia: de lonas abertas para a arte e a resistência!
Entrevista concedida a Elizandra Garcia da Silva e Alice Viveiros de Castro
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Adaptado do vídeo Circo da Democracia. Curitiba 2010. Acervo: Trópico Audiovisual.
Bem, um detalhe que talvez te interesse, Eliz, que foi a dificuldade que a
gente teve na liberação da Prefeitura. A Prefeitura não queria dar [a liberação para
a instalação do Circo]. Mas na época o prefeito era um prefeito do PDT [Partido
Democrático Trabalhista] chamado Gustavo Fruet, que é filho do Maurício Fruet,
que talvez você lembre de memória, que foi prefeito também.
Elizandra: Meus pais ainda moram no Paraná então eu ainda acompanho
a vida política daí.
Carlos Frederico Marés de Souza Filho
- Então esses nomes claro que
conheces, então era o Gustavo Fruet, daí eu fui junto com o Sindicato dos
Engenheiros conversar com o Fruet, eu sou muito amigo dele, e o chefe de
gabinete dele era o Ricard McDonald, que também era uma pessoa muito
politizada, muito integrada e etc., e eu disse ‘olha, é para politizar, nós não
queremos licença para fazer festa, é um Circo político!’ E a gente conseguiu
convencer o Gustavo, mas com muita resistência de vereadores, de secretários,
muita resistência, resistências técnicas: ‘não, não pode montar porque vai estragar
Circo da Democracia: de lonas abertas para a arte e a resistência!
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as arvores; não, não pode montar porque vai quebrar o busto do Barão não sei das
quantas...’ [imitando as argumentações contrárias a instalação do Circo da
Democracia]. Não, nós não vamos quebrar arvore, nós não vamos quebrar nada. E
foi, e a gente conseguiu. E foi um debate político a autorização para montar o
Circo, que não é uma coisa fácil, não é? Claro que tinha a COPEL [Companhia
Paranaense de Energia Elétrica], a SANEPAR [Companhia de Saneamento do
Paraná], tudo isso tinha que montar também, mas com a experiência da família
[Zanchettini] eles iam dizendo; ‘tem que pôr um ponto aqui’. A gente ia e
reforçava para que viesse o ponto ali. Então tudo isso a gente acabou conseguindo
por uma força política mesmo, por uma determinação política muito forte. Então,
é, a organização, você pergunta, como foi o picadeiro entre o palhaço; as vezes o
palhaço apresentava, e apresentava como palhaço, isso ficava divertido: as
pessoas se divertiam e discutiam sério. Então os grandes debates, aconteceram
grandes debates, e que os palhaços participavam do debate, seriamente também.
Vestidos de palhaço ou não porque a família [Zanchettini] estava ali participando.
Inclusive quando você for falar, não sei se será você ou a Alice, quem vai falar com
a Edlamar, a Erimeide, o Sílvio, o pessoal, uma das emoções que eles tiveram, isso
eles me disseram, foi quando a Dilma foi ao Circo, então o Circo Zanchettini levou
a presidenta da república dentro do Circo, entrando no Circo e falando no Circo,
para uma plateia que não coube no Circo, não coube, literalmente não cabia,
encheu o Circo inteirinho e foi gente pra fora: era um momento de mobilização
contra o Golpe e a Dilma compareceu, isso pra nós foi o maior sucesso: a presença
da Dilma! Com a presença da Dilma o Circo [da Democracia] ficou famoso, se
tornou um ponto de referência. A direita, você não deve esquecer que Curitiba foi
a capital da Lava jato, a direita resolveu fazer um [circo] também. E montou uma
lona na Praça Osório. que a lona da direita, era uma lona de praia, era uma
cabaninha de praia, um troço pequenininho, e puseram lá, eu não me lembro o
nome que puseram, porque o nosso era Circo da Democracia, ah, Circo da
Liberdade, eu acho, Circo da Liberdade, mas não era circo, montaram e 3 (três)
dias depois desmontaram porque viram que era desmoralizante aquilo, né. E o
Circo da Democracia teve essa repercussão toda. [...].
A organização do Circo era do Eduardo Faria, mas tinha uma Comissão para
Circo da Democracia: de lonas abertas para a arte e a resistência!
Entrevista concedida a Elizandra Garcia da Silva e Alice Viveiros de Castro
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dizer porque num primeiro momento houve uma certa desconfiança, exatamente
por ser circo, muita agente criticando, ‘bota palhaço para falar de democracia e
coisas desse tipo, não é? Mas isso não durou dois dias, porque logo em seguida, a
repercussão disso... os movimentos todos queriam participar e queriam um
espaço dentro do Circo, então o Circo era cheio permanentemente, não tinha hora
que estivesse mais ou menos e era intercalado; a programação circense era
exclusivamente feita pela família [Zanchettini], e eles com muita sensibilidade
sabiam a hora de fazer e o que fazer, isso foi uma coisa muito integrada, colocando
as bicicletas, os malabares e aproveitando essas coisas.
No dia da Dilma, não teve espetáculo, né, no dia da Dilma o espetáculo era a
Dilma, então a família [Zanchettini] estava, se formou um palco, com família, com
ministros, com governadores e autoridades e a família circense, então a família
estava lá representada, a Dilma foi, foi pela casa deles, cumprimentou, agradeceu,
então foi uma coisa muito emocionante de todo ponto de vista pra eles. E imagino
que para a Dilma também, que a Dilma estava levando porradas de todo que é
lado, chega e encontra uma família, uma casa de acolhida e uma multidão,
realmente uma multidão, o dia da Dilma foi o dia de maior público que nós tivemos
e era o público muito além da capacidade do Circo então teve que levantar a saia
[se referindo a lona] para as pessoas ficarem fora, [...]. Tínhamos que fazer a
resistência! Hoje a gente a importância da resistência daquele momento, acho
que é isso aí, a gente apanhou muito, mas, a resistência vale. E eu acho que a
Dilma saiu dali muito feliz! Ela sabia que ia ser caçada, que não tinha chance, mas
ali ela saiu feliz, porque ela saiu e foi um momento muito mágico, e, diga-se de
passagem, né Eliz, uma lona de circo é uma lona de circo, é outra conversa, não é
um teatro, não é uma praça pública; é uma lona de circo! E ela tem todo um
simbolismo popular e uma chamada de mística, da mágica, da mística do circo
que é diferente. E o Circo é muito bonito, o Circo Zanchettini é muito bonito, além
disso, não é um cirquinho mambembe, é um baita de um circo; bonito, bem
arrumado... E, no portal, estava Circo da Democracia, eles [família Zanchettini]
concordaram em não colocar o nome do circo. No portal eles escreveram, fizeram,
isso os engenheiros também ficaram bem louco, porque era do dia pra noite, o
pessoal dos engenheiros foram lá e disseram ‘não, mas acho que se montar, fizer
diferente, aqui de outra forma, se que não daria pra fazer umas coisas diferente?’
Circo da Democracia: de lonas abertas para a arte e a resistência!
Entrevista concedida a Elizandra Garcia da Silva e Alice Viveiros de Castro
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‘Ah, dá!’ [interpretando a resposta da família Zanchettini]. E no dia seguinte tava
montado diferente! Com aquela rapidez que o circo é, né? O circo é isso, do dia
pra noite: não tem nada no chão e der repente tem um castelo, é isso aí. Eu até
disse pro nosso pessoal e para os engenheiros, disse; ‘olhe, o que mais vale a pena
é ver o circo subir! Vamos ver o circo subir’ [...] porque a subida da lona é uma
coisa extremamente mágica. Tem uma praça vazia e daí começa ‘tchapppp...’ [em
alusão ao som da lona subindo] e fica um castelo, fica um edifício enorme, não é,
no ato, no momento. Essa mágica nós chamamos a população também pra ver,
foi chamado; venham ver o Circo da Democracia crescer! A democracia subindo,
a democracia se instalando e tal [...] e tinha bastante gente vendo, realmente
isso já é mágico. Infelizmente o Circo não ficou tanto tempo como a gente queria,
né, porque a gente queria que ele se perpetuasse, mas a gente não tinha meios de
perpetuação, não tinha. Porque o custo é alto e também os sindicatos não tinham
muita condição.
Eduardo Faria Silva
- Eu vejo assim, que foi algo muito importante aqui,
porque a gente conseguiu criar um espaço pra canalizar as energias todas que
existiam. Então quando existem insatisfações e ações, muitas vezes dispersas, o
grande ponto é conseguir canalizar essas forças pra um único espaço, pra um
único ambiente, e a gente conseguiu, sensibilizando essas várias expressões,
políticas, pra que elas fossem participando e entendendo que ali [no Circo da
Democracia] sim, a gente conseguiria um espaço, que a gente mostraria uma
pluralidade, uma diversidade, que o nosso país tem, um espaço de voz pra todos,
num único ambiente. E a arte tem essa capacidade de fazer a transgressão, então
a política, ela precisa cada vez mais se aproximar da arte, porque a arte é o espaço
da transgressão, é o espaço da ruptura, do apresentar o novo, ou apresentar o
status, algo que existe, mas que ainda não claro, e mostrar o que nós vivemos
ou vamos viver, né, a arte ela consegue traduzir um presente e um futuro e isso
foi importante, toda essa aproximação com o Circo e os artistas da Cidade. Porque
a gente conseguia isso, algo que sempre gostei, mesmo com todas as atividades
que foram feitas anos antes, com relação ao circo, de misturar... o acadêmico, com
o espaço cultural... e a gente pensar, romper com padrões de comunicação que
acabam sendo..., que foi o início de nossa conversa, né, formais, né, então a gente
Circo da Democracia: de lonas abertas para a arte e a resistência!
Entrevista concedida a Elizandra Garcia da Silva e Alice Viveiros de Castro
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tem que ter outras formas de conseguir se comunicar com as pessoas; e isso é
um grande desafio. E, mescla isso, mescla aqueles debates tensos que tinha
dentro do evento, com apresentações artísticas, trazia a tensão do momento e a
leveza ... e talvez, muitas pessoas, pelas apresentações culturais, conseguiam fixar
a mensagem de maneira muito mais claras do que com as falas, né, é preciso
aproximar a fala do público, e, o circo consegue; os artistas conseguem fazer isso.
As vezes a academia tem um distanciamento, o universo político tem um
distanciamento, e, fazendo as mediações necessárias se consegue fazer essa
comunicação. Então, essa combinação foi muito rica, foi muito legal!
Elizandra e Alice: Qual foi a reação da “plateia” diante de tantos “atores
sociais”, apresentações artísticas e discussões, tão pertinentes àquele
momento histórico de luta e resistência?
Carlos Frederico Marés de Souza Filho
- eu acho que, é claro, tem a reação
dos contrários, da direita, que realmente ficou perturbada com isso, porque achava
que era uma coisa: criticou o Prefeito por ter autorizado e etc., mas a crítica por
aí. Agora quem participou do Circo amava o Circo, e quem não amava, passou a
amar! Então, houve uma interação muito grande entre o público e os espetáculos
circenses [...] porque o circo é o circo, né, os atores sabem como fazer a coisa, né,
eles são profissionais, então sempre que a família [Zanchettini] ia pro palco,
interagia com o movimento que estava ali, então chamava gente pra cantar,
chamava gente pra fazer a pirueta [...] e as pessoas iam pro palco e faziam uma
pirueta, faziam cambalhota, cantavam e queriam fazer malabares e derrubavam,
evidentemente não conseguiam fazer, não é, e andavam, queriam andar na
bicicleta e não conseguiam e assim por diante. Então, tudo isso fazia parte dessa
coisa lúdica, então, a gente tinha toda uma organização de protesto muito bem
feita, com alguns movimentos que alinharam propostas de trabalho, saiu produtos
acadêmicos dali; essas coisas todas, mas tudo num ambiente lúdico; no que é o
circo! Foi muito mais nesse sentido do que o Circo da Constituinte, porque o Circo
da Constituinte não tinha essa parte lúdica, porque não tinha uma família circense
atuando, até as vezes a gente levava um palhaço, uns malabares, umas coisas no
Circo da Constituinte, mas era só, hummm [grunhido] não era o central, então o
Circo da Constituinte era muito mais sisudo do que o Circo da Democracia, o Circo
Circo da Democracia: de lonas abertas para a arte e a resistência!
Entrevista concedida a Elizandra Garcia da Silva e Alice Viveiros de Castro
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da Democracia foi realmente um circo! E graças a família Zanchettini, obviamente,
e graças à proposta política deles, né, isso tem que deixar claro, não é [...] eles não
fizeram isso por simples profissionalismo de vender espetáculo, absolutamente.
Ao contrário, acho que se eles não tivessem a proposta política não aceitariam
fazer, não é, não sei se economicamente foi bom ou ruim, isso eu não tenho a
menor ideia, mas enfim, eles fizeram, e fizeram com grande risco também, risco
político, porque o momento não era pra gente se arriscar politicamente, se não
tivesse convicção, não é, porque era mais ou menos certo que a direita vinha com
tudo, né, [...] e veio, e veio pior do que a gente imaginava.
Eduardo Faria Silva
- Eu acredito assim, que primeiro: qual foi o olhar da
Dilma e daqueles que entravam no Circo? Então, eu lembro bem que ela entrou,
e a lona, ela tem estrelas, essa lona da família [Zanchettini], a que estava usando
a época, não sei a atual... mas ela olhou e ‘nossa, aqui é um circo, né, olha as
estrelas!’. Foi, e isso foi muito... [pausa para reviver a emoção trazida pela
lembrança] ...
Adaptado do vídeo Circo da Democracia: Nosso espetáculo. Curitiba 2010.
Acervo: Trópico Audiovisual.
Circo da Democracia: de lonas abertas para a arte e a resistência!
Entrevista concedida a Elizandra Garcia da Silva e Alice Viveiros de Castro
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Acho que foi muito simbólico, né, foi muito importante, porque, por vários
motivos, né, primeiro por aquilo que a gente pensou da ideia de circo; sensibilizo
aqueles que foram falar. Também, mostrava, no caso, a importância do circo [...] e
conseguiu assim, sensibiliza muito aqueles que falavam e isso foi algo, foi algo
muito forte naquele período ali. E o público, na verdade, ele não era um
espectador, havia um processo de conexão, de troca, de interação entre o público
e aquele que falava porque também o público tinha suas manifestações e aqueles
que falavam se sensibilizavam, então foi um momento assim; um momento muito
bonito, naquele dia especial que a Dilma foi ali no Circo. A gente tinha todo um,
ela era presidenta à época, a gente tinha toda uma questão de aparato de
segurança, a gente tinha que atento, ali, pra cuidar, e a gente teve toda
sensibilidade pra atender essas questões, mas não criar uma separação, né, então,
literalmente, embaixo da lona era um ambiente que todos ali estavam em sintonia,
né, e marcou muito, marcou muito o público que foi participar, foi um momento
muito bonito!
Adaptado do vídeo Circo da Democracia. Curitiba 2010.
Acervo: Trópico Audiovisual.
Circo da Democracia: de lonas abertas para a arte e a resistência!
Entrevista concedida a Elizandra Garcia da Silva e Alice Viveiros de Castro
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Referências
ANDRADE, Carlos Drummond.
Claro enigma
. São Paulo: Companhia das Letras,
2012.
CIRCO da democracia.
Circo unifica movimento em defesa da democracia, em
Curitiba
. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2016/07/15/circo-unifica-
movimento-em-defesa-da-democracia-em-curitiba/ Acesso em: 26 jan. 2023.
COGGIOLA, Osvaldo.
Impeachment, crise e golpe
: o Brasil no palco da tormenta
mundial. Disponível em:
https://blogdaboitempo.com.br/2016/05/31/impeachment-crise-e-golpe-o-brasil-
no-palco-da-tormenta-mundial/ Acesso em: 26 jan. 2023.
JARDIM, Afrânio Silva. O significado técnico da expressão “julgamento jurídico e
político do impeachment” do Presidente da República. In:
A resistência ao golpe
de 2016
. PRONER, Carol; CITTADINO, Gisele; TENENBAUM, Marcio; RAMOS FILHO,
Wilson (org.). — Bauru: Canal 6, 2016.
Recebido em: 30/01/2023
Aprovado em:25/03/2023
Universidade do Estado de Santa Catarina
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Programa de Pós-Graduação em Teatro
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Revista de Estudos em Artes Cênicas
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