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Circo da Democracia: de lonas abertas para a
arte e a resistência!
Entrevista com Carlos Frederico Marés de Souza Filho e Eduardo Faria Silva
Concedida à Elizandra Garcia da Silva e Alice Viveiros de Castro
Para citar este artigo:
SILVA, Elizandra Garcia da; CASTRO, Alice Viveiros de.
Circo da Democracia: de lonas abertas para a arte e a
resistência! [Entrevista concedida a Elizandra Garcia da
Silva e Alice Viveiros de Castro].
Urdimento
- Revista de
Estudos em Artes Cênicas, Florianópolis, v.1, n.46, p.1-20,
abr. 2023.
DOI: http:/dx.doi.org/10.5965/1414573101462023e0502
A Urdimento esta licenciada com: Licença de Atribuição Creative Commons (CC BY 4.0)
Circo da Democracia: de lonas abertas para a arte e a resistência!
Entrevista concedida a Elizandra Garcia da Silva e Alice Viveiros de Castro
Florianópolis, v.1, n.46, p.1-24, abr. 2023
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Circo da Democracia: de lonas abertas para a arte e a resistência!
Elizandra Garcia da Silva
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Alice Viveiros de Castro
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Resumo
Entrevista com o professor Dr. Carlos Frederico Marés de Souza Filho, dos
Advogados pela Democracia, e com o professor Dr. Eduardo Faria Silva,
representante do Sindicato dos Engenheiros do Paraná. Ambos lideraram a
idealização e execução do Circo da Democracia, realizado em Curitiba, de 05
a 15 de agosto de 2016. Os mastros do Circo Zanchettini, trasladado em Circo
da Democracia, foram fincados na Praça Santos Andrade e suas lonas foram
escancaradas em defesa da democracia e contra o golpe a presidenta Dilma
Rousseff. Durante 10 dias, o Circo da Democracia atuou e recebeu em seu
picadeiro, dirigentes políticos, dentre eles a presidenta Dilma Rousseff,
movimentos culturais, sindicais, estudantis, de mulheres, indígenas e do
campo, protagonizando arte e resistência. Esperançosas na retomada das
liberdades democráticas e com forças renovadas para seguirmos na luta,
apresentamos a entrevista com os companheiros Carlos e Eduardo, realizada
em janeiro de 2023.
Palavras-chave
: Circo da Democracia. Golpe. Circo Zanchettini.
1
Pós-doutorado, pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Doutorado em Educação, pela Universidade
Federal do Amazonas (UFAM). Mestrado em Educação, pela Universidade Estadual de Maringá (UEM).
Graduação em Licenciatura Educação Física, pela UEM. Profa. Universidade Federal Fluminense (UFF).
Coordenadora do Projeto de Extensão Prax-circense/PROEX/UFF. elizandragarcia@hotmail.com
http://lattes.cnpq.br/1822479471813746 https://orcid.org/0000-0002-1580-156X
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Formada em Teatro. Trabalha como atriz, escritora, musicista, pesquisadora, produtora e
diretora. Atualmente é especialista em Circo, dedicando-se à trabalhos documentários, jornalísticos e
literários sobre o mundo circense. elizandragarcia@id.uff.br https://orcid.org/0000-0002-5456-4560
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Circus of Democracy: with open canvases for art and resistance!
Abstract
Interview with teacher PHD Carlos Frederico Marés de Souza Filho, from
Lawyers for Democracy, and with teacher PHD Eduardo Faria Silva,
representative of the Union of Engineers of Paraná. Both led the creation and
execution of Circus of Democracy, held in Curitiba, form august 5 to 15, 2016.
The poles of Circo Zanchettini, transferred to Circus of Democracy, were
planted in Santos Andrade Square and their canvases were wide open in
defense of democracy and Against the coup Against President Dilma
Rousseff. For 10 days, Circus of Democracy performed and received political
Leaders, among them President Dilma Rousseff, cultural, union, student,
women, indigenous and rural movements, Leading art and resistance. Hopeful
for the resumption of democratic freedoms and with renewed strength to
continue the fight, we present the interview witch comrades Carlos and
Educardo, held in january 2023.
Keywords
: Circus of Democracy. Coup. Circus Zanchettini.
Circo de la Democracia: de lonas abiertas para el arte y la
resistência!
Resumen
Entrevista con el maestro Dr. Carlos Frederico Marés de Souza Filho, de
Abogados por la Democracia, y con el maestro Dr. Educardo Faria Silva,
representante del Sindicato de Ingenieros del Paraná. Ambos lideraron la
creación y ejecución del Circo de la Democracia, realizado en Curitiba, del 5
al 15 de agosto de 2016. Los postes del Circo Zanchettini, trasladados al Circo
de la Democracia, fueron plantados en la Plaza Santos Andrade y sus lienzos
se abrieron de par en par em defesa de la democracia y contra el golpe de la
presidenta Dilma Rousseff. Durante 10 días, el Circo de la Democracia actuó
y recibió a líderes políticos, entre ellos la presidenta Dilma Rousseff, de
movimientos culturales, sindicales, estudiantes, de mujeres, indígenas y
rurales, que lideran el arte y la resistencia. Esperanzados por la reanudación
de las libertades democráticas y con fuerzas renovadas para seguir em la
lucha, presentamos la entrevista a los compañeros Carlos y Eduardo,
realizada en enero de 2023.
Palabras clave
: Circo de la Democracia. Golpe. Circo Zanchettini.
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Meu sangue é dos que não negociaram, minha alma é dos
pretos, minha carne dos palhaços, minha fome das nuvens, e
não tenho outro amor a não ser o dos doidos.
(Carlos Drummond de Andrade, 2012, p. 80)
Apresentação
Em 2016, no contexto de profunda crise mundial, em que mergulha o capital,
décadas, ocorreu, no cenário da política brasileira, um golpe, mediado pelo
impeachment
da presidenta Dilma Rousseff. Em estudos de 2016, Osvaldo
Coggiola nos forneceu uma análise qualificada das relações entre a crise do capital,
desde a década de 1970, o
impeachment
e o golpe.
Vale resgatar, desses estudos, que “O golpe-impeachment brasileiro pôs na
berlinda um prato que vinha sendo cozinhado como possível alternativa política
havia mais de um ano (ou seja, apenas três meses depois da posse do governo
Dilma II) [...]” (Coggiola, 2016, p. 01). Nesse lento cozimento, articulações políticas
foram apurando o prato e fazendo evaporar, ou talvez nem compusessem os
ingredientes, princípios legais e democráticos (Jardim, 2016) restando como prato
principal a “[...] apresentação da moção de destituição da presidenta [...]” (Coggiola,
2016, p. 01).
À mesa desse banquete, na plenária do Senado, realizada em 11 de maio de
2016, 55 senadores se fartaram e, baseados em suas “evidências” votando sim,
contra apenas 22 que se posicionaram contra a destituição da presidenta Dilma
(Jardim, 2016, p. 18).
Diante desse fato político houveram distintos posicionamentos, da população
e de entidades e movimentos organizados, em nível nacional e internacional.
Destacamos nessa apresentação a posição favorável ao golpe tomada pela Ordem
dos Advogados do Brasil/OAB, por ter sido motivação principal da idealização e
execução do Circo da Democracia, conforme explicitou Carlos Frederico Marés de
Souza Filho, na entrevista que segue.
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Se por um lado a OAB defendeu o golpe, por outro, os Advogados pela
Democracia e o Sindicato dos Engenheiros do Paraná, seguidos por mais de 100
entidades
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, se posicionaram contrários ao golpe. Além do posicionamento público
os Advogados pela Democracia e o Sindicato dos Engenheiros do Paraná, reunidos,
deliberaram pela organização de um espaço público, que reunisse o debate sobre
a democracia, o golpe e atividades artísticas.
Dentre os principais representantes dessas entidades trazemos à tela o
professor Dr. Carlos Frederico Marés de Souza Filho, dos Advogados pela
Democracia, e com o professor Dr. Eduardo Faria Silva, advogado do Sindicato dos
Engenheiros do Paraná.
O professor Dr. Carlos Frederico Marés de Souza Filho, graduado, mestre e
doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná, foi Secretário de Cultura
de Curitiba e Presidente da Fundação Cultural de Curitiba, Procurador Geral do
Estado do Paraná, Presidente da FUNAI (Fundação Nacional do Índio), Procurador
Geral do INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), Diretor do
Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul, integrante do Conselho
Diretor do Instituto Latino-americano para una Sociedad y un Derecho
Alternativos-ILSA (Bogotá), dentre outros tantos trabalhos, acadêmicos e políticos,
na qual cabe destacar seu exílio político no Uruguai, Chile, Dinamarca e São Tomé
e Príncipe (África), de 1970 a 1979.
O professor Dr. Eduardo Faria Silva, graduado, mestre e doutor em Direito
pela Universidade Federal do Paraná. Professor Doutor Titular de Direito
Constitucional da Universidade Positivo. Professor no Mestrado do Programa de
Pós-graduação em Direito da Universidade Positivo. Em 2016 foi advogado do
Sindicato dos Engenheiros do Paraná.
As entrevistas, via
Google Meet
, nos dias 23 e 24 de janeiro de 2023, tiveram
duração aproximada de 40 minutos e foram transcritas, na íntegra, pelas
entrevistadoras. Na prosa, que segue, será possível conhecer, e se emocionar, com
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Passa de 100 o número de entidades que aderem à proposta, entre elas as Frentes Brasil Popular e Povo
Sem Medo, movimentos culturais, sindicais, estudantis e do campo.” Disponível em:
ttps://www.brasildefato.com.br/2016/07/15/circo-unifica-movimento-em-defesa-da-democracia-em-
curitiba/ Acesso em: 26 jan. 2023.
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detalhes, da idealização, organização e execução do Circo da Democracia,
realizado sob as lonas do Circo Zanchettini, família circense que resiste e insiste
em viver a arte circense brasileira, há décadas.
Fazendo a praça
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:
A abertura dessa sessão se destina ao registro de como os organizadores do
Circo da Democracia fizeram a praça, convidando e preparando a plateia para
participar deste importante espaço de luta e resistência em defesa da democracia
e contra o golpe da presidenta Dilma. Com a palavra!
Carlos Frederico Marés de Souza Filho
: Eu me lembro que, antes de instalar
o Circo, nós fizemos uma campanha de instalação do Circo, e fizemos debates
com alguns circenses, em alguns lugares, na universidade e tal, então a gente
levava um ou dois, por exemplo os malabares, levava os malabares para mostrar
o que é a arte circense. Dizer, olha, nós estamos associando a arte circense ao
debate político. Isso foi feito antes. Então eles também, a família [Zanchettini] tinha
plena consciência do que estava fazendo, não estavam vendendo um espetáculo
simplesmente, ao contrário, estavam participando de um debate político de alto
nível, porque era um debate político pela democracia mesmo; contra a cassação
da Dilma. Então os espetáculos eram muito bem, eles tinham e sempre tiveram
essa sensibilidade de aliar os movimentos que estavam ali presentes com o
espetáculo, e isso foi; então a Erimeide cantava, tinha várias coisas, faziam o que
o circo faz, o que a família faz, e sempre muito adequado com o debate político
que estava sendo apresentado naquele momento, em que os movimentos sociais
estavam presentes. Então isso foi encantador.
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Denominação referente ao trabalho de preparação do circo para as apresentações: desde a chegada à
determinada cidade, passando por toda a logística de montagem e até a divulgação pública das
apresentações.
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Que rufem os tambores!!! O espetáculo já vai começar!!!
Adaptado do vídeo Circo da Democracia: Nosso espetáculo. Curitiba 2010.
Acervo: Trópico Audiovisual
Elizandra e Alice - Como surgiu a ideia da lona como espaço para acolher as
discussões sobre democracia e o golpe, em curso, em 2016?
Carlos Frederico Marés de Souza Filho
- pois bem, durante o processo
Constituinte, em 1987, foi montado em Curitiba, ali na Praça Santos Andrade, um
chamado o Circo
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da Constituinte, e esse Circo da Constituinte foi montado ali
como um espaço público de debate e teve um sucesso enorme, teve uma
repercussão muito grande, e passou por ali muitos nomes da Constituinte, de
Ulisses Guimarães, Tancredo e todos os grandes nomes da Constituinte passaram
por ali, Mário Covas e etc., Roberto Requião, evidentemente porque ele era aqui do
Paraná e estava mais próximo. Então a gente tinha essa experiência em Curitiba
do Circo da Constituinte.
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Utilizaremos a grafia da palavra circo com iniciais maiúsculas quando os entrevistados estiverem falando do
Circo da Constituinte, do Circo da Democracia ou do Circo Zanchettini e, com iniciais minúsculas ao tratarem
do circo de forma generalizada.
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Quando nós, um grupo de advogados, liderado pelo Eduardo Faria, que era
advogado do Sindicato dos Engenheiros, estávamos reunidos, indignados, os
advogados aqui do Paraná, liderados por ele, estávamos indignados com relação a
OAB [Ordem dos Advogados do Brasil] com relação ao Golpe, porque a OAB estava
deliberadamente apoiando o Golpe, e, pra nós era uma coisa inconcebível, que os
advogados, que tem justamente a função de defender o direito, e as normas
jurídicas, estivesse propondo o Golpe, então, dessa indignação, surgiu - como nós
poderíamos atuar, com relação a OAB. fizemos uma série de ações, mas como
formou-se um grupo que pensava contra o Golpe, né, logo se aproximou, e como
nós estávamos dentro, e o Sindicato dos Engenheiros nos possibilitou um espaço
de discussão, e escutou nossas discussões, embora não fossem advogados, e o
Sindicato dos Engenheiros começou a se interessar a discutir mais, aprofundar
mais, debater mais a respeito de o que fazer em relação ao Golpe. E, nós
começamos então a organizar debates públicos e etc., na Faculdade de Direito [da
Pontifícia Universidade Católica do Paraná], que fica praticamente em frente, ao
lado do Sindicato dos Engenheiros.
E aí nós pensamos em fazer alguma coisa grande, pra chamar atenção, pra o
debate chamar atenção mesmo, e nós imaginamos fazer, como nós somos do
Direito, nós imaginamos fazer um Tribunal do Golpe, um tribunal popular que
julgasse o Golpe, né, o andamento do Golpe, como estava sendo feito e etc. E
pensamos em fazer isso e levamos isso à um debate nacional, a respeito das
correntes que estavam contra o Golpe. Para nossa surpresa, exatamente o Estado
em que você está, o Rio de Janeiro, disse assim; ‘a ideia é maravilhosa, nós vamos
fazer!’ E nós ficamos chupando o dedo, aqui no Paraná, província, de longe aqui, o
Rio de Janeiro vai fazer, que que nós vamos fazer? Nós vamos chupar o dedo!
Então nós ficamos sem a ideia de fazer o Tribunal, e o Tribunal foi feito no Rio,
realmente com muito sucesso e tal. Mas então nós ficamos pensando aqui o que
nós poderíamos fazer pra chamar atenção, e alguém, que não me lembro quem,
disse ‘olha, aqui teve o Circo da Constituinte, nós poderíamos repetir o Circo da
Constituinte’. E eu disse ‘bom, quem dirigiu o Circo da Constituinte fui eu, então
eu sei como é que faz!’ começou a surgir a ideia, exatamente pra fazer uma
coisa grande, de fazer um circo. Agora, daí, quando eu dirigi o Circo da Constituinte,
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eu era Secretário de Cultura do Município, e tinha circo, o Município tinha circo,
então eu armei o circo da Prefeitura, portanto, com custos bancados pela
Prefeitura, sem nenhum tipo de custo a mais. O Sindicato [dos Engenheiros] não
poderia fazer isso e nem nós tínhamos circo, onde é que a gente iria arranjar um
circo? E aí, na conversa eu disse ‘eu sei, quem tem circo, eu sei, é só perguntar!’
liguei para a Edlamar [Zanchettini] e disse ‘olha Edlamar, a ideia é essa, essa e
essa’, contei pra ela a ideia e perguntei se ela não tinha uma lona pra alugar pra
gente, porque ela sempre tem outra lona, de um parente que tivesse uma lona
meio... e ela me disse ‘não, não, esse projeto o Circo faz!’ Aí eu disse ‘pera aí, então
mudou de conversa’. Daí quando eu falei para as pessoas, as pessoas regalaram
um olho deste tamanho, né, e eu disse ‘só que é um Circo que vai ter palhaço, vai
ter espetáculo... senão não é circo’. deu medo. as pessoas ficaram com medo.
Disseram assim ‘não... porque aí vão dizer ... que esse movimento de Golpe é uma
palhaçada, vão ligar ao palhaço, então não vamos fazer com o circo, vamos
alugar a lona e vamos chamar de Lona da Democracia’. E eu disse ‘não, eu não
faço sem intermediação, pra tirar o Circo da Democracia, não. Ou é Circo da
Democracia ou vocês arranjem outro, deve ter alguém que alugue.’ E esse Eduardo
Faria, que era o advogado, logo em seguida me apoiou e disse ‘não’ e o grupo dos
advogados disse ‘não, é circo mesmo, e é circo de verdade, é circo popular, onde
o povo vai!’ E convenceu os engenheiros, os engenheiros estavam meio assim,
mas era gente muito boa, gente politizada, e quando a gente argumentou e
mostrou o que era um circo, que circo não é uma ‘palhaçada’, que circo é arte
popular, é a ligação com o povo... eles começaram a lembrar da infância, né,
começaram a lembrar e disseram ‘não, mas sabe que tem, é mesmo, minha
saudade, saudade do circo e tal’. Bom, então foi assim que surgiu, então quando
você pergunta a ideia de lona, você escreveu ali, né, na verdade não é, foi ideia de
um circo, até pensaram em virar uma lona, mas não, a lona é o de menos, a lona
é a visibilidade, a ideia era do circo mesmo! a Edlamar, o Sílvio, os irmãos
[Zanchettini] vieram no Sindicato [dos Engenheiros], a gente conversou, e eu
disse ‘olha, tem duas conversas pra serem feitas: uma de programação, de
atividades, como é que vai fazer; nessa eu estou! A outra é de custo, custo eu não
estou, custo, eu não tenho nada com isso, não sei fazer e não tenho dinheiro. Então
custo conversa com o Sindicato [dos Engenheiros]’. E realmente, eles [família
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Zanchettini] fizeram uma reunião com o Sindicato [dos Engenheiros], montaram o
orçamento, o Sindicato buscou recursos com outros sindicatos, fizeram um pool
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de sindicatos, porque isso não é barato, ou seja, é manter, você sabe, é uma família
[família Zanchettini] grande, e que está trabalhando, então essa família tem que
ser mantida, não tem como, não é, então este custo é alto, e alto pra nós [risos].
Então os sindicatos montaram um pool financeiro pra bancar o circo e aí era um
problema de quantos dias ficaria; o custo variava disso, de quantos dias ficaria... a
nossa ideia é que ficasse tempos, mas não tinha dinheiro pra tanto e aconteceu,
e então aqui eu estou respondendo a segunda pergunta, por que os Zanchettini.
Eduardo Faria Silva
- Na verdade a gente tem um grupo de advogados que se
reúne há muito tempo, desde os anos, início dos anos 2000, e, nos momentos de
maior tensão, esse grupo se reencontra e começa a fazer as leituras dos cenários
que se apresenta no país. E, de 2013 pra frente, até 2016, a gente teve uma série
de encontros. Porque a gente inicia em 2013; todas aquelas movimentações de rua
no Brasil, todo o período que surge dali, o impulsionamento das redes sociais,
então elas, efetivamente elas entram, e esse é um instrumento político importante
nesse início ali dos anos de 2010, e a gente vai acompanhando todas as ações que
aconteciam no país, ao longo destes anos. E quando em 2016 todo um
procedimento feito no Congresso pra abertura então do impeachment da Dilma,
a gente entendeu que havia a necessidade de refletir sobre o que estava
acontecendo no país. E a gente sempre teve um esforço, muito grande, de pensar
formas de tentar sensibilizar as pessoas pra refletir, e àquele momento, pra nós,
a palavra circo tinha vários significados e o circo traz vários significados, então o
circo é um lugar sério, mas também é o lugar da palhaçada, então tu consegue ter
essa linha, que ela é fluida, pra trazer uma discussão que pra nós era muito
importante, e o Marés, o Carlos, ele tinha um histórico com a parte de cultura, foi
presidente da Fundação Cultural, conheceu a família Zanchettini muitos anos,
e sugeriu, ‘ó, quem sabe a gente não trabalha com a ideia do circo’... E, legal, a
gente fez essa discussão toda sobre os recortes do circo como um espaço sério,
mas também o circo como espaço do escracho, da palhaçada, e o palhaço como
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Reunião, temporária, de várias entidades, para atuar entorno de um objetivo comum.