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Duas portas para paisagens do fim do mundo na cena
contemporânea cearense
Ivanildo Silva Lima Filho
Francis Wilker de Carvalho
Para citar este artigo:
LIMA FILHO, Ivanildo Silva; CARVALHO, Francis Wilker
de. Duas portas para paisagens do fim do mundo na cena
contemporânea cearense.
Urdimento
Revista de
Estudos em Artes Cênicas, Florianópolis, v. 2, n. 47,
jul. 2023.
DOI: http:/dx.doi.org/10.5965/1414573102472023e0204
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A Urdimento esta licenciada com: Licença de Atribuição Creative Commons (CC BY 4.0)
Uma ética da ausência: um estudo sobre a categoria
pobreza
nas pesquisas em Artes Cênicas brasileiras
Gilberto Icle
Florianópolis, v.2, n.47, p.1-26, jul. 2023
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Duas portas para paisagens do fim do mundo na cena
contemporânea cearense
1
Ivanildo Silva Lima Filho
2
Francis Wilker de Carvalho
3
Resumo
O presente artigo discute alguns aspectos associados à ideia de fim do
mundo para se aproximar das paisagens criadas por duas encenações
contemporâneas produzidas no estado do Ceará. Os espetáculos
Pra frente
o pior
(2016), da Inquieta CIA direção coletiva, e
Paraíso
(2019) do Teatro
Máquina dirigido por Fran Teixeira são abordados à luz das proposições
de autores como Déborah Danowski e Eduardo Viveiros de Castro (2017),
Ailton Krenak (2020), Eleonora Fabião (2013), Alexandre Dal Farra Martins
(2018), entre outros. O percurso reflexivo empreendido configura duas portas,
associadas às noções de antropoceno e pessimismo alegre, como possíveis
contribuições para a análise de criações cênicas interessadas nas
articulações poéticas do fim.
Palavras-chave
: Teatro brasileiro. Teatro cearense. Antropoceno. Pessimismo
alegre. Paisagem.
1
Revisão ortográfica, gramatical e contextual do artigo realizada por Annalies Barbosa Borges, graduada em
Licenciatura em Letras Português/Literatura pela Universidade Estadual do Ceará (UECE).
2
Mestrando do programa de Mestrado profissional em Artes pelo Instituto Federal do Ceará (IFCE).
Licenciatura em Teatro pelo Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE).
ivan.teatroo@gmail.com
http://lattes.cnpq.br/6418282310902961 https://orcid.org/0000-0002-0441-9058
3
Doutorado em Artes pela Universidade de São Paulo (USP). Mestrado em Artes nicas pela USP.
Especialização em Direção Teatral pela Faculdade de Artes Dulcina de Moraes. Graduação em Educação
artística pela Universidade de Brasília (UnB). Professor adjunto do curso de licenciatura em Teatro e do
Programa de Pós-graduação em Artes do Instituto de Cultura e Arte da Universidade Federal do Ceará.
Professor colaborador do Mestrado Profissional em Artes do Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia do Ceará. franciswilker@gmail.com
http://lattes.cnpq.br/1364443962519272 https://orcid.org/0000-0001-9301-8821
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pobreza
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Two doors to landscapes of the end of the world in the
contemporary scene of Ceará
Abstract
This article discusses some aspects associated with the idea of the end of
the world to approach the landscapes created by two contemporary stagings
produced in the state of Ceará. The shows
Pra Frente o Pior
(2016) by Inquieta
CIA colective direction and
Paraíso
(2019) by Teatro Máquina directed by
Fran Teixeira are approached in the light of propositions by authors such as
Déborah Danowski and Eduardo Viveiros de Castro (2017), Ailton Krenak
(2020), Eleonora Fabião (2013), Alexandre Dal Farra Martins (2018), among
others. The reflective journey undertaken configures two doors, associated
with the notions of Anthropocene and cheerful pessimism, as possible
contributions to the analysis of scenic creations interested in the poetic
articulations of the end.
Keywords
: Brazilian theater. Theater from Ceará. Anthropocene.
Cheerful pessimism. Landscape.
Dos puertas a paisajes del fin del mundo en la escena
contemporánea de Ceará
Resumen
Este artículo discute algunos aspectos asociados a la idea del fin del mundo
para abordar los paisajes creados por dos montajes contemporáneos
producidos en el estado de Ceará. Los espectáculos
Pra Frente o Pior
(2016)
de Inquieta CIA dirección colectiva y
Paraíso
(2019) de Teatro Máquina
dirigido por Fran Teixeira son abordados a la luz de propuestas de autores
como Déborah Danowski y Eduardo Viveiros de Castro (2017), Ailton Krenak
(2020), Eleonora Fabião (2013), Alexandre Dal Farra Martins (2018), entre otros.
El recorrido reflexivo emprendido configura dos puertas, asociadas a las
nociones de Antropoceno y pesimismo alegre, como posibles aportes al
análisis de creaciones escénicas interesadas en las articulaciones poéticas
del fin.
Palabras clave
: Teatro brasileño. Teatro cearense. Antropoceno. Alegre
pesimismo. Paisaje.
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Chegada
Quando, às vezes, o peito do u emite ruídos ameaçadores,
mulheres e crianças gemem e choram de medo. Não é sem
motivo! Todos tememos ser esmagados pela queda do céu,
como nossos ancestrais no primeiro tempo (Kopenawa; Bruce,
2015, p. 194).
Em seu livro
O gosto do mundo: exercícios de paisagem
(2014), o filósofo
francês Jean-Marc Besse apresenta cinco portas para a compreensão do conceito
de paisagem. O autor cria uma cartografia dessas portas, explorando
problemáticas contemporâneas da paisagem que abrangem o seu entendimento
a partir de diferentes interesses e áreas do conhecimento: 1) representação
cultural, 2) territórios produzidos e habitados pela sociedade, 3) complexos
sistêmicos ambientais da sociedade, 4) experiência fenomenológica e 5) paisagem
como projeto.
Essas cinco perspectivas, construídas a partir da contribuição de diferentes
campos epistemológicos
4
e autores, auxilia Besse na formulação de um olhar mais
complexo e menos reducionista para a compreensão da noção de paisagem.
Assim, identificamos no percurso metodológico empreendido pelo autor um modo
inspirador para nos aproximarmos de fenômenos múltiplos e complexos. Por esta
razão, adotamos a imagem das portas para organizarmos as reflexões sobre o fim
do mundo e a cena contemporânea, embora não façamos associações diretas
entre nossa discussão e àquelas das portas de Besse.
A inspiração nas portas da paisagem de Besse, para o desenvolvimento do
presente texto, é motivada pela compreensão de que o fenômeno da paisagem
opera a criação de um enlace entre elementos diversos e aparentemente
desconexos, na produção de um recorte das coisas do mundo por meio de um
olhar singular. Para o poeta e pesquisador francês Michel Collot, a noção de
paisagem pode contribuir para a emergência de um outro modo de pensar, um
4
Para citar alguns exemplos, o autor mobiliza conhecimentos da Filosofia, Ciências da Terra, Artes, Geografia,
entre outros.
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novo tipo de racionalidade que o autor denomina de “pensamento-paisagem”.
A paisagem aparece, assim, como uma manifestação exemplar da
multidimensionalidade dos fenômenos humanos e sociais, da
interdependência do tempo e do espaço e da interação da natureza e da
cultura, do econômico e do simbólico, do indivíduo e da sociedade. A
paisagem nos fornece um modelo para pensar a complexidade de uma
realidade que convida a articular os aportes das diferentes ciências do
homem e da sociedade (Collot, 2013, p. 15).
Seguindo essa pista, ao adotarmos a noção de paisagem para abordar os
espetáculos que serão discutidos, compreendemos que estamos tratando de
encenações que procuram plasmar poeticamente uma ideia que é,
fundamentalmente, múltipla, complexa e diversa. Isso se porque pensar o fim
da humanidade ou do próprio planeta Terra coloca em jogo aspectos econômicos,
sociais, políticos, ecológicos, entre outros. Nesse sentido, o exercício de colocar
em prática um “pensamento-paisagem” se mostra útil ao contemplar a
multidimensionalidade dos fenômenos de que nos fala Collot.
Seguindo nessa direção, poderíamos nos perguntar: o que seria uma
paisagem do fim do mundo? Quais elementos estariam presentes na sua
configuração? A tentativa de desdobrar essas questões nos leva a pensar que, para
cada artista ou coletivo teatral, o fim pode ganhar contornos distintos. Porém,
interessa-nos seguir as pistas de uma paisagem que não se mostre apaziguadora
das contradições e assimetrias que tecem, cotidianamente, a rede que parece nos
aproximar da extinção.
No artigo
Por um teatro que coloque o mal em cena
(2018), publicado pela
Revista Cult
, o dramaturgo e diretor paulista Alexandre Dal Farra Martins expressa
seus motivos para pensar uma cena distópica e pessimista a partir do real:
Nesse sentido, não me interessa tanto um teatro que mostre o que
deveríamos ser, nem que mostre
como o mundo deveria ser
, mas sim
um teatro que possibilite que olhemos justamente para o que o
mundo não deveria ser (mas ainda é).
E para o que
nós não deveríamos
ser
(mas ainda somos). Todos nós carregamos, queiramos ou não, o gene
da estrutura violenta, opressora, desigual que nos forma. Ninguém está
livre das amarras do mundo onde nasceu. E o nosso mundo é péssimo.
Fazer um teatro que simplesmente se limpe disso tudo para entrar em
cena como se estivéssemos prontos para adentrar o paraíso
simplesmente não me interessa (Martins, 2018, n/p, grifo nosso).
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A iminência do fim acompanha a própria história da humanidade em
diferentes culturas
5
, figurando como foco de interesse de tantos artistas em
diversas linguagens. É como se a nossa destruição e a de tudo aquilo que
conhecemos fosse uma sombra a nos fazer companhia. Se nos aproximarmos da
proposta de Dal Farra, a cena interessada numa paisagem de fim do mundo, em
nosso tempo, precisaria se confrontar com aspectos bastante sensíveis nessas
primeiras duas décadas do século XXI, como: a aguda crise climática que afeta a
vida do planeta; uma pandemia de proporções mundiais que dizimou milhares de
vidas; a acentuação da desigualdade social e da insegurança alimentar,
especialmente nos países mais pobres; entre outras mazelas de nosso tempo.
No caso mais específico do Brasil, olhar para o fim envolveria ainda refletir
sobre as consequências do governo federal de Jair Bolsonaro, que ganhou
evidência internacional com o aumento do desmatamento na floresta Amazônica
e a postura negacionista e pouco assertiva, para não dizer irresponsável, no
enfrentamento da pandemia de Covid-19. Esses aspectos, somados, intensificaram
a percepção aguda de um país em rota de colisão. De que maneira a cena teatral
tem tocado essas questões? Que noções ajudam a compreender com contornos
mais precisos a ideia de fim do mundo? Como poderia ser descrita uma possível
imagem do fim do mundo?
Com o propósito de ampliar e aprofundar conceitualmente essa noção do
fim do mundo, objetivamos configurar duas portas que podem nos ajudar a mirar
as paisagens que a cena teatral tem criado para jogar luz ao tema.
Porta Nº1: O antropoceno como alerta da catástrofe
Nessa primeira porta, vamos nos aproximar do fim do mundo na perspectiva do
antropoceno. O conceito ganhou força no início do século XXI por meio de Paul
Crutzen (1933-2021), químico neerlandês, e Eugene Stoermer (1934-2012), biólogo
5
A título de exemplo, poderíamos citar diversas passagens que integram a Bíblia, como o grande dilúvio, a
destruição das cidades de Sodoma e Gomorra, numa perspectiva cristã ocidental. Em outra direção, a
epígrafe com a qual abrimos este texto, que apresenta o temor do céu desabar, na cosmogonia indígena
dos yanomamis.
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norte-americano. Em um artigo recém traduzido para uma revista portuguesa,
intitulado de
O antropoceno
(2020), Crutzen e Stoermer apontam para a
comunidade científica a necessidade de aceitar que a era geológica que estamos
vivendo pode ser compreendida na perspectiva do antropoceno. Vejamos alguns
exemplos oferecidos pelos autores para configurar a ideia:
A expansão da espécie humana, tanto em números como na exploração
per capita dos recursos terrestres, tem sido espantosa. Para dar alguns
exemplos: durante os últimos 3 séculos, a população humana aumentou
decuplicando para 6 mil milhões acompanhada por um crescimento da
população de gado para 1.4 milhões. A urbanização aumentou dez vezes
no último século. Em poucas gerações, a humanidade está a exaurir os
recursos fósseis que foram gerados em vários milhões de anos. A
libertação de SO2, aproximadamente 160 Tg/ano em termos globais, para
a atmosfera por queima de carvão e óleo, é pelo menos duas vezes maior
do que a soma de todas as emissões naturais, que acorrem sobretudo
como dimetil-sulfureto dos oceanos; [...] 30-50% da superfície da Terra
foi transformada pela ação humana; mais nitrogênio está agora a ser
fixado sinteticamente e aplicado como fertilizante na agricultura do que
o que existe naturalmente em todos os ecossistemas terrestres;[...] a
atividade humana aumentou a taxa de extinção de espécies de mil para
dez mil nas florestas úmidas tropicais (Crutzen; Stoermer, 2020, p. 1-2).
Como se pode notar, Crutzen e Stoermer evidenciam o impacto da ação
humana sobre o planeta Terra e toda a vida que nele habita, caracterizando a era
como um alerta de uma linha que não poderíamos cruzar, pois certamente
teríamos resultados catastróficos. E, de acordo com eles, esse impacto é
expressivo demais para não ser parte essencial da identidade da nossa época.
Logo, a era em que nós vivemos não poderia ser outra a não ser o antropoceno.
Ao utilizarem e insistirem na adoção do termo, os autores também tinham como
objetivo construir possibilidades de reparar e providenciar modos de evitar as
futuras catástrofes. É a partir dessa percepção do antropoceno como a era da
catástrofe que se configura a primeira porta para a paisagem do fim do mundo
aqui proposta.
No Brasil, a reflexão sobre o antropoceno tem sido abordada com destaque
pela filósofa Déborah Danowski e o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro. No
livro
mundo por vir? ensaio sobre os medos e os fins
(2017), eles apresentam
perspectivas do fim do mundo a partir de questões vinculadas ao antropoceno:
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O antropoceno [...] é uma época, no sentido geológico do termo, mas ele
aponta para o fim da ‘epocalidade’ enquanto tal, no que concerne à
espécie. Embora tenha começado conosco, muito provavelmente
terminará sem nós: o Antropoceno deverá dar lugar a uma outra época
geológica muito depois de termos desaparecido da face da Terra. Nosso
presente é o Antropoceno. [...] Mas este tempo presente vai se revelando
um presente sem porvir, um presente passivo, portador de um karma
geofísico que está inteiramente fora do nosso alcance anular [...]
(Danowski; Viveiros de Castro, 2017, p. 20).
Ao colocar lado a lado a descrição dos autores estrangeiros e a compreensão
dos pesquisadores brasileiros, dentro dessa espiral de tempo que ultrapassa
mais de duas décadas, podemos notar que aquilo que se mostrava como alerta
ou perigo no ano 2000 é tomado como realidade nas proposições de 2022. Esses
dois fragmentos evidenciam como a sociedade segue esgotando recursos como
se a nossa sobrevivência independesse deles, ou como se esses recursos fossem
totalmente renováveis. Assim, nota-se que o nosso modo de vida, em termos mais
abrangentes, segue na busca desenfreada de esgotar o planeta Terra. Talvez, essa
marcha para a catástrofe seja consequência da noção assimilada socialmente no
mundo contemporâneo e moderno: a distinção da espécie humana e sua
soberania diante de todo o ecossistema planetário. Como topo da cadeia alimentar
e posto como o ser supremo e racional, o ser humano se coloca justamente como
irracional, pela falta de percepção real das consequências do seu modo de se
relacionar com o planeta, fortemente marcado pela exploração de recursos
naturais. “Recordemos o argumento das cinco terras que seriam necessárias para
sustentar a extensão pan-humana do nível de consumo de energia do cidadão
norte-americano médio” (Danowski; Viveiros de Castro, 2017, p. 23). Dito de outro
modo, precisaríamos de 5 planetas Terra para suprir o modo com que as
sociedades de nosso tempo estão consumindo o planeta.
Nessa primeira porta nos tornamos, então, protagonistas do próprio fim,
perdemos nosso mundo por consumi-lo, criando um impasse da continuidade da
nossa existência. Consumimos de modo destrutivo tudo aquilo que exerce função
vital de nossa presença no planeta. Se existir uma Terra no futuro distante, será
somente sem nossa presença. Uma espécie de mundo-sem-nós.
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De maneira muito simples, podemos partir da oposição entre “mundo
sem nós”, isto é, o mundo depois do término da existência da espécie
humana, e um “nós sem mundo” uma humanidade desmundanizada ou
desambientada, a subsistência de alguma forma de humanidade ou
subjetividade após o fim do mundo (Danowski; Viveiros de Castro, 2017,
p. 38).
Nesse trecho, os autores apontam para a oposição entre mundo e mundanos.
A reflexão nos chama a atenção, principalmente, pelo que destacam como sendo
uma ruptura futurística, pois afirmam que a inconsistência dessa relação, indivíduo
e mundo, se pelo desgaste que o ser humano exerce. Isso, principalmente, pela
busca incessante de conquistar o restante de tudo o que compõe o planeta,
ignorando a consciência de que, na realidade, o ser humano também deveria se
considerar parte do todo e se preocupar com o equilíbrio e conservação do
planeta. Diante do mundo, qualquer mínima alteração afeta a harmonia do todo
que compõe o ecossistema. Desde muito cedo, as nossas ações são baseadas na
perspectiva de que nós somos o centro de toda a existência. Assim, o restante dos
seres vivos e tudo aquilo que compõe o planeta estariam a serviço de uma única
espécie: nós, os humanos. “O Antropoceno é o Apocalipse, em ambos os sentidos,
etimológico e escatológico” (Danowski; Viveiros de Castro, 2017, p. 40).
Os desdobramentos da relação entres esses dois polos: Mundo e Nós, estão
diretamente ligados a uma previsão ainda que mística do que pode vir a ser a
nossa realidade, enxergando o amanhã como o hoje, que, sem demora, será o
ontem. Principalmente, tendo como parâmetro entre esses polos a subtração, ou
seja, a existência futura de apenas um dos dois, sendo impossível uma
manutenção da vida, no
modus operandi
do antropoceno.
Diante das reflexões propostas até aqui, temos a compreensão de que o
antropoceno é uma porta que cruzamos, e que seria impossível eliminarmos
esse fim do mundo, mas que a compreensão dessa ameaça teria sua utilidade
justamente como um alerta de que algo precisa ser feito agora. Alerta que tem
ecoado também nas publicações do Comitê Invisível
6
em reflexões que nos
6
O Comitê Invisível publica textos desde o ano de 2007. O coletivo aborda temas nevrálgicos de nosso tempo,
muitas vezes numa linguagem que lembra manifestos. As produções mobilizam conteúdos de diferentes
campos como a filosofia e a teoria política. A publicação não identifica seus autores/autoras, são invisíveis.
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convidam a pensar que “o desastre atual é como a acumulação monstruosa de
todos os adiamentos do passado, aos quais se acrescenta, em um
desmoronamento permanente[...]” (Comitê Invisível, 2018, p. 19-20).
Assim, o céu está a desabar sobre nossas cabeças, mas o que fazer? Ao
adentrarmos essa porta dedicada ao antropoceno, essa questão pode se colocar
como elemento impulsionador de processos de criação interessados na temática
e que pretendam ir além da descrição do real. De que modo as artes
performativas podem se colocar diante dessas questões que envolvem nossa era?
Alexandre Dal Farra Martins (2018, n.p.) compartilha uma pista: “O lugar do teatro
tem servido, nesse sentido, para que se abra espaço, justamente para que tudo
aquilo que nós normalmente escondemos (e, ao esconder, enrijecemos) possa
se mover”. Nesse sentido, lançar um olhar para a produção cênica interessada em
dar forma poética ao fim do mundo pode colaborar para ampliar as ressonâncias
desse fazer mover diante da iminente extinção. Dito de outro modo, a cena
operaria como espécie de alarme de incêndio que aponta a catástrofe que está
alojada no antropoceno, tal qual a imagem oferecida pelo filósofo Walter Benjamin
ao nos falar sobre perceber que “antes que a centelha chegue à dinamite, é preciso
que o pavio que queima seja cortado” (Benjamin, 2000, p.46).
Paisagem I: Paraíso
7
Como o teatro pode compor uma possível paisagem do antropoceno como
fim? Essa foi uma das perguntas feitas pela pesquisadora cearense Noá de Araújo
Prado em sua monografia
Um teatro para o antropoceno
(2016). A autora escreve
sobre como construir diálogos entre o teatro e o antropoceno, pela necessidade
de “expressar o fim. [...] Realizar um teatro que nasça da iminência do fim. Fazer
do teatro um acontecimento que nasce do choque proporcionado pelo encontro.
Um teatrocatástrofe [sic]” (Prado, 2016, p. 3).
7
O grupo atua na cidade de Fortaleza (CE) desde 2003 e atualmente é formado por Ana Luiza Rios, Fabiano
Veríssimo, Levy Mota, Loreta Dialla, Márcio Medeiros (elenco) e Fran Teixeira (direção). Paraíso possui em sua
ficha técnica uma dramaturgia coletiva e conta com outros colaboradores para as áreas técnicas: Trilha
Sonora de Fernando Catatau; Pesquisa de efeitos sonoros e eletrônicos de Eduardo Quintana e Loreta Dialla;
Cenografia de Narcélio Grud e Frederico Teixeira; Figurinos e pesquisa de figurinos de Isaac Bento e Isadora
Gallas; Desenho de Luz de Walter Façanha.
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Para enfrentar a questão, a autora busca entender os grandes movimentos
artísticos que contemplam em sua estética teatral a perspectiva de uma cena
em ruína. Assim, uma das abordagens propostas seria a criação de dramaturgias
sobre o presságio do fim, para o reconhecimento do ser humano como um ser
finito, com um prazo de validade determinado (Prado, 2016). Desse modo, quem
sabe, fosse possível pensar maneiras de atrasar a extinção do ser humano pela
ação dialógica com a arte que consegue, muitas vezes, colocar uma lupa em cima
de questões cotidianamente negligenciadas, fazendo soar o “alarme de incêndio”
pela cena.
Para oferecer uma paisagem das questões mobilizadas nessa primeira porta,
recorremos ao espetáculo voltado para o público infantil
Paraíso
(2019)
8
do
Teatro Máquina (CE), dirigido pela encenadora e pesquisadora Fran Teixeira – que
realizou temporada em diversos espaços de Fortaleza/CE durante os anos de 2019,
2020 e, mais recentemente, na Bienal Criança do Ceará (2023). Antes de
estabelecer relações entre a cena e o antropoceno, comecemos por descrever
uma paisagem.
No espetáculo, catadores-cientistas vivem em um mundo eco-futurístico
devastado pela poluição. Instalados em uma espécie de plataforma de pesquisa,
feita de escombros, eles encontram e acumulam objetos do passado com o
propósito de compreender a sociedade anterior pelos seus vestígios no mar de
lixo. Por meio do contraste entre luz e sombra, a iluminação cria um clima sombrio
na cena, no qual qualquer alteração mínima de luz causa um grande impacto
visual. O elenco usa como base do figurino macacões de proteção química, luvas,
máscaras e lanternas, que apontam o risco que correm ao interagir com os objetos
que vão encontrando durante o decorrer da peça. também em cena uma
formação monstruosa, chamada Elisabete, feita de resíduos e que os persegue e
vigia o tempo todo. A partir dessa breve descrição, gostaríamos de dar foco a
alguns aspectos que evidenciam o modo pelo qual a encenação dialoga com a
8
O contato com o referido espetáculo se deu de modo presencial no ano de 2019, no Centro Cultural Banco
do Nordeste, e em 2023, no Centros Urbano de Cultura, Arte, Ciência e Esporte (CUCA) Mondubim, ambos
localizados na cidade de Fortaleza/Ce.
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noção de antropoceno e dá tratamento poético ao fim do mundo.
Um primeiro aspecto diz respeito à configuração visual do espaço que
evidencia a presença da ruína e seus escombros. Embora essa visualidade seja
criada com objetos que são do nosso presente, reconhecíveis em nosso cotidiano,
são abordados em cena como os restos das humanidades passadas. Essa
paisagem do fim nos remete à emblemática pergunta do autor e ativista indígena
Ailton Krenak: “Qual é o mundo que vocês estão agora empacotando para deixar
a gerações futuras?” (Krenak, 2020, p. 68). Essa relação temporal e de causalidade
entre o agora e o futuro, sobre o planeta que deixaremos para as futuras gerações,
ganha ainda mais força ao lembrarmos que a peça Paraíso tinha o público infantil
como foco. Em alguma medida, é como se as crianças, na plateia, pudessem
antever o mundo que nós, adultos de agora, estamos ajudando a deixar como
herança para elas. A nossa extinção ganha relevo diante daqueles poucos
humanos (elenco) imersos num mundo formado de lixo. A própria imagem do
oceano é construída com sacos e redes de plásticos.
Figura 1 -
Paraíso.
Foto: Luíz Alves
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Em cena, os cientistas observam esses restos de objetos como sendo algo
novo, o que se mostra intrigante. Poderíamos então dizer que o nosso modo de
vida, de ocupação do espaço e de exploração da natureza, foi tão profundo e
predatório para o planeta que fez com que seus vestígios e resíduos se
prolongassem muito além das vidas humanas e de suas práticas e hábitos sociais.
Esse é um traço da encenação que evidencia a irreversibilidade de alguns impactos
do antropoceno no planeta Terra.
Para Danowski e Viveiros de Castro (2017), os impactos que o Homo sapiens
terão na Terra serão muito mais duradouros que a própria existência humana. Esse
aspecto parece se materializar em cena com a presença da figura de formação
monstruosa, uma espécie de alegoria chamada de Elizabete. Essa personagem
opera um recurso da dramaturgia que é promover um encontro desse novo
mundo, ou no fim do mundo, entre seres humanos e um ser não humano
composto justamente por um processo de revitalização das matérias residuais,
que o próprio planeta produziu, criando um ecossistema dessa era fictícia forjada
pelo espetáculo. Assim, o vestígio destruidor da humanidade para os outros
modos de vida é tão agudo que o porvir, sem humanos, ainda é capaz de
testemunhar suas consequências inimagináveis. A dramaturgia propõe ainda um
novo movimento ao longo do espetáculo, a descoberta de que Elizabete não é um
monstro, mas um ser vivo, um tipo de água-viva gigante que está em seu habitat
natural.
Será justamente a descoberta de Elizabete a instaurar um novo dilema ético
aos cientistas a que assistimos em cena: eles deveriam registrar a existência dela
e alertar que existe outra forma de vida no local em que estão visitando, ou adotar
uma atitude diferente e deixar que a natureza siga seu fluxo sem a interrupção
humana. Decidem, então, comunicar a seus superiores que não nenhum
problema com aquele local, não havendo necessidade de reforços e intervenção
humana. Na última imagem oferecida pelo espetáculo, assistimos aos cientistas
irem embora, a penumbra vai pouco a pouco tomando conta do palco. Por fim, o
único ponto de luz é Elizabete e vários outros seres menores, semelhantes a ela,
que estavam escondidos até então e vão sendo revelados, um verdadeiro
ecossistema que habita aquilo que sobrou após a destruidora passagem da
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humanidade.
A partir dos aspectos apresentados, compreendemos que a noção de fim do
mundo em Paraíso se configura como uma espécie de entre mundos, que transita
entre o mundo-sem-gente e o gente-sem-mundo como modo de fabular novas
formas de relação entre os seres que habitam todo o ecossistema. O trabalho do
Teatro Máquina nesse espetáculo, que explora a ideia do fim do mundo, é voltado
essencialmente a imaginar cenicamente um mundo devastado, nesse caso pelo
antropoceno. Isso ocorre, justamente, pela demanda do grupo de convocar o seu
espectador a fazer o exercício reflexivo sobre o que a paisagem da cena aponta e
o que ainda conseguimos ver na paisagem que cerca nosso cotidiano. Como se o
espetáculo nos interpelasse: Veja bem, o que você acabou de assistir pode ser
uma realidade futura, estamos preparados? Podemos minimizar ou evitar?
Ao tratar um tema tão sério de modo lúdico, fortemente visual e para o
público infantil, o espetáculo parece querer soar um alarme para que as novas
gerações possam se imaginar, em alguma medida, sendo o povo que falta em
nossos dias. Uma vez que, como nos lembra o filósofo Peter Pál Pelbart, “falar no
fim do mundo é falar na necessidade de imaginar, antes que um novo mundo em
lugar deste nosso mundo presente, um novo povo; o povo que falta” (Pelbart, 2015,
p. 2).
Porta Nº2: O pessimismo alegre como atitude diante do fim
A segunda porta para a paisagem do fim do mundo diz respeito a uma
abordagem que está associada à primeira, mas que possui em sua essência um
princípio que apresenta contraste entre ambas. Enquanto na porta anterior vemos
a construção de um território que está ligado à influência do ser humano no
ecossistema e condicionado ao despertar crítico sobre o perigo da catástrofe,
nessa segunda abordagem, o ponto de partida da discussão está ligado mais
intimamente ao modo como estabelecemos uma relação com o fim do mundo.
Em uma entrevista ao jornal
El País
, Viveiros de Castro (2014) faz uma
proposição interessante a partir das perspectivas dos povos indígenas brasileiros,
sobre como esses povos lidam com a ameaça do fim:
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[...] o que você encontra na favela carioca. É o que você encontra no meio
das populações que vivem no semiárido brasileiro. É a mesma coisa que
você encontra, em geral, nas camadas mais pobres da população. O fato
de que você vive em condições que qualquer um de nós, da classe média
para cima, consideraria materialmente intoleráveis. Mas isso não os torna
seres desesperados, tristes, melancólicos, etc. Muito pelo contrário. É
claro que eu não estou falando de situações dramáticas, de gente
morrendo de fome. Isso não ninguém que aguente. Mas, se você
perguntar para o índio, ele vai dizer: estamos todos fritos, um dia o mundo
vai acabar caindo na nossa cabeça, mas isso não impede que você se
distraia, que se divirta, que ria um pouco dessa condição meio patética
que é a de todo ser humano, em que ele vive como se fosse imortal e ao
mesmo tempo sabe que vai morrer. Os índios não acham que o futuro
vai ser melhor do que o presente, como nós, e, portanto, não se
desesperam porque o futuro não vai ser melhor do que o presente, como
a gente está descobrindo. Eles acham que o futuro vai ser ou igual ou
pior do que agora, mas isso não impede que eles considerem isso com
pessimismo alegre, que é o contrário do otimismo desencantado, que é
um pouco o nosso. Do tipo estamos mal, mas vai dar tudo certo, a
tecnologia vai nos salvar, ou o homem vai finalmente chegar ao
socialismo. Os índios acham que tudo vai para as cucuias, mesmo. Mas
isso não lhes tira o sono, porque viver é uma coisa que você tem que
fazer de minuto a minuto, tem que viver o presente (Viveiros de Castro,
2014, n/p.).
O autor delimita que o sujeito que pratica o pessimismo alegre possui a plena
compreensão do fim do mundo que está instaurado, inclusive, ele pressupõe que
a situação continuará a se agravar, porém essa consciência é transmutada em um
modo de vida que ainda diante de tudo isso encontra alegria na vida. É abraçar a
situação de que nada mais pode ser projetado para um futuro melhor, então
nos resta lidar com essa certeza, colocando-a como algo que precisa ser
contestado para que possamos existir hoje.
Muitos de nós, diante da realidade do fim do mundo, concebemos um
desespero e uma melancolia e isso pode ocasionar em uma projeção distante do
momento presente, em que teríamos em destaque somente a incerteza do que
ainda virá. Então, estaríamos apenas prorrogando uma atitude diante do fim, como
se disséssemos: “Não posso pensar nisso. Se eu pensar nisso, como é que eu vou
dar conta? Então é melhor não pensar” (Viveiros de Castro, 2014, n/p.).
Para muitos, pensar no pior das coisas, no fim do mundo, pode ser uma
atitude derrotista, e isso significaria aceitar o nosso fracasso. Para usarmos uma
expressão popular, seria quase como “jogar a toalha”. Significaria admitir que, se a
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situação está tão grave como dizem, então não temos mais nada a fazer. Assim,
para evitar isso, seguimos nosso caminho, com uma preocupação que é disfarçada
e amenizada por uma mentira que nos impede de lidar com a situação sem
rodeios. Fingimos que adiamos o fim com diversas camadas de inverdades. Mas,
“a mentira é recusar ver certas coisas que se vê, e recusar vê-las como se as vê”
(Comitê Invisível, 2018, p. 12).
É como se o perigo estivesse diante de nossos olhos o tempo todo, mas
faltasse, quem sabe, franqueza para não desviar o olhar. Seria necessária uma
tomada de atitude diante do fim iminente e a primeira seria encarar diretamente
(sem piscar os olhos). Ver que tudo o que estão dizendo sobre crise climática,
poluição, desmatamento, capitalismo acelerado, saúde, pode ser verdade.
[...] enquanto não se afrontar a verdade, não se afrontará nada. Não
haverá nada. Nada além deste manicômio planetário. A verdade não é
algo em direção à qual seria preciso ir, mas uma relação sem rodeios
com o que está. [...] Ela não é algo que se professa, mas um modo de
estar no mundo (Comitê Invisível, 2018, p. 12-13).
Talvez, afrontar a verdade, envolva, principalmente, mudar a maneira de agir
diante do que estamos vivendo todos os dias. Perceber que somente haverá futuro
se conseguirmos lidar com essas questões agora. Em seu livro
Ideias para adiar o
fim do mundo
(2020), Krenak oferece algumas contribuições que podemos
relacionar com a ideia de um pessimismo alegre. O autor nos fala sobre a
necessidade de se opor ao fim, e da produção do prazer em meio a essa realidade
agressiva.
O tipo de humanidade zumbi que estamos sendo convocados a integrar
não tolera tanto prazer, tanta fruição de vida. Então, pregam o fim do
mundo como uma possibilidade de fazer a gente desistir dos nossos
próprios sonhos. E minha provocação sobre adiar o fim do mundo é
exatamente sempre poder contar mais uma história. Se pudermos fazer
isso, estaremos adiando o fim (Krenak, 2020, p. 26-27).
Krenak nos convoca a não nos entregarmos para o pessimismo derrotista e
a pensar em possíveis adiamentos do fim, tendo em vista que provavelmente
tenhamos chegado a tal ponto que seria impossível remediar a situação
totalmente. Mesmo se parássemos o nosso atual modo de vida, baseado no
capitalismo e na exploração de outros seres, ainda seria pouco diante dos danos
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socioambientais existentes. Podemos imaginar um coro formado por Krenak e
Viveiros de Castro na busca pelo sonhar e viver pleno diante do fim do mundo.
Evidentemente, não se trata aqui de se apegar acriticamente à utopia, é,
novamente, ter a certeza do fim, sem entrar em profunda tristeza, desânimo,
inação.
Na continuidade dessa reflexão, gostaríamos de mobilizar uma imagem
proposta pelo Comitê Invisível em uma de suas publicações:
Todo mundo com clareza que esta civilização é como um trem em
direção ao abismo, e que acelera. Quanto mais acelera mais escutamos
os gritos histéricos dos bêbados do vagão discoteca. Seria preciso aguçar
os ouvidos para perceber o duro silêncio dos espíritos racionais que não
compreendem mais nada, o silêncio dos angustiados que roem as unhas
e o tom de falsa serenidade nas exclamações intermitentes daqueles que
dão as cartas enquanto esperam (Comitê Invisível, 2018, p. 19).
Como vimos, o que temos diante de nós é a vida enquanto esse trem que
segue em direção ao abismo e os sujeitos que estão dentro dele. Os bêbados; os
ansiosos que roem as unhas; aqueles que não “conseguem” entender a situação e
ficam em silêncio; e os que fingem que não têm consciência da situação para nos
enganar e controlar. Poderia haver ainda mais um grupo de sujeitos, aqueles que
possuem lucidez sobre o abismo adiante e que decidem fazer algo; que se
colocam enquanto mais uma ruptura dessa situação, buscando formas subjetivas
de uma presença coletiva no mundo que cria sobressaltos. É justamente nesse
último sujeito que compreendemos um enlace com a ideia de pessimismo alegre.
Paisagem II: Pra frente o pior
9
Ao considerar que é necessário que continuemos a enfrentar a realidade em
rota de extinção de nossa espécie e, talvez, do próprio planeta, como fazer esse
enfrentamento mesmo estando exaustos e correndo? “E a notícia é que
9
A Inquieta Cia. está presente na cena teatral de Fortaleza (CE) desde 2012. Frequentemente seus processos
são colaborativos e coletivos. No caso de Pra Frente o Pior, temos os/as performers Andréia Pires, Andrei
Bessa, Geane Albuquerque, Gyl Giffony, Lucas Galvino, Wellington Fonseca, Rafael Abreu e Melindra Lindra.
Na interlocução e colaboração dramatúrgica, Marcelo Evelin e Thereza Rocha; Som de Uirá dos Reis;
Cenografia de Inquieta Cia e Caroline Holanda; Figurino de Isac Sobrinho e Mallkon Araújo; e Iluminação de
Inquieta Cia e Walter Façanha.
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continuaremos exaustos e correndo, porque exaustos-e-correndo virou a condição
humana dessa época” (Brum, 2016, n.p.). Essa imagem da jornalista, escritora e
ativista Eliane Brum se mostra muito convergente com a paisagem criada pelo
espetáculo
Pra Frente o Pior
(2016), da Inquieta Cia (CE). Nas suas articulações
poéticas, podemos encontrar conexões com a noção de pessimismo alegre
discutida na segunda porta.
Comecemos, uma vez mais, por descrever uma paisagem, dessa vez,
evocando as palavras de Andrei Bessa e Thereza Rocha, artistas envolvidos na
criação analisada:
Meia dúzia de pessoas dão as mãos umas às outras em um arranjo
combinatório de seis, dois a dois, de tal modo que todos formem um só
ajuntamento entrelaçado. Olham adiante. somente três regras
pressupostas à ação: caminhar sempre para frente; sempre de mãos
dadas; insistir sempre (desistir jamais). Movimentam-se em grupo ao
longo de uma faixa estreita de chão. Como o espaço é finito, ao fim da
trilha, fazem a curva e viram-se perante o caminho a percorrer.
Novamente andam a extensão da passarela na direção à frente, ao fim
da qual não recuam. Não é sobre retornar. É sobre avançar, sempre
avançar. Necessário, portanto, fazer a volta, voltear, tão somente para
porem-se avante novamente e tantas vezes quantas forem necessárias.
Pior avante marche. Cinquenta minutos depois ainda estarão
caminhando adiante segundo essa mesma rotina. É um programa. E isso
é tudo (Cardoso; Campos, 2021, p. 141 e 142).
Nesse coletivo de pessoas que habitam a obra, é possível assimilar a imagem
de uma comunidade, um agrupamento de humanos que seguem seu caminho
sem direção aparente, e sem um objetivo, como nômades à deriva. O que vemos
em cena é justamente o que vemos, “uma ação em processo” (Féral, 2015, p. 141).
Uma espécie de humanidade deslocada em uma marcha, pisando em um chão
cheio de incertezas, com a única certeza do fim catastrófico. Ainda assim, mesmo
tendo essa ação como sentença, é possível ver que os corpos nos dizem: estamos
vivos e precisamos viver.
Pra frente o pior
constrói o tempo todo essa luta, em que
os corpos festejam enquanto sofrem e andam em linha reta. A ação ressoa a
noção de pessimismo alegre, que foi experimentada durante o processo de criação
do trabalho.
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Em
Pra frente o pior
(2016)
10
, a Inquieta explora o conceito de programa
performativo como principal agenciador do que está em cena. De acordo com a
artista e pesquisadora Eleonora Fabião (2013, p. 4), um programa de performance
pode ser compreendido como “o enunciado da performance: um conjunto de
ações previamente estipuladas, claramente articuladas e conceitualmente polidas
a ser realizado pelo artista, pelo público ou por ambos sem ensaio prévio". Desta
forma, a obra artística configura uma forma ao mesmo tempo em que continua
aberta ao aprofundamento das ações predefinidas. O que os performers fazem
não é criar no sentido de inventar algo novo, ou improvisar sem pretensão
nenhuma, mas criar em espiral, insistir na execução de uma atividade. A partir dela,
algo novo emerge na persistência.
Figura 2 -
Pra frente o pior
. Foto: Rômulo Juracy
A performance abrange um campo prático das artes em que é instaurado um
10
Tivemos contato com o espetáculo diversas vezes, nos anos de 2015, 2016 presencialmente em temporadas
diferentes no teatro Dragão do Mar, na cidade de Fortaleza (CE). Durante a escrita desse texto, também
solicitamos a Inquieta Cia. a gravação do espetáculo.
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diálogo entre cena e não-cena. Na criação do dispositivo que norteia o programa,
sua construção extrapola a noção do teatro convencional, que pela repetição é
fixada uma obra acabada e que será executada em cena. De acordo com Fabião
(2013), os
performers
não fazem a performance querendo comunicar algo ao
público, mas a produção de uma experiência conflituosa, disruptiva e
questionadora sobre as subjetividades de quem participa como performer e quem
testemunha como espectador. É importante destacar que, mesmo sem o objetivo
didático de comunicar algo, a performance gera atravessamentos que permeiam
tanto o campo da experiência como do sensível. É nesse sentido que os corpos
em cena que performam o fim do mundo em
Pra frente o pior
, corpos em fim de
festa, se expandem em uma encenação e dramaturgia que dialogam com aqueles
que testemunham por outras vias, polissensoriais. Operam relações que não se
baseiam em causalidades, ultrapassam o campo do sentido pela aposta na
presença e no esgotamento de uma ação. Nesse trabalho, as palavras não
protagonizam os agenciamentos da cena.
Você vai ver o que você vai ver. Nos próximos 50 minutos, você verá
pessoas andando adiante. Aqui pessoas caminhando em frente serão
pessoas caminhando em frente. Pessoas cavando seu próprio fim serão
como pessoas cavando o fim. E o fim será somente o fim. O que você vai
ver é o que você vai ver (Inquieta Cia; Pires; Campos, 2017, p. 16).
Esse enunciado deflagra o início do trabalho com a entrada gradual dos
performers em cena. O trecho é um prenúncio do que o público irá testemunhar
durante aquela sessão. É interessante notar que o único texto dito em cena opera
como um ativador da percepção e também como revelação do procedimento que
será adotado pelos artistas. Um convite para o agora, para estar presente diante
de tudo que será feito. O que está sendo dito é o que está sendo dito. Na realidade,
estão comunicando aquilo que é incomunicável. Não mais nada o que falar
além de vivenciar. A comunicação, por si só, se esvazia diante da performatividade
que, segundo Féral (2008), cria discursos de múltiplas formas e os coloca em um
diálogo, no qual ao mesmo tempo se completam e se contradizem. Logo, o
espectador fica diante de uma obra que busca atravessamentos próprios ao
campo da experiência.
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Podemos ver a ideia de pessimismo alegre em
Pra frente o pior
, como um
modo estimulante de pensar e experimentar o que poderia ser o corpo em fim de
festa. Na realização do trabalho, esse fim é vivenciado de maneira intensa ao longo
de cerca de 50 minutos de duração do programa performativo. A plateia
testemunha aqueles corpos insistirem na ação e no coletivo, seguem juntos nessa
espécie de fim do mundo. Permanecem ligados uns aos corpos dos outros, mesmo
não havendo visivelmente um consenso e um entendimento geral de algo para
além de estar de mãos dadas e seguindo em frente. O mundo vai acabar. O mundo
está acabando, mas ainda estamos aqui e não vamos desistir. Os corpos
continuarão performando mesmo com o fim da cena e com o apagar das luzes,
estarão eternamente dançando nas ruínas do imaginário de cada sujeito-
testemunha da ação.
Em cena, podemos identificar a ação de caminhar pelo espaço, seu
deslocamento real, mas também vemos o esgotamento desse percurso, seus
limites. Quando chegam no limite de uma extremidade, precisam voltar em
direção à outra extremidade, parecem não ter saída. Assim a situação não se
resolve, ela se repete, eles vêm e vão continuamente, insistentemente, mas
sempre de uma nova maneira, mais cansados, mais vulneráveis, mais enérgicos.
Na busca por esgotar o dispositivo do programa performativo, essa
caminhada angustiante é instaurada. Os olhares dos performers são penetrantes
e imóveis, tudo na cena nos suspende diante do risco
11
desse andar de mãos dadas.
A cada respirar e gota de suor que cai, é decretada a ação perpétua de que não
irão parar por nada. Vemos ali uma imagem da humanidade seguindo até o fim.
Até que os corpos que atravessam o espaço deixem de existir.
Quando falamos de esgotamento, referimo-nos a uma atitude permanente
de esvaziamento. Não é simplesmente estar vazio, mas é como cavar um buraco
negro. Uma vez que o ato se inicia, é impossível retornar ao que era antes, a única
opção é seguir em frente nesse mergulho e tornar-se cada vez mais fundo, e mais
11
A título de exemplo, o esgotamento dos performers durante a realização do trabalho pode provocar reações
como vômito, gestos mais agressivos no embate entre os corpos para que a marcha não pare, como
testemunhamos em algumas apresentações.
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fundo, ad aeternum. Muito é feito, mas nada é realizado no esgotar. “Ele se esgota
ao esgotar o possível, e inversamente. Esgota o que não se realiza no possível. Ele
acaba com o possível, para além de todo cansaço, ‘para novamente acabar’”
(Deleuze, 2010, p. 68).
O esgotamento em
Pra frente o pior
é uma sutil proposição que se difere
muito do cansaço, e que é feita de modo progressivo. No desenrolar dos 50
minutos em que se desenvolve a ação performativa, esses corpos transitam em
diferentes estados: a festa, a fúria, o esforço, o vazio, a angústia, a dor e a
insistência. É com essa construção não linear que o espetáculo manipula os
acontecimentos em uma proposição espiralada que se aprofunda em si, no
esgotar da ação, e que cria ramificações e pontos de conexões no encontro com
o espectador.
Em
Pra frente o pior
, tudo está em eterno esgotamento e ruína, o próprio
espaço cênico e cenário da peça nos levam a pensar que não haverá o fim. Toda
a ação acontece num extenso tapete que lembra o piso metálico da parte de
dentro de um ônibus. Esse piso é um corredor que ocupa o espaço tanto
horizontalmente, no chão, como verticalmente nas extremidades do caminho. O
som produzido na cena tem fases progressivas, momento em que os corpos estão
se esgotando em uma festa, com uma batida e o sons musicais bastante definidos
que vão sendo intensificados até que seja difícil separá-los, como uma massa
sonora que é jogada, arrastada, esticada, fatiada. Lentamente é criada uma
transição sonora, esses sons de caráter mais sintéticos vão dando espaço para
sons orgânicos produzidos pelos próprios performers, evidenciado no próprio som
da caminhada e do desentendimento entre esse coletivo. O grupo também utiliza
de um som que reverbera, uma produção sonora que ecoa nesse espaço cíclico e
metálico onde a cena acontece. Como se tudo ali, produzido como ação, som e
suor, fosse lançado no espaço e ecoasse até um ponto de retorno aos sujeitos que
o originaram.
O espectador assume um papel importante para lidar com o esgotamento e
a incomunicabilidade dentro da encenação performática. Nela, existem muitos
outros processos ativos que mobilizam muito mais do que somente a visualidade,
plasticidade ou sonoridade da cena, pois “o objetivo principal deste tipo de
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encenação é menos amarração estética do todo, mas, sobretudo, a produção de
experiência” (Araújo, 2008, p. 256).
O pessimismo alegre permeia os mais diversos aspectos de
Pra frente o pior
,
mas encontra maior potência nos corpos e na ação dos performers. O conflito, a
angústia, o perigo, o cansaço e o dançar estão todos ali, de um lado para o outro,
compondo uma marcha que busca, mas não alcança o esgotamento por
completo, compondo a marcha humana do fim do mundo na urgência de não
parar.
Despedida
Nesse exercício de aproximação entre noções conceituais e encenações
contemporâneas produzidas no estado do Ceará, buscamos oferecer algumas
contribuições para nos acercarmos de criações cênicas interessadas em expressar
poeticamente o nosso tempo e implicadas com a iminência do fim do mundo e
seus desdobramentos. As duas portas propostas (antropoceno e pessimismo
alegre) alargam os horizontes conceituais acerca do fim e se mostram como
ferramentas que dão a ver nuances ou modos pelos quais essa temática, que
também dialoga com as ideias de extinção e distopia, está sendo experimentada
em cena por distintos coletivos. Cada porta nos levou à paisagem criada por um
trabalho artístico, evidenciando que muitos são os modos e procedimentos
composicionais de abordar a questão e seus múltiplos atravessamentos.
A emergência do fim do mundo como uma questão também da cena sinaliza
um rico imbricamento transdisciplinar entre arte, ecologia, economia, política e
sociedade, mostrando-nos que o fim é uma rede tecida por diferentes fios ligados
à vida e para além da vida humana, que se interpenetram, são codependentes. A
discussão aqui empreendida é também um pensar sobre nossa existência coletiva
em seus mais diversos microcosmos. Não pretendemos aqui colocar em jogo
regras para a abordagem do fim do mundo em encenações, ou firmar uma
compreensão única dessa noção, ao contrário, quando mobilizamos a ideia de um
pensamento-paisagem, estamos interessados justamente nas múltiplas
perspectivas que essa temática demanda, nas diferentes portas que podemos
abrir para refletir sobre os descaminhos que levam à extinção da vida na Terra.
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O fim do mundo é uma construção cotidiana, articula a esfera privada e
pública, o pessoal e o coletivo. Assim, coloca-nos diante da tarefa de pensar
modos de implodir essa rota de colisão. Interpela-nos sobre como as artes da
cena podem nos aproximar das realidades da vida no planeta para fazer pensar
sobre esse mundo que criamos, estando juntos. Quais agenciamentos da cena
podem emergir no confronto com essas questões? Talvez, os processos criativos
que investigam o fim do mundo encontrem seus caminhos pela necessidade de
comunicar o que está estampado em nossa sociedade e que é por diversas vezes
esquecido pela agressividade da rotina. Virou normalidade não nos afetarmos com
os fins que permeiam nosso cotidiano.
Como não desistir? Como encontrar brechas? Como não desanimar? São
perguntas necessárias e que nos fazemos ao analisar essas peças de teatro
cearense que incluem em seu conteúdo o fim do mundo. Acreditamos esses
espetáculos, nos apontam pistas para continuar a insistir caminhando no limiar
entre vida e morte, buscando brechas no meio das ruínas do que é o Brasil hoje:
rodeado de uma incerteza e de ameaças constantes. Insistir na ação até que ela
se esgote. Ir de encontro ao fim do mundo no conflito, na angústia, no perigo, no
cansaço, e até mesmo no dançar. Enquanto for necessário.
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Recebido em: 12/12/2022
Aprovado em: 27/06/2023
Universidade do Estado de Santa Catarina
UDESC
Programa de Pós-Graduação em Teatro
PPGT
Centro de Arte CEART
Urdimento
Revista de Estudos em Artes Cênicas
Urdimento.ceart@udesc.br