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Augusto Rodrigues Duarte: um palhaço entre
versos, jornais e jocosidades no Brasil oitocentista
Daniel de Carvalho Lopes
Ermínia Silva
Para citar este artigo:
LOPES, Daniel de Carvalho; SILVA, Ermínia. Augusto
Rodrigues Duarte: um palhaço entre versos, jornais e
jocosidades no Brasil oitocentista.
Urdimento
Revista
de Estudos em Artes Cênicas, Florianópolis, v. 1, n. 46,
abr. 2023.
DOI: http:/dx.doi.org/10.5965/1414573101462023e0106
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Augusto Rodrigues Duarte: um palhaço entre versos, jornais e jocosidades no Brasil oitocentista
Daniel de Carvalho Lopes | Ermínia Silva
Florianópolis, v.1, n.46, p.1-28, abr. 2023
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Augusto Rodrigues Duarte: Um palhaço entre versos, jornais e
jocosidades no Brasil oitocentista
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Daniel de Carvalho Lopes
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Ermínia Silva
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Resumo
Entre a vasta produção circense no Brasil do século XIX, a atuação dos
palhaços e, portanto, a comicidade tinham presença marcante nos
espetáculos. Nesse sentido, este artigo visa apresentar e analisar parte da
atuação do palhaço Augusto Rodrigues Duarte, acessar a multiplicidade de
suas apresentações e a mistura de expressões e técnicas que ele mobilizou
em suas realizações artísticas no diversificado e complexo cenário da
comicidade circense do período. Para tanto, realizou-se o levantamento e
cruzamento de diferentes fontes, principalmente jornais oitocentistas, que
foram consultados na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional (RJ). Desse
modo, este estudo se dedica à produção profissional de Augusto Rodrigues
Duarte, artista pouco conhecido pela bibliografia dedicada ao tema, e a
divulgar e ampliar o entendimento da produção da comicidade no século XIX
e seus artistas para além de palhaços da época contemplados com
estudos e publicações diversas.
Palavras-Chave
: Augusto Rodrigues Duarte. Palhaço. Comicidade. Circo.
História.
1
Revisão ortográfica, gramatical e contextual do artigo realizada por Patricia Galleto (MTB 2234/ES).
2
Doutor em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP). Mestre em Artes
Cênicas pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP). Graduado em Educação Física
pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). territio@gmail.com
http://lattes.cnpq.br/5523255739571050 https://orcid.org/0000-0002-2137-2060
3
Doutora em História Social da Cultura (IFCH-UNICAMP). Mestre e Graduada. Coordenadora, com Daniel Lopes,
do site www.circonteudo.com; Coordenadora do Grupo de Pesquisa em Circo (CIRCUS FEF/UNICAMP).
Professora da ESLIPA Escola Livre de Palhaços, Palhaças e Palhaces. Vencedora do Prêmio Governador do
Estado para a Cultura SP (2012). mina.silva@gmail.com
http://lattes.cnpq.br/1945938635015407 https://orcid.org/0000-0003-3661-1623
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Augusto Rodrigues Duarte: A clown among verses, newspapers and
jokes in nineteenth-century Brazil
Abstract
Among the vast circus production in Brazil in the 19th century, the
performance of clowns and, therefore, comicity had a strong presence in the
shows. In this sense, this article aims to analyze part of the performance of
the clown Augusto Rodrigues Duarte, accessing the multiplicity of his
presentations and the mixture of expressions and techniques that he
mobilized in his artistic achievements in the diverse and complex scenario of
circus comedy of the period. To this end, a survey and cross-referencing of
different sources was carried out, mainly 19th century newspapers that were
consulted in the Hemeroteca Digital of the National Library (RJ). Thus, this
study is dedicated to the professional production of Augusto R. Duarte, an
artist little known by the bibliography, and to disseminate and expand the
understanding of the production of comicity in the 19th century and its artists,
in addition to clowns of the time already contemplated with various studies
and publications.
Keywords
: Augusto Rodrigues Duarte. Clown. Comicity. Circus. History.
Augusto Rodrigues Duarte: Un payaso entre versos, diarios y chistes
en el Brasil del siglo XIX
Resumen
Entre la vasta producción circense en Brasil en el siglo XIX, la actuación de
payasos y, por lo tanto, la comicidad tenían una fuerte presencia en los
espectáculos. En ese sentido, este artículo tiene como objetivo presentar y
analizar parte de la actuación del payaso Augusto Rodrigues Duarte, acceder
a la multiplicidad de sus presentaciones y la mezcla de expresiones y técnicas
que movilizó en sus realizaciones artísticas en el diverso y complejo escenario
de la comicidad circense de la época. Para eso, se realizó un levantamiento y
cruce de diferentes fuentes, principalmente periódicos del siglo XIX
consultados en la Hemeroteca Digital de la Biblioteca Nacional (RJ). De esta
forma, este estudio se dedica a la producción de Augusto Rodrigues Duarte,
artista poco conocido por la bibliografía del tema, y a difundir y ampliar la
comprensión de la producción de comicidad en el siglo XIX y sus artistas más
allá de los payasos de la época ya contemplados con estudios y
publicaciones.
Palabras clave
: Augusto Rodrigues Duarte. Payaso. Comicidad. Circo. Historia.
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Introdução
No decorrer do século XIX, centenas de companhias circenses nacionais e
estrangeiras circularam pelo Brasil e por toda a América Latina apresentando,
criando e incorporando uma multiplicidade de expressões, técnicas e elementos
artísticos e culturais em suas exibições. Dentre eles, destaca-se a atuação dos
palhaços e, portanto, a comicidade –, que tinha constante presença nos
espetáculos e muitas vezes era uma das atrações mais desejadas pelo público
(Lopes e Silva, 2015).
Nesse sentido, almejamos neste artigo analisar parte da atuação do palhaço
Augusto Rodrigues Duarte, visando acessar a multiplicidade de suas apresentações
e a mistura de expressões e técnicas que eram mobilizadas em suas realizações
artísticas dentro do diversificado e complexo cenário da comicidade circense no
Brasil do século XIX.
Nossa perspectiva é divulgar e ampliar o entendimento da produção da
comicidade no século XIX no Brasil para além da figura de palhaços que vêm
alcançando destaque por meio de publicações e ações diversas, como é o caso
de Polydoro, Dudu das Neves e Benjamim de Oliveira (Tamaoki, 2020; Abreu e
Dantas, 2020; Silva, 2022). Mesmo diante da convicção de que muitas pesquisas
sobre estes três palhaços merecem ainda ser realizadas, buscamos dar um passo
no sentido de conhecer e divulgar outro palhaço, precursor ou mesmo
contemporâneo a eles, como é o caso de Augusto Rodrigues Duarte.
Visamos, ainda, evitar o risco de contribuir com uma macroperspectiva
imperante que seleciona e divulga determinados artistas como cânones do fazer
circense do ponto de vista histórico, como é o caso do multiartista circense
Benjamim de Oliveira, frequentemente aclamado como o “primeiro palhaço negro
do Brasil”, “o mais importante palhaço brasileiro”, “o principal produtor do circo
nacional”, “o primeiro palhaço dono de circo”, etc. Assim, pretendemos expandir o
entendimento das realizações e características dos palhaços em nosso país ao
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longo da história e evidenciar que há uma “multidão” de outros palhaços fadados
à invisibilidade e que são tão relevantes quanto os poucos estudados atualmente
e adjetivados como “únicos”, “principais” e “mais importantes”.
Conforme mencionado, ao elegerem-se dois ou três artistas como os
primeiros a realizar tais feitos ou como os “pais” dos palhaços brasileiros, cria-se
a falsa impressão de que uma compreensão histórica da produção do circo e
da comicidade no Brasil, ou seja, caímos em um reducionismo confortante e
ludibriante que proporciona a sensação de que conhecemos toda a história do
circo em nosso país. Dessa forma, coloca-se uma lápide em uma produção que
ainda está em aberto, que deve ser pesquisada e divulgada, e que é viva e
expandida. Ou seja, não podemos correr o risco de nos apoiarmos numa história
única (Adichie, 2019), de dois ou três artistas que são realmente figuras
importantes, mas não exclusivas.
Isto posto, tratamos de investigar, portanto, a produção artística/profissional
do palhaço Augusto Rodrigues Duarte, figura pouco conhecida, ou mesmo
desconhecida, da bibliografia dedicada ao tema, e, em termos gerais, analisar parte
da própria comicidade circense de meados do século XIX.
Diante dessa proposta, algumas questões mobilizaram nosso olhar para o
tema, as quais buscamos contemplar neste artigo, sendo elas: o que se sabe da
produção da comicidade circense no Brasil no século XIX para além da destacada
atuação dos palhaços Polydoro, Dudu das Neves e Benjamim de Oliveira? Sabe-se
que havia outros renomados palhaços antecessores a eles, mas conhecemos ao
menos um? Se sim, o que se sabe sobre ele? De que maneira ele aparecia nas
publicações da imprensa da época? Suas atividades no circo extrapolavam a
atuação como palhaço nos espetáculos?
Essas interrogações são mobilizadores importantes, pois, por mais que nos
últimos vinte anos seja perceptível o aumento de pesquisas e estudos sobre a
história e a memória circenses (Rocha, 2010; Ontañón; Duprat; Bortoleto, 2012;
Lopes e Silva, 2023), muito pouco ainda se sabe e se divulga sobre a atuação dos
palhaços nesse período, o que acarreta a quase total invisibilidade das artes do
circo e da importância das realizações de seus artistas e produtores.
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Conhecer mais um palhaço brasileiro, sua atuação, seus percursos e sua
importância histórica para as artes circenses em nosso país não é tarefa fácil. Exige
complexa e árdua investigação por meio de variadas fontes, e, mesmo assim,
corremos o risco de descobrir muito pouco sobre sua biografia e seus feitos
artísticos. Nesse sentido, conseguimos levantar poucas informações biográficas
sobre Augusto Rodrigues Duarte, contudo foi possível acessar algumas de suas
realizações artísticas em meados do século XIX e conhecer parte dos seus
percursos profissionais no circo.
A partir dos objetivos aqui apontados, realizamos o levantamento, a seleção
e o cruzamento de diferentes fontes (Certeau, 2010), compondo um conjunto de
documentos que engloba livros, artigos e principalmente jornais oitocentistas, que
foram consultados na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional (RJ) e nos quais
buscamos as palavras-chave “palhaço”, “palhaço Augusto” e “Augusto Rodrigues
Duarte”. Ao nos ancorarmos nessas fontes periódicas, procuramos interrogá-las
por meio de leituras críticas e mediações rigorosas (Luca, 2008), evitando seu uso
de forma instrumental, como apenas receptáculos e veículos de informações a
serem extraídas, e atentos para a realidade social e cultural na qual se inserem.
Dessa maneira, intentamos compor um diálogo crítico entre as diversas fontes
consultadas a fim de construir uma narrativa analítica focada na produção artística
e nos percursos profissionais do palhaço Augusto Rodrigues Duarte em meados
do século XIX.
Nos passos, nos versos e nas leituras do palhaço…
Mesmo sem informações biográficas de Augusto Rodrigues Duarte, por meio
de notas jornalísticas e propagandas circenses do século XIX, principalmente dos
espetáculos que foram realizados em benefício do artista, ou seja, aqueles cuja
arrecadação da bilheteria seria destinada a Augusto, conseguimos conhecer parte
de suas realizações, do reconhecimento do público e de seus percursos
profissionais.
Segundo nossas pesquisas, Augusto aparece efetivamente denominado de
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palhaço de circo no ano de 1863 em notas de admiradores do Circo Olímpico da
rua da Guarda Velha (RJ), grande circo estável dirigido pelo artista e empresário
Bartholomeu Corrêa da Silva.
Esta noite terá lugar neste circo um grande espetáculo em benefício do
Sr. Augusto, primeiro palhaço, e consta-nos que é grande festança; por
isso todos devemos comparecer para este fim.
Alguns partidários.
(
Correio Mercantil
, 12 dez. 1863, p. 3).
Rapaziada, vamos hoje assistir ao grande espetáculo em benefício do
palhaço Augusto, que muito deve agradar.
Um por muitos.
(C
orreio Mercantil
, 12 dez. 1863, p. 3).
Este espetáculo rendeu, ainda, mais uma nota a respeito do palhaço, a qual
traz indícios da sua popularidade entre o público no ano de 1863.
Circo Olímpico
O nome Augusto Rodrigues não é estranho a todos quantos, amigos dos
trabalhos olímpicos, frequentam o belo circo da rua da Guarda Velha.
É hoje o dia designado para o benefício daquele artista que tanto nos tem
feito rir. O público, que o conhece, sabe muito bem quanto realmente
vale o Sr. Augusto, que prova a hilaridade no espectador sem ofender
com ditos forçados e grosseiros ao melindre de quem quer que seja.
É finalmente um artista simpático, inteligente, que busca por todos os
meios a seu alcance corresponder aos constantes aplausos com que
costumam lhe recompensar os nobres esforços os frequentadores do
Circo Olímpico.
Amarelos e verdes, azuis ou encarnados; rapazes da pandega, partidários
da Rosinha, da Agostinha, ao benefício do nosso engraçado Augusto, do
palhaço do Circo.
Ele nos oferece um escolhido espetáculo no circo, rapazes! Ao circo, que
hoje teremos macacos por cordas, a mosquitos por arames; dança a
Rosinha; toca a Agostinha; salta esta e pula aquela!
Ao circo, rapaziada! Ao benefício do Augusto.
Um que não faltará.
(
Correio Mercantil
, 12 dez. 1863, p. 3).
Vale mencionar que nesta nota e nas outras supracitadas menção aos
“partidos”, espécie de torcidas de jovens fãs de determinados artistas do circo,
que se identificavam com braceletes coloridos e iam para os espetáculos
ovacionar, competir e idolatrar mulheres e homens da companhia (Lopes e Silva,
2022a).
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É justamente mais um desses partidários que publicou no jornal Correio
Mercantil de 1866 uma convocatória aos partidos, principalmente das equilibristas,
acrobatas e equestres do Circo Olímpico da rua da Guarda Velha, Rosinha e
Agostinha, para estarem presentes de forma pacífica em um dos espetáculos no
qual o palhaço Augusto seria beneficiado.
Circo Olímpico
Rapaziada do tom, é hoje o beneficiado do nosso simpático palhaço
Augusto. Vergonha ao que desertar das fileiras! Honra aos de troça que
comparecerem.
O Augusto espera por nós. Provemos que as lutas de partido não influem
quando se trata do Augusto, do mimoso palhaço da Guarda Velha.
Ao circo!
Haja uma ideia, um bravo, um aperto de mão para o amantético palhaço
que tantas horas de distração nos tem facilitado!
O infalível.
(
Correio Mercantil
, 27 jan. 1866, p. 3).
Contudo, se partirmos dos indícios apresentados pelas propagandas mais
antigas do Circo Olímpico da rua da Guarda Velha, suspeitamos que Augusto tenha
estado nesta companhia pelo menos desde 1857, pois compunha a oferta de suas
apresentações um número semelhante ao apresentado por Augusto, no qual “o
palhaço vestido a caráter com sua viola cantará em língua de preto ALGUMAS DE
SUAS MODINHAS” (
Correio Mercantil
, 29 ago.1857, p. 4). Ademais, nos anos
subsequentes, encontramos também números que poderiam ter sido realizados
por Augusto por serem semelhantes aos do seu repertório, conforme os exemplos:
O palhaço com a viola preencherá este intervalo tocando e cantando seus
engraçados lundus, os quais muito divertirão o respeitável público
(
Correio Mercantil
, 17 jan. 1858, p. 4).
O palhaço cantando e tocando viola dançará a CHULA e terá a honra de
entreter o respeitável público com suas acostumadas jocosidades (
Echo
da Nação
, 23 jun. 1861, p. 4).
Tendo em vista que exibições musicais compunham o repertório de Augusto
Rodrigues Duarte, é válida a especulação de que o palhaço do Circo Olímpico da
rua da Guarda Velha que atuava do período de 1857 a 1863 poderia ser Augusto.
Um dado que reforça essa hipótese é que encontramos um artista de nome
Augusto no elenco dessa companhia em 1860 (
Correio Mercantil,
28 abr. 1860, p.
4); além disso, em 1862, é possível afirmar que Duarte estava trabalhando com
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Bartholomeu Corrêa da Silva. Nesse ano de 1862, o circo apresentou a pantomima
“Fra-diavolo ou O Salteador da Calábria”, e um personagem dessa encenação
denominado “Moço da Estalagem” foi interpretado pelo artista “Augusto, palhaço”
(Correio Mercantil, 17 maio 1862, p. 4). Além disso, em fins de 1862, consta na
relação de artistas do Circo Olímpico o nome “A. R. Duarte” (
Correio Mercantil
, 16
dez. 1862, p. 4). Esses são, portanto, alguns indícios de que Augusto atuava como
cômico no Rio de Janeiro e no circo de Bartholomeu em 1862 e, possivelmente,
antes mesmo desse ano.
Retornando ao espetáculo dedicado em benefício de Augusto Rodrigues
Duarte no Circo Olímpico da rua da Guarda Velha em 1863, seus anúncios de
divulgação trazem elementos interessantes de ser considerados, pois
encontramos vinhetas e versos cômicos que mostram o tom hilário do benefício
concedido ao palhaço Augusto. Neles podemos ler que a função seria equestre,
acrobática, ginástica, mímica e com pantomima e dança, além do “circo
embandeirado. Músicas com fartura. Foguetes não se fala. Cerveja melhor não há.
Enfim mosquitos por cordas nesta noite” (
Correio Mercantil
, 08 dez. 1862, p. 4). Ou
seja, por toda essa produção e devido à expressão “mosquitos por cordas”, que
significa algo como “balbúrdia”, “bagunça” e “confusão”, a apresentação prometia
divertimento e hilaridade.
Assim, como é comum encontrar em propagandas circenses do século XIX, a
comicidade extrapolava a cena e a atuação física do palhaço; imprimia-se nos
anúncios, nas crônicas e nas propagandas circenses (Lopes e Silva, 2022b) e, no
caso das divulgações dos benefícios ao palhaço Augusto, publicadas pelos diversos
circos onde atuou, não foi diferente. Desse modo, na propaganda de seu benefício
de 1863 no Circo Olímpico de Bartholomeu Corrêa da Silva, foram publicados os
seguintes versos:
Vai Verso:
Quem quiser se divertir
Sem ficar tendo cansaço,
Venha ver o variado
Benefício do palhaço.
O espetáculo é bom
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E pra ser mais galhofeiro,
O palhaço dá bilhetes
Em troca de algum dinheiro.
Cadeiras são dois mil réis
A quantia não altera,
Mas aquele que der três
Tem dez tostões pra cerveja.
(
Correio Mercantil
, 12 dez. 1863, p. 4).
É possível afirmar, conforme indica Regina Horta Duarte (2001), que os
anúncios circenses dialogavam com os leitores por meio de textos variados,
vinhetas, figuras, formatos e diagramações variadas e, de maneira indireta,
introduziam o espetáculo. Nesse caso particular do espetáculo realizado em
benefício do palhaço Augusto, os versos cômicos que compõem a propaganda
ressaltam o teor risonho e alegre da apresentação que seria realizada e se
configuram como uma tônica na atuação desse artista, pois aparecem com
frequência nas divulgações de espetáculo em seu benefício:
Ao Circo!! Ao Circo!!
Ver o magnífico espetáculo
Quanto a preços não se briga
Nessa noite de alegria
O palhaço o que deseja
É prazer e é folia.
As gerais já se acabaram
As cadeiras dois mil réis
Mas quem der o dobro disso
Leva troco para pastéis.
(
Correio Mercantil
, 17 jun. 1864, p. 4).
Lá vai verso:
E no fim do espetáculo
Há uma grande ceata;
Fricassês, pudins e cremes,
Empadas, pastéis de nata.
Danças, músicas, foguetes,
Bandeiras e iluminação
Tudo isso haverá
No dia da tal função!
(
Correio Mercantil
, 27 out.1864, p. 4).
Lá vai verso:
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Quem tiver melancolia
E quiser se divertir,
Não falte a este espetáculo
Que é todo de fazer rir.
E no fim de tal função
Haverá grande ceata;
Fricassês, pudins e cremes,
Empadas e pastéis de nata.
Só por isso vale a pena
Todos já comprar bilhetes
Pra o palhaço ver se arranja
Pecúnia para os foguetes.
(Correio Mercantil
, 28 out. 1864, p. 4).
Enquanto artista do Circo de Bartholomeu, trabalhou também com outros
palhaços. Desde suas primeiras atuações nesse circo e em vários outros
momentos e companhias, esteve com ele o também palhaço Antonico, que, entre
outras realizações, apresentava-se com comicidade equestre. Assim, sempre
compondo o elenco, aparecem muitas vezes nas propagandas juntos ou
revezando na parte cômica dos programas.
Outro palhaço com quem Augusto atuou foi o norte-americano George Sharp.
Em 1864, o Circo Olímpico da rua da Guarda Velha contratou o palhaço Sharp,
vindo dos Estados Unidos para o Brasil com o Circo Grande Oceano em 1862; e
tanto Augusto quanto Antonico apresentaram-se com o norte-americano. Esses
três artistas, em união, realizaram, entre outras apresentações, a “Batuta, Volteio
e Ginástica” e a “Pantomima os Três Amantes” (
Correio Mercantil
, 17 nov. 1864, p.
4), além de “Mr. G. Sharp e Augusto, palhaços da companhia” preencherem os
intervalos das funções com hilaridades e “com o espírito de que são dotados”
(
Correio Mercantil,
21 fev. 1864, p. 4). A relação entre George Sharp e Augusto
possivelmente ganhou projeção maior do que os trabalhos nos palcos/picadeiros
circenses, pois Sharp, em uma das propagandas que divulgam o seu benefício,
menciona Augusto por meio de uma vinheta como “amigo e companheiro, exímio
artista caricato do grande circo da rua da Guarda Velha” que lhe presenteou com
uma carteira (
Correio Mercantil
, 19 nov. 1864, p. 4). Essa relação de Duarte com
Sharp, reconhecido palhaço norte-americano que atuava com várias habilidades e
principalmente como excêntrico musical (Lopes e Silva, 2022a), possivelmente
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resultou em muitas trocas de aprendizagens entre eles, podendo ter gerado forte
influência em Augusto, que, como tratamos brevemente, era também um palhaço
que dominava a música como uma de suas formas de expressão.
Assim, conforme indicam as fontes pesquisadas, Augusto, ao que parece, foi
um artista de destaque no Circo Olímpico da Guarda Velha, tendo recebido
diversos espetáculos em seu benefício. Por meio desses espetáculos podemos
conhecer um pouco mais de sua aceitação pública, bem como de seu repertório.
Circo Olímpico
É hoje o dia designado para o benefício do palhaço Augusto, tão
justamente apreciado pelo nosso público.
Artista de incontestável merecimento no gênero de trabalho a que se
dedica deveras, o estimável Augusto, por mais de um título, tem direito
de esperar que, mais uma vez, não lhe escasseie aquela animação
fervorosa com que sempre o têm distinguido os amadores dos brincos
Olímpicos.
Demais, ninguém que viu aplaudido o palhaço do circo Grande Oceano
poderá negar ao Sr. Augusto a igualdade, senão a supremacia sobre um
colega que, tanto ou menos do que ele, compreendia a manutenção de
certas conveniências, geral e muito louvavelmente compreendidas e
apreciadas pelos pais de família. Sobre ser um artista hábil e honesto, o
palhaço Augusto recomenda-se à simpatia do povo fluminense pelo
respeito que revela lhe votar, fazendo-o rir sem ferir-lhe os ouvidos e os
bons costumes com gestos e palavras menos autorizadas pela decência.
São estas qualidades que muito pesam na balança do mérito do artista
que se apresenta ao público com o fim de lhe dar momentos de
agradável passatempo.
(
Correio Mercantil
, 28 out. 1864, p. 2).
No vasto repertório que Augusto exibia, em outro espetáculo em seu
benefício, realizado no início de junho de 1865, é possível identificar o artista
também atuando nas pantomimas
circenses, a exemplo de “Os Apuros de um
Namorado em Sábado de Aleluia” (Correio Mercantil
, 03 jun. 1865, p. 4). Já em seu
benefício concedido em 25 de outubro de 1865, identificamos Augusto também
em entradas cômicas equestres como “O Cavalinho Campista, que, pela vez,
apresentado pelo diretor, executará o seu trabalho com o palhaço, o Sr. Augusto”
(
Diário do Rio de Janeiro
, 25 maio 1864, p. 4) e “O Palhaço Atrapalhado no Jogo do
Pacán, cena cômica equestre realizada pelo beneficiado e a jovem Silvana no
interessante cavalinho Riquiqui, pulando barreiras, furando arcos incendiados, etc.,
etc.” (
Correio Mercantil
, 25 out. 1865, p. 4).
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Seja no benefício do início de junho, seja neste de outubro de 1865, mais uma
vez as propagandas publicadas pela imprensa estampavam versos cômicos
convocando a presença do público, informando as atrações exibidas por Augusto
e reforçando a comicidade de suas apresentações previamente nos anúncios.
Lá vai obra!!!
O pagode desta noite
Venham cá apreciar;
Haverá o diabo a quatro,
Risota de escangalhar!
Haverá lindo fadinho
Acompanhado na viola;
Muito diabrura enfim
De fazer virar a bola!
E as notícias no jornal
A respeito do López
4
!
É de fazer voltar o mundo
Da cabeça para os pés!
Esta festa sem limites
Será toda maganeira!
Pois o palhaço afinal
O que quer é a COBREIRA!!
(
Correio Mercantil
, 03 jun. 1865, p. 4).
O palhaço nesta noite
Muito há de agradar
A bela rapaziada
Que o for apreciar.
O espetáculo é de arromba!
Todo ele é pasmaceira!
O programa desta noite
Será todo Maganeira!
O palhaço lê o jornal
E também com a viola
Fará artes do diabo
De fazer virar a bola!
Vinde pois rapaziada
Assistir a tal função:
Apreciar as diabruras
Do Augusto Maganão!
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Possivelmente é uma alusão a Francisco Solano López, ditador que liderou o Paraguai durante a Guerra do
Paraguai, que ocorreu entre 1864 e 1870.
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(
Correio Mercantil
, 25 jan. 1865, p. 4).
Portanto rapaziada
Nesta noite é não faltar!
O palhaço vos garante
Fazer rir a escangalhar!
(
Jornal do Comércio
, 28 maio 1866, p. 4).
Tendo por base esses e tantos outros poemas cômicos divulgados nas
propagandas dos benefícios concedidos a Augusto no Circo Olímpico da rua da
Guarda Velha, e também em outros circos em que o artista atuou, identificamos
claramente sua atuação como excêntrico musical (Silva e Melo Filho, 2014). No
caso de Augusto, ele portava um instrumento que ora era chamado de viola, ora
de violão, e que poderia ser tanto a viola de 10 cordas, conhecida atualmente como
viola caipira ou viola brasileira, comum entre a população humilde urbana do
século XIX, como o violão, que na época também podia ser encontrado com a
denominação de viola, e que se popularizou mais fortemente no Brasil a partir da
segunda metade do século XIX (Vilela, 2015). Seja com uma viola, seja com um
violão, a relação de estilos musicais e danças apresentadas por Augusto ia das
modinhas ao fado, passando pela chula e o lundu, repertório comum aos palhaços
cantores da segunda metade dos mil e oitocentos e início do século XX, como
Polydoro (Tamaoki, 2020), Dudu das Neves (Abreu e Dantas, 2020) e Benjamim de
Oliveira (Silva, 2022).
Contudo, outra atração apresentada por Augusto junto com a música emerge
dos versos publicitários das propagandas circenses apresentadas acima, que é a
leitura satírica de um jornal: os intervalos das “cenas” exibidas nos espetáculos
eram preenchidos por Augusto com “viola, chula, jornal etc., etc., a fim de alegrar
mais este divertimento e satisfazer os desejos da rapaziada de caroço no pescoço!”
(
Correio Mercantil
, 25 out. 1865, p. 4).
Conforme indicado pelos versos “E as notícias no jornal/A respeito do
Lopez!” e “O palhaço o
jornal
supracitados, Rodrigues Duarte fazia a leitura
cômica de um jornal satírico escrito e produzido por ele como um de seus
números. Essa atração em geral entrava nos intervalos dos espetáculos, anunciada
também como a “Leitura do
Jornal da Pândega
”, e era composta, na sequência,
Augusto Rodrigues Duarte: um palhaço entre versos, jornais e jocosidades no Brasil oitocentista
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pela atuação musical de Augusto com “viola, chula, etc.” (Jornal do Comércio, 28
abr. 1866, p. 4):
[...]
Haverá jornal e chula
E o fadinho na viola,
Muita diabrura enfim
De fazer virar a bola.
(Co
rreio Mercantil
, 06 abr. 1867, p. 4).
Esse jornal, também denominado de almanaque, tinha como título O Palhaço,
era escrito em prosa e verso e trazia, em seu interior, artigos, folhetim, palestra,
charadas e mesmo telegramas. Apesar dele comumente ser distribuído com a
venda dos ingressos para os espetáculos, encontramos anúncios de livrarias
fluminenses vendendo um almanaque de mesmo título junto a outras publicações
cômicas, textos teatrais, romances, almanaques, contos e novelas:
À venda na livraria de Cruz Coutinho, editor, rua de S. José, n. 75.
Os Homens que Riem, nova comédia de César de Lacerda, 1vol. com o
retrato do autor.
Almanaque de Paulo Kock para 1872, 500 rs.
Almanaque do Palhaço para 1872, 640 rs.
Almanaque Japonês para 1872, por Urbano Loureiro, 1$000.
[...]
(
Jornal do Comércio
, 07 mar. 1872, p. 5).
LIVROS
Novamente publicados e à venda na Nova Livraria Econômica, rua da
Uruguaiana, n. 23, entre o Alcazar e a rua Sete de Setembro:
O Capadócio, paródia ao Trovador, 1 vol....$500
Coleção de Modinhas Brasileiras, 1 vol.....1$000
O Palhaço (almanaque) 2 folhetos...........$800
[...]
(
Jornal do Comércio
, 17 jul. 1872, p. 5).
Possivelmente esse almanaque anunciado nas livrarias de 1872 tratava-se da
editoração de Augusto, pois, além de ter o mesmo título, nesse ano de 1872,
Augusto estava com seu próprio circo circulando por bairros da capital do Império,
promovendo seus espetáculos na imprensa e contando com boa participação do
público fluminense nas sessões. Contudo, não podermos afirmar com toda a
certeza que este era realmente o periódico do palhaço Augusto, pois circulou
também no Rio de Janeiro um jornal intitulado O Palhaço: jornal hebdomadário,
Augusto Rodrigues Duarte: um palhaço entre versos, jornais e jocosidades no Brasil oitocentista
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humorístico, de fatos e costumes brasileiros, mas este, segundo nossas pesquisas,
iniciou sua editoração somente pós-proclamação da República, portanto a partir
de 1889.
Apesar disso, é possível que o almanaque comercializado por livrarias
fluminenses fosse a publicação de Augusto Rodrigues Duarte. Um fato que
contribui para essa especulação é que podemos constatar que outras produções
escritas de autoria de Augusto foram vendidas em livrarias, como é o caso do
“espirituoso dueto cômico do palhaço Augusto” intitulado “O Cozinheiro e a
Quitandeira”, anunciada por “200rs” na “livraria Serafim José Alves, 83, rua Sete de
Setembro” junto a diversas obras, como: “A filha de Maria Angú, 1$. Dalila, drama,
1$. As duas órfãs, drama, 1$. Aimé ou o assassino por amor, drama, 1$. Uma vítima
do jogo, cena cômica, 200rs. Fausto, drama, 1$ [...]” (
Jornal do Comércio
, 22 ago.
1877, p. 7).
Ainda sobre as produções literárias de Augusto, uma pequena nota publicada
no periódico
O Mercantil
, no ano de 1885, informa que a redação do jornal foi
obsequiada “com a
Folhinha do palhaço Augusto para 1885
. É um livrinho
interessante pelas boas lembranças que contém” (
O Mercantil
, 24 abr. 1885, p. 2).
Mesmo que essa publicação possa ser uma outra criação de Rodrigues Duarte, por
ser tratada como “Folhinha”, ou mesmo seu próprio jornal/almanaque, fato é que
Augusto se manteve até esse ano compondo e divulgando seus periódicos.
A escrita, a produção e a leitura de um jornal como uma atração do palhaço
Augusto Rodrigues Duarte ou seja, sua inclinação para as letras, a criação e a
produção literária dão lastro à possibilidade de que os versos publicados no
interior das propagandas dos circos em que ele trabalhou ou dirigiu sejam de sua
autoria. Nesse sentido, um fato que reforça essa perspectiva é o de que ele se
apresentava também com um número que consistia em falar centenas de
palavras em poucos minutos, de forma que esse “texto” narrado em alta
velocidade provavelmente era também de sua autoria ou, no mínimo, indica que
Augusto era ligado ao universo da palavra escrita e falada.
Assim, seus versos, textos teatrais e publicações periódicas, para além de
produções que compunham seu fazer artístico dentro e fora dos picadeiros
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circenses, acabavam por se concretizar como interessantes e criativas estratégias
de propaganda, autopromoção e, consequentemente, como uma forma de
conquistar a simpatia do público e sua participação nos espetáculos; além de
estarem antenados com o desenvolvimento da imprensa e do mercado
bibliográfico do período ao visar acessar o público letrado e pertencente à elite
cultural da época.
Nesse sentido, uma nota divulgada pelo
Correio Mercantil
no ano de 1866
ilustra mais uma das criativas e irônicas formas de propagandas produzidas no
Circo Olímpico da rua da Guarda Velha pelo palhaço Augusto:
Novas brilhanturas preparou o palhaço para não desmerecer do agrado
dos frequentadores daquele circo. Um avulso distribuído como anúncio
do espetáculo, entre outras pilherias, traz a seguinte, para a qual
chamamos a atenção dos que pretendem concorrer ao convite do
beneficiado.
“O palhaço Augusto previne aos respeitáveis frequentadores do circo que
no dia do seu benefício recebe de boa vontade (a pedido geral) qualquer
nota graúda a troco de qualquer entrada, visto haver grande falta de
miúdos” (
Correio Mercantil
, 25 jan. 1866, p. 1).
Em busca de conhecer as realizações e parte da história desse artista,
acessamos também a informação de que Augusto, para além da sua verve cômica
literária, também criava e dirigia tanto os espetáculos em seu benefício quanto os
realizados em datas festivas, como é o caso das funções dadas pelo Circo da rua
da Guarda Velha no carnaval de 1866.
Nesse ano, o empresário e artista Bartholomeu Corrêa da Silva, proprietário
do Guarda Velha, edificou um circo de madeira na Guanabara, ação essa que ele
denominava de Circo Olímpico Volante, que montava circos de madeira por
temporada em diferentes regiões da cidade mesmo com seu circo estável na rua
da Guarda Velha. Nesse circo na Guanabara, Bartholomeu promoveu um
espetáculo “Equestre, Ginástico e Carnavalesco inventado pelo PALHAÇO”:
O palhaço Augusto, encarregado pelo Illm. diretor de organizar um
espetáculo augusto e pomposo, capaz de eclipsar o que de melhor
apresenta em tais dias o GRANDE CIRCO DE PARIS, esmerou-se em
corresponder a tão alta prova de confiança, delineando um divertimento
especialmente consagrado aos mascarados avulsos que andam calcando
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os paralelepípedos da cidade, gastando as solas dos sapatos e arruinando
a sua preciosa saúde, porque, segundo a opinião do Dr. Fulano, motivada
em um precioso relatório que enviou à Academia de Medicina de Paris, o
pó das ruas entrando nas fossas nasais produz tubérculos pulmonares e
outras moléstias perigosíssimas, que o Augusto, com toda a solicitude de
um coração bem formado como aquele de que a Anna Thereza o dotou,
deseja evitar aos seus incógnitos e não incógnitos admiradores.
se que todos podem entrar com a cara coberta ou descoberta - à
vontade - sem ter que pedir licença senão ao bilheteiro que está
autorizado a conceder-lha mediante o quantitativo de 1U000. - 1U500. -
ou 10U000 conforme a posição mais ou menos elevada que quiserem
ocupar na rotunda olímpica. Se nesta importante parte econômica é
permitida a opinião do Augusto, com toda a franqueza declara que ele
prefere, atentando a extraordinária falta de trocos miúdos - que os seus
convidados ocupem a posição elevada (
Diário do Rio de Janeiro
, 13 fev.
1866, p. 4).
Vale reforçar que mesmo nesse descritivo da propaganda aparece a
comicidade de Augusto, tanto com a sátira à saúde dos foliões, recomendando a
ida ao circo para não inalarem o prejudicial das ruas, quanto com sua “opinião”
de que “prefere”, por falta de troco, que o público ocupe os assentos mais caros
do circo. Desse modo, a atuação de Augusto Rodrigues Duarte extrapolava seus
números de picadeiro e voltava-se também para a publicação de periódicos e
textos satíricos nas propagandas e mesmo para a criação e direção dos
espetáculos.
Após o vasto período de Augusto no Circo Olímpico da rua da Guarda Velha,
em abril de 1872 ele estreou seu próprio circo no bairro de Botafogo, na rua de São
Joaquim, próximo à matriz de São João. As propagandas dos espetáculos do que
foi, então, denominado de Circo Olímpico, como era comum na época a vários
empreendimentos circenses, informavam que Augusto era seu diretor e
proprietário, e ainda que:
O papel do palhaço é executado pelo diretor, que teve a honra de
trabalhar em presença do ilustrado blico desta corte, no circo da
Guarda Velha, durante 9 anos, e também nas províncias do Rio de Janeiro,
S. Paulo, Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande, Ceará,
Maranhão e Pará, de onde veio no dia 31 do [mês] passado (
Jornal do
Comércio
, 24 abr. 1872, p. 6).
As atrações exibidas em seu circo correspondiam à ampla e diversificada
Augusto Rodrigues Duarte: um palhaço entre versos, jornais e jocosidades no Brasil oitocentista
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gama de expressões artísticas apresentadas nos circos do período, sendo possível
identificar, no programa de seus espetáculos, números de música, acrobacia de
solo, acrobacia equestre, equilibrismos, malabarismos, pantomimas e,
obviamente, números cômicos realizados por Augusto, como a chula executada
com seu violão, “O Jornal Pagodeiro” e a farsa jocosa “O Barbeiro de Paris ou o
Dentista Universal” (
Jornal do Comércio
, 04 maio 1872, p. 6).
O muito conhecido palhaço Augusto (diretor) é um desses personagens
privilegiados, que trazem o sal na voz, no andar e até no olhar. O Sr.
Carvalho, tão novo na arte, tem já o mérito nos seus equilíbrios. O artista
Marius é incontestavelmente o maior saltador que temos visto quer nos
saltos mortais; quer nos saltos beduínos e quer nos quarenta e tantos
saltos que deu sem parar, todos trazem o selo da perfeição.
No trabalho de barra fixa, todos os artistas foram bem, fazendo-te notar
o arrojo e a limpeza do trabalho executado pelo corajoso artista Coelho
[…].
(
Jornal do Comércio
, 27 jun. 1872, p. 6).
Mais especificamente sobre a atuação de Augusto e o apreço do público por
esse artista e, agora, empresário, uma nota assinada pelos frequentadores do circo
informa que: “Não terminaremos sem dar ao palhaço o que lhe é devido. É chistoso
e muito feliz em todos os seus jogos de espírito, que provocam a maior hilaridade,
guardando, entretanto, o maior comedimento quer nas expressões quer nos
gestos” (
Diário de Notícias,
04 jul. 1872, p. 3).
Nessa temporada em Botafogo, Augusto distribuiu seu periódico, postou
vinhetas nas propagandas do seu circo e publicou notas no jornal
Diário de Notícias
divulgando seu jornal e seus espetáculos:
O palhaço
Do circo de Botafogo distribui hoje um interessante periódico de sua
composição (no formato da Nação pouco mais ou menos) a quem for
comprar um certo cartãozinho [ingresso] (
Diário de Notícias
, 11 jul. 1872,
p. 4).
Trocam-se
Notas do tesouro nacional por bilhetes que dão entrada ao espetáculo de
hoje em benefício do palhaço no circo de Botafogo
(
Diário de Notícias
, 11 jul. 1872, p. 4).
Nesse bairro, ficaram até o mês de julho, quando o circo partiu para o Portão
Vermelho, também na capital do Império. Um ponto interessante desta temporada
Augusto Rodrigues Duarte: um palhaço entre versos, jornais e jocosidades no Brasil oitocentista
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do circo de Augusto no Portão Vermelho foi o anúncio dos dias de espetáculo feito
por meio da decoração do circo, com bandeiras, e do lançamento de foguetes
como sinal de que haveria função (
Diário de Notícias
, 28 jul. 1872, p. 4). Além disso,
Augusto promoveu, mais uma vez, espetáculos em seu benefício por meio de
anúncios festivos, com versos irônicos e com o programa de atrações:
Grande festa! Prazer sem igual! Alegria imensa!
EM BENEFÍCIO DO PALHAÇO AUGUSTO!
Será distribuído um interessante periódico que o beneficiado oferece
(grátis) aos amantéticos do Circo Olímpico.
Por isso venham já comprar os bilhetinhos e receber o periódico
também!
Chega, chega, minha gente!
Venham, venham à função!
Venham ver no circo hoje
O palhaço maganão!
Tem de haver gato por lebre,
Monstruosa berraria,
Dos moleques assobios,
E das velhas gritaria!
Não faltem a esta festança que o palhaço preparou com toda a pompa!
Hoje tem de haver um espetáculo de ARROMBA! Trabalhos novos! Pela
primeira vez uma cena de grande aparato dividida em 6 partes com
fogos de cores, guarda de honra, danças, entrada do governador, lutas,
trabalhos sobre o globo, REI DO FOGO, etc., etc., os demais trabalhos
que compõem o espetáculo são escolhidos a capricho. Hoje também
estreia o primeiro equilibrista brasileiro recém-chegado do Sul, o Sr.
José Fonseca, que executará um apreciável trabalho no arame bambo.
(
Jornal do Comércio
, 22 ago. 1872, p. 6).
Logo após essa temporada, o palhaço estabeleceu associação com
outro circo, o Grande Circo Americano de Walter Waterman:
Exibição Norte-Americana
ATRAÇÃO TRIPLA
Três companhias reunidas em uma na mesma noite, consistindo de uma
coleção de animais, circo, jogos olímpicos, a grande e graciosa ZILDA em
seus lindos e audazes exercícios aéreos.
O grande Augusto R. Duarte, o príncipe dos mímicos, conjuntamente com
toda a sua companhia, constando de cavalos, ginásticos, acrobatas,
equilibristas, etc.
[…] (
A Nação,
06 ago. 1872, p. 4).
Essa união de três companhias num mesmo espetáculo consistia mais
especificamente na atuação conjunta dos artistas e atrações de Waterman com a
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família Aymar e com a companhia dirigida pelo palhaço Augusto. Posteriormente
a essa participação rápida com Waterman no Campo de Santana, Duarte passou
a divulgar seus espetáculos na rua da Guarda Velha, ao lado do Circo Olímpico de
Bartholomeu Corrêa da Silva, circo este que, nesse período, era denominado como
Teatro D. Pedro II (
Diário de Notícias
, 01 set. 1872, p. 4).
Circo Olímpico Sob direção do Sr. Augusto R. Duarte estreou domingo,
8 do corrente, uma companhia equestre e ginástica.
O povo, amigo desses divertimentos, afluiu para as arquibancadas do
circo e assistiu numeroso aos trabalhos dos artistas. Alguns destes não
são destintos de mérito no gênero em que se manifestam.
Para contrabalancear o susto de ver-se um homem arriscar a vida para
ganhar o pão, vai o palhaço Augusto dizendo quanta pilheria lhe acorde à
cabeça distraindo os apreciadores de semelhante passatempo. Para
esses as saudades que nutriam pela companhia do Sr. Chiarini tornam-
se mais suportáveis.
(
Diário do Rio de Janeiro,
09 set. 1872, p. 2).
É interessante observar que em várias divulgações da estreia de seu circo
nessa localidade aparecem menções a Rodrigues Duarte como o “antigo palhaço
Augusto” (A Nação, 02 set. 1872, p. 4) e “sempre aplaudido do nosso público” (
A
Nação,
08 set. 1872, p. 2). também, no jornal
A República
, menções a Augusto
Rodrigues Duarte que tratam do seu histórico de atuação no Rio de Janeiro: “O
Palhaço Augusto é muito conhecido, pois, antes de ter trabalhado em todas as
províncias do norte e sul, teve a honra de trabalhar em presença do ilustre
público desta Corte durante 9 anos, no circo do Illm. Sr. Bartholomeu C. da Silva”
(08 set. 1872, p. 4).
A companhia de Duarte ficou em atuação no Rio de Janeiro até pelo menos
o mês de outubro de 1872, com espetáculos acrobáticos, equestres, equilíbrios,
ginásticos, mímicos e jocosidades do palhaço. Em dezembro, Augusto estava no
Circo Equestre de Antonio Blas Otero, no Largo de São Bento, na cidade de São
Paulo, que era anunciado como “grande companhia das quatro nações”, com
participação do “primeiro palhaço do Brasil, o Sr. Augusto R. Duarte”. Como de
costume, o “muito conhecido palhaço Augusto, único que teve a honra de trabalhar
por várias vezes em presença de SS.MM.II. e que foi sempre muito aplaudido nesta
capital, Rio de Janeiro e em todas as províncias do norte”, apresentou “jocosidades,
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pilherias, leitura de jornais, modinhas e lundus com o violão, e danças da chula
etc.” (
Correio Paulistano,
13 dez. 1872, p. 4).
Já em janeiro de 1873, o circo de Blas Otero partiu para Campinas, Sorocaba
e Itú, no interior do estado de São Paulo (
Diário de São Paulo
, 01 jan. 1873, p. 3).
Possivelmente, Augusto seguiu com Otero por essas cidades ou mesmo se
vinculou a outras companhias, pois encontramos novamente registros de seu
trabalho no ano de 1875 com o Circo Casali, montado também no Largo de São
Bento, na capital paulista: “A empresa acaba de admitir em sua companhia o
gracioso e bem conhecido Palhaço Augusto Rodrigues Duarte, o qual nesta noite
fará sua estreia apresentando as suas graciosas e interessantes pilherias que
muito farão rir” (
Correio Paulistano
, 29 abr. 1875, p. 4).
Entre as diversas atrações do Circo Casali em fins de 1875, havia também na
companhia a presença do “Palhaço Antonico”, que havia atuado com Augusto
na década de 1860 no Circo Olímpico da rua da Guarda Velha. Com os Casali, eles
trabalharam tanto com seus números individuais como em parceria (
O Globo
, 24
jul. 1875, p. 4). Quanto às apresentações solo de Augusto, vale mencionar algumas
atuações interessantes, como aquela em que o artista “falará em um minuto
mais que toda a companhia em um mês” (
Correio Paulistano
, 08 maio 1875, p. 4),
número também chamado de “Intermédio Vocal” (Jornal do Comércio, 23 out.
1875, p. 8), e o “entremez cômico intitulado Os Filhos Desobedientes” (
Correio
Paulistano
, 14 maio 1875, p. 4), atrações estas que reforçam a inclinação de Augusto
para o trabalho com a palavra escrita e falada.
O Circo Casali logo deixou São Paulo rumo ao Rio de Janeiro, e, a respeito
dessa nova temporada de Augusto com o Circo Casali, que aconteceu em julho de
1875, encontramos interessantes fontes que traçam a aproximação da atuação de
Augusto com questões políticas do Rio de Janeiro. Entre elas, está uma espécie
de crônica no periódico
O Mequetrefe
que informa que:
Possui mais o Sr. Casali um bom palhaço, não destituído de inteligência,
e que preenche os intervalos com cenas cômicas, sendo que nos deu na
primeira noite uma sátira aos sentimentos de igualdade e fraternidade
com que nas eleições se revestem os candidatos políticos. (O Mequetrefe,
22 jul. 1875, p. 6).
Augusto Rodrigues Duarte: um palhaço entre versos, jornais e jocosidades no Brasil oitocentista
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A associação de Augusto e suas atuações cômicas a críticas ao universo da
política ocorreu também em outra publicação do mesmo periódico:
Na verdade este povo é muito falto de gosto! desse modo se pode
achar a razão de não se pejarem [ocuparem] as galerias da casa da
câmara temporária.
Dizer-te que isso acontece porque o público não aprecia divertimentos,
isso não, porque ele vai ao Circo Casali aplaudir as pachuchadas do
palhaço Augusto, e quando o Jockey Clube anuncia corridas o Prado
Fluminense quase não pode conter a concorrência.
No entanto, a nossa Câmara é bastante cômica! Ocupam a tribuna de vez
em quando os Srs. Murta e Chopotó (
O Mequetrefe
, 29 jul. 1875, p. 6).
Por meio de ambos os textos é possível inferir que Duarte era conhecido do
público fluminense e que seu trabalho possuía visibilidade por parte de segmentos
letrados e politizados do Rio de Janeiro, que compareciam aos espetáculos do
Circo Casali e, conforme as citações acima, traçavam paralelos entre suas
apresentações e elementos do contexto político da época.
Com relação, mais uma vez, ao estilo de atuação de Duarte e sua produção
bibliográfica, nesse período em que o palhaço estava com o Circo Casali, um
morador de São Cristóvão, conforme indica a seção de publicações a pedido do
Diário do Rio de Janeiro
, escreveu sobre a festa “artística e palhaçal” de Augusto e
apresentou interessantes características sobre seu jornal.
Tal é a grandeza da função, que os prelos gemeram, produzindo um
jornal com artigo de fundo, folhetim, palestra, charadas e até telegramas!
Nesta época de insípido viver, quem não procurará afastar a mortal
hipocondria com as boas e inocentes gargalhadas que tão bem sabe
provocar o palhaço Augusto? Ninguém.
Não há misantropia que lhe resistam, nem prazeres que ele não cure em
um só espetáculo.
E quando esse espetáculo é em seu benefício, o que não será?
[...]
Um morador de S. Cristóvão.
(
Diário do Rio de Janeiro
, 05 nov. 1875, p. 2).
Também, nessa mesma linha, uma nota de
O Mercantil
tratando do Circo
Casali em Petrópolis em setembro de 1876 traz mais informações sobre o jornal
de Augusto, que, ao que parece, continha também em seu interior o programa das
Augusto Rodrigues Duarte: um palhaço entre versos, jornais e jocosidades no Brasil oitocentista
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atrações do espetáculo.
Para atrair mais a concorrência do público, e para que ninguém ignore a
esplêndida função artística que ele hoje à noite vai oferecer ao respeitável
público petropolitano, mandou ontem distribuir, e hoje também
distribuirá, um interessante e muito espirituoso jornal, que tem por título
O Palhaço, cujo jornal, escrito em prosa e verso, é filho legítimo da
vulcânica inteligência do mesmo beneficiado.
No espetáculo de hoje, segundo nos promete no seu jornal, serão
apresentadas as mais estupendas e admiráveis maravilhas da arte
equestre e ginástica, que deixarão o público inteiramente surpreendido.
[…] (
O Mercantil
, 09 set. 1876, p. 1).
Seguindo ainda uma linha cronológica da produção de Augusto, em 1877
permanecia trabalhando com os Casali no Rio de Janeiro, mas no Teatro Circo
da rua do Lavradio, um circo estável e de alvenaria que recebia frequentemente
muitas companhias circenses estrangeiras. Sendo denominado nas propagandas
de o “palhaço brasileiro Augusto Duarte”, apresentou, entre outros feitos, o
intermédio cômico “O Regateiro Mágico” (
Gazeta de Notícias
, 15 maio 1877, p. 4).
Por esse número, posteriormente foi tratado por meio de uma vinheta presente
na propaganda do seu benefício, realizado em 07 de junho de 1877, como
“Augustosinho, palhacinho e feiticeirozinho” (
Jornal do Comércio
, 07 jun. 1877, p.8).
Por fim, seguindo ainda os passos de Augusto, encontramo-lo no ano seguinte
também no Teatro Circo da rua do Lavradio, mas com o Circo Cosmopolita de
Antonio F. Gomes, e com exibição de cenas cômicas não especificadas nas
propagandas dessa companhia.
Depois dessa participação de Duarte no Circo Cosmopolita, não conseguimos
encontrar mais registros de suas atuações, o que não significa que não existam,
mas que é necessário uma investigação mais extensa e precisa de fontes que
abarquem o período após 1878. Contudo, mesmo não tendo acessado fontes que
tratem precisamente de Augusto nesse recorte temporal, encontramos um artista
nomeado de “Augusto Duarte, O Rei dos Anfiguris”, no Circo Anglo-Brasileiro de
João Gomes Ribeiro, em 1885 (
A Folha Nova
, 19 maio 1885, p. 4). É possível que
este seja o palhaço Augusto, posto que Anfiguri consiste numa espécie de discurso
ou trecho literário burlesco, que pode ser escrito em prosa ou verso,
propositalmente ininteligível, ou seja, proferido de forma desordenada e sem nexo,
o que se assemelha com o número de Duarte que consistia em falar uma grande
Augusto Rodrigues Duarte: um palhaço entre versos, jornais e jocosidades no Brasil oitocentista
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quantidade de palavras em apenas um minuto.
Considerações finais
Seguindo os passos de Augusto Rodrigues Duarte, atentos às suas realizações
artísticas e profissionais, acessamos o quanto a comicidade tinha presença
marcante nos espetáculos circenses. A multiplicidade de suas apresentações e a
mistura de expressões e técnicas que mobilizou em suas exibições evidenciam o
diversificado e complexo cenário da comicidade circense no início da segunda
metade do século XIX no Brasil. Diante da ampla dimensão do fazer circense ao
longo da história, a produção da comicidade nesse âmbito compunha-se, como
aponta a produção artística de Augusto, de horizontes expandidos e de múltiplas,
intercruzadas e coletivas realizações.
Os circenses e, particularmente, os palhaços, por meio de suas práticas,
saberes e criações diversas, foram produtores e difusores de variados
empreendimentos culturais de forma original e ousada em todo o território
nacional e na América Latina. Incorporaram e divulgaram extensamente vários
ritmos musicais, práticas corporais, criações excêntricas, inovações tecnológicas e
gêneros teatrais em suas contínuas viagens por todo o país.
O aprendizado permanente de seus fazeres artísticos garantia a continuidade
de suas produções, balizadas por transformações e recriações constantes, nas
quais saberes e práticas eram ininterruptamente reelaborados e transmitidos no
próprio fazer diário de suas apresentações. Com isso, a multifacetada atuação dos
circenses e dos palhaços dialogava diretamente com as características do período
em que eles se encontravam e afetava os mais diferentes públicos. Os cômicos
circenses e sua arte externavam-se para diferentes espaços, ocupando não
somente os palcos/picadeiros, mas também páginas de jornais, ruas e mesmo
periódicos e peças comercializados em livrarias, estando, portanto, dentro e fora
do circo.
Desse modo, os percursos profissionais de Augusto Rodrigues Duarte, figura
ainda pouco conhecida no campo de estudo da história do circo e do teatro,
ampliam nossa compreensão sobre a comicidade no Brasil Império. Além disso,
Augusto Rodrigues Duarte: um palhaço entre versos, jornais e jocosidades no Brasil oitocentista
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Florianópolis, v.1, n.46, p.1-28, abr. 2023
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pesquisar, conhecer e divulgar artistas circenses, e em particular os cômicos do
século XIX atuantes no Brasil, contribui para uma visão histórica alargada, crítica e
mesmo mais horizontalizada dos artistas de circo, ou seja, favorece a expansão do
conhecimento sobre a história dos palhaços no Brasil para além de figuras
contempladas com incipientes mas importantes estudos e publicações, a exemplo
de Benjamim de Oliveira, Eduardo das Neves e Polydoro.
A produção de conhecimento sobre as artes e os saberes circenses, seja no
passado, seja no presente, e principalmente nesse fluxo entre passado e presente,
é emergencial para a valorização dos fazeres e saberes artísticos provenientes do
circo. Augusto Rodrigues Duarte, com suas pilhérias em propagandas, versos,
jornais, viola e cantoria, indica-nos o quanto ainda é preciso ser visto, estudado e
conhecido do rico universo da produção da comicidade circense brasileira ao longo
da história.
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Recebido em: 30/01/2023
Aprovado em: 17/04/2023
Universidade do Estado de Santa Catarina
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Programa de Pós-Graduação em Teatro
PPGT
Centro de Arte CEART
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