1
Experiências com o nariz vermelho – saúde e o
corpo que envelhece
Cristina Andrade Filus | Caroline Munhoz Machado
Elizandra Garcia da Silva | Gláucia Andreza Kronbauer
Para citar este artigo:
FILUS, Cristina Andrade; MACHADO, Caroline Munhoz;
SILVA, Elizandra Garcia da; KRONBAUER, Gláucia
Andreza. Experiências com o nariz vermelho saúde
e o corpo que envelhece.
Urdimento
Revista de
Estudos em Artes Cênicas, Florianópolis, v. 2, n. 47, jul.
2023.
DOI: http:/dx.doi.org/10.5965/1414573102472023e0109
Este artigo passou pelo
Plagiarism Detection Software
| iThenticate
A Urdimento esta licenciada com: Licença de Atribuição Creative Commons (CC BY 4.0)
Experiências com o nariz vermelhosaúde e o corpo que envelhece
Cristina Andrade Filus | Caroline Munhoz Machado
Elizandra Garcia da Silva | Gláucia Andreza Kronbauer
Florianópolis, v.2, n.47, p.1-28, jul. 2023
2
Experiências com o nariz vermelho
1
saúde e o corpo que
envelhece
2
Cristina Andrade Filus
3
| Caroline Munhoz Machado
4
Elizandra Garcia da Silva
5
| Gláucia Andreza Kronbauer
6
Resumo
O texto que aqui se inicia trata das experiências com a figura do palhaço em oficinas
realizadas pelo projeto Circo em Contextos, junto à Universidade Aberta da Terceira
Idade (UATI), no ano de 2022. Tem como objetivo relatar e discutir a pedagogia do
palhaço e suas relações com a saúde e a Educação Física em um grupo de mulheres
idosas, a partir do compartilhamento de memórias e das experiências corporais com
os jogos de palhaçaria. Participaram dos encontros semanais 18 mulheres
integrantes da UATI, de idade entre 55 e 90 anos. Foram realizadas 13 aulas de 45
minutos cada, abordando-se conhecimentos sobre palhaço e jogos expressivos com
ênfase na palhaçaria. Tendo em vista que o palhaço constrói com aquilo que é
ridículo, inusitado, com as imperfeições inerentes à condição humana, o trabalho
realizado possibilitou às mulheres participantes uma nova atitude frente ao corpo
que envelhece, encarando suas fragilidades, reelaborando-as como potência.
Palavras-chave
: Palhaço. Educação do corpo. Mulheres idosas.
1
Revisão ortográfica, gramatical e contextual do artigo realizada por Carolina Piechotta Martins Santos
(Doutora em Linguística pela Universidade Federal do Rio de Janeiro).
2
Este trabalho recebeu financiamento da Superintendência de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior do
Estado do Paraná, por meio do Programa Universidade Sem Fronteiras.
3
Mestranda em Educação pela Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO). Especialista em
Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental pela UniCesumar; Licenciada em Educação Física
pela UNICENTRO. Professora dos projetos de extensão Circo em Contextos e Artes do Corpo e Educação.
cristinafilus@gmail.com
http://lattes.cnpq.br/7175342125544741 https://orcid.org/0000-0003-4356-4351
4
Licenciada em Educação sica pela Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO). Bacharel em
Educação Física pela UNIASSELVI. Professora dos projetos de extensão Circo em Contextos e Artes do Corpo
e Educação. karol_v_@hotmail.com
http://lattes.cnpq.br/7175342125544741 https://orcid.org/0000-0001-8255-8910
5
Doutora em Educação pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Mestre em Educação pela
Universidade Federal de Maringá (UEM). Graduada em Educação Física pela UEM. Docente no Instituto de
Educação Física, Residência Multiprofissional em Saúde e Programas de Pós-Graduação em Educação e
Neurologia/Neurociências da Universidade Federal Fluminense (UFF). Coordenadora do Projeto de Extensão
Prax-circense/PROEXT/UFF. elizandragarcia@hotmail.com
http://lattes.cnpq.br/1822479471813746 http://orcid.org/0000-0002-1580-156X
6
Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Mestre em Ciências do
Movimento Humano pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Graduação em Educação
Física pela Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC). Docente do Departamento de Educação Física e do
Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO).
Coordenadora dos projetos de extensão Circo em Contextos e Artes do Corpo e Educação.
glaucia.kronbauer@gmail.com
http://lattes.cnpq.br/3052430705928103 https://orcid.org/0000-0003-2338-7685
Experiências com o nariz vermelhosaúde e o corpo que envelhece
Cristina Andrade Filus | Caroline Munhoz Machado
Elizandra Garcia da Silva | Gláucia Andreza Kronbauer
Florianópolis, v.2, n.47, p.1-28, jul. 2023
3
Red nose experiences health and the aging body
Abstract
The text that begins here deals with the experiences with the figure of the
clown in workshops carried out by the Circo em Contextos project, together
with the Open University of the Third Age (UATI), in the year 2022. It aims to
report and discuss the pedagogy of clowns and their relationships with health
and Physical Education in a group of elderly women, based on sharing
memories and bodily experiences with clown games. The weekly meetings
were attended by 18 women members of the UATI, aged between 55 and 90
years old. Thirteen classes of 45 minutes each were held, addressing
knowledge about clowns and expressive games with an emphasis on
clowning. Bearing in mind that the clown builds with what is ridiculous,
unusual, with the imperfections inherent to the human condition, the work
carried out enabled the participating women to have a new attitude towards
the aging body, facing its weaknesses, re-elaborating them as a power.
Keywords
: Clown. Body education. Elderly women.
Experiencias de nariz roja: la salud y el cuerpo que envejece
Resumen
El texto que aquí comienza trata de las experiencias con la figura del payaso
en talleres realizados por el proyecto Circo em Contextos, junto a la
Universidad Abierta de la Tercera Edad (UATI), en el año 2022. Tiene como
objetivo relatar y discutir la pedagogía del payaso y sus relaciones con la salud
y la Educación Física en un grupo de ancianas, a partir del intercambio de
memorias y experiencias corporales con juegos del payaso. A las reuniones
semanales asistieron 18 mujeres integrantes de la UATI, con edades entre 55
y 90 años. Se realizaron trece clases de 45 minutos cada una, abordando
conocimientos sobre payasos y juegos expresivos con énfasis en el payaso.
Teniendo en cuenta que el payaso construye con lo ridículo, lo insólito, con
las imperfecciones inherentes a la condición humana, el trabajo realizado
permitió a las mujeres participantes tener una nueva actitud frente al cuerpo
envejecido, enfrentando sus debilidades, reelaborándolas como una potencia.
Palabras Clave
: Payaso. Educación corporal. Mujeres ancianas.
Experiências com o nariz vermelhosaúde e o corpo que envelhece
Cristina Andrade Filus | Caroline Munhoz Machado
Elizandra Garcia da Silva | Gláucia Andreza Kronbauer
Florianópolis, v.2, n.47, p.1-28, jul. 2023
4
Introdução
O texto que aqui se inicia trata das experiências de palhaçaria com um grupo
de idosas da Universidade Aberta da Terceira Idade (UATI), realizadas em 2022. As
práticas corporais circenses, entre as quais destacamos a palhaçaria, são
patrimônio cultural da humanidade. Enquanto patrimônio, são apropriadas e
propagadas nos mais diversos espaços e das mais variadas formas, tendo em vista
as amplas possibilidades de ensino-aprendizagem que elas oferecem, seu
potencial crítico e criativo e a sua capacidade de estimular formas diversas de
viver e transformar corporalmente a realidade (Duprat; Bortoleto, 2007; Kronbauer,
2018; Trevizan; Chagas; Kronbauer, 2018; Lira; Kronbauer, 2022).
Partimos do entendimento da Educação Física como área do conhecimento
que trata, pedagogicamente, dos elementos da cultura corporal, dentre eles as
práticas corporais circenses, e, ao nos reportarmos ao ensino de tais atividades, o
levantamento do estado da arte evidencia o crescimento de publicações sobre o
trato pedagógico dado a esse conhecimento, ocorrido nos últimos 30 anos. Duprat,
Barragán e Bortoleto (2014, p. 122) destacaram também a ampliação dos campos
de atuação, “[...] atendendo a diferentes objetivos como artístico, social,
terapêutico, educativo, lazer, condicionamento físico entre outros”. Ainda que
condicionado pelos diferentes campos de atuação profissional, todos os objetivos
destacados pelos autores estão presentes no ensino das práticas corporais
circenses como uma totalidade, mesmo com a predominância de um ou de outro.
Neste sentido, conservado o princípio da totalidade, recortamos, para este estudo,
o ensino da palhaçaria e suas relações com a saúde em um grupo de mulheres
idosas.
Fruto das necessidades de superação do feudalismo e consolidação do modo
de produção capitalista, historicamente, a saúde se constituiu como objeto
hegemônico da Educação Física. A concepção higienista, com o objetivo de
assepsia social, buscava sustentação na filosofia positivista e nas explicações
biológicas para os comportamentos humanos, fundamentando os métodos
ginásticos europeus, futuramente tornados Educação Física, desde o século XVII
Experiências com o nariz vermelhosaúde e o corpo que envelhece
Cristina Andrade Filus | Caroline Munhoz Machado
Elizandra Garcia da Silva | Gláucia Andreza Kronbauer
Florianópolis, v.2, n.47, p.1-28, jul. 2023
5
até o XIX (Soares, 2013). Contudo, grande parte de suas técnicas buscou referências
nas práticas corporais das feiras, praças e circos, na arte acrobática, no
funambulismo, no malabarismo, ocultando-se os elementos artísticos sob a égide
do racionalismo técnico-científico (Soares, 2013). Tais métodos podem ser
considerados como o enraizamento da Educação Física brasileira.
Mesmo com muitos avanços, observamos que, na Educação Física,
permanece a preponderância da concepção de ciência alicerçada em bases
positivistas (Silva, 1990; 1997, apud Frizzo, 2010). Com vias à superação desse
fenômeno, no presente trabalho buscamos incorporar a historicidade da área e
superá-la, em especial ao trazermos à baila a saúde como coletiva e no contexto
sócio-histórico que a determina.
Cabe mencionar que a inserção do professor de Educação Física no âmbito
da saúde pública é recente e ainda não se encontra consolidada. Consideramos
ser recente por ter se dado por meio da Portaria nº 154 de 24 de janeiro de 2008,
quando o Ministério da Saúde criou Núcleos de Apoio à Saúde da Família/NASF e,
dentre as ocupações que o comporiam, se encontra o professor de Educação
Física. Afirmamos não estar consolidada, pois ainda são poucos os professores de
Educação Física atuando no NASF (Brasil, 2008). Destaca-se os “[...] contratos
temporários que não viabilizam um trabalho de continuidade” (Vespasiano et al.,
2017, p. 80), agravados pela precarização e flexibilização que caracterizam o
próprio modelo de trabalho prestado temporariamente (Gonçalves, 2019) e
insuficiência de concursos públicos para esses profissionais.
Outro fator que consideramos importante se inscreve no rol dos
conhecimentos ensinados pelos professores de Educação Física. Estudos
identificaram que o trabalho dos professores realizado “[...] na atenção básica está
predominantemente centrado em pessoas idosas e/ou portadoras de Doenças
Crônicas Não Transmissíveis (DCNT) e no desenvolvimento de caminhadas e
atividades lúdicas e de fortalecimento muscular” (Vespasiano et al., 2017, p. 81).
Nota-se, portanto, que os conteúdos da cultura corporal envidados no sentido
mais generalista, envoltos também à formação estética, artística e cultural,
contidos no ensino das práticas corporais circenses, por exemplo, parecem figurar
segundo plano.
Experiências com o nariz vermelhosaúde e o corpo que envelhece
Cristina Andrade Filus | Caroline Munhoz Machado
Elizandra Garcia da Silva | Gláucia Andreza Kronbauer
Florianópolis, v.2, n.47, p.1-28, jul. 2023
6
Nesse sentido, entendemos que a universidade pública como instituição
formadora desses professores é um espaço privilegiado para produzir e
democratizar conhecimentos junto à comunidade, por meio da articulação entre
o ensino, a pesquisa e a extensão.
As Diretrizes para a Extensão na Educação Superior Brasileira definem a
extensão como uma atividade que deve ser articulada com o ensino e a pesquisa,
um processo interdisciplinar, cultural, científico, político, educacional e
tecnológico, que visa promover a interação dialógica da comunidade acadêmica
com a sociedade por meio da aplicação e produção de conhecimento (Brasil, 2018).
Por isso, ela se torna um importante
locus
para traçar um diálogo entre o
conhecimento acadêmico e a pedagogia das práticas corporais circenses no
campo da saúde, em especial na saúde do idoso. Os projetos de extensão que
tematizam o circo têm se mostrado importantes no processo de valorização da
arte e vem contribuindo para que a universidade cumpra seu compromisso social
com a comunidade (Lira; Kronbauer, 2022; Trevizan; Chagas; Kronbauer, 2018;
Barragán, et. al. 2016; Kronbauer; Scorsin; Trevizan, 2013).
Este texto trata das experiências com a figura do palhaço em oficinas
realizadas pelo projeto Circo em Contextos, junto à UATI, no ano de 2022. Tem
como objetivo relatar e discutir a pedagogia do palhaço e suas relações com a
saúde e a Educação Física em um grupo de mulheres idosas, a partir do
compartilhamento de memórias e das experiências corporais com os jogos de
palhaçaria.
Educação Física, saúde e circo no cenário da produção
acadêmica brasileira
Nesta sessão, nos dedicamos a um breve resgate das relações históricas
entre Educação Física, saúde e circo e sua presença nas discussões acadêmicas
brasileiras. Como anunciado, Educação Física, saúde e circo tiveram,
historicamente, aproximações e distanciamentos, radicados na obediência às
necessidades das classes dirigentes.
Para adentrar a essas discussões, tomamos por recorte o contexto histórico
Experiências com o nariz vermelhosaúde e o corpo que envelhece
Cristina Andrade Filus | Caroline Munhoz Machado
Elizandra Garcia da Silva | Gláucia Andreza Kronbauer
Florianópolis, v.2, n.47, p.1-28, jul. 2023
7
da transição entre os modos de produção feudal e capitalista e, em especial, a
consolidação do capitalismo. Desde a transição entre ambos os modos de
produção, o positivismo, o biologicismo, o higienismo se constituíram nos
principais fundamentos da relação entre Educação Física e saúde. Sustentada por
estes fundamentos, a saúde era entendida como aspecto vinculado ao indivíduo,
sublinhando suas características físicas, naturais e morais e desvinculado a saúde
do contexto social que a determina (Soares, 2013).
Sob essas bases, foram fundados os métodos ginásticos, que serviram à
classe burguesa em ascensão na consolidação do modo de produção capitalista,
que tem por um de seus princípios a exploração da classe trabalhadora.
Especialmente sob as bases higienistas, esses métodos ginásticos objetivavam a
formação física e moral dos operários e incidiram, de forma moralizadora,
normativa, adaptativa, sobre a mesma, inclusive em suas vidas privadas, tendo
correções de seus hábitos, costumes, valores e crenças (Soares, 2013).
Nesse contexto social, no século XIX, as práticas corporais foram
apropriadas pelo “Movimento Ginástico Europeu” para a “educação do corpo”,
como categorizou Soares (2013, p. 19). Com objetivo de educar o corpo eficiente
7
,
moldado e adestrado, observa-se um processo de expropriação de práticas
corporais, como o circo, para uso como ferramenta de higiênica. Vale destacar,
dos estudos de Soares (2013, p. 20), que esse Movimento
[...] constrói-se a partir das relações cotidianas, dos divertimentos e festas
populares, dos espetáculos de rua, do circo, dos exercícios militares, bem
como de passatempos da aristocracia. Possui em seu interior princípios
de ordem e disciplina coletiva que podem ser potencializados. Para sua
aceitação, porém, esses princípios de disciplina e ordem não são
suficientes. Ao movimento ginástico é exigido o rompimento com seu
núcleo primordial, cuja característica dominante se localiza no campo
dos divertimentos.
Para compor os métodos ginásticos, portanto, essas práticas corporais
também foram assepsiadas e trasladadas em exercícios com fins de educar os
7
Neste trabalho, utilizamos o conceito mecânico de eficiência que pressupõe maior resultado com menor
dispêndio. Assim, a eficiência corporal no modo de produção capitalista diz respeito à capacidade do corpo
em produzir trabalho útil com menor gasto de energia e, por isso, contempla diversos aspectos da aptidão
física, como agilidade, força, resistência, entre outros. Segundo Soares (2013), os corpos circenses eram
vistos como corpos ineficientes, pois gastavam muita energia sem produzir trabalho útil.
Experiências com o nariz vermelhosaúde e o corpo que envelhece
Cristina Andrade Filus | Caroline Munhoz Machado
Elizandra Garcia da Silva | Gláucia Andreza Kronbauer
Florianópolis, v.2, n.47, p.1-28, jul. 2023
8
corpos individuais para integrar a engrenagem do sistema capitalista em formação.
Radicada nos métodos ginásticos europeus, a Educação Física brasileira da
primeira metade do século XX se fundamentou nesses mesmos princípios (Soares,
2013). Um exemplo de sua interlocução com as práticas circenses se expressa no
Pequeno Tratado de Acrobacia e Gymnastica, de autoria do circense Raul
Olimecha, publicado na década de 1920, ao propor o ensino de uma “ginástica
educativa” em colégios do Rio de Janeiro (Lopes, Ehrenberg e Silva, 2021, p. 01).
No curso histórico, apesar do desenvolvimento de tendências e abordagens
metodológicas do ensino da Educação Física que ampliaram a fundamentação
teórica da mesma e incorporaram novos olhares, ainda é marcante, nas pesquisas
da área, os fundamentos positivistas de ciência, como evidencia os estudos de
Silva (1990;1997, apud Frizzo, 2010).
Ao adentrarmos às publicações do quadriênio 2013-2016 do Qualis-Periódicos
(CAPES, 2019), disponível na Plataforma Sucupira, e utilizarmos os termos “circo e
saúde” e “circense e saúde”, identificamos apenas sete artigos, dos quais três
caminham no sentido do ensino de circo por professores de Educação Física,
endereçados ao campo da saúde. O primeiro evidencia a abertura para as práticas
corporais artísticas, lúdicas e estéticas, no campo da saúde coletiva, mas se pauta
na avaliação de indicadores biológicos de saúde, tais como medidas
antropométricas e mostras sanguíneas. Da mesma forma, o segundo estudo
utiliza as práticas corporais circenses como fatores de intervenção em
componentes da aptidão física de crianças. Ambos assumem a perspectiva de
uma Educação Física funcionalista, fundada na saúde individual, sob bases
biológicas e positivistas.
o artigo “Circo em contextos: diálogos entre a cultura e a extensão
universitária” apresentou o relato de experiência do ensino de circo da extensão
universitária. Tal produção parte do princípio da busca constante da humanidade
pelo conhecimento produzido sócio-historicamente e, em especial, nos subsidia
com fundamentos teóricos da importância da retomada dos aspectos estéticos e
artísticos que constituem essa cultura corporal. Nas palavras das autoras:
[...] sendo o corpo a materialização da nossa existência, nosso meio de
humanização; sendo o circo uma construção humana para o atendimento
Experiências com o nariz vermelhosaúde e o corpo que envelhece
Cristina Andrade Filus | Caroline Munhoz Machado
Elizandra Garcia da Silva | Gláucia Andreza Kronbauer
Florianópolis, v.2, n.47, p.1-28, jul. 2023
9
às nossas necessidades estéticas e importante agente de disseminação
cultural; sendo a educação o processo de socialização de conhecimentos
construídos culturalmente pela humanidade ao longo da história, que
ensina o ser humano a ser humano; as práticas corporais circenses tem
importante papel na formação de seres humanos que reconheçam em si
a potência para a formação e a transformação de suas formas de
existência (Trevizan; Chagas; Kronbauer, 2018, p. 133).
Nesse estudo, são relatadas experiências de ensino das práticas corporais
circenses no Programa Saúde da Família/PSF, palhaçaria e experiências de
movimento com pacientes dos setores clínicos e de internamento de um hospital,
e oficinas realizadas com idosos, que possibilitou o resgate da “[...] memória,
socialização do grupo, manipulações de objetos, comunicação, expressão corporal
[...], dentre outros” (Trevizan; Chagas; Kronbauer, 2018, p. 133). Além disso, as ações
descritas contribuíram para a formação generalista dos estudantes extensionistas,
aptos a atuarem pedagogicamente com as práticas corporais circenses em
diferentes campos da Educação Física.
Ao atentarmos para a produção em programas de Pós-Graduação, ao
pesquisarmos especificamente os termos “idoso e circo”, “idoso e circense”, “idoso
e palhaço” junto à Biblioteca Nacional de Teses e Dissertações (BDTD, 2023), da
mesma forma encontramos poucos trabalhos. Entre as pesquisas encontradas,
algumas se pautavam somente em avaliar aspectos da aptidão física após
intervenção com atividades física e quatro dissertações contemplavam o circo a
partir de uma perspectiva generalista de saúde. Dessas, três tematizavam
intervenções com o palhaço junto a idosos institucionalizados e uma utilizava a
ludicidade do palhaço como instrumento de interlocução entre o conhecimento
científico sobre saúde e a população leiga. Novamente, evidenciamos a ausência
de trabalhos que instrumentalizem para o ensino das práticas corporais circenses
em espaços não escolares. Esse cenário aponta a necessidade de ampliação das
pesquisas e da atuação do professor de Educação Física, em especial, no ensino
de circo e da palhaçaria para idosos, entendendo a ludicidade e o riso como
elementos integrantes da saúde.
O palhaço, o riso e os modos de ser corpo no mundo
A figura cômica associada ao palhaço não nasceu no circo. Encontram-se
Experiências com o nariz vermelhosaúde e o corpo que envelhece
Cristina Andrade Filus | Caroline Munhoz Machado
Elizandra Garcia da Silva | Gláucia Andreza Kronbauer
Florianópolis, v.2, n.47, p.1-28, jul. 2023
10
registros de personagens cômicos muito antes de um picadeiro existir. No Egito,
havia a figura do Bufão Danga; na China, o Yu Sze; na Índia, o Vidusaka e Vita; na
Grécia, os gelotopoioi e parasitas; em Roma, os Cicirrus e stupidus (Castro, 2005).
No Brasil, o Hotxuá é uma figura central na organização do povo Krahô, responsável
pela sagrada manifestação do riso. Para os Krahô, o riso está relacionado à saúde
do corpo e à alma e, por isso, os Hotxuás são verdadeiros curandeiros (Sena;
Oliveira, 2021). Essa figura cômica recebeu, ao longo da história, nomes distintos
como clown, grotesco, truão, excêntrico, bobo, tony, augusto, jogra (Castro, 2005).
Todas essas nomenclaturas carregam em si um signo social, o signo do riso,
porém, foi no circo moderno que essa figura cômica ficou conhecida como
palhaço
8
(Castro, 2005).
A
Commedia dell’Arte
, manifestação teatral que surgiu na Itália Renascentista
como uma alternativa ao teatro elitista, também tem centralidade na comicidade
e influenciou as formas de se criar e ser palhaço. Seus espetáculos se constroem
a partir de um enredo, mas o texto se no improviso. Seus personagens se
repetem a cada espetáculo e expressam arquétipo humanos: um servo ágil e
malandro; uma criada graciosa, inteligente e hábil em conduzir situações em seu
favor; um patrão rico, conservador e mesquinho; um charlatão fajuto, com pose
de intelectual; um capitão covarde, preguiçoso e fanfarrão; um servo fiel, honesto
e ingênuo; entre outros. Suas apresentações acontecem em torno de quatro
aspectos principais: amor, dinheiro, trabalho e comida. Há, ainda, “muita ênfase na
sobrevivência dos deserdados pela sorte, em sua eterna luta para enganar os ricos
e tentar tirar deles algo com que viver melhor” (Vendramini, 2001, p. 60).
Atualmente os tipos clássicos mais conhecidos são o Branco, o Augusto e,
em alguns casos, o Contra-Augusto (Sena; Oliveira, 2021). Segundo Bolognesi
(2003), o
clown
Branco representa a ordem e tem como característica a boa
educação, tem gestos finos, elegantes, usa roupas brilhosas acompanhadas de um
chapéu em forma de cone, sua maquiagem cobre o rosto de branco, realça os
lábios com vermelho e evidencia as sobrancelhas. Esse tipo de clown representa
“[...] um burguês, que de entrada, procura surpreender com sua aparência de rico,
8
Segundo Burnier (2009), os termos clown e palhaço são distintos. Existem diferenças relacionadas à linha
de trabalho que é adotada por eles. No entanto, na linguagem coloquial, costuma-se utilizar esses termos
para designar aquele personagem do circo que faz rir.
Experiências com o nariz vermelhosaúde e o corpo que envelhece
Cristina Andrade Filus | Caroline Munhoz Machado
Elizandra Garcia da Silva | Gláucia Andreza Kronbauer
Florianópolis, v.2, n.47, p.1-28, jul. 2023
11
poderoso e, maravilhoso e, possui graça, harmonia, inteligência, e lucidez, sendo o
moralista, que tem ideais” (Sena; Oliveira, 2021, p 15).
O Augusto, ao contrário do Branco, se apresenta como pobre, humilde e tem
relação com a vida campesina (Sena; Oliveira, 2021). O clown Augusto representa
o marginal, se caracteriza por seu jeito desajeitado, estúpido, indelicado, as roupas
são extremamente largas e os calçados muitos grandes. Tudo nele é exagerado,
inclusive a maquiagem que dá ênfase à boca, aos olhos e, principalmente, ao nariz
vermelho (Bolognesi, 2003).
Apesar de terem características opostas, o Branco e o Augusto se
complementam em cena, um domina e o outro é dominado. Existe ainda um
terceiro tipo de
clown
: o Contra-Augusto. Ele é um meio-termo entre o Branco e
o Augusto, se caracteriza como um puxa-saco e traz características dos dois: a
delicadeza, o autoritarismo e a inteligência do Branco; e a ingenuidade, a
submissão, o grotesco e a tolice do Augusto (Sena; Oliveira, 2021). Reconhece-se,
nesses arquétipos, a relação entre oprimido e opressor.
Tais elementos dialogam com as análises realizadas por Bakhtin sobre a
cultura popular, nos teatros de rua, nos espetáculos de variedades das feiras da
Idade Média
9
, com especial atenção aos signos corporais, que continuam sendo
encontrados na arte cômica contemporânea. Se a organização social dominante
na época estava interessada em manter privilégios e posições hierárquicas, tal
ideologia estava presente no corpo coisificado da arte elitista, que elevava, ao nível
das ideias, tudo o que, segundo a elite, era central, puro e superior:
[...] é um corpo perfeitamente pronto, acabado, rigorosamente delimitado,
fechado mostrado do exterior, sem mistura, individual e expressivo. [...]
Todos os sinais que denotam o inacabamento, o despreparo desse corpo,
são escrupulosamente eliminados, assim como todas as manifestações
aparentes de sua vida íntima (Bakhtin, 2013, p. 279).
Por outro lado, Bakhtin descreveu as maneiras encontradas pela arte popular
para expressar as contradições de sua época. Cria-se um outro corpo, o corpo
popular, exposto, inacabado, incompleto, transmutável, criador de novos modos
9
Em
A Cultura Popular na Idade Média
, Bakhtin analisa as influências populares presentes na obra do escritor
François Rabelais (Bakhtin, 2013).
Experiências com o nariz vermelhosaúde e o corpo que envelhece
Cristina Andrade Filus | Caroline Munhoz Machado
Elizandra Garcia da Silva | Gláucia Andreza Kronbauer
Florianópolis, v.2, n.47, p.1-28, jul. 2023
12
de vida e organização, o corpo grotesco, expressão da luta de classes de uma
época. O corpo popular da Idade Média e do Renascimento se mostrou palco de
resistência, espaço para o contraditório, sátira aos costumes da nobreza e às
crenças religiosas. A corporificação da vida tornou-se elemento de transgressão
dessa ordem.
No realismo grotesco (isto é, no sistema de imagens da cultura cômica
popular), o princípio material e corporal aparece sob a forma universal,
festiva e utópica. O cósmico, o social e o corporal estão ligados
indissoluvelmente numa totalidade viva e indivisível. [...] O princípio
material e corporal é percebido como universal e popular, e como tal
opõe-se a toda separação das raízes materiais e corporais do mundo, a
todo isolamento e confinamento em si mesmo, a todo caráter ideal
abstrato, a toda pretensão de significação destacada e independente da
terra e do corpo (Bakhtin, 2013, p. 17).
Esses elementos estão presentes nos arquétipos da
Commedia dell’ Arte
, nos
tipos cômicos do Branco e do Augusto, na teatralidade dos palhaços
contemporâneo. O corpo do palhaço é um corpo desajustado, atrapalhado, seus
pés são desproporcionais, seu nariz é grande, redondo e vermelho, ele tropeça em
seus próprios sapatos ao caminhar. Se para alguns essa configuração é motivo de
riso, para muitos provoca repulsa. O palhaço brinca com as fragilidades humanas,
ele trabalha com o erro e expõe aquilo que nos esforçamos para esconder (Kasper,
2004).
Temos medo de perder, de fracassar, de parecer idiotas, ser objeto de riso.
Todas as coisas de que morremos de medo de que os outros pensem a respeito
de nós constituem o lugar onde o palhaço constrói: “Há uma positividade no erro.
O erro não atrapalha ou destrói, mas cria. Uma coisa que não certo, pode ser
também a oportunidade do surgimento de outra - talvez até então impensada -,
de transformar as coisas” (Kasper, 2004, p. 63).
O trabalho com o palhaço na elaboração de formas singulares de ser corpo
e de bem viver corporalmente promove questionamentos, deslocamentos e
incômodos rumo à desnaturalização do corpo, auxiliando também na construção
de uma Educação Física mais expressiva, artística, estética e, principalmente,
inclusiva (Miranda; Lara, 2015).
Experiências com o nariz vermelhosaúde e o corpo que envelhece
Cristina Andrade Filus | Caroline Munhoz Machado
Elizandra Garcia da Silva | Gláucia Andreza Kronbauer
Florianópolis, v.2, n.47, p.1-28, jul. 2023
13
A partir das reflexões apresentadas até aqui, percebemos que o palhaço se
torna figura potente para lidar com a diversidade de condições de ser corpo no
mundo, “[...] na configuração de uma outra lógica para pensar o corpo e todos os
fenômenos a ele ligados, inclusive no que diz respeito a sua expressão gestual”
(Soares; Madureira, 2005, p. 85). Por isso, algum tempo, temos percebido a
ampliação das iniciativas que buscam integrar as técnicas de palhaçaria e a
diversidade corporal. Na área da saúde, a Educação Física desponta em ações que
têm como objeto de intervenção o palhaço junto aos corpos que escapam dos
padrões midiáticos de eficiência, juventude e beleza. Ao retomar os aspectos
artísticos das práticas corporais que foram desprezados ao longo da história,
possibilita conduzir e orientar os usos e abusos do corpo em diálogo com a arte,
promovendo experiências subjetivas e sensíveis que auxiliam no reconhecimento
das potencialidades corporais.
O palhaço atua em diversos espaços e tem a potência de subverter a lógica
e transgredir as barreiras (Zaim-De-Melo; Godoy; Bracialli, 2020). Para Miranda
(2011), trabalhar o clown na Educação Física contribui para construção de um
pensamento crítico e criativo que potencializa a perspectiva transgressora e
confronta a padronização do corpo como ação de resistência à sociedade que
oprime o potencial criador do ser humano.
Ao analisar a atuação de palhaços em hospitais, por exemplo, Masetti (2003)
afirma que a pessoa hospitalizada tem sua existência limitada à rotina hospitalar,
aos procedimentos médicos e à sua própria condição considerada “incapacitante.
Em geral, aquele ambiente restringe o olhar do paciente e de todos os que
compartilham da sua situação aos aspectos do corpo biológico, que naquele
momento são limitadores da existência. Nesse caso, acontecimentos que
interfiram nessa rotina como a execução de ações corporais e a presença dos
palhaços devolve ao paciente a autonomia sobre si, por meio da recuperação de
sua existência corporal, que havia se tornado mero objeto de intervenção médica.
As imperfeições humanas expressas pelo palhaço transformam o corpo de uma
condição limitante de doente para uma condição humana que carrega todo o seu
devir.
Experiências com o nariz vermelhosaúde e o corpo que envelhece
Cristina Andrade Filus | Caroline Munhoz Machado
Elizandra Garcia da Silva | Gláucia Andreza Kronbauer
Florianópolis, v.2, n.47, p.1-28, jul. 2023
14
Tais implicações incidem também sobre o corpo idoso, uma vez que ele não
compartilha mais dos valores de eficiência, beleza e juventude que referenciam a
condição de ser corpo no mundo atual (Kronbauer; Scorsin; Trevizan, 2013). O
corpo idoso não possui mais a mesma agilidade, a mesma força, a mesma
eficiência e sua expressividade se delineia em rugas carregadas de memória. Por
isso, acreditamos que a palhaçaria contribui para a ressignificação do corpo idoso
em toda sua potência.
Experiências com o nariz vermelho sobre mulheres idosas,
corpo e saúde
O Circo em Contextos é um projeto de extensão lotado no Departamento de
Educação Física da UNICENTRO, campus Irati. Atua na oferta de oficinas de
práticas corporais circenses para a comunidade e de cursos de formação de
professores, com o intuito de ampliar a presença do circo nas práticas de lazer e
na educação escolar (Trevizan; Chagas; Kronbauer, 2018).
Apresentaremos, a seguir, as experiências do Circo em Contextos com a
figura do palhaço junto às idosas da UATI (UNICENTRO), no ano de 2022. Trata-se
de uma pesquisa-ação, realizada pelas professoras, cuja metodologia “[...] contribui
no sentido de permitir, aos pesquisadores e aos sujeitos envolvidos na pesquisa,
interagirem e interferirem no seu próprio ambiente, sem, contudo, separar a
pesquisa da ação pensada para a solução do problema [...]”, em busca da
transformação da realidade (Corrêa; Campos; Almagro, 2018, p. 71). Como fontes
para a pesquisa, utilizamos os materiais produzidos pelas participantes, como
desenhos ou pequenos textos, os planos de aula, os diários de campo produzidos
pelas professoras, após cada oficina, e a pesquisa bibliográfica. As fontes relativas
ao trabalho de campo serão escritas em itálico para diferenciá-las das citações
bibliográficas. Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa da
UNICENTRO (CAAE 58161522.0.0000.8967).
A equipe executora da ação a ser relatada foi composta por uma professora
coordenadora do projeto e duas professoras de Educação Física recém-formadas.
Experiências com o nariz vermelhosaúde e o corpo que envelhece
Cristina Andrade Filus | Caroline Munhoz Machado
Elizandra Garcia da Silva | Gláucia Andreza Kronbauer
Florianópolis, v.2, n.47, p.1-28, jul. 2023
15
Os planos de aula eram elaborados previamente pela equipe executora do projeto.
O tema palhaço/clown foi abordado em sua historicidade, processos criativos,
atuação nos mais diversificados espaços, ações atreladas às questões sociais e,
ainda, por sua potencialidade como meio de educação para a saúde. O mundo do
nariz vermelho é cheio de possibilidades.
Participaram das oficinas 18 mulheres idosas integrantes da UATI vários
anos, de idade entre 55 e 90 anos, que se conhecem e possuem vínculos de
amizade. As oficinas eram semanais, cada aula tinha duração de quarenta e cinco
minutos e ocorreram nas dependências da UNICENTRO,
campus
Irati, em espaços
variados, como o Pavilhão Didático, uma quadra aberta, uma sala de aula e o
bosque. Os conteúdos abordados foram atividades expressivas, rítmicas e
circenses, como acrobacias de solo individuais, malabares com lenços, bolinhas,
claves e
swings
de fita e jogos expressivos com ênfase na palhaçaria.
O Quadro 1 apresenta a sistematização das atividades realizadas com as
idosas. No ano de 2022, entre os conteúdos circenses trabalhados na oficina,
totalizamos 13 aulas sobre palhaçaria. Os planos de atividades foram construídos
com base nas propostas de Miranda (2011), Monteiro Jr, Parma e Bortoleto (2008)
e Kronbauer (2018; 2019), Zaim-de-Melo, Godoy e Bracialli (2020).
Quadro 1 Síntese das atividades realizadas nas aulas sobre a arte da palhaçaria
Plano/data
Conteúdos
1
25/08/2022
Aula 1
: Avaliação diagnóstica - conhecer a visão das alunas sobre
o palhaço; apresentação de slides - a aspectos históricos e
arquétipos do palhaço; se eu fosse uma palhaça como seria?
Aula 2
: Discussão de excertos da tese de Kasper (2004);
Imaginando a palhaça que eu poderia ser.
2
01/09/022
Aula 3:
Relembrar e compartilhar memórias sobre o
clown/palhaço;
Aula 4
: Leitura do texto
Os caminhos do palhaço
de Rodrigo
Roblenõ; Atividade Faça-me Rir.
3
15/09/2022
Aula 5
: O corpo do palhaço no espaço - Corpo espalhafatoso
e corpo comedido
4
29/09/2022
Aula 6
: A sensibilidade do palhaço - improvisação com os
objetos; Expressão e voz; Jogo do palhaço - roubando o foco
Experiências com o nariz vermelhosaúde e o corpo que envelhece
Cristina Andrade Filus | Caroline Munhoz Machado
Elizandra Garcia da Silva | Gláucia Andreza Kronbauer
Florianópolis, v.2, n.47, p.1-28, jul. 2023
16
para si;
Aula 7
: Expressando sentimentos; GAG - criação e
representação
5
03/11/2022
Aula 8
: Slides e conversas sobre a caracterização de palhaços;
maquiagem e nariz; figurino e respeito aos palhaços e demais
profissionais do circo;
Aula 9
: Inicio da confecção de flores em papel crepom
6
17/11/2022
Aula 10
: Confecção de flores em papel crepom
7
22/11/2022
Aulas 11, 12 e 13
: Caracterização de palhaças e entrega das
flores nas salas de aula - integração entre as UATIANAS e os
acadêmicos da UNICENTRO,
campus
Irati.
Ao iniciarmos o trabalho, percebemos que algumas mulheres alunas
carregavam uma visão estereotipada, preconceituosa e pejorativa sobre o palhaço,
como fica evidente em um comentário de uma das alunas:
Eu não quero ser palhaça, fui palhaça do meu marido por 40
anos (Diário de Campo, dia 25 ago. 2022).
Para Lira e Kronbauer (2022), o palhaço pode ser motivo de riso, mas também
de repulsa, pois seu corpo é desajustado, seu nariz é vermelho, seus pés são muito
grandes, ele erra e transforma as coisas a partir de seu erro. É possível construir
visões distintas sobre o palhaço, dependendo da percepção, das experiências
anteriores e conhecimentos de quem olha e do quanto essa pessoa está disposta
a ser afetada e a refletir sobre o papel social do palhaço. Ainda, cabe lembra que,
historicamente, a Educação Física tratou prioritariamente de treinar corpos
adequados (Soares, 2013). Aprendemos a valorizar a utilidade, o gesto correto, a
perfeição e procuramos esconder nossas fragilidades, algo que pode se tornar
imperativo ao analisarmos o corpo idoso. Se, muitas vezes, o palhaço é visto como
aquele artista que “não deu certo para outra coisa”, também os idosos podem se
perceber como aqueles que já não servem mais.
Com o intuito de desconstruir e ressignificar essa visão, iniciamos aulas sobre
a arte do palhaço. Percebemos que as alunas tinham conhecimentos sobre o
palhaço, pois ao longo das oficinas de atividades circenses, elas relataram suas
Experiências com o nariz vermelhosaúde e o corpo que envelhece
Cristina Andrade Filus | Caroline Munhoz Machado
Elizandra Garcia da Silva | Gláucia Andreza Kronbauer
Florianópolis, v.2, n.47, p.1-28, jul. 2023
17
idas aos circos e o que viram lá. Com o palhaço, não foi diferente, elas tinham
muitas memórias para compartilhar. Por esse motivo, o ponto de partida foi trazer
à tona suas memórias e manter um diálogo permanente com conhecimentos
academicamente sustentados.
Um primeiro diagnóstico aconteceu por meio da atividade “O que um palhaço
carrega em sua mala?”. Identificamos, a partir dos termos utilizados pelo grupo de
alunas, três tipos de visões sobre o palhaço. A primeira era preconceituosa,
atrelando a figura do palhaço à burrice, à ingenuidade e negligenciado todas as
suas potencialidades. A segunda, fortemente influenciada pelo imaginário cultural.
E uma terceira, que conseguia enxergar o palhaço, para além do personagem,
como uma pessoa que trabalha com o riso e, apesar disso, também tem tristezas,
decepções, frustrações, conquistas, uma família e contas para pagar.
Nas primeiras aulas, buscamos discutir sobre as visões preconceituosas que
as alunas tinham sobre o palhaço, por meio do conhecimento. Para isso,
apresentamos aspectos históricos, os arquétipos do palhaço, o clown Branco e o
Augusto, mantendo um diálogo com as memórias que as alunas tinham e
enfatizando a necessidade de formação técnica para ser palhaço. Nesse processo,
reconhecemos que apresentar a visão sobre o ser palhaço, vinda de um artista
que vida a um personagem palhaço, também seria importante. Porém, não
tínhamos a possibilidade de trazer para aula um artista palhaço. Diante disso,
buscamos um texto que pudesse contribuir para essa compreensão.
Selecionamos alguns excertos da tese da professora Kátia Kasper (2004) que
tratavam sobre o fracasso, a fragilidade, o medo de parecer idiotas ou de ser o
motivo do riso de alguém e da forma com que o palhaço lida com isso, rindo de
si mesmo e construído com o erro, sobre as encenações que encantam a plateia
expondo o seu próprio ridículo. Pedimos para que as alunas pensassem também
no seu ridículo, naquilo que elas têm vergonha e tentam esconder e, em seguida,
desenhassem como seriam se fossem palhaças, quais os ridículos que gostariam
de expor. Nem todas conseguiram desenhar, e algumas compartilharam
verbalmente suas ideias. Os desenhos eram bem coloridos e demonstravam
características físicas com relação ao cabelo, peso e até mesmo pelos no rosto.
Uma das alunas compartilhou com o grupo que um dos seus “ridículos” é usar
Experiências com o nariz vermelhosaúde e o corpo que envelhece
Cristina Andrade Filus | Caroline Munhoz Machado
Elizandra Garcia da Silva | Gláucia Andreza Kronbauer
Florianópolis, v.2, n.47, p.1-28, jul. 2023
18
regata, pois, quando era moça, seu pai não deixava ela usar roupas que
mostrassem os braços, porque
isso não era coisa de moça direita
(Diário de
Campo, dia 25 ago. 2022). A aluna relatou que, depois que casou, seu marido
conversou com ela e disse que a regata não era um problema e que ela poderia
usar. Mesmo assim, ela não gosta de usar regata até hoje e, no seu desenho e na
futura caracterização de palhaça, deseja usar regata.
Segundo Rocha (2012), a figura do palhaço ainda se apresenta como a alma
do circo nas memórias de infância e nos discursos circenses. As idosas carregam
memórias sobre o circo e constatamos que a imagem do palhaço é recorrente
nessas memórias. Elas comentaram que os palhaços:
Usavam roupas bem largas e muito coloridas. Espirravam água na
plateia. Faziam a gente dar risada. Aquilo sim era circo de verdade,
não esses de hoje em dia que tem homem aranha. O palhaço traz
alegria para o povo, é colorido, usa sapatos grandes, é desastrado,
mas é amado pelo público (Diário de Campo, dia 01 set. 2022).
Outra memória era sobre os programas de TV que foram apresentados por
palhaços. As alunas se referiram também ao palhaço Carequinha, que, segundo
elas, era muito querido nos anos 50 e cantava a música Bom Menino que marcou
a época. Carequinha
[...] usava calça com suspensório, meias coloridas, botinas de bico
fino, nariz vermelho, cara toda pintada de branco onde escondia
suas tristezas. Sempre sorrindo para a alegria da plateia (Diário de
Campo, dia 01 set. 2022).
Ao ler o texto “Os caminhos do palhaço”, de Rodrigo Roblenõ, as alunas
identificaram e consideraram alguns trechos importantes. O autor faz uma relação
entre os problemas do palhaço em suas apresentações e os problemas que
enfrentamos na vida e que, assim como o palhaço, podemos superá-los. Nesse
momento, uma das alunas compartilhou sua história de vida.
Nas aulas 4, 5, 6 e 7, trabalhamos aspectos relativos à corporeidade,
expressividade, à voz, à criação e ao improviso do palhaço. Ressaltamos que o
objetivo não era formar artistas palhaças, mas conhecer sobre essa arte e as
Experiências com o nariz vermelhosaúde e o corpo que envelhece
Cristina Andrade Filus | Caroline Munhoz Machado
Elizandra Garcia da Silva | Gláucia Andreza Kronbauer
Florianópolis, v.2, n.47, p.1-28, jul. 2023
19
diversas técnicas que envolvem a palhaçaria. Para isso, utilizamos jogos que
envolviam a mímica, o improviso, a criação de gags e a variação da entonação
vocal.
Segundo Miranda (2011), independente da faixa etária, o trabalho com o clown
oferece inúmeras possibilidades de aprendizado, explorando nesse trabalho as
capacidades criativas, criadoras e comunicativas, as possibilidades de movimento,
a ocupação dos espaços, entre outros aspectos. Durante essas aulas, as alunas
foram desafiadas e provocadas a despertar um sorriso das colegas, a chamar o
foco e a atenção para si, a explorar formas de andar, a encontrar maneiras
(individualmente e em grupo) de fazer com que seus corpos ocupassem o maior
ou o menor espaço possível, a expressar sentimentos trabalhando também a
memória – e a improvisar, criar e representar gags.
Percebemos que as atividades em grupo foram aceitas com mais facilidade.
Mesmo que as participantes tivessem que falar ou representar ações, elas se
sentiam menos constrangidas. Além disso, ao longo das aulas as alunas passaram
a se sentir mais confiantes em se expressar e sugerir ideias para as atividades.
Uma das alunas relatou que
[...] era muito tímida e sentia muita vergonha em participar das atividades
e até mesmo de ler em voz alta na frente das colegas, e que as oficinas
estão ajudando a ficar mais solta (Diário de Campo, dia 01 set. 2022).
Na oitava aula, apresentamos slides para as alunas referentes à
caracterização de palhaços, maquiagem e figurino. Para tratarmos da
maquiagem, buscamos imagens de palhaços como Arrelia (Waldemar Seyssel);
Picolino (Roger Avanzi); Piolin (Abelardo Pinto) e Carequinha (George Savalla
Gomes). As idosas reconheceram esses palhaços e relataram que os viram na
TV, com exceção do Picolino. Elas repararam com atenção nos detalhes da
maquiagem e perceberam quais são os tons que são predominantes na
maquiagem de um palhaço (branco, vermelho e preto). Comentaram sobre as
diferentes formas dos narizes. Quando explicamos que o palhaço busca
potencializar suas características cômicas, evidenciando, com a maquiagem, as
sobrancelhas, a linha dos olhos, a boca e as expressões do rosto do indivíduo,
uma das alunas comentou:
Experiências com o nariz vermelhosaúde e o corpo que envelhece
Cristina Andrade Filus | Caroline Munhoz Machado
Elizandra Garcia da Silva | Gláucia Andreza Kronbauer
Florianópolis, v.2, n.47, p.1-28, jul. 2023
20
Isso é muito bacana, pois na maquiagem do dia a dia fazemos o contrário,
tentamos esconder ou suavizar o que achamos imperfeito e o palhaço
faz o contrário, traz a aceitação daquilo que não gostamos, mas que faz
parte do que nós somos (Diário de campo, 03 nov. 2022).
Esse relato expressa a potência do palhaço na aceitação da incompletude
humana. Em diálogo com Bakhtin (2013), a comicidade grotesca expressa corpos
inacabados, disponíveis às possibilidades da vida. Diferentemente do corpo
fechado e acabado do teatro elitista ou do corpo limpo e eficiente do higienismo,
o palhaço se constrói em um corpo que carrega nas suas imperfeições a
disponibilidade para a criação de algo novo com o outro e com o mundo. O palhaço
é uma mudança de paradigma que, no corpo idoso em especial, contribui para se
enxergar positivamente a própria velhice.
Desde as primeiras aulas, comentamos com as alunas sobre a possibilidade
de se caracterizar como palhaças e entrar nas salas de aula dos cursos de
graduação, algo que, anteriormente, nunca tinha acontecido. De início, tivemos
respostas contraditórias. A maioria das alunas gostou da sugestão e comentaram
que era uma oportunidade de interagir com os estudantes. Por outro lado, algumas
se mostraram receosas, afinal a figura do palhaço provoca sentimentos e emoções
diferentes, que vão da alegria ao medo, do carinho ao desprezo, e exigem a
disposição em externar nossas fragilidades.
Depois de algumas aulas, as alunas decidiram realizar a intervenção com os
estudantes, de acordo com a disposição de cada uma. A empolgação com a
atividade permeou as aulas seguintes, as alunas estavam ansiosas para se
caracterizar e muitas delas falavam que os filhos e netos não iriam acreditar.
Pedimos para que elas pensassem novamente no seu ridículo para, a partir disso,
construir seu figurino, nariz, maquiagem, cabelo e o nome de sua palhaça. Nas
aulas 9 e 10, confeccionamos flores de papel crepom para serem entregues aos
estudantes. O fazer manual é muito significativo para as alunas e as flores
pareciam materializar o trabalho realizado durante as aulas de palhaçaria.
No último encontro, usamos a tarde toda para a atividade. Participaram desse
dia 13 idosas, e uma avisou que não poderia ir, porque estava doente, mas que
gostaria de ter participado. Duas alunas vieram de casa caracterizadas com
Experiências com o nariz vermelhosaúde e o corpo que envelhece
Cristina Andrade Filus | Caroline Munhoz Machado
Elizandra Garcia da Silva | Gláucia Andreza Kronbauer
Florianópolis, v.2, n.47, p.1-28, jul. 2023
21
roupa e maquiagem, outras três vieram vestidas e fizeram a maquiagem durante
a aula. As demais trouxeram adereços e roupas coloridas. Disponibilizamos
materiais do projeto, como roupas, perucas, adereços e maquiagem (
pancake
e a
tinta facial). No processo de caracterização, percebemos a animação das alunas e
escutamos frases como:
Minha filha não vai acreditar. Eu era muito tímida, vocês fizeram
milagre. Meu neto ia adorar isso daqui. Tira uma foto minha, preciso
mostrar para meu filho. Preciso de mais coisas coloridas... agora
sim pareço uma boa palhaça (Diário de Campo, 22 nov. 2022).
Quanto à maquiagem, deixamos as alunas escolherem como queriam, as
cores e o que preferiam evidenciar. As professoras ajudaram a fazer a maquiagem,
mas as próprias alunas tomaram a iniciativa e fizeram umas nas outras. Uma das
alunas não quis pintar o rosto devido à alergia, mas encontrou sua alternativa:
colocou uma máscara cirúrgica e pediu que desenhássemos nela um “coração
como nariz”.
Em uma das aulas, comentamos que a maquiagem do palhaço antigamente
era produzida com sebo de carneiro, vaselina e óxido de zinco e que alguns
palhaços também usavam pomada minâncora (Avanzi, 2011 apud Silva, 2015). Para
nossa surpresa, uma das alunas lembrou-se dessa curiosidade e veio
caracterizada de casa com o rosto pintado com Minâncora. Palhaças prontas,
começamos a entrar nas salas de aula de alguns cursos de graduação da
universidade. Foram recebidas com muita atenção e carinho pelos estudantes e
professores, apresentaram a UATI, contaram suas experiências nas oficinas do
Circo em Contextos e mostraram alguns malabares confeccionados por elas. Além
disso, pediram aos estudantes que convidassem suas “vovózinhas e seus
vovôzinhos” a conhecer e participar da UATI:
Talvez, eles possam ter uma oportunidade como essa, e tantas outras
que temos aqui.
Vejam, eu nunca imaginei que com essa idade iria me caracterizar de
palhaça, e é uma sensação muito boa, espero que quando vocês
(acadêmicos) tiverem a minha idade façam isso também (Diário de
Campo, 22 nov. 2022).
Experiências com o nariz vermelhosaúde e o corpo que envelhece
Cristina Andrade Filus | Caroline Munhoz Machado
Elizandra Garcia da Silva | Gláucia Andreza Kronbauer
Florianópolis, v.2, n.47, p.1-28, jul. 2023
22
Figura 1 Olhares e sorrisos. Acervo Circo em Contextos
Em função do tempo das aulas, não foi possível produzir ou ensaiar gags.
Entretanto, o processo de caracterização e exposição das palhaças, aliado à
entrega das flores, de alguma forma afetou aqueles que receberam e aquelas que
ali se apresentaram, conforme demonstrou a Figura 1.
A Figura 2 é também ilustrativa, pois aconteceu, coincidentemente, em uma
aula da disciplina de Metodologia da Pesquisa e Extensão em Educação Física,
quando se discutia a importância da extensão universitária como espaço de
produção de conhecimento. Com os relatos das nossas palhaças, os estudantes
tiveram contato com um exemplo para ampliar suas discussões.
Experiências com o nariz vermelhosaúde e o corpo que envelhece
Cristina Andrade Filus | Caroline Munhoz Machado
Elizandra Garcia da Silva | Gláucia Andreza Kronbauer
Florianópolis, v.2, n.47, p.1-28, jul. 2023
23
Figura 2 Palhaças na sala de aula. Acervo Circo em Contextos
Reconhecemos que essas experiências extensionistas resultaram em formas
lúdicas de conhecer a arte do palhaço e de potencializar a singularidade e
subjetividade dos corpos idosos. A figura do palhaço tem muitas contribuições a
dar para a Educação Física e, de modo especial, a educação do corpo idoso.
De acordo com Kronbauer, Scorsin e Trevizan (2013), a maioria das
intervenções da Educação Física em programas institucionais voltados para a
Terceira Idade ainda está concentrada na manutenção da saúde e das capacidades
físicas. Essas intervenções dão maior ênfase aos aspectos biológicos e reforçam a
ideia daquilo que o idoso pode ou não fazer. Nesse contexto, o idoso é visto por
suas limitações e não por suas potencialidades, herança dos preceitos higienistas
que ainda permeiam a área (Soares, 2013).
Por outro lado, o palhaço tem a potência de transgredir as barreiras e
subverter a visão reducionista sobre o corpo idoso. O trabalho de construção de
um palhaço traz novas formas de explorar o corpo e de fazer as coisas, a
oportunidade de mostrar o que se aprendeu a esconder, de encontrar com o outro
Experiências com o nariz vermelhosaúde e o corpo que envelhece
Cristina Andrade Filus | Caroline Munhoz Machado
Elizandra Garcia da Silva | Gláucia Andreza Kronbauer
Florianópolis, v.2, n.47, p.1-28, jul. 2023
24
e consigo revelando um longo processo para aprender a rir de si mesmo (Kasper,
2004). Tudo que o palhaço faz escapa e foge dos padrões. Suas roupas são largas,
seus sapatos são muito grandes, sua maquiagem exalta os traços marcantes do
rosto, seus movimentos são espalhafatosos e deselegantes. O palhaço não tem
medo de ser quem é, de mostrar suas fragilidades, seu fracasso e, por isso, sua
máscara afeta e encanta o público.
Conforme Miranda e Lara (2015, p.182), “[...] o clown é um braço da arte que
lida com o sensível, desperta emoções e trabalha com a dilatação do ridículo, do
medo, das fraquezas e de tudo aquilo que as pessoas procurariam esconder”.
Nesse sentido, o trabalho com palhaços voltado para idosos ultrapassa as
barreiras do biologicismo, leva a reconhecer as fragilidades e as limitações como
espaços de potência de seu corpo, da sua expressão e gestualidade que estavam
guardadas ou até mesmo esquecidas.
Considerações Finais
As experiências relatadas neste texto expressam as contribuições do trabalho
com a palhaçaria na educação do corpo das mulheres idosas. Possibilitaram que
elas encarassem suas fragilidades, reelaborando-as como potência. Assim como
o trabalho desenvolvido por Kronbauer, Scorsin e Trevizan (2013, p. 171),
acreditamos que as práticas corporais circenses proporcionam aos idosos o “[...]
contato com ideários e realidades que contrastam com o coloquial normalizador,
permitindo a incorporação de novas atitudes perante o envelhecimento, a velhice
e a própria vida”. O trabalho educacional com a arte do palhaço para idosos pode
trazer contribuições para essa “incorporação de novas atitudes”, tendo em vista
que o palhaço constrói com aquilo que é ridículo, inusitado, com as imperfeições
inerentes à condição humana.
Ademais, reconhecemos a extensão universitária como um espaço
privilegiado para disseminar conhecimentos sobre a arte do palhaço para a
comunidade, fomentar novas pesquisas e ser um laboratório de aprendizado para
os estudantes de Educação Física. Entendemos, assim como Zaim-de-Melo,
Godoy e Bracialli (2020), que a intenção da Educação Física com relação à figura
Experiências com o nariz vermelhosaúde e o corpo que envelhece
Cristina Andrade Filus | Caroline Munhoz Machado
Elizandra Garcia da Silva | Gláucia Andreza Kronbauer
Florianópolis, v.2, n.47, p.1-28, jul. 2023
25
do palhaço não é formar artistas, mas apresentar as possibilidades da palhaçaria
nos diferentes contextos de atuação do professor, contribuindo para a valorização
das artes e de seus profissionais.
A partir dos relatos apresentados, identificamos também um conjunto de
lacunas, como: relações de gênero; as mulheres idosas e os constrangimentos
corporais; as dificuldades de comunicação e expressão de suas singularidades; os
impactos da expressividade corporal na saúde; a ausência de informações
qualificadas sobre as técnicas que envolvem a construção de um palhaço no senso
comum; a desvalorização do trabalho no circo; entre outros. São caminhos abertos
que esperam novos olhares e que se relacionam intimamente com a produção do
conhecimento em Educação Física em diálogo com a Arte e a saúde.
Referências
BAKHTIN, Mikhail.
Cultura Popular na Idade Média e no Renascimento – o contexto
de François Rabelais
. 8ª Ed. São Paulo: HUCITEC, 2013.
BARRAGÁN, Teresa O.; RODRIGUES, Gilson S.; SPOLAOR, Gabriel C.; BORTOLETO,
Marco A. C. O papel da extensão universitária e sua contribuição para a formação
acadêmica sobre as atividades circenses. Pensar a prática, v. 19, n. 1, 2016.
BDTD.
Biblioteca Nacional Brasileira de Teses e Dissertações
. Disponível em:
https://bdtd.ibict.br/vufind/. Acesso em: 25/01/2023.
BOLOGNESI, Mário F.
Palhaços
. São Paulo: Editora Unesp, 2003.
BRASIL.
Portaria 154 de 24 de janeiro de 2008
. Cria os núcleos de apoio à Saúde
da Família/NASF. Orientações para implantação dos núcleos. Brasília: Ministério da
Saúde, 2008.
BRASIL.
Resolução CNE/CES Nº 7, de 18 de dezembro de 2018
. Diretrizes Nacionais
para a Extensão na Educação Superior Brasileira. Brasília: Ministério da Educação,
2018.
BURNIER, Luís O. A Arte de ator: da técnica à representação. Campinas, SP: Editora
UNICAMP, 2009.
CASTRO, Alice V.
O elogio da bobagem
: palhaços no Brasil e no mundo. Família
Bastos Editora: Teresópolis, RJ, 2005.
Experiências com o nariz vermelhosaúde e o corpo que envelhece
Cristina Andrade Filus | Caroline Munhoz Machado
Elizandra Garcia da Silva | Gláucia Andreza Kronbauer
Florianópolis, v.2, n.47, p.1-28, jul. 2023
26
CAPES. Periódicos quadriênio 2013-2016. Disponível em:
https://sucupira.capes.gov.br/sucupira/public/consultas/coleta/veiculoPublicacao
Qualis/listaConsultaGeralPeriodicos.jsf. Acesso em: agos. 2019.
CORRÊA, Giovana C. G.; CAMPOS, Isabel C. P.; ALMAGRO, Ricardo C. Pesquisa-ação:
uma abordagem prática de pesquisa qualitativa.
Ensaios Pedagógicos
, v. 2, n.1,
p.62-72, 2018.
DUPRAT, Rodrigo M.; BORTOLETO, Marco A. C. Educação Física escolar: pedagogia
e didática das atividades circenses.
Rev. Bras. Ci. Esp
., v. 28, n. 2, 2007.
DUPRAT, Rodrigo M.; BARRAGÁN, Teresa O.; BORTOLETO, Marco A. C. Atividades
Circenses. In.: GONZÁLEZ, F. J.; DARIDO, Suraya C.; OLIVEIRA, Amauri A. B.
Ginástica,
dança e atividades circenses
. Maringá, PR: Eduem, 2014.
FRIZZO, Giovanni. A produção do conhecimento da Educação Física no Programa
de Pós-Graduação em Ciências do Movimento Humano da UFRGS.
Pensar a prática
(UFG. Impresso). V.13, p. 1-16, 2010.
GONÇALVES, Caroline S.
Subcontratação, Agenciamento e Precarização do
Trabalho: o caso da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos
. Dissertação
(Mestrado em Administração). Universidade Federal do Rio Grande. Rio Grande,
2019.
KASPER, Kátia M.
Experimentações clownescas: os palhaços e a criação de
possibilidades de vida
. 2004. Tese (Doutorado em Educação) Faculdade de
Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2004.
KRONBAUER, Gláucia A.
Manifestações Corporais Expressivas e a Educação Física
na escola
. Ebook. NEAD/UAB, UNICENTRO, 2019.
KRONBAUER, Gláucia A.
O circo como conteúdo da Educação Física na Educação
Básica
. Ebook. NEAD/UAB, UNICENTRO, 2018.
KRONBAUER, Gláucia A.; SCORSIN, Daiane M.; TREVIZAN, Mayara. Significados do
circo e das atividades circenses para os idosos da UATI.
Estu. Interdisc. Envelhec
.,
v. 18, n. 1, 2013.
LIRA, Aliandra C. M.; KRONBAUER, Gláucia A. O circo e a educação dos corpos-
criança: possibilidades formativas com espaço para o pensar e o fazer
divergente.
Olhar de Professor
, v. 25, p. 1-21, 2022.
LOPES, Daniel; EHRENBERG, Mônica C.; SILVA, Ermínia. Circo e ginástica em folhas
de papel: o pequeno tratado de acrobacia gymnastica.
Educar em Revista
, Curitiba,
v. 37, p. 01-20, 2021.
Experiências com o nariz vermelhosaúde e o corpo que envelhece
Cristina Andrade Filus | Caroline Munhoz Machado
Elizandra Garcia da Silva | Gláucia Andreza Kronbauer
Florianópolis, v.2, n.47, p.1-28, jul. 2023
27
MASETTI, Morgana.
Boas Misturas
: a ética da alegria no contexto hospitalar. São
Paulo: Palas Athena, 2003.
MIRANDA, Antonio C. M. C
lown e educação física: a brincadeira é séria
. 2011.
Dissertação (Mestrado em Educação Física). Universidade Estadual de
Maringá/Universidade Estadual de Londrina. 2011.
MIRANDA, Antonio C. M.; LARA, Larissa M. Clown e Educação Física: a brincadeira
é séria.
Movimento
, v. 21, n. 1, p. 181-192, 2015.
MONTEIRO JR, Luiz R.; PARMA, Márcio; BORTOLETO, Marco A. C. Palhaço. In:
BORTOLETO, Marco A. C. (org.)
Introdução à pedagogia das atividades circenses
.
Vol. 1. Jundiaí, SP: Fontoura, 2008.
ROCHA, Gilmar. O circo chegou! Memória social e circularidade cultural.
Textos
escolhidos de cultura e arte populares
, Rio de Janeiro, v.9, n.2, p. 69-89, nov. 2012.
SENA, Jonathan B.; OLIVEIRA, Natássia D. G. L. (Trans) formações do Palhaço: Breve
história dos tipos clássicos da palhaçaria.
Urdimento
- Revista de Estudos em
Artes Cênicas, Florianópolis, v. 2, n. 41, p. 1-22, 2021.
SILVA, Pedro E.
A formação do palhaço circense
. 2015. Dissertação (Mestrado em
Artes) - Universidade Estadual Paulista, Instituto de Artes, 2015.
SOARES, Carmen L..
Imagens da educação no corpo
: um estudo a partir da
ginástica francesa no século XIX. 4ª ed. Campinas, Autores Associados, 2013.
SOARES, Carmen L.; MADUREIRA, José R. Educação Física, linguagem e arte:
possibilidades de um diálogo poético do corpo.
Movimento
, Porto Alegre, v. 11, n. 2,
p. 75-88, 2005.
TREVIZAN, Mayara; CHAGAS, Paula I.; KRONBAUER, Gláucia A. Circo em Contextos–
diálogos entre a cultura e a extensão universitária.
Conexão UEPG
, v. 14, n. 1, p. 130-
139, 2018.
VENDRAMINI, José E. A Commedia dell Arte e sua reoperacionalização.
Trans/Form/Ação
, v. 24, p. 57-83, 2001.
VESPASIANO, Bruno S.; OLIVEIRA, João R.; PENTEADO, Regina Z.; CESAR, Marcelo
C. O professor de Educação Física no Sistema Único de Saúde: sua prática e
resultados.
Saúde em Revista
, v. 17, n. 46, p. 79-89, 2017.
Experiências com o nariz vermelhosaúde e o corpo que envelhece
Cristina Andrade Filus | Caroline Munhoz Machado
Elizandra Garcia da Silva | Gláucia Andreza Kronbauer
Florianópolis, v.2, n.47, p.1-28, jul. 2023
28
ZAIM-DE-MELO, Rogerio; GODOY, Luis B. de; BRACCIALLI, Felipe. Quando o nariz
vermelho se encontra com a Educação Física: potencialidades do palhaço como
conteúdo na escola.
Motrivivência
, Florianópolis, v. 32, n. 63, p. 01-20, 2020.
Recebido em: 30/01/2023
Aprovado em: 31/ 05/2023
Universidade do Estado de Santa Catarina
UDESC
Programa de Pós-Graduação em Teatro
PPGT
Centro de Arte CEART
Urdimento
Revista de Estudos em Artes Cênicas
Urdimento.ceart@udesc.br