O que podem o riso e o jogo palhacesco contra o que (nos) mata?
Luciane Olendzki
Florianópolis, v.1, n.46, p.1-27, abr. 2023
Me pergunto, como palhaça, o que posso contra o que oprime, deprime,
entristece, despontencializa, (nos) mata? O que podemos, como palhaços,
palhaças, palhaces, diante do terrível e do intolerável? Com quais papéis e
inserções sociais? Com quais formas, comicidades e potências intempestivas
aliançadas com os tipos cômicos da história e da genealogia da arte palhacesca
na contemporaneidade? Quais risos e tipos de humor diante das questões do
presente, da vida e da morte – tanto diante do que (nos) faz viver com potência e
alegria, quanto do que e de quem mata ou amortece?
Estas são questões para as quais não tenho resposta. São questões
direcionadas à criação poética e experimental como palhaça, junto de avaliações
sobre o que, como, com e para quem criar, a favor da vida. Que, por meio da
poética palhacesca, se possa mobilizar as forças dionisíacas – geradoras,
excessivas, transformadoras e curativas – onde o “sem sentido e feio parece como
que permitido”, podendo abarcar “todo o questionável e mesmo terrível”, em
virtude de um excedente de forças vitais, “capaz de transformar todo deserto em
exuberante pomar” (Nietzsche, 2001, p. 273), no pendor das palhaças, palhaços e
palhaces para o eterno jogo de recomeçar, de refazer(-se) incessantemente, no
movimento contínuo de (re)criação. Com o riso como potência vital necessária às
novas criações, aos experimentos, aos jogos de montar e desmontar na arte
palhacesca, que não se separa da vida, no plano po-ético que também atua na
realidade, no presente e em relação com o público.
O riso da afirmação da vida não se coaduna com um ideal para o futuro ou
para a humanidade, tampouco com qualquer utopia, e nada relega à posteridade.
O riso trágico, afirmativo e dionisíaco é imanente ao riso da terra, ao riso da vida.
Cultivemos o riso da terra.
Vivemos um momento em que a estupidez humana é nossa maior
ameaça. Palhaços não transformam o mundo, quiçá a si mesmos. E nós,
palhaços, tontos, bobos, bufões, que levamos a vida a mostrar toda essa
estupidez, cansamos.
O palhaço é a expressão da alegria. Palhaço é a expressão da vida no que
ela tem de instigante, sensível, humana. A alegria que o palhaço realiza a
cada momento de sua ação, contribuindo para estancar, por um
momento que seja, a dor no planeta Terra.
O palhaço é a única criatura no mundo que ri de sua própria derrota. E
ao agir assim, estanca o curso da violência. Os palhaços ampliam o riso