Do picadeiro às salas de aula, memórias e reflexões sobre um aprendizado e suas reverberações pedagógicas
Cecília Borges
Florianópolis, v.2, n.47, p.1-21, jul. 2023
atrações ou números de habilidade circense. Como é possível verificar no
depoimento do Palhaço Piquito ao professor Bolognesi (2009, p. 33):
Eu me dediquei mais ao circo-teatro. Existiam três classes de circo: o
circo de primeira classe, a gente falava circo de tiro. Circo de tiro, por
quê? Porque chegava o circo com bicho, com toda aquela coisa,
propaganda e tal, e dava o tiro! Pegava a estreia, no segundo espetáculo
era o mesmo (como até hoje). O povo ia porque pensava que ia assistir
outra coisa. Então, dava aqueles três espetáculos, ou quatro, e se a praça
não é muito boa, ia embora senão... A outra, era o circo de teatro. Ele
tinha também a variedade no picadeiro. Era o circo de segunda parte, que
a gente falava. Por que segunda parte? Segunda parte era o teatro.
Primeira parte era o picadeiro, segunda parte era o teatro. Naquele tempo
não tinha show. E, depois, passou a ser três partes: picadeiro, o show e,
depois, a peça.
Também o Udi Grudi se estruturou nos moldes de um circo-teatro até o final
dos anos 1980, porém, é preciso lembrar que, assim como três dos sócios
fundadores do Udi Grudi, não sou de família circense. Tivemos a honra e a
oportunidade de aprender com alguns membros de uma delas, pois meus colegas
Marcelo Beré, Luciano Porto e Luciano Astiko, logo depois de terem comprado a
lona do circo, conheceram artistas circenses apresentados por aquele que será o
quarto sócio dessa empreitada, o trapezista e equilibrista Fernando Gama
.
Fernando era “bedéu”, uma espécie de fiscal de alunos em um colégio de
Brasília, porém tinha fugido com um circo quando tinha quatorze anos e nele
aprendeu a ser malabarista, equilibrista e trapezista. Foi ele quem apresentou à
trupe, Antônio Alves, o palhaço Saca Rolha, com quem tinha trabalhado no Circo
Zambrota. Saca Rolha nos transmitiu oralmente muito do que sabia, entre
esquetes, entradas, comédias e gags que formavam o repertório do circo-teatro
Udi Grudi.
O Udi Grudi, como outros circos-teatro observados por Mario Bolognesi em
sua pesquisa, tinha recursos escassos e mesmo um repertório de comédias e
números restrito ou, como dizíamos no momento de decidir o que “levar” no dia,
Em 1981, na fase embrionária da trupe, que mesclava música com acrobacias, antes de comprarem a lona
circense, Luciano Porto conheceu, em uma viagem que fez a Morro de São Paulo (BA), Olney de Abreu, um
dos integrantes e fundadores da Companhia de teatro e circo Abracadabra de São Paulo. Quando Olney
esteve em Brasília, em 1983, os membros da trupe brasiliense promoveram um encontro para aprenderem
a cuspir fogo. Depois disso, Luciano encontrou Olney em São Paulo e com ele comprou seu primeiro
monociclo. Informação obtida em entrevista concedida por Luciano Porto em outubro/2020.