Máscaras na Palhaçaria de Terreiro e no Corpo-Mandinga: um relato para descolonizar
processos creativos des palhaces
Antonia Vilarinho Cardoso
Florianópolis, v.2, n.47, p.1-17, jul. 2023
a leveza e a tranquilidade.
Há muitos anos, relaciono a palhaçaria ao âmbito do sagrado. Ressalvo, no
entanto, que não levo a palhaçaria para dentro das religiões de matriz africana.
Transmito, isto sim, à palhaçaria uma energia que já existe nela: acredito que as
pessoas que vivem na palhaçaria devem reconhecê-la dentro do Candomblé,
dentro da alegria de Oxumaré, da força de Ogum, da alegria dos Erês e de Exu
Mirim, da dança de Iansã, da criação de Iemanjá, do amor incondicional de Oxum
e da natureza dos caboclos e das caboclas. Proponho que, com as máscaras,
possamos compreender o real significado e a verdadeira face dos Orixás, qual seja,
a energia da palhaçaria.
O Erê incorporado, por exemplo, traz para Fronha, minha palhaça, a alegria;
enquanto o Tranca Rua insere-se em Fronha quando ela produz, dentro de sua
alegria, a seriedade. Em Fronha, misturam-se também as pombas-giras
, como D.
Sete e D. Mulambo, quando se preocupam com a beleza e com o interno feminino,
isto é, com o que uma mulher precisa compreender dentro de si. Busco
demonstrar, com isso, que a palhaçaria cabe dentro dessas figuras oriundas da
religião, gerando boa energia e alegria, e que as ações de palhaces inscrevem-se
dentro do sagrado. Trato o assunto com seriedade, desmistificando-o para adquirir
mais força. Quando me refiro à religião, vejo a teatralidade manifestada em seus
rituais e a Palhaçaria de Terreiro inserida em práticas de teatro, dança e
performance.
Voltando às minhas vivências, lembro-me das festas de minha família em
que meu avô, muito bem vestido, dançava de um jeito interessante, parecendo
uma figura encarnada. Ele usava, com elegância, chapéu e calça de linho. Mais
tarde, quando conheci a entidade de Seu Zé Pelintra
, não pude deixar de associá-
lo a meu avô. Trago essa herança para a Palhaçaria de Terreiro, com minhas
No Brasil, encontramos ainda resquícios de uma outra entidade africana banto de suma importância no ritual
das antigas macumbas e quimbandas, hoje assimiladas pelos rituais umbandistas para o Povo de Rua: a
Pomba-gira, cujo nome seria deriva de
mpomba nizila
, que em quicongo significa encruzilhada. Ela é uma
figura que concentra a energia feminina ativa e que representa o outro lado da sexualidade de Exu. (Ligiéro,
2019, p. 259).
De acordo com nossas pesquisas, Zé Pelintra tornou-se famoso primeiramente no Nordeste, seja como
frequentador assíduo fosse já como uma das entidades dos catimbós de Pernambuco, Paraíba, Alagoas ou
Bahia. Conta-se que ainda muito jovem, era um caboclo violento que brincava por qualquer coisa, mesmo
ser ter razão. (Ligiéro, 2019, p. 119).