Da técnica como poética: um quiasma de dança a partir de Michel Bernard
Thereza Cristina Rocha Cardoso | Rosa Ana Fernandes de Lima | Sylvio de Sousa Gadelha Costa
Florianópolis, v.1, n.46, p.1-20, abr. 2023
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. Esse mecanismo é usado no campo da linguística para nomear o processo
de emissão e agenciamento de elementos linguísticos, tanto fonéticos quanto
escriturais, como modo de criar enunciados capazes de funcionar como
“‘realidades-substitutas’” (Bernard, 2001, p. 117)
. Tal procedimento envolveria,
portanto, a produção e projeção de simulacros críveis, passíveis de substituir, por
meio da enunciação, o próprio ser do enunciador, como também suas ações, o
espaço e tempo por ele vivenciados e, até mesmo, funcionar como representante
de sua imaginação.
Assim, o ato de enunciação realmente implica uma crença da mesma
ordem daquela que torna possível o ato teatral: o enunciado é, nesse
sentido, o arquétipo e o protótipo dos simulacros e, por consequência, da
cena teatral primordial, do modelo teatral originário (Bernard, 2001, p.
117)
.
O autor compreende, então, o funcionamento sensório-perceptivo como
produção e projeção de simulacros, enquanto ficções gestadas por forças
pulsionais que, por sua vez, são mobilizadas pelo desejo enunciador da
corporeidade
. Essa dinâmica sensorial ocorre, segundo ele, por meio de
entrelaçamentos que enredam a corporeidade com os outros de si mesma, com
as demais corporeidades, assim como coloca em conexão o sentir e o enunciar.
Com isso, Michel Bernard (2001) distingue quatro quiasmas
que constituem a rede
Débrayage (Tradução de Rosa Ana)
“Réalités-substituts” (Tradução de Rosa Ana)
Ainsi l’acte d’énonciation implique bien une croyance du même ordre que celle qui rend possible l’acte
théâtral : l’énoncé est, en ce sens, l’archétype et le prototype des simulacres et, par conséquent, la scène
théâtrale primordiale, le monde théâtral originaire. (Tradução de Rosa Ana)
Para a elaboração de sua teoria ficcionária da sensação, Michel Bernard tece também substancial
interlocução com o filósofo Gilles Deleuze, tomando como referência, especialmente, a problemática da
sensação, por ele concebida, a qual Michel Bernard (2001, p. 108, tradução da doutoranda) qualifica como
“‘rizomática’”. Emblemático filósofo da diferença, Gilles Deleuze (2007) relaciona a sensação a um “devir de
forças sensíveis” (Bernard, 2001, p. 107, tradução da doutoranda), sugerindo, assim, uma estreita ligação entre
as noções de sensação e de força, sendo, esta última, uma espécie de onda energética que deflagra o
acontecimento da sensação. No pensamento deleuziano, a sensação só pode ser entendida “como o
encontro de uma onda que percorre o corpo com as forças que agem sobre ele” (Deleuze, 2007, p. 52),
porque é tomada num movimento de devir que, por sua vez, produz diferença e não está subordinado às
formas representacionais. Em Deleuze, o devir, segundo Michel Bernard (2001, p. 108, tradução da
doutoranda), trata-se de “um agenciamento ou uma conexão de multiplicidade heterogênea e variável de
forças ou de intensidades que percorre e anima a totalidade do mundo material e vivente, inorgânico e
orgânico”.
Noção trazida da filosofia de Maurice Merleau-Ponty (1964) para explicar o entrelaçamento entre corpo,
mundo e ação, sendo, o quiasma, um modo de funcionar por meio de operações de cruzamento que
enredam não só corpo e mundos natural e cultural, mas que também “pressupõe que haja, no próprio corpo,