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Entrevista com Walter Carlo (Teco)
Entrevista com Walter Carlo (Teco)
Concedida à Alex Machado e Rafael Gonçalves
Para citar este artigo:
MACHADO, Alex; GONÇALVES, Rafael. Entrevista com
Walter Carlo (Teco). [Entrevista concedida a Alex Machado
e Rafael Gonçalves].
Urdimento -
Revista de Estudos em
Artes Cênicas, Florianópolis, v.1, n.46, p.1-20, abr. 2023.
DOI: http:/dx.doi.org/10.5965/1414573101462023e0501
A Urdimento esta licenciada com: Licença de Atribuição Creative Commons (CC BY 4.0)
Entrevista com Walter Carlo (Teco)
Entrevista concedida a Alex Machado e Rafael Gonçalves
Florianópolis, v.1, n.46, p.1-30, abr. 2023
2
Entrevista com Walter Carlo (Teco)
1
Alex Machado
2
Rafael Gonçalves
3
Resumo
A entrevista com Walter Carlo buscou obter dados sobre possíveis distinções
entre os processos de aprendizagem, criação e performance vivenciados no
circo entre as décadas de 1940 e 1990 (período em que atuou como artista)
e os oferecidos em escolas profissionalizantes, em especial a Escola Nacional
de Circo Luiz Olimecha (ENC), onde foi professor entre 1995 e 2018. Abordou,
ainda, aspectos singulares da vida, da formação e do trabalho em circo no
período mencionado, como a dificuldade no acesso à educação formal, as
metodologias e características do ensino artístico na itinerância, assim como
os espaços de trabalho para além das lonas. O depoimento traz, ainda,
informações sobre a integração de elementos de diferentes artes na cena
circense de então e os recursos mais validados por este artista e seus
contemporâneos nos modos de criação e inserção de seus números no
mercado, oferecendo um registro da memória e da produção artística,
cultural e social do circo brasileiro.
Palavras-chave:
História do circo. Circo itinerante. Pedagogia circense.
Processos de criação circenses.
1
A entrevista é parte da dissertação de mestrado defendida no Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas
da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) em 2022, intitulada: Você
Treina ou Ensaia:
questões no campo circense que repercutem nos processos de aprendizagem/criação/performance na
Escola Nacional de Circo Luiz Olimecha
,
de Alex Machado.
2
Mestre em Artes Cênicas pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Especialista em
Atividades Acrobáticas do Circo e da Ginástica (PUCPR). Bacharel e Licenciado em Artes Cênicas (UNIRIO).
Instrutor Circense (ENC-Montreal) e Circense especializado em acrobacias aéreas (ENC-Brasil). Artista
circense, professor, diretor e pesquisador. alextrapezista@yahoo.com.br
http://lattes.cnpq.br/7528523544215278 https://orcid.org/0000-0002-2270-5648
3
Especialista em Ciências da Performance Humana pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Graduado em Fisioterapia pela Universidade de São Paulo (USP). Atua como fisioterapeuta na Escola
Nacional de Circo Luiz Olimecha. rafael.goncalves@funarte.gov.br
http://lattes.cnpq.br/6057054645142038 https://orcid.org/0000-0001-9727-4689
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Entrevista concedida a Alex Machado e Rafael Gonçalves
Florianópolis, v.1, n.46, p.1-30, abr. 2023
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Interview with Walter Carlo (Teco)
Abstract
The interview with Walter Carlo sought to obtain data on possible distinctions
among the learning, creation and performance processes experienced in
circus between the 1940’s and 1990’s (period in which he acted as an artist)
and those offered in professional schools, especially the Luiz Olimecha
National Circus School (ENC) where he was a teacher between 1995 and 2018.
It also addressed unique aspects of circus life, education and work in the
mentioned period, such as the difficulty in accessing formal education, the
methodologies and characteristics of artistic teaching in itinerancy and the
workspaces beyond the big tops. The statement also brings information about
the integration of elements from different arts in the circus scene and the
resources most validated by this artist and his contemporaries in the ways of
creating and inserting his acts in the market, offering a record of memory and
artistic, cultural and social production of the Brazilian circus.
Keywords
: Circus history. Traveling circus. Circus pedagogy. Creational
processes in circus arts.
Entrevista con Walter Carlo (Teco)
Resumen
La entrevista a Walter Carlo buscó obtener datos sobre posibles distinciones
entre los procesos de aprendizaje, creación y actuación vividos en el circo
entre las décadas de 1940 y 1990 (período en el que se desempeñó como
artista) y los ofrecidos en escuelas profesionales, especialmente la Escuela
Nacional de Circo Luiz Olimecha (ENC) donde fue docente entre 1995 y 2018.
También abordó aspectos singulares de la vida, la formación y el trabajo en
el circo en el período mencionado, como la dificultad para acceder a la
educación formal, las metodologías y características de la enseñanza artística
en la itinerancia y los espacios de trabajo para allá de las carpas. El
comunicado también trae información sobre la integración de elementos de
diferentes artes en la escena circense y los recursos más validados por este
artista y sus contemporáneos en las formas de crear e insertar sus actos en
el mercado, ofreciendo un registro de memoria y producción artística, cultural
y social del circo brasileño.
Palabras-clave
: Historia del circo. Circo itinerante. Pedagogía circense.
Procesos de creación del circo.
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Entrevista concedida a Alex Machado e Rafael Gonçalves
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4
Walter Carlo (Rio de Janeiro, 1931 Juiz de Fora, 2021) foi artista da 4ª. geração
da família Carlo. Teco, como era conhecido, é o apelido vindo de seu palhaço Teco-
Teco. Malabarista, acrobata, ator e excêntrico musical, foi criado no Circo Olimecha
onde aprendeu os primeiros passos acrobáticos com seu pai, Guilherme Carlo
4
,
estreando nos picadeiros com números de dândis
5
e escada livre. Durante muitos
anos formou, com os irmãos Jorge
6
, Edgar
7
e Aldo
8
, a trupe de malabares Irmãos
Carlo. Trabalhou ainda no Circo Garcia, Circo Coliseu Argentino e Circo Norte-
Americano, entre outros, além de programas de TV, cassinos e espetáculos
teatrais. Com sua esposa, Wilma Fekete
9
, formou uma dupla cômica de
excêntricos musicais
10
. Foi professor da Escola Nacional de Circo Luiz Olimecha
(ENC) entre 1995 e 2018.
Walter fez parte da primeira geração de circenses oriundos das lonas
itinerantes que passaram a lecionar seus conhecimentos, modos de produção e
de ética do trabalho para indivíduos que não mais vinham das ancestrais dinastias
de circo (Silva. P., 2021; Silva, E., 2011). Artistas como Walter passaram por
profundas transformações entre os recursos pedagógicos, referenciais estéticos e
meios de produção de sua arte que experienciaram nos períodos de sua formação
e atuação artística, e os que passaram a empregar em suas atividades para além
das grandes carpas. Precisaram reelaborar e criar metodologias que
contemplassem as novas especificidades do ensino circense fora dos circos e do
âmbito familiar para uma diversidade de fins, de propostas cênicas e maneiras de
4
Guilherme Carlo (Rio de Janeiro, 1887- Rio de Janeiro, 1946). Foi acrobata, domador, aramista, músico, ator
e
clown
. As informações de nascimento e, quando cabível, falecimento dos artistas mencionados nesta
entrevista foram obtidas em parte no site www.circodata.com, cotejadas com outros documentos ou com
relatos de outros circenses.
5
Número de acrobacia, geralmente em dupla e de tom cômico. Para melhor visualização, consultar
https://www.youtube.com/watch?v=wku2lUtGOt0&list=RDkj5VmtsDw3k&start_radio=1. Acesso em: 25 jan.
2023.
6
Jorge Carlo (Rio de Janeiro, 1924 Rio de Janeiro, 2007). Malabarista, acrobata, trapezista, mágico e
ventríloquo. Fez ainda números de báscula e dândis.
7
Edgar Carlo (Rio de Janeiro, 1927 Alagoas, 1964). Malabarista e acrobata. Conhecido também como Toco.
8
Aldo Carlo (Rio de Janeiro, 1934). Malabarista e acrobata.
9
Wilma Fekete (Pernambuco, 1940). Paradista, acrobata, multi-instrumentista, malabarista e atriz.
10
É possível ver Walter Carlo e Wilma Fekete apresentando o número de excêntricos musicais cômicos em
que utilizam guizos em https://www.youtube.com/watch?v=hTeP0fBokEk. Acesso em: 13 jan. 2023.
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se realizar um espetáculo e/ou uma performance nesta arte.
Artistas-pedagogos como Walter (e poderíamos citar outros tantos, como
Delisier Rethy
11
, Ângela Cerícola
12
, Pirajá Bastos
13
ou Latur Azevedo
14
)
proporcionaram ou proporcionam a seus alunos uma pluralidade e
transversalidade de conteúdos e saberes que imbricam conhecimentos artísticos,
tecnológicos, pedagógicos, empresariais, vivências do
métier
e valores que
imiscuem, ainda, trabalho e vida. Do mesmo modo, estabeleceram ou
estabelecem diálogos (não sem discordâncias e atritos) com novas formas e
estilos de se fazer circo, enriquecendo os referenciais de seus artistas-estudantes
com um misto de informações e experiências que singularizam a pedagogia
circense em locais que abrem espaço para artistas formados e com carreiras
trilhadas nas lonas itinerantes.
A entrevista foi elaborada e realizada de modo semiestruturado/semiorientado
(Queiroz, 1991) seguindo princípio de entrevista temática, ainda que bastante
atravessada por aspectos de história de vida - uma vez que era com base nos
relatos e fatos pessoais que os temas eram abordados (Alberti, 2013; Queiroz, 1991).
O roteiro buscou entremear as histórias e experiências pessoais com as opiniões
sobre formação, criação e performance circenses tanto nos processos que Walter
Carlo vivenciara quanto nos que orientou em suas atividades docentes,
proporcionando dados que permitem estabelecer distinções, similaridades e
interações entre os procedimentos, recursos e referenciais experienciados por
Teco e os vivenciados por artistas-estudantes em espaços como a ENC.
11
Maria Delisier de Oliveira Rethy (São Paulo, 1939). Paradista, patinadora, volante de mão a mão e de percha
e acrobata aérea. Trabalhou no circo Garcia, e teve uma profusa carreira internacional. Foi uma das
proprietárias do circo Sul Africano. É professora da ENC desde a sua fundação em 1982.
12
Ângela Maria Cerícola (Rio de Janeiro, 1957). Aramista, trapezista, malabarista, acrobata e atriz. Graduada em
pedagogia pela Universidade Castelo Branco. Trabalhou nos circos Sul-Africano, Rossato e Circorama, mas
principalmente no circo de sua família, o Circo Trapézio - hoje uma das proprietárias, ainda em atividade
pelo estado do Rio de Janeiro. Foi professora da ENC entre 2006 e 2017.
13
Pirajá Bastos (Minas Gerais, 1936). Acrobata de báscula, cama-elástica, solo e icários além de homem-foca.
Trabalhou nos circos Garcia, Olimecha e da família Stevanowich. Foi proprietário do Circo Picadilly. É
professor da ENC desde 1994.
14
Latur Azevedo (Minas Gerais, 1957 - Rio de Janeiro, 2022). Foi aramista, acrobata, trapezista de voos, globista
e domador. Trabalhou no circo de sua família, Irmãos Azevedo, e foi proprietário do México Zoo Circus.
Trabalhou, ainda, nos circos de Antonio Francowich, Mário Robattini e no Circo Show América. Foi professor
da ENC entre 1997 e 2019.
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Entrevista concedida a Alex Machado e Rafael Gonçalves
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Ao longo da entrevista são apresentadas informações adicionais que podem
auxiliar a compreensão de termos técnicos ou elementos característicos do
universo circense. Da mesma forma, são trazidos dados que visam complementar
ou contextualizar alguns pontos mencionados pelo entrevistado, ampliando assim
a abrangência dos materiais levantados.
As conversas foram realizadas em diferentes dias, o que acarretou idas e
vindas de temas, assim como alguns assuntos aparecem repentinamente.
Optamos por manter, tanto a entrevista quanto em sua transcrição, o tom informal
e descontraído com o qual foi realizada. Quem conheceu Teco pode sentir sua
presença no modo como narra suas histórias, e quem não teve esse prazer e esse
privilégio pode experienciar a forma alegre e carinhosa como contava sua vida e
se relacionava com aqueles que o cercavam.
Como eram seus treinos quando você trabalhava no circo?
Walter Carlo
- Você fala na minha infância? As famílias se reuniam pela manhã.
O aquecimento era em volta do picadeiro. A gente corria, fazia uma corridinha,
depois começava a parar de mão. Fazia parada de mão na cadeirinha umas
cadeiras de circo mesmo, de madeira com uma ripa. Enfiava a mão na ripa, o pai
ajudava no esquadro
15
: sobe [as pernas], segura, abaixa e levanta, abaixa e levanta.
Esse é o aquecimento. Depois da parada de mão a gente começava a fazer o solo:
cambotinha
16
, cambotinha atrás, parada e cambotinha, a sequência que a gente
faz aqui [na ENC]. Suplê
17
, aquelas coisas todas. E depois ele ensinava o flic-flac
18
.
15
[9] Posição em que as pernas são mantidas a 90º em relação ao tronco. Pode ser executado com as pernas
unidas ou afastadas. Para melhor visualização, consultar Tutorial: Subida à força na parada de mãos -
Press to Handstand - YouTube. Acesso em: 16 jan. 2023.
16
Modo como muitos circenses itinerantes chamam cambalhota ou rolamento.
17
Reversão à frente ou atrás com as pernas afastadas no plano sagital. Forma aportuguesada de
souple
ou
soupless
que, em francês, significa flexível. Para melhor visualização consultar link disponível em
https://www.youtube.com/watch?v=qgv2-uxf9NI&t=32s. Acesso em: 04 jan. 2023.
18
Salto acrobático. Pode ser dividido em duas fases de execução: na primeira, de pé, faz-se um salto para
trás arqueando o corpo com os braços estendidos na linha das orelhas até que as mãos toquem o solo,
passando pela posição de parada de mão. Na segunda fase os ombros fazem uma repulsão contra o solo
e o corpo assume uma posição de canoa até que os pés aterrissem no chão. Para melhor visualização
consultar Bortoleto (2008, p.31-34) ou link disponível em
https://www.youtube.com/watch?v=3tnmnpLOy5s. Acesso em: 04 jan. 2023.
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Como você já aprendia a parar de mão, você fazia meio flic-flac.
E ia pra parada de mão?
E ia pra parada. Daí saía a corveta
19
. A gente aprendia corveta, o falsete
20
, tudo
isso a gente aprendia antes, porque aqui [na ENC] não tempo pra aprender nada
disso. Aprendia tudo antes. Depois juntava com a parada de mão. Fazia meio flic-
flac, caía em parada de mão, fazia o restante do flic-flac, que era a corveta.
Então era um pouco diferente do que se ensina hoje aqui...
Era bem diferente, aqui não dá para fazer isso porque isso é muito demorado.
Porque a gente começava de garoto, entendeu, e aqui é adulto
21
. Aqui tem que
pegar na marra, virar na lonja
22
e vai mandando brasa. Com outra pessoa ajudando
é mais fácil aprender.
Então era mais fácil na sua época, com a idade pequena, já começava...
É porque naquela época ele não tinha ajudante. Meu pai era sozinho.
Era ele quem ensinava tudo?
Tudo!
Era muito pesado o treinamento?
19
A partir da parada de mãos, pode ser realizada de dois modos: ou a flexão dos joelhos com rápida extensão
para trás, ou a extensão da lombar com lançamento das pernas estendidas para trás. Um ou outro modo
serão acompanhados de uma repulsão dos ombros contra o solo, proporcionando o regresso dos pés ao
chão. Para melhor visualização consultar o link https://www.youtube.com/watch?v=P4voeDen8DU Acesso
em: 05 JAN. 2023.
20
Movimento preparatório para rondada. Trata-se da elevação de uma das pernas para dar um sobrepasso e
impulsionar o corpo para a rondada. Para melhor visualização consultar Bortoleto (2008, p.26-28) ou
link
disponível em https://www.youtube.com/watch?v=4Y6VS62j54I Acesso em: 05 Jan. 2023.
21
Em 2015 o curso de formação da ENC passou a ser subsequente ao ensino médio, a partir do acordo de
colaboração feito com o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ). Com
isso, a idade mínima de ingresso passou a ser, de modo geral, entre 17 e 18 anos. Entre 1982 (ano de abertura
da ENC) e 1999 a faixa etária permitida para realização do curso era entre 10 e 19 anos, havendo algumas
exceções. A partir de 1999 não havia mais idade máxima para ingresso. Em 2006 foi elaborado um novo
regimento interno na instituição, que passou a exigir a comprovação de ensino médio cursado para emissão
de diploma o que acarretou alteração na idade mínima para o curso, que passou a ser em torno dos 14
anos.
22
Sistema de segurança utilizado em aulas de diversas modalidades circenses. Consiste em um cinto com
uma ou duas cordas que passam por roldanas ou são manuseadas diretamente pelo professor. Pode ser
utilizada para auxiliar na realização de um movimento ou para evitar que o praticante caia.
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Pra criança era, né? A gente ficava com medo porque doía a munheca. “Vai dar
rondada flic-flac!” dava rondada flic-flac, aquela coisa. Mas a especialidade
minha nunca foi salto.
Era o quê?
Quando meu pai era vivo, ele queria que eu estudasse, e eu fui o que estudei
mais na família. Porque [no] circo, o pessoal quase não estuda. Tem a minha irmã
23
que nem terminou o primário. Ela tava com vergonha, porque já tinha seio grande,
tinha muita idade, saiu do colégio. Eu ainda terminei o primário, fiz admissão,
comecei o ginásio. Mas quando começou o ginásio, eu não gostava de estudo
[risos]. Depois que o meu pai morreu, eu saí do colégio. Meu pai não me ensinou
malabarismo não, quem me ensinou malabarismo foi meu irmão mais velho.
Ah, tinha hierarquia: o pai, o irmão mais velho...
Depois que meu pai morreu, quem assumiu a direção da família era o mais
velho. Tinha a minha mãe ainda, mas era o mais velho que tomava decisões, os
ensaios. Porque nós erámos crianças, comecei a aprender malabares com ele.
Inclusive [quando] eu jogava malabares, tinha mania de andar para frente. Ele
amarrou uma corda nas minhas costas e na minha roupa também: “Você não vai
andar agora. Joga malabares, mas não anda”. Então comecei a aprender aqui
mesmo, na Praça da Bandeira, na década de [19]40. Tinha o Circo Dudu, o antigo
Circo-Teatro Dudu. Minha mãe gostava de vir assistir às peças, tinha uns
dramalhões bonitos. Primeiro era drama, depois tinha variedades: comicidade,
malabarismo, mágico. A parte mais forte eram os dramas do Circo Dudu.
Eles separavam então o teatro das variedades?
É, não tinha picadeiro, era tipo um teatro mesmo. Era um circo com palco e
tinha cadeiras de cinema. Era tudo de madeira, com um pranchão no chão e
tal. Não tinha picadeiro, era a variedade. A segunda parte ele não queria muita
23
Norma Carlo (Rio de Janeiro, 1928 Rio de Janeiro, 2013). Foi equilibrista, malabarista, acrobata e icarista.
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coisa, queria humorista, um malabares, um mágico, coisa curta. Quer dizer, o povo
assistia aquele dramalhão, muita gente [depois] saía. A variedade que tinha era
muito pequena. O dramalhão acabava era 11 e tanto, quase meia-noite, ainda ia
assistir aquele malabareszinho? [risos]
O treino de hoje, aqui na ENC, é mais pesado do que no circo?
Eu acho mais pesado. No circo era muito mais leve. Por exemplo, a gente não
tinha trapézio pra todo mundo puxar braço. O que meu pai mandava fazer? Vai
pra debaixo da arquibancada e vai puxar o braço. E ele mesmo, muitas vezes,
ajudava na parada de mão...
Vocês não ficavam exaustos igual os alunos daqui?
Não porque o velho falava: “Vamos!” [faz um gesto e uma expressão de ordem].
Aí tinha que ir...
E, depois, ele morreu cedo. Morreu com 59 anos. quem começou a me
ensinar malabares, aqui no Circo Dudu, na Praça da Bandeira, foi meu irmão mais
velho. Comecei a ensaiar com ele, ensaiei dândis com ele. Então ele que começou
a [me] ensaiar a acrobacia, malabares, foi meu irmão mais velho, chama-se Jorge
Carlo. E o nome do meu avô era George Carlo. E ele, meu irmão, era Jorge porque
parece que um irmão do meu pai também era Jorge, que faleceu cedo. A família
era muito grande, minha família vem tudo do exterior, a parte do meu pai. Meu pai
era carioca, mas ele parecia um inglês. Era loiro, olhos azuis - não tem nenhum
filho de olhos azuis e loiro [risos]. Grandão, jogava malabares pra caramba, e as
claves, era uma clave toda de madeira maciça. Eram grandes, ele tinha uma mão
grandona, jogava na frente do espelho e não quebrava o espelho. Era muito bom
malabarista. E fazia um número cômico de escada diabólica
24
: ele entra de cômico,
passa por debaixo de uma mesa, faz uma porção de cascata cascata é truque
que o cara faz graça. Ele botava uma tábua aqui - nós chamamos de bata. Ele
24
Um raro registro deste número pode ser visto em
https://web.facebook.com/chicleteeaescadadiabolica/videos/1610735732504529/?_rdc=1&_rdr. Acesso em:
05 jan. 2023.
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batia naquela bata, vinha na cabeça dele. Depois ele subia na escada, a escada era
encaixada numa mesa que tem quatro furos, botava o pino, ele subia. Quando
subia, escorregava de novo, depois ele subia, a
partner
25
jogava o chapéu pra ele,
ele ia pegar o chapéu. Quando ela batia a palma, ele largava o chapéu. Então era
a comicidade que havia. Aí, ele fazia o movimento, depois terminava de cair da
escada.
Mas, continuando a minha fala, era adolescente com meu irmão, nós
montamos um quarteto de malabares, os quatro irmãos. Era os dois mais velhos,
eu que era o terceiro, depois tinha o mais novo. Nós fizemos um quarteto de
malabares, e com esse quarteto de malabares nós faturamos bastante porque os
circos grandes começaram a olhar esse número e [a nos] contratar. O Garcia era
o maior circo do Brasil. Tinha elefante, feras, zebras, e tinha só números bons, de
categoria. Trazia gente de fora. Ele gostava de gente jovem fazendo número
bonito. Nosso número foi e foi sucesso. Nós fomos trabalhar em Belo Horizonte,
em 1949, eu tinha 17 anos, por aí. Eu me lembro que quando nós fomos trabalhar,
fomos à cachê, ganhamos quinhentos cruzeiros na época - que era um dinheiro
bom, dava pra pagar o hotel. Nós pagamos o hotel e ainda sobrava pra mandar
pra mamãe
26
. Nesse dia teve uma cantora chamada Dolores Duran, que morreu
jovem, era uma belíssima cantora. Nós trabalhamos no
show
dela. Tinha orquestra
do Ruy Rey
27
, que era uma orquestra famosa na época, e nós trabalhamos antes
do
show
dela. Fomos à cache. Fizemos o número, todos os colegas de circo
estavam assistindo, porque não tinha
show
, só
show
de rádio.
Vocês abriram o
show
da Dolores Duran?
Nós abrimos o
show
dos cantores. O único número de variedade foi o nosso,
e agradou pra caramba, foi um sucesso. “Biz! Biz!”. Aí depois, quando ele contratou
a gente, que começamos a trabalhar, começou a cair
28
para caramba [risos]. E
25
Artista ou auxiliar do espetáculo que auxilia quem está se apresentando.
26
Etelvina Vilamajor Carlo (Argentina, 1896 Rio de Janeiro, 1955). Foi trapezista.
27
Domingos Zeminian (São Paulo, 1915 Rio de Janeiro, 1995). Foi cantor e ator. Teve muito sucesso com
repertório latino e caribenho, especialmente entre as décadas de 1940 e 1960, além de músicas
carnavalescas.
28
Refere-se ao erro, à queda das claves de malabares, durante a apresentação.
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nessa época tinha minha irmã solteira fazendo número de equilíbrio de arame
bambo. Entrou o número dela, entrou o quarteto de malabares e o número de
dândis dos dois mais velhos, entravam fazendo comicidade de cara limpa.
Figura 1 - Trupe Irmãos Carlo em apresentação no
show
de Dolores Duran e
orquestra de Ruy Rey em Belo Horizonte. Acervo pessoal de Walter Carlo. 1949.
***
E as lesões no circo, como eram? Tinha bastante lesão? Vocês se
machucavam muito?
Sinceramente, com a gente, eu nunca vi lesão. teve um caso, porque meu
pai era muito... o negócio era disciplina. Meu pai gostava. Você tinha que ter muita
disciplina e determinação no ensaio. Isso é o que eu às vezes falo com os alunos
aqui: tem que ter muita disciplina e determinação. Você tem que trabalhar mesmo,
tem que ensaiar.
Então vocês não se machucavam muito?
Não. Eu vi uma vez meu irmão machucando, mas não foi no trabalho. Nós
trabalhamos muito no Circo Olimecha, muitos anos, eu era garoto, fui criado no
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Circo Olimecha. Pai
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do Luiz, o Luiz não era nem nascido. Eu era garoto. Antes de
começar o espetáculo, ele [o irmão de Walter] ficou na frente [do circo], tinha
uma briga de dois moleques. Um jogou a pedra no outro, errou, pegou na perna do
meu irmão, fez um buraco. Chegou cheio de sangue. Meu pai olhou para ele,
deu o maior esporro nele: “Você tem responsabilidade! E agora, como é que eu
vou falar pro dono do circo que você não pode trabalhar, fazer o dândis? Seu sem-
vergonha!” Ele não bateu, deu um cascudo nele de leve. foi fazer o curativo nele.
“Não me faça mais isso!” Ele era severo nesse ponto.
Caramba!
É lógico! Ele não tinha que ficar assistindo nada fora. Porque no circo,
antigamente, você tinha que estar pronto duas horas antes de começar o
espetáculo. É... duas horas [antes] você tinha que estar pronto, maquiado, com a
roupa bonitinha, com os aparelhos prontos. Mesmo que você entrasse no
penúltimo número, você tinha que pronto. Era o regulamento. E outra coisa:
tinha barreira de artistas, os artistas também faziam barreira. Tinha barreira de
peão, que ficava de macacão, e a gente tinha um fardamento bonito que o próprio
circo dava pra gente. Você tinha que estar com sapato engraxado, se não tivesse
engraxado, não entrava ali! O supervisor olhava pro sapato: “Psiu! Vai engraxar o
sapato!” É... tinha que estar tudo bonitinho.
Mas os circenses ficavam exaustos? Porque os alunos aqui ficam
muito exaustos.
Mas eu acho que aqui o ensaio é mais puxado.
Vocês não chegavam a ficar tão exaustos?
Não. Meu pai é que ensinava. Depois que meu pai morreu, como eu falei, o
meu irmão mais velho que assumiu. Então tinha o ensaio – porque o dândis ele
fazia com o papai, foi quem ensinou a ele. começou a ensaiar malabares toda
hora. Malabares tem que ensaiar toda hora. Você joga bem uma hora, e tem hora
29
Luiz Olimecha (Maranhão, 1892 Rio de Janeiro, 1952) era pai de Luiz Franco Olimecha (Rio de Janeiro, 1942
- Itália, 2017). Luiz Franco Olimecha foi o idealizador da Escola Nacional de Circo, que hoje leva seu nome.
Entrevista com Walter Carlo (Teco)
Entrevista concedida a Alex Machado e Rafael Gonçalves
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que você fica com raiva, porque cai. Mas era assim.
Você lembra quando você estreou?
Antigamente, no circo, tinha... nós aqui chamamos
charivari
30
. Mas no circo, nos
Olimecha, chamava-se
Árabes
. Você colocava uma blusa que tinha um desenho
árabe. Porque no final do espetáculo tinha que todo mundo entrar. Eu me lembro
que eu tinha acho que uns seis, sete anos, tinha que entrar e dar uma rondada
flic-flac. No final entrava o que saltava mais, como se fazia antigamente aqui na
Escola. E tinha báscula
31
também. Eu não fazia báscula, o meu irmão fez báscula,
meu irmão mais velho. Mas todos tinham que saltar. Se fosse mágico, você tinha
que saltar também [risos]. Era o final do espetáculo, era Os
Árabes
, era o
charivari
que chama aqui. Entrava todo mundo saltando.
Esse foi o primeiro número que você fez?
Foi saltando. Não fazia malabares ainda não. A minha irmã começou fazendo
arame bambo com seis anos. A gente era pequeno, me lembro que com cinco,
seis anos, comecei a saltar, mas não fui pra frente. Meu pai queria que eu
estudasse, eu fui para o colégio, então só fui aprender malabares com meu irmão.
Meu pai morreu, saí, trabalhei num escritório de... eu registrava livros, tinha 13
anos. Começava a registrar livros no Ministério da Fazenda, tirava alvará, aquelas
coisas todas, de contador né? Eu era um
boy
. Ganhava trezentos cruzeiros, parece.
Mas aquilo foi de situação, a gente vivia de cachê. Meu irmão arrumou aquilo lá:
“Ah, isso tá muito chato, aquele cheiro, eu quero é tá trabalhando no circo!” [risos].
Aí voltou pro circo?
Porque no circo, aqui, parado, você trabalhava cachê. O que é cachê? Você
30
Número de acrobacia de solo no qual diversos artistas apresentam seus melhores saltos. Muito comumente
utilizado para abertura ou encerramento dos espetáculos. Etimologicamente significa confusão, grande
barulho, vindo originalmente do francês.
31
Aparelho de acrobacias. Similar a uma gangorra, os artistas são catapultados uns pelos outros, realizando
acrobacias voltando para a própria báscula (chamado então de pica-pica ou prancha coreana) ou saindo
dela e aterrissando em colchões, sobre outro acrobata ou outras superfícies (conhecida por báscula húngara
ou báscula de saída). Para melhor visualização, acessar https://www.youtube.com/watch?v=aCI5wHjFIh0.
Acesso em: 16 jan. 2023.
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trabalha, recebe o cachê. Então era terça, quinta, sábado e domingo. Não era todo
dia que tinha. Às vezes tinha circo era quinta, sábado e domingo. E tinha dia
que você ia lá, transferia o espetáculo, você gastava passagem, e não tinha dinheiro
não! Não recebia nada! Você assinava uma nota contratual que valia mais para o
dono do circo do que para nós. Se você saísse pra trabalhar em outro lugar,
te pagava. Você trabalhou, ganhou. E tinha muita gente que vendia, chamava
santinho. Era um retrato que você tirava e ia vender. minha mãe botou meus
irmãos para vender retrato, eles ficaram com vergonha. “Não, isso não é pra nós
não!” [risos]. E de calça, ninguém vai comprar da gente, tem que botar uma menina
aí! [risos].
Figura 2 - Walter Carlo apresentando número de escada livre no Circo Olimecha. Abaixo, seu
irmão, Jorge Carlo. À direita, artista com traje de barreira. Acervo pessoal de Walter Carlo. s/d.
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E quando você voltou pro circo?
Quando eu voltei, foi malabares. Eu fazia malabares. Então eu comecei mesmo
praticamente com 15 anos.
E quando você parou de se apresentar?
Parar, parar, parar, nunca parei.
Nunca parou?
Não. Aconteceu o seguinte: te falei, era um quarteto. Aí, depois a situação... a
gente viajava, porque aqui no Rio [de Janeiro] a situação ficava ruim. Eu me lembro
uma época que meu irmão falou assim: “Você vai para São Paulo. O Chico - o mais
novo - fica na casa da prima Linda”, que era a mãe do Gibe
32
, que fazia as
pegadinhas do Silvio Santos. morreu. Então ficava na casa da minha prima
Linda, não pagava nada. Aí eu começava a trabalhar no circo do Piolin e do Seixas.
Trabalhei com Piolin, hein! Fazendo malabares, o Piolin falou para mim assim:
“Ó, teu pai foi
clown
, meu
clown
!” Piolin!
Caramba!
Ele tinha um circo em cima na Avenida São João
33
, seu Piolin. levava
teatro e variedade. Ele falava: “A sua família é muito famosa”, aquela história que
éramos estrangeiros... mas meu pai era brasileiro. Os estrangeiros morreram
[risos]. Trabalhei no circo do Arrelia
34
. O Arrelia tinha um programa de televisão. Eu
32
Gilberto Fernandes (São Paulo, 1935 São Paulo, 2010), filho de Lauro Fernandes e Linda Fernandes.
Acrobata, ator, produtor e roteirista. Atuou em diversos programas de TV e no cinema entre 1959 e 2010. Foi
o palhaço Papai Papudo, no programa
Bozo
, na década de 1980 no SBT e redator dos programas
A Turma
do Didi
e
Aventuras do Didi
, na Rede Globo.
33
Segundo o site da Prefeitura de São Paulo, o Circo Piolin ficou instalado no Largo do Paissandu (disponível
em
https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/cultura/memoria_do_circo/largo_do_paissandu/index.p
hp?p=7142. Acesso em 16/01/2023). Em 1975, a rua onde os circos eram armados passou a se chamar Rua
Abelardo Pinto Piolin. O local é emblemático para a produção circense paulistana, e nos arredores encontra-
se o Centro de Memória do Circo. Além de palhaço, Piolin (Abelardo Pinto - Ribeirão Preto, 1897 São Paulo,
1973), foi contorcionista, trapezista, músico, ciclista e acrobata.
34
Waldemar Seyssel (Paraná, 1905 Rio de Janeiro, 2005). Arrelia foi o primeiro palhaço a aparecer na televisão
brasileira, na TV Tupi, em 1950. Comandou o
Cirquinho do Arrelia
(também creditado como
Circo do Arrelia
)
na TV Paulista (posteriormente Record), com estreia em 1953, sendo apresentado até meados da década de
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fiz televisão com meu irmão, porque a situação tava ruim. Fizemos televisão e os
dois circos. E o pessoal, os artistas de São Paulo, estavam fazendo uma greve
contra o sindicato lá, por conta dos
shows
, que tavam pagando pouco. Queriam
aumento. Aí nós furamos a greve, [risos] porque o cachê deles era melhor do que
no Rio.
É mesmo?
Era. “Pô, vocês estão fazendo greve com um cachê desses? Vai pro Rio de
Janeiro!”. eu comecei a fazer cachê nos dois circos e televisão. Fiz na televisão
Fuzarca e Torresmo
35
e
Arrelia.
Televisão dava mais dinheiro?
Dava mais um dinheirinho. O circo sempre era um pouco menos. Mas o circo
tinha mais dias, né? Eu fiquei duas semanas fazendo os dois circos e fiz televisão.
Teve uma televisão que eles me pediram duas vezes. Eu não sei se foi do Arrelia
ou se foi do Torresmo. Torresmo era filho de Chicharrão
36
, palhaço, família
Queirolo, antiga pra caramba.
Muita gente do circo foi pra TV?
Foi. O Carequinha
37
depois foi pra TV. Eu trabalhei com o Carequinha, ele não
era de televisão. Ele cantava em rádio, gostava de cantar. Ele tinha uma gravação
dele, se você escutasse, você não dizia que era o Carequinha. Parecia o Orlando
Silva cantando.
1970. O programa era realizado ao vivo, com apresentações em São Paulo e no Rio de Janeiro, tendo o artista
e parte de sua equipe que se dividir entre as cidades. Foi também trapezista, acrobata, malabarista, barrista
e ator (Castro, 2005).
35
Fuzarca (Albano Pereira Neto Rio Grande do Sul, 1913 São Paulo, 1993), foi também paradista, acrobata,
músico, ciclista e ator. Torresmo (Brasil José Carlos Queirolo, São Paulo, 1918 São Paulo, 1996) foi também
músico.
As Aventuras de Fuzarca e Torresmo
foi um programa apresentado na TV Tupi de São Paulo, entre
1950 e 1962.
36
José Carlos Queirolo (Rio Grande do Sul, 1889 São Paulo, 1983). Chicharrão foi uma das grandes influências
para Piolin, que o substituiu no circo de seu pai. Os Queirolo são uma família notória de acrobatas e palhaços.
37
George Savala Gomes (Rio de Janeiro, 1915 Rio de Janeiro, 2006) apresentou o primeiro programa
direcionado para o público infantil na televisão, o
Circo Bombril
, entre 1950 e 1964. Foi também acrobata e
cantor.
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Entrevista concedida a Alex Machado e Rafael Gonçalves
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17
É mesmo?
É. Cantando música de circo, né? Mas muito bonita. Depois é que ele começou
a fazer o Carequinha. Ele fazia o Carequinha no circo, mudava a voz.
Isso era comum em circo, os músicos se apresentarem lá? Porque tem muito
sertanejo, por exemplo, que começou no circo também.
Tem muitos. Poxa, esse Mazzaropi
38
lá em São Paulo.
Mas tinha espaço pra música no circo?
Tinha. Tinha porque eles lançavam esses… esses sertanejos. Eles iam para
rádio, faziam propaganda pro circo. Quando levavam uma dupla caipira...
Alvarenga e Ranchinho
39
- que era antigo pra caramba - agradava pra caramba eles
no circo. Alvarenga e Ranchinho era muito bom. Tinha Jararaca e Ratinho
40
, esses
davam um
show
. Tinha um que tocava um clarinete que deixava num agudíssimo,
e não parava com aquele agudo, e o outro lá: “Para!” [risos]. Mas era legal, os dois
tocando, um no violão e outro no clarinete. Era caipira, era aqui do Rio de Janeiro,
Jararaca e Ratinho, Alvarenga e Ranchinho. E tinha de São Paulo, Mazzaropi, e
não sei quem.
***
Como era o processo de criação de número? Como vocês faziam para criar
um número, para se apresentar?
Criar, criar, criar mesmo, quem fazia eram os próprios velhos, antigos é que
faziam a criação. Eu me lembro de um número da família Olimecha que chamava
38
Amácio Mazzaropi (São Paulo, 1912 São Paulo, 1981). Foi ator, cantor e cineasta, eternizou seu personagem
caipira na cinematografia nacional.
39
Alvarenga (Murilo Alvarenga - Minas Gerais, 1912 São Paulo, 1978) e Diésis dos Anjos Gaia Ranchinho -
São Paulo, 1912 São Paulo, 1991) começaram sua carreira no final da década de 1920 apresentando-se em
circos. Suas apresentações musicais se mesclavam com esquetes cômicas e sátiras políticas que fizeram
muito sucesso. A dupla trabalhou junta até 1965. Alvarenga também foi trapezista e malabarista (Freitas,
2018).
40
Jararaca (José Luiz Rodrigues Calazans Alagoas, 1896 - Rio de Janeiro, 1977) e Ratinho (Severino Rangel
de Carvalho Paraíba, 1896 Rio de Janeiro, 1972), além do cancioneiro caipira, tinham no repertório
emboladas, canções satíricas e cenas humorísticas. Jararaca também era ator e compôs, junto com Vicente
Paiva, a canção
Mamãe Eu Quero
(Peripato, s/d).
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O Trono de Pe
quim. Eles eram descendentes de japoneses
41
, o pai deles era
japonês. Os velhos Olimecha. Não era o Luizinho Olimecha
42
não. O Luizinho não
chegou a assistir não, que ele não era nascido. Os velhos faziam um número que
chamava
O Trono de Pequim
, que eles colocavam... era tipo um banco, mas
enorme, com uma escada linda, tudo cromado, metal, com aqueles tapetes, e
em cima tinha um Buda enorme com aquelas luzes vermelhas, os olhos
vermelhos, aquela iluminação. Esse número entrava [com] eles vestidos de
japonês, com aquela roupa deles, o quimono. Entrava uma das Olimecha, eu acho
que era a Marina
43
. Depois foi uma outra, que fazia uma dança japonesa com leque,
era muito bonitinho. Aí vinha o namorado dela, o galã, e entregava para ela uma…
sem falar! Entregava um saco com moedas e mandava ela cuidar. Ela começava
a dançar de novo. Chega o bandido, que vem vestido, ele vem com um bambu na
mão. Chega lá e quer tomar o dinheiro dela. Toma o dinheiro dela, na força. Ela faz
menção de chamar o namorado - isso tudo com aquela iluminação vermelha! Vem
ele lá, bate no ombro dele, fala “Isso é nosso, você roubou!”. Ele empurra, o
mocinho empurra, o bandido cai. Ele pega o bambu e começa a fazer a luta de
bambu. Pirueta, pum, bambu, vira pra cá e pum. Até que o bandido cai. Quando [o
mocinho] vai dar pancada nele, acende a luz. Eles tiram o quimono e tem outra
roupa por baixo. Aí começa a fazer um número de parada de mão
44
, mão-a-mão
45
subindo a escada, descendo escada, parada de uma mão na cabeça, parada de
cabeça
46
. É tudo assim. Até encerrar o último número, o melhor truque era lá em
cima, né? Fazia o melhor truque. Mas era muito interessante e muito bonito. E
41
Haytaka Tokariste, primeiro circense da família, nasceu em Osaka, Japão, em 1854. Saiu do seu país natal
aos 12 anos em um navio indo para Londres, onde conheceu uma trupe de artistas franceses que o batizaram
de Charles Frank, e com a qual passou a trabalhar como acrobata. Apresentou-se pela Europa e Américas
até chegar ao Brasil em 1888, vindo da Argentina, adotando aqui o nome Carlo Franco. Faleceu no Brasil em
1918. (Lopes, Silva, Bortoleto, 2020; Torres, Antonio, 1998).
42
[38] Refere-se à Luiz Franco Olimecha.
43
Possivelmente Marina Olimecha (Rio Grande do Sul, 1905 Rio de Janeiro, 1990), filha de Carlo Franco
Olimecha e Júlia Rossi. Foi trapezista e atriz.
44
Número de equilíbrio sobre as mãos.
45
Número de equilíbrio feito com base na parada de mãos, geralmente em dupla. Para melhor visualização,
consultar https://www.youtube.com/watch?v=G07RElTFvSo. Acesso em: 25 jan. 2023.
46
Número de equilíbrio sobre a cabeça. Para melhor visualização, consultar
https://www.youtube.com/watch?v=zOHP_8O2wqc. Acesso em: 25 jan. 2023.
Entrevista com Walter Carlo (Teco)
Entrevista concedida a Alex Machado e Rafael Gonçalves
Florianópolis, v.1, n.46, p.1-30, abr. 2023
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tinha um motivo, né? Tinha um motivo.
E como era a manutenção dos números? Como vocês decidiam coisas do
tipo: agora vocês vão parar de apresentar isso, vão colocar alguma coisa
nova... Como era isso?
Nós, em circo… isso que eu contando é coisa mais antiga. Eu era garoto,
mas eu gravei aquilo muito bem. Tinham números de cama-elástica, tinham
números cômicos gozados também, tinham números musicais, né? cada um
vai montando. Você começa a montar, e o problema é o seguinte: em circo, tem
um velho ditado que falava o Chacrinha “Ninguém cria, todo mundo copia”. [risos]
E é verdade. Por exemplo, você vê uma moça linda, com uma roupa. Ela vai botar
aquela roupa linda... “Pô, aquela vai ficar bem em mim!”. “Eu vou fazer aquele tipo
de bailado porque aquela mulher faz”. Entendeu? você vai criando o número.
Dentro do teu número. A gente fazia um número mais simples. começamos a
aumentar o número, com argolas e chapéus. A gente fazia chapéus de palha, a
gente fazia um monte, cinco chapéus de palha rodando [faz o gesto como se
estivesse manipulando os chapéus]. Então tinha isso, as argolas eram três, seis,
nove, doze. Fazia uma fila assim, jogando argola. Porque eles fazem fila hoje,
jogando malabares, um fica do lado. Comigo não, era tudo reto, não saía do lado
pra jogar não. Até claves a gente ficava [jogando] reto, assim [faz o gesto de
câmbio
47
para frente]. E era rápido, muito rápido.
Que é diferente daqui da ENC, que se joga para o alto...
É, tem muita gente que joga lento. Não sou contra quem joga lento, não. Cada
um joga da forma que aprendeu.
47
Truque de malabares onde dois ou mais artistas trocar os objetos manipulados lançando uns para os outros.
Está registrado na imagem 1 desta entrevista.
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Entrevista concedida a Alex Machado e Rafael Gonçalves
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20
Figura 3 - Walter Carlo ensinando câmbio com 6 claves ao aluno Antony Silva na ENC.
Registro e acervo pessoal dos autores. 2015
48
Mas na sua época era mais…
Era muito rápido, muito rápido.
Mas vocês chegavam a tirar alguns truques por algum motivo ou não? Vocês
mantinham sempre os mesmos números?
Sempre mantinha aquele número. Aquele número ficava bastante tempo. Até
que, quando casa, separa. Quando eu casei, por exemplo, eu trabalhava com meu
irmão mais velho. Eu ficava com meu irmão mais velho, o outro meu irmão mais
novo ficava com o outro, que é mais velho do que eu. Ele ia pro circo do Águias
Humanas e eu fui pro Circo Continental com meu irmão mais velho. Eu comecei a
trabalhar com meu irmão mais velho, fazia dândis com ele e fazia malabares.
ele começou a ensaiar a esposa dele. Mas ela era meio fraquinha no malabares.
Ela era boa na cama-elástica, ela fazia cama-elástica. Nesse interim, nessas idas
e vindas com meu irmão, viajando, eu conheci a dona Wilma, que hoje é minha
48
O vídeo original pode ser visto em https://www.youtube.com/watch?v=LOMfZYRUHCA.
Acesso em: 25 jan. 2023.
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esposa. Com 17 anos, ela trabalhava no Circo Fekete, um cabelão bonito, dançando
pra caramba com o acordeão. Olhei pra ela e falei: “Que menina maravilhosa! Essa
vai ser minha!” [risos]. E ela fazia teatro, fazia teatro bem, era a primeira atriz.
E o
Céu Uniu Dois Corações
, Mestiça, ela fazia o principal papel e fazia
show
de
acordeão, cantava, fazia tranca
49
, icários, fazia parada de mão. Ela fazia mais do
que eu [risos]. Ela tinha brigado com o namorado. Pode contar essa história?
Conta, à vontade.
Eu tava de olho nela. Eu ia no circo, e gozado que ela saía do circo, ela
modificava completamente. Você não dizia que era ela aquela mulher, aquela
moça de 17 anos que estava de biquini. Tinha um corpo bonito, né? Ela botava
uma saia - ela tinha vergonha das pernas, a perna era forte, batatona na perna, ela
botava vestido embaixo. Usava óculos, amarrava o cabelo assim [faz gesto de
prender o cabelo atrás]. Você não dizia que era aquela menina. Mas eu todo dia
estava lá. Perguntava pra ela: “Tá namorando ainda?” [Ela dizia] “Tô” [risos].
“Quando terminar, tu me avisa!” [risos]. No dia que ela acabou, eu comecei a
namorar com ela. Mas eu tava namorando escondido. Eu não gostava de
namorar escondido. Falei com a mãe dela: “Eu quero pedir licença à senhora,
porque eu namorando a sua filha”. “Ah, tudo bem, mas ela não pode não, porque
ela está gostando do músico”. “Ah, mas ela vai esquecer, ela esquece desse
músico. Comigo ela vai esquecer!” ela [Wilma] falou, “Mas o meu negócio é sério”.
[Eu disse] “O quê? Não. Sério daqui um ano. Daqui a um ano eu estou em Porto
Alegre, e a senhora está em Manaus, como é que vai ser o nosso… Eu sou pobre,
como é que eu vou pagar avião para ir ver a minha noiva? Quatro meses só. Daqui
a quatro meses”. Eu falei para ela assim: “Você topa?” [Wilma disse] “Topo”.
Coitadinha, topou e até hoje está comigo. 59 anos. Ela foi o meu esteio, é minha
força. Posso nem falar dela que eu… [se emociona].
49
Tranca é um número de antipodismo (malabarismos com os pés), geralmente realizado no mesmo aparelho
(coxim) que o icárius. Para melhor visualização, consultar https://www.youtube.com/watch?v=InKZPpCrO7Y.
Acesso em: 25 jan. 2023.
Entrevista com Walter Carlo (Teco)
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Figura 4 - Walter Carlo e Wilma Fekete em
número de excêntricos musicais cômicos.
Acervo pessoal de Walter Carlo. s/d.
Figura 5 - Walter Carlo e Wilma Fekete em
ensaio fotográfico com número de malabares.
Acervo pessoal de Walter Carlo. s/d.
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Você vê diferença dos números da sua época para os números de agora?
Existe uma diferença, porque havia muita montagem de número, como fazer
um número, trabalho. Eu me lembro perfeitamente de que trabalhamos em teatro,
muito em teatro também. Teatro eles queriam que mudasse, queriam que a gente
fizesse garçom, fazendo… jogar prato. No teatro Walter Pinto, na Praça Tiradentes,
era famoso, teatro de revista. Fui fazer um teste e tinha um sogro do meu irmão
que cismou da gente fazer [malabares com] prato de louça. Como é que você vai
fazer prato de jogar com prato de louça? Podia rodar, né? Depois meu irmão fez
esse número. Mas chegamos a trabalhar num teatro, vários teatros. Tinha um
teatro aqui na Glória, chamado Glória. Teatro Glória, que acabou. Esse teatro levava
variedades. E tinha também lá, onde é a TVE, ali tinha o Teatro República que
levava cinema e, na segunda parte, era variedades, comicidade, o cara contando
anedota e número de malabares, número de mágica. Sempre teve isso nos
cinemas do Rio de Janeiro. Tinha filme e variedades, desde a década de [19]40
tinha isso. Depois foi cortando. Foi quando apareceram os circos grandes, gigante,
anão,
troupes
maravilhosas. As
troupes
começaram a se formar. Trabalhei com
várias
troupes
. A gente se encontrava, era muito bonito, legal, a gente juntar com
as
troupes
antigas era legal, muito legal.
Mas como você vê os números de hoje? São muito diferentes?
É como eu te digo, [antes] tinha mais montagem, né?
Montagem? Como assim?
Tinha montagem porque tinha mais dificuldade em fazer o número. Eu
comecei a fazer um número, com meu irmão, que era mais palhaçada. Eu fazia
um número de malabares com ele que eu jogava chapéu e cigarro, puxava uma
pirueta… o povo ria, agradava pra caramba aquela porcaria. Eu achava uma porcaria
aquilo, não é jogar cinco claves. Não precisava jogar nem cinco claves. Pegava cinco
chapéus, que fazia aquele movimento de cinco chapéus [faz o gesto da
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manipulação], agradava pra caramba. No final, quando a gente estava no quarteto,
a gente fazia cruz
50
, fazia uma porção de coisa. Quando dividia [em] dois
51
, o final
dos dois era uma pessoa [da plateia] no meio, com cigarro e chapéu, a gente tirava
o cigarro e o chapéu, era o final do número. Não tinha assim…
Um truque, um ato com dificuldade enorme.
Não, mas a gente fazia tão bem, e era bem apresentado a roupa, que agradava
pra caramba em todo canto que a gente fazia.
E você achava porcaria porque não tinha dificuldade?
Eu falo porcaria é num bom sentido. Porque hoje você não faz um malabares
com a rapidez que a gente fazia. Dificilmente o cara faz. Ele faz mais… hoje é
diferente. É tipo argentino joga... [faz o gesto de jogar malabares lento] Não estou
contra isso não, eu acho bonito que eles fazem aquilo com pirueta. Joga em
cima e uma pirueta, eu acho bacana. Mas com a rapidez, o cara fica maluco
quando o
vum, vum, vum, vum
[faz o gesto simulando o câmbio de claves
rápido], quatro jogando assim. Agrada pra caramba. O pessoal batia palma antes
de terminar o número!
Quando nós trabalhamos com a Dolores Duran, a gente fazia com a orquestra
e o Ruy Rey, a gente fazia três contra um, que são três, seis, nove, doze claves,
cada um com três. Ele não faz como a gente ensaia [refere-se aos alunos da ENC].
Nós fizemos e aquele pessoal “Bis! Bis! Bis! Bis!”. Aplaudia antes de terminar o
número. Quando terminava o truque, meu irmão ficava com todas as claves,
pegava um monte debaixo da perna, tudo rápido. Agradava pra caramba.
Cheguei a montar aqui, com dois alunos, um truque atrás do braço que
ninguém faz. Jogar três [claves] atrás do braço seguido, ninguém faz. E cheguei a
ensaiar com dois alunos, mas eles brigaram. Um, inclusive, ele me convidou, era o
Lucas
52
e o outro colega dele, montaram um espetáculo de circo sem falar uma
50
Formação de quatro artistas para jogar malabares em que se formam duas duplas, uma perpendicular à outra,
formando uma cruz. Os objetos manipulados se cruzam no ar ou são lançados lateralmente.
51
Os irmãos também se apresentavam em duplas.
52
Lucas Schindler Moreira (São Paulo, 1983), aluno formado pela ENC. É portô, malabarista, músico, mágico e cômico.
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palavra, duas horas, mas eu adorei. Ele fez magia, fez malabarismo com panela,
fez guizo. Ele fez o guizo porque ele me viu tocar guizo aqui. Ele me homenageou.
Foi uma emoção danada.
***
Você trabalhou fora do circo, como quando você foi para a TV. Era muito
diferente?
É diferente.
Diferente como?
O problema da TV é que você tem muito pouco tempo para fazer um
trabalho. Você, por exemplo, faz um número de vinte minutos, quinze minutos. Aí
chega na televisão você tem que fazer um minuto, nem um minuto. Menos de um
minuto. Você tem que fazer. Eu vou fazer um número disso e
bululululu
[faz
gestual de pressa]. Quer dizer, ficava tudo atropelado, né? Mas tinha que ganhar o
dinheiro, aí fazia. Ganhava um cachê bom. Na televisão ganha.
E trabalho sem ser circo?
Não. Eu trabalhei quando garoto. Como eu te falei, fui
boy
.
E como a sua família via isso?
Como assim?
Esse trabalho que não era de circo, eles gostavam?
Não. Meu pai não ia querer não. Meu pai tinha falecido já. Fui trabalhar porque
meu irmão mandou.
Mas seu pai não gostaria.
Não gostaria. Mas eu fiz. Eu fui lá, eu registrava livro, como te falei, né?
Fazia aquilo, mas eu não gostava. Eu achava aquilo... Eu ganhava, na época,
trezentos cruzeiros. Fiquei um mês só e saí.
Fundador e diretor do Circo Dux.
Entrevista com Walter Carlo (Teco)
Entrevista concedida a Alex Machado e Rafael Gonçalves
Florianópolis, v.1, n.46, p.1-30, abr. 2023
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Ah, ficou pouco tempo...
recebi um mês e saí fora. Parece, também, que o contador faliu [risos]. Foi
bom porque eu estava doido para sair.
Mas você via de forma diferente? Você via esse trabalho como pior ou melhor
que o de circo?
A gente que é de circo, a gente gosta do circo, entendeu? Você gosta do circo,
você tem a alma dentro do circo. O Carequinha mesmo me falava, queria morrer
dentro do circo. Eu acho que você tem que trabalhar dentro do que… lógico que
você, se a situação não pra você fazer mais nada, você tem que fazer outra
coisa. Por exemplo: esses alunos que estavam [na ENC], eles têm faculdade,
vocês têm faculdade. O pessoal de circo antigo, tem gente que não estudou nem
o primário. Minha mulher, ela não teve primário, mas ela seria uma boa redatora.
Tem facilidade para redação. Eu era ruim de redação. Eu me lembro que quando
eu estava no ginásio, tinha que fazer redação, eu: “Ih, caramba!”. Eu usava na época,
eu me lembro, eu usava caneta tinteiro. Tinha uma caneta americana que era com
tinta, mas ela era cara. Eu usava, tinha que molhar assim... borrava [risos, leva
as mãos ao rosto escondendo-o envergonhado]. Eu levava cada nota fraca! Tinha
aula de francês. Eu me lembro que o professor de francês foi o famoso Leopoldo
Heitor, que matou Dana de Teffé. Uma história antiga, que sumiu com o corpo. Era
uma milionária e ele era, como se diz... o procurador dela. Sumiu o corpo dela.
todo mundo... acusaram ele. E ele como advogado! Ele era professor de francês e
advogado. Ele se defendeu, três vezes ele se isentou e ficou com a fortuna toda
dela, e não acharam o corpo da Dana de Teffé. Uma história antiga mesmo. Ficou
com o dinheiro todo, sem vergonha. Ele me deu um zero no francês. Tinha prova
oral antigamente, não sei se agora tem prova oral. Tem prova oral?
Ainda tem.
Mas era assim
pá, pá, pá, pá
na cara, assim, quando ele não gostava do aluno,
era uma em cima da outra, não dava nem tempo de pensar. Zero. Foi a primeira
vez na minha vida que eu levei um zero. Fiquei tão chateado com aquilo. Falei, não
Entrevista com Walter Carlo (Teco)
Entrevista concedida a Alex Machado e Rafael Gonçalves
Florianópolis, v.1, n.46, p.1-30, abr. 2023
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quero mais estudar não.
Mas quem é do circo tem dificuldade de trabalhar fora do circo?
Dificuldade porque ele não tem o estudo, às vezes… mas ele aprende muita
coisa fora. Se ele for pra um vendedor, ele vai ser vendedor. Tem cara que vende
melhor que o cara que tem... Secretário de circo não tinha estudo e vendia,
arrumava terreno, legalizava as documentações da prefeitura. Era um secretário
que ia na frente pra arrumar terreno, falava com o dono, via negócio de luz, fazia
toda a… e um cara que não tinha tanto preparo como vocês têm, entendeu? Lógico
que ele tinha mais estudo do que eu, do que os outros. Mas vida de circo era assim,
era meio atropelada, era conturbada, como dizem, mas pra mim era... circo era
tudo pra mim, era sangue, era… Até hoje, eu estou na Escola [Nacional] de Circo,
com toda essa idade
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, o pessoal ainda fica [faz onomatopeias de resmungo], “Ih,
o velho gagá!”. Que o velho gagá! Eu já estou com uma certa idade, então o prazer
de estar com esse pessoal aqui é uma beleza. Eles passam energia. Eu chego
tranquilo em casa, tomo meu banho, minha mulher já fica me esperando ansiosa.
Mas é legal.
Frame de vídeo realizado durante a entrevista de Walter Carlo aos autores.
Acervo dos autores. 2017.
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No ano desta entrevista, Walter Carlo tinha 86 anos.
Entrevista com Walter Carlo (Teco)
Entrevista concedida a Alex Machado e Rafael Gonçalves
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Entrevista concedida a Alex Machado e Rafael Gonçalves
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Recebido em: 30/01/2023
Aprovado em:25/03/2023
Universidade do Estado de Santa Catarina
UDESC
Programa de Pós-Graduação em Teatro
PPGT
Centro de Arte CEART
Urdimento
Revista de Estudos em Artes Cênicas
Urdimento.ceart@udesc.br