1
Políticas e poéticas do circo contemporâneo em
Sisma, Tra Tra e corpo-árvore
Maria Carolina Vasconcelos Oliveira
Para citar este artigo:
OLIVEIRA, Maria Carolina Vasconcelos. Políticas e
poéticas do circo contemporâneo em
Sisma, Tra Tra
e
corpo-árvore
.
Urdimento
Revista de Estudos em
Artes Cênicas, Florianópolis, v. 2, n. 47, jul. 2023.
DOI: http:/dx.doi.org/10.5965/1414573102472023e0106
Este artigo passou pelo
Plagiarism Detection Software
| iThenticate
A Urdimento esta licenciada com: Licença de Atribuição Creative Commons (CC BY 4.0)
Políticas e poéticas do circo contemporâneo em
Sisma, Tra Tra e corpo-árvore
Maria Carolina Vasconcelos Oliveira
Florianópolis, v.2, n.47, p.1-29, jul. 2023
2
Políticas e poéticas do circo contemporâneo em
Sisma, Tra Tra
e
corpo-árvore
1
Maria Carolina Vasconcelos Oliveira
2
Resumo
A partir da observação de três trabalhos cênicos inseridos no contexto do
chamado circo contemporâneo, o artigo busca colaborar para o
aprofundamento do conhecimento sobre a classificação de
contemporaneidade no circo, buscando entender as representações e
práticas que a sustentam. As categorias de análise e observação mobilizadas
residem na zona de intersecção entre as dimensões das poéticas e das
políticas. Os trabalhos observados são concebidos e realizados por artistas
mulheres ou pessoas não-binárias, e portanto o artigo também tangencia
aspectos da discussão de gênero. A pesquisa envolveu um trabalho de campo
que incluiu entrevistas com as autoras, bem como observação empírica e/ou
participante do processo de criação e de outros espaços de discussão sobre
as obras.
Palavras-chave
: Artes circenses. Circo contemporâneo. Poéticas circenses.
Politics and poetics of contemporary circus in
Sisma, Tra Tra
and
corpo-árvore
Abstract
Analyzing three scenic works that are part of the so-called contemporary
circus, the article seeks to contribute to the deepening of knowledge about
this way of doing, and about the very representations and practices that
support such a classification in circus arts. The analysis and observation
categories reside in the intersection zone between the poetic and political
dimensions. The scenic works are conceived and performed by women artists
or non-binary people, so that the study also touches issues of gender
discussion. The research involved field work with interviews with the authors
as well as empirical and/or participant observation in the process of creation
or other spaces where works have been discussed.
Keywords
: Circus arts. Contemporary circus. Poetics of circus.
1
Revisão de português realizada por Júlia Faria, graduado em Letras na Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP).
2
Pós-doutorado pelo Instituto de Artes/Unesp. Doutora pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP). Mestre pela FFLCH-USP. Artista circense,
pesquisadora e professora assistente do Departamento de Artes do Instituto de Artes da Universidade
Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp). mcv.oliveira@unesp.br
http://lattes.cnpq.br/5102653478669600 https://orcid.org/0000-0002-0393-1690
Políticas e poéticas do circo contemporâneo em
Sisma, Tra Tra e corpo-árvore
Maria Carolina Vasconcelos Oliveira
Florianópolis, v.2, n.47, p.1-29, jul. 2023
3
Políticas y poéticas del circo contemporáneo en
Sisma
,
Tra Tra
y
corpo-árvore
Resumen
Observando tres obras escénicas insertas en el contexto del llamado circo
contemporáneo, este artículo busca contribuir a la profundización del
conocimiento sobre esta forma de hacer las artes circenses y sobre las
propias representaciones y prácticas que sustentan tal clasificación de la
contemporaneidad en el circo. Las categorías de análisis y observación
movilizadas residen en la zona de intersección entre las dimensiones poética
y política. Las obras observadas son concebidas por mujeres o personas non
binarias, por lo que el artículo también toca aspectos de la discusión de
género. La investigación implicó trabajo de campo con entrevistas a los
autores, así como observación empírica y/o participante del proceso de
creación o de espacios de discusión sobre las obras.
Palabras clave
: Artes circenses. Circo contemporáneo. Poéticas circenses.
Políticas e poéticas do circo contemporâneo em
Sisma, Tra Tra e corpo-árvore
Maria Carolina Vasconcelos Oliveira
Florianópolis, v.2, n.47, p.1-29, jul. 2023
4
Introdução
Se perguntas como
o que é circo?
e o que pode ser circo? ainda envolvem
debates intensos, os termos da discussão sobre o “circo contemporâneo” são
ainda mais escorregadios e disputados. Existe, de fato, um movimento de ruptura
e transformação nas artes circenses das últimas décadas? Ou se trata
simplesmente de “circo”, essa arte que, ao fim e ao cabo, sempre foi caracterizada
pela ruptura? Se estamos diante de novidades, como nomeá-las (considerando
que práticas circenses nunca foram homogêneas)? Seria “circo contemporâneo”
apenas um termo genérico para nomear toda e qualquer expressão circense
diferente das feitas sob uma lona, seguindo a estrutura da montagem de
variedades e contando com todos os registros imagéticos e sonoros que compõem
a tão consolidada representação do circo clássico? Afinal: circo contemporâneo,
isso existe ou não? Desenvolvemos reflexões sobre esses temas em Vasconcelos
Oliveira (2022; 2021), Vasconcelos Oliveira e Barbosa, 2021), e consideramos que
trabalhos como os de Bolognesi (2018), Matheus (2016), Infantino (2016), Guy (2001),
Rosemberg (2004), Costa (2005) trazem referências para a reflexão sobre este
tema.
Entendendo que as classificações nas artes são sempre objetos de disputa –
até por terem a diferenciação como processo constituinte –, o ponto de partida
aqui é o de que existem práticas circenses que se reivindicam como
contemporâneas (Vasconcelos Oliveira, 2022) e são nomeadas como tais por
realizadores, curadores, instituições financiadoras, críticos e outros agentes do
campo. Dessa forma, é possível dizer que o tal circo contemporâneo sim existe
como uma categoria que tem poder de agência, à medida que opera uma série de
processos de diferenciação, aproximação e pertencimento no contexto das artes
circenses. Na prática, representações como esta – assim como a de “tradicional”
estão relacionadas não somente aspectos formais das obras, mas também a
trajetórias de formação específicas, parcerias mais prováveis, chances de entrada
em determinadas programações ou festivais, bem como chances de receber ou
Políticas e poéticas do circo contemporâneo em
Sisma, Tra Tra e corpo-árvore
Maria Carolina Vasconcelos Oliveira
Florianópolis, v.2, n.47, p.1-29, jul. 2023
5
não recursos de determinadas linha de financiamento.
Saindo um pouco do espectro um tanto relativista dos processos de
classificação, há algo de mais sólido vale ser destacado: se faz sentido diferenciar
os circos contemporâneos de seus outros, isso também se explica por uma
mudança considerável no perfil social do grupo de agentes reconhecidos como
artistas circenses a partir da proliferação das escolas profissionais de circo
fenômeno que ocorreu em períodos diferentes nos contextos russo, europeu e o
latino-americano, mas que em geral se intensifica a partir de meados dos anos
1980 (ver Matheus, 2016). Ainda que o circo clássico, no contexto nacional,
tampouco fosse formado só pelos filhos de famílias circenses (como Silva, 2007,
mostra a partir do próprio caso de Benjamim de Oliveira), a diversificação das
possibilidades de formação de artistas trazida pelas escolas resultou numa
mudança considerável no corpo social dos realizadores, o que consequentemente
reverberou também nas questões artísticas, matérias sensíveis e escolhas
poéticas abordadas no âmbito desta linguagem, bem como nas formas de
organização e nos processos de criação que ocorrem sob a rubrica de circo
3
.
Ainda assim, quando observamos obras e autores associados aos circos
contemporâneos, o que encontramos é um conjunto bastante plural de práticas.
De forma que, mais interessante do que olhar para este objeto em busca de uma
suposta essência, de características fundantes, de regularidades formais ou
bordas exatas; mais frutífera parece ser a proposta de entender, a partir da
observação de casos empíricos, a própria diversidade presente nesse conjunto de
práticas. Essa abordagem reverbera a ideia, defendida por autores como Erminia
Silva (2007), Julien Rosemberg (2004) e Jean Michel Guy (2001, 2017), de que o
circo é em si constituído historicamente como um gênero polimorfo, dentro do
qual, segundo Rosemberg (2004), coexistem diferentes realidades sociais,
econômicas e estéticas. Essa característica também marca o momento atual, de
tal modo que, para o autor, seria possível dizer que “o que é comum entre todos
os espetáculos que alegam ser de circo hoje é precisamente o fato de alegarem
3
Nesse sentido, referindo-se ao contexto europeu, Costa (2005) argumentou, de maneira um tanto exagerada,
que a proliferação das escolas permitiu ao circo “escapar à asfixia dum sistema fechado sobre si próprio,
onde se vive em família, onde as competências se transmitem por filiação e onde a arte tem sérias
dificuldades de se renovar.” (Costa, 2005, p. 51)
Políticas e poéticas do circo contemporâneo em
Sisma, Tra Tra e corpo-árvore
Maria Carolina Vasconcelos Oliveira
Florianópolis, v.2, n.47, p.1-29, jul. 2023
6
essa classificação
4
(Rosemberg, 2004, p. 17)
A partir de uma pesquisa de pós-doutorado que buscou investigar práticas
circenses reivindicadas como contemporâneas, pudemos aprofundar algumas
reflexões sobre quais são as representações – de arte, circo, contemporaneidade
que permeiam os imaginários dos realizadores, e sobretudo, sobre quais práticas
formais/poéticas e de organização do trabalho/modos de produção ancoram e
performam a ideia de circo contemporâneo. Trata-se de um esforço para ampliar
a compreensão do circo que se reivindica como contemporâneo a partir de suas
poéticas e políticas. Esse binômio faz alusão à abordagem que Eleonora Fabião
(2008) propõe para as formas cênicas contemporâneas, em seu artigo
Teatro e
performance: poéticas e políticas da cena contemporânea
, mas cabe aqui detalhar
brevemente as duas entradas da maneira como as mobilizamos.
As poéticas fazem referência à dimensão expressiva/sensível das obras, bem
como aos processos por meio dos quais essa dimensão é articulada de forma a
desencadear sensações e sentidos nos espectadores
5
. Essa dimensão abarca,
portanto, aspectos formais como registros de encenação, interpretação e
dramaturgia, abordagens de corpo, referências convocadas na construção da obra,
além de aspectos cenográficos, visuais, musicais e textuais , bem como o
universo das questões artísticas e temáticas endereçadas pela obra. Nos termos
da pesquisadora de dança Laurence Louppe (2012), os estudos sobre a poética
revelam, além disso, o próprio caminho de construção da obra:
A poética procura circunscrever o que, numa obra de arte, nos pode tocar,
estimular a nossa sensibilidade e ressoar no imaginário, ou seja, o
conjunto das condutas criadoras que dão vida e sentido à obra. [...] O seu
objecto engloba simultaneamente o saber, o afectivo e a acção. [...]
Contudo, [...] ela não diz somente o que uma obra de arte nos faz, ela
ensina-nos como o faz. Por outras palavras, revela-nos o caminho
seguido pelo artista para chegar ao limiar onde o acto artístico se oferece
à percepção, o ponto onde a nossa consciência a descobre e começa a
vibrar com ela (Louppe, 2012, p. 27).
quando nos referimos às políticas dos circos contemporâneos, tomamos
4
ce qui est commun à tous les spetacles se reclament du cirque est précisément le fait de s’en reclamer
(Rosemberg, 2004, p. 17). (Tradução nossa)
5
Ver Culler (2004 [1975]).
Políticas e poéticas do circo contemporâneo em
Sisma, Tra Tra e corpo-árvore
Maria Carolina Vasconcelos Oliveira
Florianópolis, v.2, n.47, p.1-29, jul. 2023
7
como inspiração abordagens como a de Raymond Williams (2011), teórico dos
estudos culturais, que parte da ideia de que as formas expressivas estão
associadas a formações sociais e políticas de modo mais amplo. Essa dimensão,
portanto, abarca o universo dos valores, posicionamentos e éticas que estão
implícitos nas escolhas formais e nas questões artísticas mobilizadas pelos
realizadores num sentido parecido também com o que André Lepecki (2017)
utiliza quando se refere às políticas de movimento na dança. Como as dimensões
poética e política sempre estão relacionadas, esta última dimensão, nos termos
de Williams (2011) engloba também os tipos de práticas de trabalho e modos de
fazer pelos quais a obra é criada e levada a público algo que, para Louppe (2012),
estaria intrínseco à própria dimensão da poética, como explicitado acima. Nesse
último sentido, poderíamos mencionar a importância da observação de dimensões
como a dos os arranjos de organização do trabalho criativo, da distribuição das
remunerações, das estratégias de financiamento das obras ou dos circuitos por
meio dos quais elas chegam ao público aspectos que são tangenciados neste
artigo, mas que poderiam ser objeto de uma próxima publicação.
A pesquisa realizada envolveu análise empírica de três trabalhos que se
apresentam como possibilidades de circos contemporâneos, à medida que se
reconhecem e são reconhecidos como tais:
corpo-árvore
, do coletivo A Penca
(2021);
Sisma
, de Lis Nobre (2021) e
Tra Tra
, de Noel Rosas (2016-2022). Foram
realizadas entrevistas com as autoras e integrantes da equipe de criação, além de
observações de ensaios, apresentações e entrevistas públicas concedidas em
programas especializados. As criações observadas foram feitas por mulheres ou
pessoas não-binárias, de modo que discussões sobre gênero acabam por ser
mobilizadas de forma mais ou menos direta. As obras também se desenvolveram
em contextos geográficos e sociais diferentes, como será detalhado abaixo. A
autora deste artigo esteve próxima dos três trabalhos de criação de maneiras
diferentes (como criadora e intérprete em corpo-árvore, como provocadora
dramatúrgica em
Tra Tra
e como debatedora em mesa de discussão na estreia de
Sisma
), o que possibilitou uma visão privilegiada dos processos e da forma como
aconteceram.
Políticas e poéticas do circo contemporâneo em
Sisma, Tra Tra e corpo-árvore
Maria Carolina Vasconcelos Oliveira
Florianópolis, v.2, n.47, p.1-29, jul. 2023
8
As obras e suas autoras
A)
corpo-árvore
, do coletivo A Penca, São Paulo (2021, vídeo-circo de 13
minutos)
corpo-árvore
é um vídeo-circo financiado pelo Programa de Fomento ao
Circo da cidade de São Paulo. A obra foi pensada originalmente para o formato
presencial mas, por conta da pandemia de Covid 19, foi realizada em versão filme
(em parceria com a diretora de cinema Gabriela Gaia Meirelles e a fotógrafa Gab
Neves). A obra é parte de um projeto mais amplo do grupo A Penca, intitulado
Fabulações Simpoéticas
, que atualmente também engloba um trabalho em
formato cênico/presencial de duração mais longa,
Viver com, morrer com
(2023),
além das performances
Um vestido de noiva
(2019),
Estudo para tempo suspenso
(2020) e
Para que eu esteja viva
(2021).
A Penca é o coletivo de que a autora faz parte como fundadora junto às
artistas Andréa Barbour e Bárbara Francesquine (todas entre 35 e 40 anos).
Nomeada em 2018, depois de as criadoras trabalharem juntas por mais de 10 anos
em outros projetos, A Penca é uma plataforma que abriga experimentos que
colocam o circo em diálogo com os estudos sobre natureza e gênero. Nos últimos
anos, dedica-se à investigação de relações possíveis entre corpos de mulheres e
pedaços de árvores coletados a partir de um trabalho de campo sistemático: as
artistas acompanham operações de remoção e poda de árvores realizadas na
cidade de São Paulo e, além de recolher troncos e galhos para seus experimentos
cênicos, coletam também histórias e informações sobre o processo que suscitam
reflexões sobre as próprias construções de natureza e cidade.
O grupo trabalha de maneira horizontal e colaborativa, sem a presença de
uma figura de direção e com as próprias artistas dividindo-se em funções como
direção de arte e escrita cênica, ainda que com a presença de colaboradoras
externas. As artistas trabalham na cena circense aproximadamente duas
décadas, tendo iniciado suas experiências de formação livre nesta linguagem entre
o início e a metade dos anos 2000. Como outras realizadoras de sua geração, têm
uma trajetória de formação híbrida, que passa por áreas como dança, educação
Políticas e poéticas do circo contemporâneo em
Sisma, Tra Tra e corpo-árvore
Maria Carolina Vasconcelos Oliveira
Florianópolis, v.2, n.47, p.1-29, jul. 2023
9
somática, artes visuais, ciências sociais e gestão ambiental (temas que, de alguma
forma, entrecruzam-se na pesquisa do coletivo).
corpo-árvore
tem a seguinte sinopse:
Após passar um período acompanhando o serviço municipal de poda de
árvores da cidade de São Paulo e coletando troncos, galhos, registros e
histórias, as artistas propõem uma ressignificação das matérias naturais
que seriam descartadas como lixo pela grande cidade. Utilizando pedaços
de árvore como suporte para movimentação aérea e manipulação
malabarística, as três mulheres em cena propõem uma reflexão sobre a
experiência do risco, que as aproxima da natureza. Inspiradas por estudos
de gênero, as criadoras constroem sua pesquisa cênica a partir da ideia
de que tanto mulheres como natureza foram historicamente oprimidas
por um processo de modernização profundamente patriarcal (Material de
divulgação de corpo-árvore).
A íntegra do trabalho está disponível em: https://vimeo.com/639580858/e4ea13cce8
Figura 1
corpo-árvore
. Foto: Cris Cintra
B)
Sisma
, de Lis Nobre, Manaus/Zakynthos (2021, trabalho cênico presencial
de 50 minutos)
Sisma
faz parte de uma trilogia composta por solos de circo contemporâneo,
Políticas e poéticas do circo contemporâneo em
Sisma, Tra Tra e corpo-árvore
Maria Carolina Vasconcelos Oliveira
Florianópolis, v.2, n.47, p.1-29, jul. 2023
10
nas palavras de Lis Nobre, 44 anos, que se autodefine dizendo que “a primeira
coisa importante a ser dita é que sou do Amazonas, de Manaus” (Nobre em
entrevista concedida à autora). A escassez de espaços de educação formal no
momento em que começou sua trajetória resultou numa formação que se deu
muito pela aproximação com grupos de teatro e dança que atuavam na cena
local. Lis chegou a estudar filosofia e depois publicidade, pois sempre esteve ligada
à palavra. Em 2000, já depois de ter uma filha, “apaixonou-se” pelo circo ao tomar
contato por meio de um outro artista que estava de passagem por Manaus e
começou a estudar essa linguagem, em um momento em que tinha uma
entrada profissional nas artes cênicas. Em Belo Horizonte, quando cursava uma
escola de circo, começou a participar de grupos de estudo de Antropologia Teatral,
forte inspiração para seu trabalho. Lis passou por diversas experiências
internacionais de formação livre, como em Buenos Aires e na França, por exemplo.
mais de 10 anos, a artista vive na ilha de Zakynthos, na Grécia. Sua trajetória,
marcada por uma certa impermanência e uma sensação de desencaixe não à
toa vai se estabelecer numa ilha –, é matéria fundamental para compreender as
questões artísticas abordadas em seus trabalhos.
Sisma
(2021) tem como sinopse:
Essa é a minha ilha.
Uma ideia que não sai da cabeça e que sempre retorna, um corpo em
estado de turbulência e calmaria, uma ilha em constante deslocamento
tectônico. Esses temas se encontram na obra para poetizar abalos
sísmicos e identitários vivenciados pela performer Lis Nobre, no
constante deslocamento geográfico que constitui sua vida e sua carreira
artística. Intensivamente visual e com um vocabulário mínimo, mas
orgânico, cercado por tensões performativas, incertezas dramáticas e
promessas circenses, Sisma cria um espaço que se torna ficcional e real
ao mesmo tempo (Material de divulgação de
Sisma
).
São coautores de
Sisma
, a dramaturgista Juliana Pautilla artista cênica,
pesquisadora e educadora mineira com mais de 20 anos de experiência em
diversas áreas cênicas e o diretor grego Xristo Kaouki, artista circense e artista
visual que se define a partir de um lugar de desencaixe, que o estimula a
desenvolver seu próprio vocabulário nas áreas em que atua.
Políticas e poéticas do circo contemporâneo em
Sisma, Tra Tra e corpo-árvore
Maria Carolina Vasconcelos Oliveira
Florianópolis, v.2, n.47, p.1-29, jul. 2023
11
Figura 2
Sisma
. Foto: Material de divulgação Sisma
O trailer de
Sisma
encontra-se disponível em: https://vimeo.com/582198214
C) T
ra Tra
, de Noel Rosas, Montevidéu (2016 – 2022, trabalho cênico presencial
de 30 minutos)
Tra Tra
é o primeiro trabalho solo de Noel Rosas (Montevidéu, Uruguai), 32
anos, artista, gestore, educadore
6
, que atua por meio da Plataforma Clo, que agrega
seus trabalhos de criação e tem um braço de gestão e produção cultural. Noel
coordena, junto a outros parceiros, o
podcast
Hablemos de Circo, um importante
espaço virtual de diálogos com diversos artistas circenses na Ibero-América.
Também integra a
Red de Artes Circenses de Uruguay
(RACU), que discute apoio à
6
Noel define-se como uma pessoa não binária, utilizando ora o pronome neutro, ora o feminino.
Políticas e poéticas do circo contemporâneo em
Sisma, Tra Tra e corpo-árvore
Maria Carolina Vasconcelos Oliveira
Florianópolis, v.2, n.47, p.1-29, jul. 2023
12
criação e formação junto ao INAE (Instituto Nacional de Artes Escénicas de
Uruguay), e a
Red Poéticas en Encuentro
7
.
Pensando sua trajetória a partir da ideia de dissidência, Noel menciona que,
num momento em que uma parte expressiva dos artistas latinos ia para a Europa
estudar circo em escolas formais, preferiu aprofundar seu conhecimento em
experiências menos institucionalizadas, organizadas em rede e com mais
autonomia ainda que depois tenha se engajado no ensino formal de dança
contemporânea na universidade.
Tra Tra
, contração para trânsito trapezístico, foi apresentada pela primeira
vez em 2016 e aprimorou-se a partir de apoios e parcerias que, via de regra,
chegaram por meio de festivais e residências. Em 2022, foi apresentada no Brasil
como atração internacional do 4º Festival Internacional de Circo de São Paulo.
A sinopse de
Tra Tra
segue abaixo:
La obra se construye en torno a la relación que hemos desarrollado como
humanidad con los dispositivos: móviles, videojuegos y realidades
aumentadas. Una experiencia de juego, que se mueve con la pregunta de
¿cómo la tecnología potencia y expande las posibilidades de nuestros
cuerpos individuales y colectivos?, al mismo tiempo que nos seduce con
las sorpresas de un mundo virtual paralelo. La virtualidad como otra
ficción que convive y afecta “lo real” (Material de divulgação de
Tra Tra
).
7
A rede, da qual a autora deste estudo também é parte, é formada por realizadoras e pesquisadoras do Brasil,
Uruguai e México, e destina-se a refletir e propor práticas de trabalho no âmbito da dramaturgia (pensada
em sentido expandido) para artes circenses no contexto latino americano. Em 2022 e 2023, as atividades da
rede foram financiadas pelo programa Iberescena.
Políticas e poéticas do circo contemporâneo em
Sisma, Tra Tra e corpo-árvore
Maria Carolina Vasconcelos Oliveira
Florianópolis, v.2, n.47, p.1-29, jul. 2023
13
Figura 3
Tra Tra
. Foto: Divulgação de
Tra Tra
no 4º Festival Internacional de
Circo de São Paulo (2022). O
teaser
de
Tra Tra
encontra-se disponível em:
https://www.plataformaclo.com/tra-tra
Políticas que reverberam poéticas: imaginários, deslocamentos
e questões artísticas
Um ponto de partida para a pesquisa empírica realizada consistiu em
perguntar às criadoras se consideram seus trabalhos como circo, e também como
circo contemporâneo, na tentativa de vislumbrar a quais ideias e imaginários
buscam se vincular. Em comum entre todas, podemos destacar uma reivindicação
de pertencimento ao território circense, que faz com que localizem no circo seus
pensamentos, problemáticas e pontos de partida, mas não sem propor
deslocamentos importantes nas formas de abordá-los, tanto do ponto de vista
formal quanto do conceitual. Isso configura uma tomada de posição em relação à
própria ideia de circo (ou à ontologia dessa linguagem, para utilizar o termo de
Lepecki, 2017), e sobretudo um posicionamento em relação àquilo que o circo pode
vir a ser, àquilo que se deseja como circo.
Políticas e poéticas do circo contemporâneo em
Sisma, Tra Tra e corpo-árvore
Maria Carolina Vasconcelos Oliveira
Florianópolis, v.2, n.47, p.1-29, jul. 2023
14
A fala abaixo do diretor de
Sisma
expressa bem esse ponto:
[Autora:
Sisma
é um trabalho de circo? Xristo:] Ah, essa questão é minha!
[Risos]. Nós estamos vivendo um período de transição, social, político,
como humanos. Não acho que este é um momento muito fácil para
definir coisas [...], [isso] pode restringir nossas possibilidades. Eu dirigi 30
performances nos últimos 15 anos, todas são circo e nenhuma é circo.
Sisma esconde o princípio do circo, mas ele não projeta o circo em sua
forma final [
Sisma
hides de principle of circus but it doesn’t project
circus]. Para mim, circo é uma plataforma, e é algo próximo de uma
blasfêmia também… (Kaouki em entrevista concedida à autora).
No mesmo sentido, Juliana Pautilla, que assina a dramaturgia de
Sisma
, além
de ter acompanhado Lis como ensaiadora em alguns momentos, reflete:
Não sei se é circo. [...] Acho que é mais orbitar pelas coisas do que tomá-
las como centro. [...] Acho que é muito importante habitar a contradição
e retomar as incertezas nesse período em que vivemos. [...] Para mim, a
corda lisa não tem nada a ver com virtuose, outras poéticas e sentidos
em jogo. O circo talvez esteja na relação com a matéria, com a corda,
com a pedra. [...] Habitar essa contradição é a beleza dessa própria
experiência. Me lembra o John Cage: eu sento no piano, mas eu não toco.
E a música está ali porque eu sou o John Cage. Todo mundo sabe,
imagina o que é o circo. Ele está. É ser e o ser, estar e não estar. Não
é uma questão de desabitar o circo, mas de estar nessa contradição
(Pautilla em entrevista concedida à autora).
Já Lis não hesita em definir
Sisma
como circo: “para mim é circo, é um circo
filosófico”, “é um circo sobre incertezas”. A autora segue: “o circo é o lugar onde
as incertezas são administradas com alto grau de precisão com a virtuose, e a
filosofia é o lugar onde as incertezas são administradas com alto grau de incerteza
mesmo!” (Nobre em entrevista concedida à autora).
A ideia de partir de um certo pensamento ou lógica circense para depois
deslocá-lo também é mobilizada na reflexão do coletivo A Penca. Antes de mais
nada, o grupo se enxerga como circo pela trajetória das artistas que, além de terem
atuação reconhecida por agentes do circuito circense (programas de apoio,
programações, festivais de circo, esferas de formação), possuem também
engajamento em esferas de ação coletiva relacionadas ao circo (A Penca em
Hablemos de Circo, 2022). Reconhecer-se como circenses, nessa perspectiva,
passa também pelo reconhecimento dos pares. Outro aspecto mobilizado na
Políticas e poéticas do circo contemporâneo em
Sisma, Tra Tra e corpo-árvore
Maria Carolina Vasconcelos Oliveira
Florianópolis, v.2, n.47, p.1-29, jul. 2023
15
reflexão são as técnicas corporais subjacentes à obra: a movimentação nos
troncos suspensos, por exemplo, apesar de não resultar em virtuosidade no nível
formal, dificilmente poderia ser desenvolvida por corpos sem vivência nas técnicas
aéreas. Mas mais do que isso, o grupo formula que seus trabalhos têm um
“pensamento circense” (A Penca em Hablemos de Circo, 2022). Isso está expresso,
primeiro, na centralidade que o tema do risco possui como questão artística não
o risco encenado, mas um risco de sobrevivência real de mulheres e natureza,
como se pode notar pela própria sinopse de corpo-árvore. Além disso, o
pensamento circense também está implícito numa persistência na relação com
os materiais:
Ao mesmo tempo que questionamos a virtuose e a narrativa do domínio
sobre o objeto, temos uma persistência na relação do nosso corpo com
o corpo da árvore, esse outro que está com a gente na cena. Então tem
um mergulho profundo nessa relação, e isso é muito circense, né? (A
Penca in Hablemos de Circo, 2022).
O grupo, como foi mencionado, recolhe pedaços de árvores descartadas pela
grande cidade e propõe-se a mergulhar na relação com essa matéria, mas a partir
de uma abordagem não-hierárquica, tratando os troncos e galhos como
protagonistas na criação de sentidos e refutando expressamente a poética do
domínio do sujeito sobre o objeto.
A gente questiona essa lógica que é muito moderna, e também muito
circense, que é a lógica do domínio do homem sobre as coisas, sobre o
mundo e sobre a natureza. [...] esse lugar de um protagonismo do
homem, essa pegada que está muito na essência da virtuose” (A Penca
in Hablemos de Circo, 2022).
Aqui, mais uma vez, vemos o mecanismo de habitar/localizar-se em ideias
entendidas como constituintes da representação de circo como risco, obsessão
na relação com matérias e aparatos, domínio –, mas propondo um
questionamento, ou ao menos um deslocamento na maneira de formulá-las.
Interessante, nesse sentido, pensarmos no risco e na incerteza como
aparecem em
corpo-árvore
e
Sism
a em comparação àqueles que costumam ser
encenados no circo clássico, onde o que está em jogo, até mais do que o risco,
parece ser o controle, ou a superação do risco. No circo clássico, uma certa
Políticas e poéticas do circo contemporâneo em
Sisma, Tra Tra e corpo-árvore
Maria Carolina Vasconcelos Oliveira
Florianópolis, v.2, n.47, p.1-29, jul. 2023
16
teleologia da superação, ao fim e ao cabo, interessa mais do que um risco que não
possa ser solucionado, de modo que não seria exagero dizer que se trata, em
alguma medida, de um risco encenado, ou ao menos altamente administrado e
mediado pelo treinamento e pela repetição como instrumentos de controle.
Autores como Lievens, 2016, e Bolognesi, 2009, discutem como essa prerrogativa
do controle ou do domínio da natureza, da gravidade, dos animais reflete o
espírito da própria modernidade e da época em que o circo se estabeleceu em
suas formas modernas. A exceção ou contraponto, como sabemos, está na figura
dos palhaços (ver Bolognesi, 2018b). Nos trabalhos da Penca e de Lis Nobre, as
prerrogativas de experimentar o risco enfatizando a incerteza ou o fracasso mais
do que a superação, abdicando da pretensão de solucioná-lo, consistem num
deslocamento considerável dessa lógica.
Para a equipe de criação de
Sisma
, o trabalho é justamente sobre tensões e
incertezas: “a gente criou situações instáveis para a Lis, que trazem e colocam em
foco a possibilidade de fracasso” (Kaouki em entrevista concedida à autora).
Segundo Lis, Sisma lida com incertezas que “estão em outros lugares e não
naquilo que a virtuose pode controlar” como incertezas políticas ou culturais
que ela, como brasileira, vivencia no contexto europeu em que vive. Isso se revela
na própria decisão de mudar de aparato: Lis abandona o trapézio, que pratica há
cerca de 20 anos, e utiliza em cena “uma corda em que eu não consigo ser lírica,
e que deixou dez mil marcas no meu corpo” (Nobre em entrevista concedida à
autora).
Noel Rosas inicia sua reflexão afirmando que
Tra Tra
é um trabalho de circo,
mas também de performance e de dança: “eu sou muito militante, na vida e na
arte, pela fluidez, e acho que as obras e as pessoas podem ser mais que uma coisa
ao mesmo tempo!” (Rosas em entrevista concedida à autora). Ainda assim,
seguindo a linha de argumentação mobilizada pela Penca, Noel reivindica que
Tra
Tra
sim seja circo, até por ser uma obra feita para ser interpretada por uma pessoa
que faça trapézio trata-se de propor novas poéticas possíveis para relação entre
o corpo e uma matéria amplamente reconhecida como um aparato circense.
O circo pelo trapézio está muito na raiz do trabalho. Também circo]
porque eu disponho meu corpo ao circo muitos anos e isso me
Políticas e poéticas do circo contemporâneo em
Sisma, Tra Tra e corpo-árvore
Maria Carolina Vasconcelos Oliveira
Florianópolis, v.2, n.47, p.1-29, jul. 2023
17
constitui. Então me permito nomeá-lo como circo também pela minha
trajetória neste campo. [...] Comecei a fazer circo com 13 anos e o circo
era parte da minha vida mesmo antes disso: um avô meu fazia negócio
com as lonas de circo e as movia pelo interior do país. Eu acho que faço
circo hoje por uma intuição. Sem romantizar, mas tem também algo de
ficar enamorada com o que fazemos. Encontro no circo uma comunidade
que se pergunta pela horizontalidade e pela rede e isso me convoca. E
encontro no circo a pergunta sobre o que se pode fazer e me interessa
mover essa pergunta para o que acreditamos que se pode, ou o que
queremos que se possa. Pelo circo aprendi que os limites não são tão
estáticos e rígidos, que uma flexibilidade nos limites. E isso também
me convoca e me enamora (Rosas em entrevista concedida à autora).
Noel também nomeia seu trabalho como circo contemporâneo
argumentando que “num nível metodológico, a modalidade de criação teve um
formato de residências e aberturas parciais de processo, além de ter sido
autodirigida”, o que considera “bem típico do contemporâneo, pelo menos no
nosso contexto latino” (Rosas em entrevista concedida à autora). E destaca,
sobretudo, um cruzamento conceitual com as teorias de gênero e
queer
, “isso é
parte da questão artística do trabalho: transcender o corpo como matéria, mas
entendendo-o como uma trama de dimensões, incluindo filosóficas, conceituais,
políticas” (Rosas em entrevista concedida à autora), algo entendido como típico
das artes contemporâneas.
Ao mesmo tempo, Noel diz vivenciar uma certa crise em relação a essas
terminologias, perguntando-se até onde interessa dialogar com essas linhas: “esse
conceito de circo contemporâneo está sendo tão amplo e tão aberto que sinto
falta de afinar um pouco mais” (Rosas em Papos de Picadeiro, 2021). Tanto nos
discursos de Noel Rosas quanto no do coletivo A Penca, é comum a presença de
uma inquietação com o termo “contemporâneo” da forma como ele muitas vezes
vem sendo reduzido a uma espécie de “estilo”, pensado a partir de referências
formais definidas nos países do norte (ver também em Vasconcelos Oliveira e
Barbosa, 2021). Em entrevista com Noel, refletimos sobre a necessidade de
delinear
contemporâneos
próprios, ancorados nas questões do nosso próprio
tempo-espaço (ainda que a própria ideia de América Latina, como a de Brasil, seja
uma generalização). Trata-se de um processo complexo, uma vez que “nossa
existência também está atravessada por essa globalização e esse liberalismo
selvagem, não podemos nos desvincular disso. Acho que a pergunta é: como nos
Políticas e poéticas do circo contemporâneo em
Sisma, Tra Tra e corpo-árvore
Maria Carolina Vasconcelos Oliveira
Florianópolis, v.2, n.47, p.1-29, jul. 2023
18
interessa fazer arte com tudo isso?” (Rosas em Papo de Picadeiro, 2021).
Noel tem preferido trabalhar com a ideia de circo expandido, o que em sua
concepção, termo que não somente abarca o hibridismo com outras linguagens
artísticas, mas que sobretudo define um circo que se engaja com questões que
estão para além do que se vê em cena, que reflete e faz a autocrítica sobre o que
é feito e como é feito.
[Para mim, pensar no circo em sentido expandido] é algo indissociável do
âmbito das políticas. E o do âmbito dos valores [...] mas
principalmente de toda a dimensão das políticas e modos de produção,
relacionada a como eu faço, como me é possível fazer, em que arranjos
(Noel Rosas em Papos de Picadeiro, 2021).
Para Noel, tomar o circo expandido como campo de ação pressupõe um
engajamento com o circo que ultrapassa o nível cênico. É interessante pensarmos
que essa noção de “expandido” também pressupõe um deslocamento em relação
às ideias de
mélange
e de hibridização de práticas e linguagens da forma como
vêm sendo discutidas para as artes circenses. Via de regra, quando se apresenta
o circo como o lugar em si da mistura, da hibridização e da diversidade, com a
lona como um grande guarda-chuva de coisas diferentes como lugar
inerentemente expandido –, essa discussão costuma ficar bastante restrita ao
nível das formas, em parte pela própria lógica do espetáculo de variedades: um
artista desce do trapézio, depois entram as dançarinas, e depois entra uma cena
falada que remete a uma certa ideia de teatralidade; um número é mais cômico,
o outro mais assustador, e assim por diante. Incluir no escopo de práticas
pressupostas no
fazer um circo expandido
o pensar sobre si mesmo, o
engajamento com a autocrítica e a responsabilidade com aquilo que se faz e como
se faz certamente configura uma mirada mais política para a própria questão da
diversidade da forma como é pensada no circo. O que não deixa de ser, mais uma
vez, um deslocamento em relação a essa questão, ela própria também um
elemento constituinte do imaginário sobre circo.
Noel exemplifica o que seria um engajamento com o circo em sentido
expandido quando reflete sobre a importância de levar em consideração os tipos
de organização do fazer criativo que escolhemos colocar em prática em contextos
de precariedade de recursos e condições de trabalho como seria o caso dos
Políticas e poéticas do circo contemporâneo em
Sisma, Tra Tra e corpo-árvore
Maria Carolina Vasconcelos Oliveira
Florianópolis, v.2, n.47, p.1-29, jul. 2023
19
países latinos. Em sua visão, esses contextos convocam os realizadores a
refletirem sobre as éticas subjacentes a suas formas de trabalho, o que pode ser
feito, por exemplo, com a adoção de estratégias de organização em redes mais
colaborativas e horizontais.
Uma outra dimensão que, nas entrevistas, aparece relacionada à ideia de
contemporaneidade é a das questões artísticas. Como deve estar evidente, os
trabalhos observados abordam questões e temáticas contemporâneas, o que por
si os aproxima da ideia de arte contemporânea (como discutimos em
Vasconcelos Oliveira, 2021). Para o coletivo A Penca:
A gente tem uma questão artística, e isso já é uma característica comum
das obras contemporâneas, não do circo. E mais, a gente tem posições
políticas, como pessoas. E a gente não prescinde delas na hora de fazer
a cena. Pelo contrário, a gente quer que cheguem nas pessoas que estão
assistindo (A Penca em Hablemos de Circo, 2022).
O grupo também discute sobre como a reflexão acerca dessas questões é
produzida no corpo e pelo corpo: “As coisas que a gente lê, Donna Haraway,
Emanuele Coccia, a gente digere isso com o corpo e no corpo” (A Penca em
Hablemos de Circo, 2022). Como discutimos em Vasconcelos Oliveira (2021), trata-
se de uma concepção do corpo como agente produtor de subjetividade, e não
como algo treinado e dominado por uma mente que lhe é externa.
Nos três casos, os processos de criação refletem os caminhos a partir dos
quais as questões artísticas são vivenciadas como experiências sensíveis. Outro
exemplo, na Penca, é centralidade que o trabalho de campo de
acompanhamento de podas e remoções de árvores da cidade de São Paulo – têm
no trabalho, a ponto de ser considerado, por si só, um procedimento de ensaio.
Nessas incursões, as artistas colocam-se em interação com os prestadores de
serviço que realizam as podas e remoções sempre homens, quase sempre
trabalhadores precarizados. Todo esse material narrativo, imagético, discursivo e
político é insumo (e mais do que isso, objeto) do processo de criação, ora sendo
utilizado de forma bruta como material documental, ora sendo desdobrado em
enunciados para serem experimentados corporalmente.
Em
Tra Tra
duas linhas de questões artísticas que conduzem a criação.
Políticas e poéticas do circo contemporâneo em
Sisma, Tra Tra e corpo-árvore
Maria Carolina Vasconcelos Oliveira
Florianópolis, v.2, n.47, p.1-29, jul. 2023
20
Primeiro, a investigação sobre a fluidez de categorias de gênero. Além disso, Noel
menciona um próprio questionamento acerca do lugar do corpo no fazer circense
– sistematizado por indagações como “a que disponho meu corpo antes de subir
no trapézio? A quais treinamentos me submeto?” (Noel Rosas em Papos de
Picadeiro, 2021). Questionando as práticas comumente associadas ao “domínio”
técnico do aparato, Noel foi buscar referências em estudos sobre robótica e
tecnologia, pesquisando o imaginário de corpo-máquina a partir de uma
perspectiva mais fluida. Um acontecimento biográfico também tem está no ponto
de partida de
Tra tra
: uma queda do trapézio que fez com que Noel ganhasse uma
placa de titânio no braço e que se perguntasse sobre sua própria condição fluida
de tecno-corpo – categoria inspirada pelo
Testo Junkie
, do teórico de gênero Paul
Preciado (2018). De forma semelhante ao coletivo A Penca, Noel reflete:
[é típico das artes contemporâneas] dialogar a investigação de corpo com
conteúdos filosóficos, teóricos e, nesse caso, feministas. Importante
nomear isso como metodologia de investigação: é tão importante o
trabalho físico quanto essas pesquisas mais teóricas que alimentam o
imaginário do trabalho. Isso ajuda a quebrar uma ideia de corpo
cartesiano, rumo a um paradigma mais integrado [de corpo-mente]
(Rosas em entrevista concedida à autora).
Essa reflexão também se afina à proposta de um “circo filosófico” de Lis
Nobre: “eu gostaria de criar, para cada técnica, uma antologia de palavras. Para
que eu pudesse ou jogá-las para cima como malabarismo, ou andar em cima delas
sem cair”. (Nobre em entrevista concedida à autora). Em
Sisma
, o ponto de partida
um terremoto vivenciado na ilha de Zakynthos em 2018, de magnitude 7.3 na
Escala Richter. Esse foi o mote para uma reflexão sobre impermanência e risco –
sugerida por um chão que deixa de ser estável, mas também por eventos de sua
trajetória pessoal como imigrante num país do norte.
Vale notar que a centralidade das questões artísticas a partir das quais se
desenvolvem as obras também não deixa de expressar um certo caráter crítico,
reflexivo ou político, que corresponde a uma das características que a literatura
internacional associa às formas mais contemporâneas de circo. Nos termos de
Guy (2017, s/p.), se o circo foi popular e autêntico, “ele é a partir de agora também
audaz, radical, profundo, [...] justo, furioso [...]. Ele foi poético, e ainda o é, mas ele
Políticas e poéticas do circo contemporâneo em
Sisma, Tra Tra e corpo-árvore
Maria Carolina Vasconcelos Oliveira
Florianópolis, v.2, n.47, p.1-29, jul. 2023
21
é doravante também político.”
Poéticas que reverberam políticas: escolhas formais e
formulações sensíveis
Observando as escolhas e estratégias mobilizadas na construção das obras
como experiências sensíveis, em primeiro lugar, podemos perceber que todas se
desenvolvem mais pelo registro performativo do que pelo dramático (Féral, 2013;
Lehmann, 2007). Um primeiro nível em que isso pode ser notado é o dramatúrgico.
Juliana Pautilla (dramaturga de
Sisma
), nesse sentido, pensa na dramaturgia que
desenvolve “não como drama, mas como trama, envolvendo cenário, objetos,
corpo, e tudo aquilo que contém palavra e atua para criar sentido” (Pautilla em
entrevista concedida à autora). Essa formulação encontra reverberação em
discussões contemporâneas sobre dramaturgia em sentido amplo,
dramaturgismo, e sobretudo nas discussões sobre dramaturgia na dança (ver
Leonardelli e Ferracini, 2013; Caldas e Gadelha, 2016; Barbosa e Vasconcelos
Oliveira, 2021).
As obras observadas também prescindem tanto das narrativas lineares, mais
típicas das formas dramáticas (ver Féral, 2013, Lehmann, 2007) quanto da narrativa
da bricolagem, mais típica das formas circenses clássicas, em que variedades e
atrações diversas são reunidas na lógica da montagem (Bolognesi, 2018) uma vez
que há uma questão artística e um conjunto de ideias e sensações de fundo que
dão uma certa unidade à obra, além de existir também uma certa coerência (ou
no máximo uma incoerência planejada) em termos de escolhas cenográficas,
visuais, sonoras e abordagens de corpo. Ou seja, mesmo que se possa notar a
abdicação da linearidade e um tipo de diversidade nas cenas que remeta, de algum
maneira, à ideia de variedades, aqui também se trata de um deslocamento em
relação ao imaginário mais consolidado de circo. Em
Sisma
, por exemplo, há uma
quantidade considerável de cenas que trazem matérias diferentes (pedra, areia,
corda, texto, entre outras), muitas vezes separadas por cortes secos, o que às
vezes passa a sensação de que se trata de assuntos diferentes. Ainda assim, a
continuidade é garantida pela dramaturgia em sentido amplo, pelos estados
corporais da performer e pelos aspectos visuais e imagéticos que constroem uma
Políticas e poéticas do circo contemporâneo em
Sisma, Tra Tra e corpo-árvore
Maria Carolina Vasconcelos Oliveira
Florianópolis, v.2, n.47, p.1-29, jul. 2023
22
certa coerência (ainda que abdicando da linearidade).
No nível dos registros de encenação, as obras observadas priorizam estados
de presença aos de representação é notável que nenhuma trabalhe com
personagens. A recusa à representação de um tempo-espaço linear que, para
Féral (2013), é característica das expressões cênicas mais performativas é algo
especialmente marcante. Em
corpo-árvore
da Penca, o tempo-espaço
suspenso e lírico das cenas das mulheres penduradas em galhos que pairam no
ar, convivendo com o tempo-espaço real documental do registro do trabalho de
campo realizado no processo de criação (imagens dos homens podando árvores
e trechos das conversas tidas com eles). Na obra, isso é facilitado recurso da
edição (trata-se de um vídeo-circo), mas essa prerrogativa também foi levada para
o trabalho presencial
Viver com, morrer com
(2023).
Em
Tra Tra
, a suspensão do tempo-espaço nos momentos de trapézio,
mas também Noel caminhando até a boca de cena, falando com o público num
registro totalmente cotidiano e traduzindo simultaneamente sua fala do espanhol
para o português pela voz do
Google Translator
– ferramenta que é acionada em
tempo real do seu aparelho celular. Em
Sisma
, temos o tempo real da ação na
cena em que Lis se põe a atravessar um caminho de pedras dispostas sobre o
chão retornando ao início sempre que cai, coexistindo com o tempo
suspenso/lírico de cenas como a de uma chuva de areia que cai sobre sua cabeça.
A contestação de um tempo-espaço contínuo também aparece na diversidade de
idiomas e das memórias geográficas: um momento em que Lis realiza
movimentos que nos remetem à corporeidade das danças populares brasileiras; e
outra cena em que ela quebra pratos, levando-nos a um imaginário da Grécia.
Poderíamos discutir se essa característica de ruptura com a noção de tempo-
espaço contínuo também não seria típica do circo clássico, pela própria lógica de
montagem de atrações, típica de seus espetáculos (Bolognesi, 2018). Uma
diferença nos parece marcante suficiente para nomear um deslocamento: na
estrutura de variedades, dentro de cada cena, por mais que não se possa
identificar a encenação de uma história linear no formato dramático, via de regra
um ordenamento dos acontecimentos que pressupõe uma teleologia em
geral, a da superação, da resolução, ou mesmo a da superioridade da figura
Políticas e poéticas do circo contemporâneo em
Sisma, Tra Tra e corpo-árvore
Maria Carolina Vasconcelos Oliveira
Florianópolis, v.2, n.47, p.1-29, jul. 2023
23
humana (tendo o palhaço como exceção). O acrobata que erra propositalmente
duas vezes para acertar na terceira; ou que guarda o truque mais difícil para o
final. Valeria até problematizar o quanto isso não pode ser entendido dentro do
espectro de uma re-presentação, como discutimos acima em relação ao risco.
Importante mencionar ainda que, nas obras observadas, a prerrogativa da não
linearidade se aplica ao tempo, ao espaço e em alguma medida também aos
sujeitos, mais erodidos, mais predispostos ao fracasso, menos coerentes e
estáveis do que o sujeito moderno o que também está bastante alinhado a uma
perspectiva contemporânea (Féral, 2013).
Por fim, vale nomear que isso se reflete também na abordagem dos aparatos
ou materiais em cena, em decisões de cenografia e direção de arte e em
abordagens do corpo. Em primeiro lugar, porque os aparatos não se apresentam
como coisas que servem para o artista-humano demonstrar suas proezas e seu
protagonismo: o que emerge aos olhos é muito mais uma poética das relações
entre corpos e matérias, fundada numa relação não-hierárquica em que o suposto
objeto também tem capacidade de agência e de criação de sentido
8
. No trabalho
da Penca, isso está explícito na própria proposta de resgatar galhos e troncos que
seriam descartados como lixo e transformá-los em protagonistas na cena. A
relação e as imagens desenvolvidas junto a esses parceiros de cena, na
investigação do grupo, é mais importante do que eventuais habilidades circenses
que possam ser demonstradas a partir deles não à toa, o coletivo convoca a
ideia de
simpoiesis
, nomeada por Donna Haraway (2019) no título do projeto
guarda-chuva que abarca
corpo-árvore
e outras criações
9
.
Em
Sisma
três matérias principais, água, pedra e areia a dramaturgista
nomeia: “estamos falando sobre ilha”. Não se trata de matérias que funcionam
como cenário ou objetos cênicos num lugar decorativo e secundário, mas de
elementos que por si falam sobre as questões artísticas da obra, constituindo-se
8
Em Barbosa e Vasconcelos Oliveira, 2021, abordamos essa poética das relações como uma das tendências
do circo dito contemporâneo.
9
Haraway, filósofa e bióloga estadunidense dedicada aos estudos de gênero e a temas como natureza e
tecnologias, bastante influenciadas por abordagens pós-coloniais, constatando o fracasso do pensamento
antropocentrista, utiliza o termo
simpoeisis
para se referir a estratégias e possibilidades criar-com, ou criar-
junto, em arranjos que prevêem capacidade de agência tanto das formas não-humanas quanto das
humanas.
Políticas e poéticas do circo contemporâneo em
Sisma, Tra Tra e corpo-árvore
Maria Carolina Vasconcelos Oliveira
Florianópolis, v.2, n.47, p.1-29, jul. 2023
24
como dramaturgia, no sentido expandido do termo. Nesse sentido, Xristo Kaouki
(em entrevista concedida à autora), entende que as matérias têm agência
fundamental na criação de significados, que fazem uma mediação entre o
performer e o espectador.
Em termos de abordagem de corpo e direção de movimento, ainda que não
seja possível generalizar para todas as obras que se reivindicam como circo
contemporâneo, nos trabalhos observados, é notável como esse questionamento
do domínio sobre as matérias e aparatos se relaciona a uma postura de relativa
negação da virtuosidade e do uso excessivo das técnicas entendidas como
circenses. Nos trabalhos, pouquíssimo uso de movimentos codificados (ou
“truques”) nas partituras realizadas. Isso mesmo em
Tra Tra
, que se vale de um
trapézio, aparato convencional e portador de um amplo repertório de
movimentos. Para Noel Rosas, as próprias noções de treino e de destreza que
sustentam a poética clássica da superação, vale lembrar estariam mais
relacionadas a um tipo de pensamento mais cartesiano, que pressupõem um
“desligamento do corpo em relação à mente e ao afeto, o que também é uma
herança do processo de colonização” (Rosas em entrevista concedida à autora). É
notável que as artistas observadas tenham reconhecimento por suas habilidades
em disciplinas circenses que exigem alto grau de domínio técnico (como os aéreos
e a manipulação malabarística), mas também mobilizem, no momento da criação,
experiências como em dança contemporânea, abordagens somáticas ou linhas de
teatro contemporâneo, em busca de metodologias que afirmam o corpo como
produtor de subjetividades.
Em
corpo-árvore
, a pesquisa de movimento foi informada por práticas de
educação somática que partem do engajamento de sistemas corporais
específicos. Trabalhamos com práticas de conexão do sistema ósseo para nos
conectar com a forma e as direções oferecidas pelos galhos e troncos, assim como
com seus eixos de peso; com práticas relacionadas à pele para ressaltar
semelhanças de superfície entre os corpos dos troncos e os nossos; e com
práticas de corporificação dos fluidos para ativar a ideia das seivas. Vale mencionar
também o uso do improviso em muitas cenas da obra (como também do trabalho
Políticas e poéticas do circo contemporâneo em
Sisma, Tra Tra e corpo-árvore
Maria Carolina Vasconcelos Oliveira
Florianópolis, v.2, n.47, p.1-29, jul. 2023
25
cênico seguinte,
Viver com, morrer com
10
), desenvolvido a partir de estados
nomeados para cada cena e praticados por muitas horas nos períodos de ensaio.
Tra tra
também conta com momentos de improvisação e algumas partituras
corporais seguem uma metodologia de jogo: num certo momento, por exemplo,
Noel vai intensificando uma movimentação corporal seguindo a dinâmica de sua
própria voz amplificada por microfones dispostos no espaço. Algo especialmente
interessante da pesquisa de corpo de
Tra Tra
é o fato de Noel não fazer nenhuma
concessão em termos de gênero. A neutralidade de gênero em termos de figurino
costuma ser algo mais fácil de se alcançar, mas a abdicação de todo o qualquer
gestual associados às representações de masculino e feminino, sobretudo num
aparelho clássico como o trapézio (cujo aprendizado normalmente envolve a
aquisição de um repertório codificado de gestos que também é bastante marcado
em termos de gênero), revela uma pesquisa bastante aprofundada.
Reflexões finais: o que mais pode caber no circo?
Se, de um lado, o circo sempre se reivindicou como lugar, por excelência, da
diversidade “tudo pode caber no circo!” –, tem sido comum escutarmos que
algumas obras que se reinvindicam como circo contemporâneo não são circo
“isso não é circo!”. A contradição presente não é exclusividade nem do nosso
contexto Rosemberg (2004) menciona disputas semelhantes no contexto
francês –, nem do nosso tempo – Silva (2007) discute espetáculos que no século
retrasado já eram criticados por desvirtuar o “verdadeiro” circo. E nem mesmo da
nossa linguagem: Lepecki (2017) mostra como algumas obras de dança da virada
dos anos 1990 para os 2000 foram lidas como uma ameaça ao futuro da dança
por questionarem o fluxo contínuo de movimento, até então central na ontologia
dessa linguagem.
Se, como colocou Kaouki na entrevista concedida, o circo é algo como uma
blasfêmia, os deslocamentos propostos por algumas obras que têm se
reivindicado como contemporâneas poderiam ser a blasfêmia da blasfêmia? Ou
10
Viver com, morrer com
(2023), foi desenvolvido pela Penca em coautoria com a dançarina contemporânea
Ilana Elkis, que assina a orientação de movimento, e com Noel Rosas, que assina a provocação dramatúrgica.
Políticas e poéticas do circo contemporâneo em
Sisma, Tra Tra e corpo-árvore
Maria Carolina Vasconcelos Oliveira
Florianópolis, v.2, n.47, p.1-29, jul. 2023
26
são simplesmente variações do mesmo tema? De qualquer maneira, interessa-
nos perguntar: o que mais pode caber no circo? O que desejamos que caiba? Ou,
do outro lado: a que características temos que nos manter agarradas para que o
circo continue sendo lido como “circo”? Como deve estar nítido, essas são
questões para serem vividas e não solucionadas.
Nunca é demais lembrar que este texto não tem nenhuma pretensão de
esgotar todos os deslocamentos possíveis, ou de generalizar as poéticas e políticas
encontradas aqui a todas as experiências de circos contemporâneos a ideia é
tratá-las como possibilidades, e não como imperativos, de circos contemporâneos.
Menos ainda pretensão de definir ou agarrar o contemporâneo que, como
defendemos em Vasconcelos Oliveira e Barbosa (2021), não somente é uma
categoria em disputa, como também já parece estar um tanto exaurida.
Consideramos sim que a observação aprofundada de um número pequeno
de casos nos ajuda a compreender algumas das práticas, ideias e disputas que
figuram nas artes circenses da forma como estão se desenvolvendo no nosso
tempo-espaço. Consequentemente, nos ajudam a olhar para frente, mobilizar
desejos e desenhar os circos que queremos construir.
Referências
BARBOSA, Diocélio e VASCONCELOS OLIVEIRA, Maria Carolina. Pluralidade
dramatúrgica nos circos contemporâneos. In: BARBOSA, Diocélio e
VASCONCELOS-OLIVEIRA, Maria Carolina (orgs).
Circo e comicidade: reflex
õ
es e
relatos sobre as artes circenses em duas diversas express
õ
es
. São Paulo: Paco
Editorial, 2021.
BOLOGNESI, Mario Fernando. O novo-velho circo.
Revista Moringa
- Artes do
Espetáculo, vol. 19 n.2, jul.-dez de 2018, p. 55-62. João Pessoa, UFPB, 2018.
BOLOGNESI, Mario Fernando. Philip Astley e o circo moderno: Romantismo, guerras
e nacionalismo.
O Percevejo
, v.1, n.1, 2009. Disponível em:
http://seer.unirio.br/index.php/opercevejoonline/article/view/496/421 Acesso em:
abr. 2019.
Políticas e poéticas do circo contemporâneo em
Sisma, Tra Tra e corpo-árvore
Maria Carolina Vasconcelos Oliveira
Florianópolis, v.2, n.47, p.1-29, jul. 2023
27
BOLOGNESI, Mario Fernando. O riso no circo: a paródia acrobática.
Urdimento
-
Revista de Estudos em Artes Cênicas, Florianópolis, v. 1, n. 7, p. 067-074, 2018b.
Disponível em:
https://www.revistas.udesc.br/index.php/urdimento/article/view/141457310107200
5067. Acesso em: jan. 2023.
CALDAS, Paulo e GADELHA, Ernesto (ed).
Dança e dramaturgia(s)
. Fortaleza, Nexus,
2016.
COSTA, Isabel Alves. As artes do circo. In:
Sinais de cena
, 3, 2005.
CULLER, Johnatan.
Structuralist poetics
: structuralism, linguistics and the study of
literature. London/NY: Routledge, 2004 [1975].
Fabião, Eleonora. “Performance e teatro: poéticas e políticas da cena
contemporânea”.
Sala Preta
, São Paulo, 8, 235-246, 2008.
FÉRAL, Josette.
Além dos limites
: teoria e prática do teatro. São Paulo, Perspectiva,
2013.
HABLEMOS DE CIRCO. Poéticas circenses expandidas y políticas. Temporada 3,
capítulo 2. Disponível em:
https://open.spotify.com/episode/55Hx2Shwzvs4Wdz36xoZUz?si=60a4d6fd82ef41
bf
HARAWAY, Donna.
Seguir con el problema. Generar parentesco en el Chtuluceno
.
Bilbao: Consonni, 2019.
GUY, Jean-Michel. Les langages de cirque contemporain. In: Ministre de la
Jeunesse, de l'Žducation nationale et de la recherche.
L’école en piste, les arts du
cirque à la rencontre de l’école
. Avignon, 2001.
GUY, Jean-Michel. "Canguru, inveja, pia entupida, gengibre". Tradução de
Erica Stoppel. In:
Panis e Circus
, 2017. Disponível
em:https://panisecircus.com.br/canguru-inveja-pia-entupida-gengibre-conferencia-do-
artista-jean-michel-guy-discute-processo-de-transformacao-de-escola-de-circo-em-
espaco-de-arte/?fbclid=IwAR3z-
INFANTINO, Julieta. A contemporary history of circus arts in Buenos Aires,
Argentina: the post-dictatorial resurgence and revaluation of circus as a popular
art. In: TAIT, Peta and LAVERS, Kate (org).
The Routledge Circus Studies Reader
.
Londres/Nova Iorque: Routledge, 2016.
KAOUKI, Xristos. Entrevista concedida à Maria Carolina Vasconcelos Oliveira, em 4
de agosto de 2021.
Políticas e poéticas do circo contemporâneo em
Sisma, Tra Tra e corpo-árvore
Maria Carolina Vasconcelos Oliveira
Florianópolis, v.2, n.47, p.1-29, jul. 2023
28
LEHMANN, Hans-Thies.
Teatro pós-dramático
. Trad. Pedro Süssekind. São Paulo:
Cosac Naify, 2007.
LEONARDELLI, P.; FERRACINI, R. Dramaturgia do invisível, dramaturgia do
possível, dramaturgia da imanência: apontamento para uma potente dramaturgia
microscópica.
Urdimento
- Revista de Estudos em Artes Cênicas, Florianópolis,
v. 1, n. 20, p. 151-158, 2013. Disponível em:
https://www.revistas.udesc.br/index.php/urdimento/article/view/141457310120201
3151. Acesso em: jan. 2023.
LEPECKI, André.
Exaurir a dança
: performance a política do movimento. São Paulo:
Annablume, 2017.
LIEVENS, Bauke. Second open letter to the circus: The myth called circus. In:
Etcetera,
7 de dezembro de 2016. Disponível em: http://e-tcetera.be/the-myth-
called-circus/
LOUPPE, Laurence.
Poética da dança contemporânea
. Portugal, Orfeu Negro, 2012.
MATHEUS, Rodrigo.
As produções circenses dos ex-alunos das escolas de circo de
São Paulo na década de 1980 e a constituição do Circo Mínimo
. 2016. Dissertação
(Mestrado em Artes) - Instituto de Artes, Universidade Estadual Paulista “Júlio de
Mesquita Filho”, São Paulo, 2016.
NOBRE, Lis. Entrevista concedida à Maria Carolina Vasconcelos Oliveira, em 4 de
agosto de 2021.
PAPO DE PICADEIRO.
Papo de Picadeiro com Noel Rosas
. 7 de julho de 2021. São
Paulo: Instituto de Artes, Unesp.
PAUTILLA, Juliana. Entrevista concedida à Maria Carolina Vasconcelos Oliveira, em
4 de agosto de 2021.
PRECIADO, Paul.
Testo junkie
: sexo, drogas e biopolítica na era
farmacopornográfica. São Paulo: n-1 Edições, 2018.
ROSEMBERG, Julien. Arts du Cirque: esthétiques et évaluation. Paris: L'Harmattan,
2004.
SILVA, Erminia.
Circo-teatro. Benjamim de Oliveira e a teatralidade circense no
Brasil
. São Paulo: Atlana, 2007.
Políticas e poéticas do circo contemporâneo em
Sisma, Tra Tra e corpo-árvore
Maria Carolina Vasconcelos Oliveira
Florianópolis, v.2, n.47, p.1-29, jul. 2023
29
VASCONCELOS OLIVEIRA, Maria Carolina. Reflex
õ
es sobre o circo (que se reivindica
como) contemporâneo.
Revista do Centro de Pesquisa e Formação
, n. 14. São
Paulo, 2022. Disponível em: https://www.sescsp.org.br/reflexoes-sobre-o-circo-
que-tem-sido-reivindicado-como-contemporaneo/ Acesso em: jan. 2023.
VASCONCELOS OLIVEIRA, Maria Carolina. Reflex
õ
es sobre o circo contemporâneo:
subjetividade e o lugar do corpo.
Repert
ó
rio
, Salvador, ano 23, n. 34, p. 63-89, 2020.
VASCONCELOS OLIVEIRA, Maria Carolina; BARBOSA, Diocélio. Por um circo
extemporâneo ou da urgência [ou: por que fazemos circo?].
Grafias circenses
. São
Paulo: Sesc, 2021. Disponível em: <https://circos.sescsp.org.br/2021/08/30/grafias-
circenses-publicacao-reune-artigos-sobre-a-linguagem-do-circo/>. Acesso em:
jan 2023.
WILLIAMS, Raymond.
Política do Modernismo
: contra os novos conformistas. São
Paulo: Editora Unesp, 2011.
Recebido em: 27/01/2023
Aprovado em: 31/05/2023
Universidade do Estado de Santa Catarina
UDESC
Programa de Pós-Graduação em Teatro
PPGT
Centro de Arte CEART
Urdimento
Revista de Estudos em Artes Cênicas
Urdimento.ceart@udesc.br