O olhar, o escutar e o ato de escrever como processo metodológico de pesquisas em artes
Ivone Maria Xavier de Amorim | Bene Martins
Florianópolis, v.2, n.47, p.1-19, jul. 2023
cabe, acima de tudo, considerar a alteridade dos povos-sujeitos-campo a ser
conhecido. A empatia é um dos procedimentos para chegar à negociação, à
confiança, à cumplicidade entre pesquisador e pesquisado. Para Cecília Salles, o
processo de criação envolve percurso sensível e intelectual, a qual afeta quem
pesquisa, o transforma, o faz refletir sobre suas criações.
Percurso sensível e intelectual de objetos artísticos, científicos e
midiáticos que pode ser descrito, numa perspectiva semiótica, como um
movimento falível com tendências, sustentado pela lógica da incerteza,
englobando a intervenção do acaso e abrindo espaço para a introdução
de ideias novas. Um processo contínuo sem um ponto inicial, nem final.
Um percurso de construção inserido no espaço e tempo da criação, que
inevitavelmente afetam o artista. (Salles, 2013, p. 43).
A escrita da pesquisa é muito mais que relato; é a narrativa da relação de
quem escreve/pesquisa com a situação investigada que possibilita a sua
reinvenção, intempestiva e insistentemente. A mera descrição do visto, não basta,
há necessidade da observação atenta, da imersão, do envolvimento no sentido da
cumplicidade. Este procedimento proporcionará uma escrita poético-
humanizada-sensível, porque resultado da interrelação pesquisador-pesquisado.
Deleuze destaca que: “Escrever é um caso de devir, sempre inacabado, sempre
em via de fazer-se, e que extravasa qualquer matéria vivível ou vivida. É um
processo, ou seja, uma passagem de Vida que atravessa o vivível e o vivido”
(Deleuze, 1997, p. 11). Ou seja, essa escrita aberta ao devir, seria a que assinalamos
acima, uma escrita não autoritária, inacabada, nos termos de Cecília Salles (2006).
Uma escrita ciente do que poderá vir, já que nenhuma pesquisa, nenhum tipo de
conhecimento está concluído, principalmente nas artes e humanidades!
E mais, todo escrito denota as escolhas de seu autor, e, simultaneamente,
comporta outros dizeres possíveis, subentendidos, daí a importância tanto da
escrita, quanto da leitura atenta, considerando as entrelinhas da tessitura textual.
Tal reflexão permite compreender que todo autor depende do leitor-receptor para
que os sentidos do escrito aconteçam, o que não significa transparência total, ao
contrário, pois pesquisar-escrever-ler são atos processuais submetidos e advindos
de inúmeros disparadores subjetivos a envolver texto e leitura, autoria e recepção.
Assim, nas pesquisas em artes é necessário acatar que a escrita é movente,