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Global Water Dances
em Viçosa/MG: dança e
ativismo ambiental
Juliana Carvalho Franco da Silveira
Vinicius Macena Santiago Fialho
Para citar este artigo:
SILVEIRA, Juliana Carvalho Franco da; FIALHO, Vinicius
Macena Santiago.
Global Water Dances
em Viçosa/MG:
dança e ativismo ambiental.
Urdimento
Revista de
Estudos em Artes Cênicas, Florianópolis, v. 3, n. 48, set.
2023.
DOI: 10.5965/1414573103482023e0207
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Global Water Dances
em Viçosa/MG: dança e ativismo ambiental12
Juliana Carvalho Franco da Silveira3
Vinicius Macena Santiago Fialho4
Resumo
Esta pesquisa teve como objetivo analisar os impactos das ações de um projeto de
extensão em dança, cuja proposta foi participar do evento internacional
Global Water
Dances
2021 envolvendo os participantes no processo de planejamento, ensaios,
produção e apresentação , no intuito de conscientizar e sensibilizar sobre a importância
da água para a preservação da vida. A dança foi abordada nesse contexto como
articuladora da relação corpo-ambiente e em seu caráter político, no sentido de
possibilitar abertura para novas configurações sociais. A partir da análise dos impactos
das ações do projeto, a dança foi reconhecida como uma epistemologia que possibilitou
sensibilização e mobilização social, assim como a construção de um sentido de
comunidade.
Palavras-chave
:
Global Water Dances
. Dança. Água. Preservação ambiental. Trabalho
colaborativo.
Global Water Dances
in Viçosa/MG: dance and environmental activism
Abstract
This research aimed to analyze the impacts of the actions of an extension project in
dance whose proposal was to participate in the international event
Global Water Dances
2021 involving participants in the planning process, rehearsals, production, and
presentation , to raise awareness and sensitize about the importance of water for the
preservation of life. Dance was approached in this context as an articulator of the body-
environment relationship and in its political character, in the sense of enabling the
opening to new social configurations. Based on the analysis of the impacts of the
project's actions, dance was recognized as an epistemology that enabled awareness and
social mobilization, as well as the construction of a sense of community.
Keywords
:
Global Water Dances
. Dance. Water. Environmental preservation.
Collaborative work.
1 Revisão ortográfica e gramatical do artigo realizada por Bernardo Yukyo Takayama Colli. Licenciado em Letras
pela Universidade Federal de Juiz de Fora (2018).
2 Esta pesquisa foi contemplada com bolsa do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica
(PIBIC/CNPq) da Universidade Federal de Viçosa (UFV), de 2020 a 2021. O projeto de extensão, objeto de
estudo desta pesquisa, recebeu o apoio financeiro GWD 2021
Site Impact Fund
(SIF)
proporcionado pelo
Global Water Dances
e pelo
Laban/Bartenieff Institute of Movement Studies.
3 Doutorado em Artes da Cena pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), com participação no
Programa Doutorado Sanduíche no Exterior (bolsa CAPES). Mestrado em Artes pela Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG). Graduação em Filosofia pela UFMG. Professora do Departamento de Artes e
Humanidades da Universidade Federal de Viçosa (UFV). Bailarina e diretora. Educadora do Movimento
Somático pela School for Body-Mind Centering. Coordenadora do Grupo Rascunho.
julianac.silveira@ufv.br
http://lattes.cnpq.br/6585433619381709 https://orcid.org/0000-0003-0180-3625
4 Licenciado e bacharelando em Dança pelo Departamento de Artes de Humanidades da Universidade Federal
de Viçosa (UFV). Bailarino, professor e pesquisador. Integrante do Grupo Rascunho, de 2019 a 2022. Bolsista
de Iniciação Científica (PIBIC/CNPq) na UFV, de 2020 a 2021, para realização desta pesquisa.
viniiimacena@gmail.com
http://lattes.cnpq.br/1703592478264130 https://orcid.org/0000-0003-2756-428X
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Global Water Dances
en Viçosa/MG: danza y activismo ambiental
Resumen
Esta investigación tuvo como objetivo analizar los impactos de las acciones de un
proyecto de extensión en danza cuya propuesta fue participar en el evento
internacional
Global Water Dances
2021 involucrando a los participantes en el
proceso de planificación, ensayos, producción y presentación , con el fin de
sensibilizar y sensibilizar sobre la importancia del agua para la preservación de la
vida. La danza fue abordada en este contexto como articuladora de la relación
cuerpo-ambiente y en su carácter político, en el sentido de posibilitar la apertura a
nuevas configuraciones sociales. A partir del análisis de los impactos de las acciones
del proyecto, la danza fue reconocida como una epistemología que posibilitó la
sensibilización y movilización social, así como la construcción de un sentido de
comunidad.
Palabras clave
:
Global Water Dances
. Danza. Agua. Preservación del medio ambiente.
Trabajo colaborativo.
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Introdução
O
Global Water Dances
(GWD) é um evento internacional que conecta e apoia
bailarinos e coreógrafos de diferentes países para conduzir uma ação global de
colaboração em torno das questões relacionadas à água. Tem como missão unir
comunidades locais e globais através de relações interpessoais, criação e
desenvolvimento de vínculos por meio da dança. A participação é aberta a
qualquer pessoa interessada em se movimentar (Site do GWD)5.
O evento internacional, realizado em 2021, aconteceu em quatro partes:
Seção I. Ritual
: Uma abertura, específica para cada local.
Seção II. Dança Local
: Está aberta à criatividade do coreógrafo. Você
pode usar música local e usar um problema local de água como tema
para sua dança.
Seção III. Dança Global
: coreografia simultânea feita por todos os artistas
em todo o mundo para a mesma peça musical, conectando participantes
e público globalmente. [...]
Seção IV. Dança Participativa
: Participação do público em uma sequência
de movimentos muito simples. Alguns sites vão ensinar os movimentos
durante o evento, enquanto em outros o público terá aprendido antes da
apresentação (Site GWD)6.
Para participação no GWD 2021, desenvolvemos projeto de extensão
universitária conduzido pelo Grupo Rascunho vinculado ao curso de Dança da
Universidade Federal de Viçosa (UFV) –, em parceria com o Instituto
Socioambiental de Viçosa (ISAVIÇOSA). Participaram do projeto estudantes do
curso de Dança e de outros cursos da UFV, cidadãos de Viçosa, ex-alunos da UFV,
assim como interessados pela causa, num total de 18 pessoas, com faixa etária de
15 a 54 anos, incluindo profissionais da dança e pessoas sem experiência prévia na
5 http://globalwaterdances.org/dances/whydance/ Acesso em: 15 mar. 2021.
6
Section I. Ritual
: An opening, specific to each site.
Section II. Local Dance
: It is open to the choreographer’s creativity. You can use locally-based music, and use a
local water issue as a theme for your dance.
Section III. Global Dance
: Simultaneous choreography done by all the performers worldwide to the same piece
of music, connecting participants and audience globally. […]
Section IV. Participatory Dance
: Audience participation in a very simple movement sequence. Some sites will
teach the moves right during the event, while at other sites the audience will have learned prior to performance.
Disponível em http://globalwaterdances.org/dances/for-choreographers/. Acesso em: 13 fev. 2023. (Esta e todas
as outras traduções realizadas neste artigo foram feitas por Juliana Carvalho Franco da Silveira).
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área7.
O projeto de extensão teve como principal proposta abordar a dança,
enquanto conhecimento corporalizado, como articuladora da relação corpo-
ambiente, em um processo de conscientização e sensibilização dos participantes
sobre a importância da água para a preservação de todas as formas de vida. Para
tanto, os participantes se envolveram nos processos de planejamento e realização
das atividades, assim como nos ensaios, produção e apresentação no evento.
Devido à pandemia de COVID-19, os encontros foram virtuais (Figura 1), pela
plataforma Zoom, do dia 16 de outubro de 2020 a 18 de junho de 2021, realizados
uma vez por semana, com duas horas de duração cada encontro. Tivemos
também três encontros presenciais na sede do ISAVIÇOSA (Figuras 2 e 3), ao ar
livre.
Figura 1 - Participantes do projeto de extensão no 1º encontro virtual
Arquivo de Juliana Carvalho Franco da Silveira
7
Lista dos participantes do projeto de extensão:
Grupo Rascunho:
Juliana Carvalho Franco da Silveira
(coordenadora), Bernardo Yukyo Takayama Colli, Hester Paes de Freitas, Marina Alves Facundo,
Vinícius Macena Santiago Fialho.
Instituto Socioambiental de Viçosa
: Pedro Christo Brandão (diretor), Felipe
Salgado de Senna (diretor), Bráulio Furtado Alvares, Daniela de Ulysséa Leal, Isabela Knup Barros, Júlia
Christo Brandão Timo, Marcela Ottomar da Silva, Uriel Laurentiz de Araujo.
Demais participantes
: Amanda
Moura Souto, Bernardo Peixoto Gandra Ferreira, Gabriela Salles Franco da Silveira, Jasmim Ferraz Barbosa
Pereira, Juliana Rodrigues Cancio, Nina Maria Alves Martins Oliveira, Vinicius Izidoro Damasceno, Vitor
Thomas Sant Amaro.
Convidados Evento dia 12/06/2021
: Alyx de Oliveira Dantas Cruz, Carolina Barros Gazal
Rangel, Gustavo Luca Lima Donato, Maria Eduarda de Carvalho Silva, Monique Pereira de Azeredo, Peterson
Dos Reis Jaffar, Júlia Dornelas Moura, Juliana Campos Costa Souza.
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Figura 2 - Encontro no Sítio Palmital (margem do açude), sede do ISAVIÇOSA
Arquivo de Juliana Carvalho Franco da Silveira
Figura 3 - Visita de integrantes do Grupo Rascunho ao Sítio Palmital
Fonte: fotografia cedida por Júlia Christo, integrante do ISAVIÇOSA
Ao longo do projeto, dedicamos o trabalho às diferentes seções do GWD, a
saber: ritual de abertura, dança local, dança global e dança participativa. Os ensaios
e filmagens para a dança local tiveram uma carga horária maior nos encontros,
pois desenvolvemos em conjunto o processo de criação da videodança Caminhos
do Ribeirão São Bartolomeu – acessível, na íntegra, no link: Caminhos do Ribeirão
São Bartolomeu (2021).
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O São Bartolomeu foi o “corpo de água” (
body of water
, como proposto pelo
GWD) abordado no projeto, enquanto campo de estudo para criação da dança
local, pois ele adentra nossos corpos, casas e o meio ambiente do entorno. A
situação de degradação desse ribeirão em Viçosa chamou a atenção dos
participantes do projeto. Além disso, Pedro Christo (informação verbal)8, um dos
diretores do ISAVIÇOSA, informou que o São Bartolomeu está 100% dentro da
cidade de Viçosa, abasteceu 100% da água da cidade e é responsável pelo
fornecimento de 100% da água da UFV. Também foi significativo saber que ações
de recuperação ambiental estão sendo realizadas em uma de suas nascentes, que
está localizada na sede do instituto socioambiental, como será exposto adiante.
Figura 4 - Imagens da videodança que mostram o Ribeirão São Bartolomeu no campus da UFV -
Arquivo de Juliana Carvalho Franco da Silveira
A pesquisa
A seguir, apresentamos a pesquisa, que teve como objetivo analisar os
impactos das ações do projeto de extensão. Para tanto, investigamos como
diferentes experiências com a dança, enquanto articuladora da relação corpo-
ambiente, impactaram o processo de conscientização e sensibilização dos
8 Informação compartilhada por Pedro, no 1º encontro virtual com os participantes do projeto GWD, realizado
em 16 out. 2020.
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participantes sobre a importância da água para a preservação de todas as formas
de vida.
Para registro dos dados produzidos ao longo do projeto, todos os encontros
virtuais semanais foram gravados em áudio e vídeo, além de termos criado
registros escritos de cada encontro, o que ajudou na organização dos dados.
Também foi aplicado formulário, enviado através do
Google Forms
, no início e no
final do projeto, com perguntas sobre os hábitos dos participantes no que tange
preservação ambiental, conhecimentos prévios a respeito da temática e
experiência anterior com a dança.
A análise dos impactos das ações do projeto foi baseada na organização,
redução e interpretação dos dados advindos dos registros mencionados acima. Os
dados foram organizados através da seleção de temas recorrentes, que emergiram
dos encontros. Após análise dos vídeos e leituras reflexivas sucessivas desse
material, surgiram os seguintes temas relacionados aos impactos: potência da
dança para o ativismo ambiental, conhecimentos sobre situação hídrica de Viçosa,
processos colaborativos e construção de comunidade. Esses temas se
transformaram em categorias de análise, as quais constituíram a base do trabalho
de interpretação dos dados e serão apresentados em tópicos no decorrer deste
artigo.
A parceria com o ISAVIÇOSA foi vital para a condução do projeto. O instituto
compartilhou, ao longo dos encontros, informações sobre a situação hídrica de
Viçosa e região, impasses de políticas públicas na cidade, práticas regenerativas
da natureza, bem como informações sobre degradações ao meio ambiente
provocadas por atividades humanas. Com essas informações, articuladas com
revisão bibliográfica sobre o tema, tivemos oportunidade de analisar aspectos do
meio em que vivemos, já que Viçosa, na Zona da Mata Mineira, é a cidade em que
a maioria de nós, envolvidos no projeto, reside.
Viçosa é abastecida pelo Ribeirão São Bartolomeu e pelo Rio Turvo Sujo. O
desenvolvimento da Universidade Federal de Viçosa parece estar intrinsecamente
ligado ao desenvolvimento e urbanização da cidade, cujo crescimento
populacional nas últimas décadas levou ao aumento da demanda por recursos
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naturais, como a água (Dias, 2010).
A condução do projeto pelo Grupo Rascunho caminhou no sentido de
agirmos como artistas/ativistas, entendendo a dança como agente transformador
do nosso coletivo. Logo, uma das principais questões desta pesquisa foi a
sensibilização promovida pelo fazer artístico da dança, integrada ao pensamento
crítico e reflexivo em torno da importância da preservação da água e do meio
ambiente.
Outro ponto que consideramos essencial na relação entre dança e
preservação ambiental é a articulação entre ética e estética. Por ser um tipo de
conhecimento sensorial, a estética pode potencializar aspectos sensíveis da
experiência e contribuir para nos conectar com questões éticas, que demandam
empatia e solidariedade.
Por isso, ao longo do desenvolvimento do projeto, consideramos, assim como
Shapiro (2016), que o ativismo estético pode ser um facilitador para a criação de
uma comunidade mais empática. Além disso, “[...] práticas pedagógicas que
utilizam o corpo e os processos estéticos como formas de compreender o mundo
e a nós mesmos podem ser um ponto de partida para educadores de dança
contribuírem para uma comunidade global mais humana, justa e amorosa”9
(Shapiro, 2016, p. 12).
Portanto, nesta pesquisa, consideramos que a “arte ativista significa a
participação da comunidade ou do público como meio de efetuar a mudança
social e promover a justiça social”10, como propõe Rosenberg (2009, p. 5 apud
Shapiro, 2016, p. 19). Em nosso contexto, a comunidade criada foi constituída pelos
participantes do projeto que, conforme mencionado acima, somam 18 pessoas de
faixa etária de 15 a 54 anos.
A seguir, apresentamos, em tópicos, os temas principais que surgiram da
9 Pedagogic practices that draw upon the body and aesthetic processes as ways of understanding the world
and ourselves can be a starting place for dance educators to contribute to a more humane, just and loving
global community.
10 Activist art means community or public participation as means of effecting social change and promoting
social justice.
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análise dos impactos das ações do projeto e que foram os principais norteadores
para o trabalho de interpretação dos dados.
Potência da dança para o ativismo
O trabalho com a dança envolveu práticas advindas da dança
contemporânea, a partir de uma abordagem somática ao movimento, e práticas
de improvisação para o processo criativo colaborativo. Investimos em aspectos
sensoriais e associamos a importância de considerar a sustentabilidade do corpo
em conexão à do planeta. Abordamos também a conexão de nossos fluidos
corporais com a água que está no ambiente.
A cada encontro, havia um momento inicial de aquecimento (conduzido por
integrantes do Grupo Rascunho) que, de um modo geral, incluía práticas de
autopercepção e sequências simples de movimentos para mobilização articular
de diferentes regiões do corpo. Em seguida, conduzíamos práticas de
improvisação, a partir de estímulos relacionados à água e aos fluidos corporais,
para desenvolver materiais coreográficos para o processo criativo colaborativo, ou
mesmo oferecíamos pequenas células de movimentos que poderiam ser usadas
na montagem.
O trabalho de autopercepção foi realizado a partir de abordagem anatômica,
cinesiológica e fisiológica do corpo. Essa abordagem visou possibilitar um
refinamento da autopercepção e facilitar uma melhor organização do corpo,
aspectos tão importantes para a saúde do movimento. Como exemplo, realizamos
uma prática inspirada em Cavalcanti (2019), para a qual sugerimos que as pessoas
mostrassem, no próprio corpo, onde se localiza a coluna vertebral.
Ao visualizarmos a percepção de cada um, notamos que, em muitos casos,
não correspondia à realidade estrutural da pessoa. Portanto, trabalhamos com
diversas práticas que promoviam o mapeamento consciente do corpo através
da mediação verbal, autotoque, automassagem, práticas de relaxamento,
alongamento e foco na respiração –, para que cada um pudesse localizar
estruturas, reconhecer tensões, prazeres, dores, entre outras sensações e
percepções que poderiam surgir. Houve ainda o convite à percepção de fluidos
corporais por meio de narrativas que traziam informações sobre onde se
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encontram, sobre suas funções etc. Abordamos, por exemplo, os fluidos
intracelular, intersticial, cerebroespinal e sinovial, plasma sanguíneo, suor, saliva,
entre outros.
Essa abordagem visou sensibilizar e, ao mesmo tempo, perturbar a aderência
cega a hábitos e modos de percepção no sentido de possibilitar abertura para
novos modos de relação com o próprio corpo e o ambiente. Nesse contexto,
consideramos que “a arte é inerentemente política, porque é uma atividade que
torna inativos, e contempla, os hábitos sensoriais e os hábitos gestuais dos seres
humanos, e, ao fazê-lo, os abre para um novo uso potencial”, como propõe
Agamben (2008, p. 204 apud Lepecki, 2012, p. 44).
Nesse cenário, valorizamos uma pedagogia crítica do corpo, pois
concordamos com Shapiro (2016) que incluir uma linguagem corporalizada na
educação em dança requer capacidade de reflexão sobre si e sobre o mundo:
Começar a incluir uma linguagem corporalizada na educação em dança
significaria mais do que alunos sentados em uma mesa aprendendo fatos
históricos ensinados de uma perspectiva ou memorizando poemas. Seria
uma pedagogia que envolvesse o aluno na reflexão crítica de seu mundo
em termos de questões de poder, controle e sensibilidade moral ou ética,
muitas delas entendidas como mediadas pela vida somática dos
indivíduos. Requer uma pedagogia crítica do corpo (Shapiro, 2016, p. 9)11.
Para o processo criativo coreográfico da dança local, trouxemos estímulos
ligados às qualidades de movimento da água e aos fluidos corporais.
Consideramos, por exemplo, que a água em seu estado líquido tem resiliência,
capacidade de se moldar e se acomodar ao ambiente, o que nos levou a explorar
a ideia de corpos líquidos (Figura 5), que se moldam e se adaptam ao ambiente
(nesse caso, nossas casas). Abordamos ainda, de modo crítico, a lógica de
consumo e descarte (Figura 6) tão presente em nossas vidas cotidianas, assim
como a poluição e degradação do Ribeirão São Bartolomeu. Levamos em conta
também as práticas regenerativas da natureza, como as realizadas e apresentadas
11 To begin to include an embodied language in dance education would mean more than students sitting at
desk learning historical facts taught from one perspective, or memorising poems. It would be a pedagogy
that involves the student in critical reflection of their world in terms of issues of power, control, and moral
or ethical sensitivity, much of these understood as mediated through the somatic lives of individuals. It calls
for a critical pedagogy of the body.
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pelo ISAVIÇOSA, enquanto abertura para novos mundos possíveis.
Figura 5 - Trecho da videodança, desenvolvido a partir da ideia de corpos líquidos
Arquivo de Juliana Carvalho Franco da Silveira
Figura 6 - Trecho da videodança com crítica à lógica de consumo e descarte
Arquivo de Juliana Carvalho Franco da Silveira
O trabalho colaborativo envolveu todos os participantes do projeto, o que foi
fundamental para nos conectarmos, assim como para possibilitar trocas de
conhecimentos e experiências. Desse modo, a concepção, o desenvolvimento e a
finalização do filme da dança local foram realizados com a participação de todos,
num processo em que fomos agregando as ideias e construindo o trabalho em
conjunto.
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Dentre as ideias sugeridas pelos participantes, temos: mostrar os caminhos
do Ribeirão São Bartolomeu dentro da cidade de Viçosa; retratar os “caminhos da
água” até a casa das pessoas com o objetivo de desnaturalizar a noção de que
a água está presente de maneira fácil e automática para a população –; e abordar
o confinamento do rio e sua aparência de esgoto ao passar por Viçosa. Discutimos
o uso individual da água, assim como sua utilização nas indústrias e no
agronegócio. Refletimos também de modo crítico sobre a lógica capitalista de
consumo e descarte.
Em relação a conhecimentos prévios de dança, o projeto envolveu dançarinos
e pessoas sem experiência na área. Em um total de 18 participantes, 13 tinham
conhecimentos prévios em dança antes do projeto. Observamos que a maioria
esteve recentemente em contato com algumas práticas. Três pessoas
dançaram, porém não estavam em prática, e três pessoas disseram não ter
nenhum contato prático prévio com a dança (dados do formulário
Google
, enviado
no início do projeto)12.
As respostas à pergunta “observou modificação na sua relação com a dança
a partir das práticas corporais conduzidas pelo Grupo Rascunho?”13 revelam
nuances do aprendizado para os envolvidos no processo. Observamos que mesmo
participantes que tinham longa trajetória na dança experienciaram novas
relações. Sobre isso, Bernardo comenta que:
Como integrante do Grupo Rascunho, a condução de diversas práticas ao
longo do projeto me trouxe uma relação mais pedagógica com a Dança.
Também, o envolvimento com a água despertou outras sensações e
percepções do corpo, do movimento e da dança, abarcando
conhecimentos somáticos, fisiológicos e artísticos. Com isso, memórias
(inclusive corporais) das vivências reverberam diariamente no meu
contato com a água e com a dança (Formulário Google)14.
De fato, tivemos oportunidade para ampliar nossa relação com a dança. O
depoimento de Jasmim também toca nesse ponto:
12 Formulário preenchido em out. 2020 pelos participantes do projeto.
13 Pergunta apresentada no
Google Forms
no final do projeto.
14 Resposta preenchida no formulário
Google
aplicado ao final do projeto, em jun. 2021.
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Minha relação com a dança se tornou ainda mais sensível. Mesmo tendo
grande experiência na área, eu me surpreendi com a interação de corpos
tão diversos por meio da dança, com diferentes bagagens. A forma com
que a videodança [criada ao longo do projeto] foi construída mostra isso,
cada corpo contribuindo de maneira individualizada num espaço coletivo.
Além disso, pude perceber o quanto é possível abraçar temáticas
importantes nas produções artísticas de maneira muito efetiva
(Formulário
Google
)15.
Gabriela compartilhou que, apesar de ter experimentado diferentes
maneiras de enxergar a dança, a abordagem a partir de uma maior percepção de
nosso corpo e de nossa presença no espaço que nos cerca possibilitou abertura
para novos entendimentos:
Acho que, por isso, passei a tomar mais consciência de certas questões,
nem sempre medidas por oitavos, mas com relação à forma como me
entendo no espaço e [a]os movimentos não intencionais que eu faço
na dança, mas também os que estão presentes no meu corpo
inconscientemente (Formulário
Google
)16.
Vinicius M. pontuou que a abordagem à dança sem julgamentos e hierarquias
impactou sua experiência:
[...] estive em um relacionamento durante o projeto com uma dança sem
julgamentos, sem hierarquia e que me valorizava enquanto ser humano.
Além disso, pude ter experiências de educação somática aplicada à dança
com práticas com conceitos trazidos para facilitar o nosso entendimento
e propor uma nova organização corporal, como ocorreu no exemplo de
biotensegridade trazido por Juliana S. (Formulário
Google
)17.
Os comentários de participantes que tinham pouco ou nenhum contato
prévio com a dança também evidenciaram contribuições interessantes na
participação do projeto.
Uriel, no formulário inicial, comentou que se sentiria desconfortável em atuar
no projeto dançando, no entanto, participou do filme de dança e, no formulário
final, compartilhou: “[...] o Grupo Rascunho auxiliou de forma excepcional [na]
minha reconexão com meu corpo, respeitando meus limites e dificuldades”
15 Resposta preenchida no formulário Google aplicado ao final do projeto, em jun. 2021.
16 Resposta preenchida no formulário Google aplicado ao final do projeto, em jun. 2021.
17 Resposta preenchida no formulário Google aplicado ao final do projeto, em jun. 2021.
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15
(Formulário Google)18.
Julia pontuou que as práticas corporais do projeto foram como “[...] um
chamado mesmo para essa reconexão com o corpo”19 e completou que o
sentimento foi de superação, pois observou que mesmo aqueles que não eram
dançarinos tiveram participação marcante no filme da dança local.
Isabela relatou: “[...] o projeto mudou muito minha relação, assim, com a
dança, com certeza, para melhor”20 e disse que espera continuar com a prática de
uma dança mais livre, intuitiva.
Nesse sentido, a inclusão de todos os participantes nas diferentes etapas do
projeto possibilitou a democratização do acesso à dança, o que colaborou para
ampliar a compreensão da própria dança e de quem pode dançar.
Amanda comentou que uma das coisas que chamou muito sua atenção foi a
possibilidade de dançar a partir de movimentos pequenos, mais gestuais, e
observar como essa composição de gestos pode formar uma sequência de
movimentos, o que considera muito potente e bonito. Disse que tinha vontade de
dançar assim, mas que nunca havia tido essa experiência, e que gostou bastante.21
O depoimento de Amanda aponta para a carga expressiva de nossos gestos,
entendidos aqui como movimentos que não se reduzem a ações, como propõe
Lima (2013). Nossos gestos são permeados por aspectos subjetivos e revelam
singularidades daquele que dança. Além disso, estão sempre relacionados com o
contexto, conforme nos lembra Launay (2013, p. 106) quando diz que “[...] é o
contexto que fornece sentido ao gesto e esse contexto está tanto em nós quanto
fora de nós, o gesto é o fruto de uma relação sempre em transformação entre um
sujeito e seu ambiente”.
No evento
Global Water Dances
em Viçosa, que realizamos via plataforma
Zoom, no dia 12 de junho de 2021, apresentamos o projeto e o filme que
18 Resposta preenchida no formulário Google aplicado ao final do projeto, em jun. 2021.
19 Depoimento gravado em 18 jun. 2021.
20 Depoimento gravado em 18 jun. 2021.
21 Depoimento gravado em 18 jun. 2021.
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produzimos em conjunto. Nesse dia, tivemos a fala de Felipe, um dos diretores do
ISAVIÇOSA, que lançou a seguinte reflexão: “qual a água que a gente está
cultivando dentro de nós mesmos?” (informação verbal)22. Comentou que
considera necessária essa reflexão para não banalizarmos o uso da água. E
completou:
Hoje, em volta do planeta Terra, nós temos aproximadamente mais de 2
bilhões de pessoas que não têm acesso à água. Então, ou seja, a cada
três pessoas [aproximadamente] em volta do planeta uma pessoa não
tem acesso à água. [...] Nós temos essa oportunidade, e qual é o valor
que nós estamos dando a isso? Qual é a relação que a gente tem com a
água? Então, a gente busca incentivar e ativar essa relação de cada um
com esse elemento, que é presente, é parte de nós, não é uma coisa que
está fora, um elemento que está ali passando, que está na torneira, no
cano, não. É um elemento que é parte do nosso ser, é parte da nossa
estrutura física, literalmente (informação verbal)23.
Após a fala de Felipe, tivemos uma prática de meditação guiada, conduzida
por Marina, cujo objetivo foi sensibilizar os participantes a prestarem atenção na
água dentro do próprio corpo, presente nos fluidos corporais, e na presença da
água no nosso cotidiano. Sobre essa prática, uma das convidadas comentou:
Quando ela falou “qual foi o primeiro contato de vocês com a água?”, eu
pensei no útero, [...], então, no momento de meditação, eu me visualizei
dentro do útero, me mexendo dentro daquela água. E aí, quando ela falou
“molhe a testa”, e me lembrou um negócio que [se] faz com o bebê,
quando você molha a testa, quando o bebê está com soluço. E foi me
dando isso, e, quando ela falou “molha o pescoço”, eu lembrei de, tipo
assim, eu tomando banho na banheira e minha mãe passando a mão,
assim, no pescocinho gordinho, para limpar. E eu fiquei em choque,
porque uma simples pergunta que ela fez me trouxe esse sentimento de
retrospectiva, de introspecção e, como apareceu no vídeo, vocês falaram
várias vezes “a água é vida”, eu achei que isso é bastante significativo
(informação verbal) 24.
A fala de Maria Eduarda evidencia o sentido da água em nossas vidas para
além da necessidade fisiológica, pois é um elemento que nos provoca memórias
afetivas de experiências que nos constituem. Ela compartilhou também que
22 Depoimento gravado na Confraternização GWD com os participantes do projeto GWD e convidados, em 12
jun. 2021.
23 Depoimento gravado no evento Confraternização GWD, em 12 jun. 2021.
24 Depoimento de Maria Eduarda de Carvalho Silva na Confraternização GWD com os participantes do projeto
GWD e convidados, em 12 jun. 2021.
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considerou significativo ver imagens do GWD em vários países junto a imagens de
Viçosa, o que mostrou a importância de ocuparmos os espaços que estão aí.
No final desse evento, após realizarmos a dança participativa conduzida por
Hester –, com todos os presentes, convidamos os participantes a se manifestarem
sobre o projeto. As pessoas destacaram que fortaleceram relações pessoais e que
conheceram pessoas de diferentes regiões do Brasil e do mundo, cada um com
sua história, mas todos juntos por uma mesma causa. Sentiram aproximação da
dança com a própria vida e gostaram de vivenciar diferentes formas de
experienciar o corpo. Sentiram acolhimento e ampliaram o desejo de encontros
presenciais (estávamos online devido à pandemia).
Houve reconhecimento de que, muitas vezes, sentimo-nos pouco implicados,
pouco responsáveis pelas questões ambientais. Monique, que morou por quatro
anos no Amazonas, lembrou da relação dos povos indígenas com a água, que é
muito diferente da que temos hoje, em geral, nas cidades. Sobre o encontro, a
participante compartilhou que sentiu que veio à tona a percepção da água como
uma presença constante e indissociável da vida.
Logo, ao longo do projeto, sentimos a capacidade da dança de revelar as
linhas de força de determinado contexto social e sua particular força crítica,
aspectos ressaltados por André Lepecki, quando diz:
De fato, a capacidade imanente da dança de teorizar o contexto social
onde emerge, de o interpelar e de revelar as linhas de força que
distribuem as possibilidades (energéticas, políticas) de mobilização, de
participação, de ativação, bem como de passividade traria para essa arte
uma particular força crítica. Pode-se dizer assim que, para além daqueles
traços que partilharia com a política (a efemeridade, a precariedade, a
identificação entre produto do trabalho e ação em si, a redistribuição de
hábitos e gestos, o aumento de potências), a dança operaria também
como uma epistemologia ativa da política em contexto (Lepecki, 2012. p.
45-46).
Lepecki (2012) ressalta ainda, conforme apontam Hewitt (2005) e Martin
(1998), que a coreografia não deve ser entendida como metáfora da política, o que
reverbera em nosso entendimento da dança no contexto do projeto. Nesse
sentido, a dança foi abordada por nós como uma epistemologia em contexto, que
articulou a relação corpo-ambiente em seus aspectos artísticos, políticos e sociais.
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Conhecimento sobre a situação hídrica local em conexão com
a situação global
O fato de desenvolvermos um trabalho interdisciplinar, que envolveu artistas,
ativistas ambientais e pessoas da comunidade, foi determinante para a conexão
das práticas artísticas com questões relacionadas ao meio ambiente.
Um ponto central que nos atravessou ao longo do projeto foi o impacto
destrutivo de ações humanas na natureza. Tal impacto e a incapacidade de
compreender e encontrar soluções para os graves riscos que corremos e
provocamos ao planeta tem sido nomeado de Antropoceno.
Quilici, Okamoto e Moraes (2021, p. 1) entendem Antropoceno como “uma
nova era geológica marcada pela ação humana e seu impacto destrutivo na
natureza, especialmente a partir da Revolução Industrial”. Os autores lançam
perguntas desconcertantes:
Como compreender e superar a incapacidade humana, especialmente
dos poderes constituídos, de agir com eficiência e celeridade no
enfrentamento dos graves riscos que corremos? Qual o papel das artes
performativas na crítica e desconstrução dos mecanismos de denegação
da crise e nossas contribuições para o processo de reinvenção das
formas hegemônicas de vida, incluindo o diálogo com outras culturas e
modos de existência? (Quilici; Okamoto; Moraes, 2021, p. 1-2).
Rios Neto (2021) comenta que a humanidade enfrenta sua primeira crise de
alcance planetário e que o Antropoceno tem sido considerado como mais um dos
processos de extinção em massa que a Terra teve no passado, devido à acentuada
e acelerada perda da biodiversidade.
Na contemporaneidade, de fato, testemunhamos diversos processos de
destruição ambiental. Conhecer a situação de degradação do Ribeirão São
Bartolomeu em Viçosa nos impactou, ainda mais sabendo que a cidade enfrentou,
por diversas vezes, crises hídricas e que, segundo Viana
et al
. (2019), as previsões
para os próximos anos não são otimistas.
também outras questões que se entrelaçam para possíveis problemas
hídricos dentro do município, como observa Uriel, do ISAVIÇOSA, no segundo
encontro do projeto.
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Entre elas, o desmatamento das matas ciliares, a erosão na zona rural,
erosão do solo, a falta de planejamento das estradas tanto as
asfaltadas como as rurais , o desmatamento da cobertura vegetal não
na mata ciliar, mas também nas outras áreas , [...] a disposição
do lixo e a falta do planejamento das atividades agrícolas (informação
verbal)25.
Como reação ao cenário de degradação ambiental, o ISAVIÇOSA atua desde
2007 para garantir a preservação de água potável em Viçosa. Desenvolve práticas
de educação ambiental e de recuperação da natureza, como o plantio de água26,
além de alternativas ecológicas de uso sustentável dos recursos naturais, visando
à conservação do solo, da mata ciliar e da água na região das nascentes do Ribeirão
São Bartolomeu (informação verbal)27.
Gabriela, participante mais jovem do projeto 15 anos de idade em 2020 –,
reflete sobre seu aprendizado:
Obtive muitas informações acerca do abastecimento de água em Viçosa
e achei muito incrível como tudo está interligado, e até a menor nascente
faz parte de todo um sistema que abastece um município inteiro e,
indiretamente, impacta muitos outros. Aprendi bastante sobre os
caminhos do Rio São Bartolomeu e de como é de extrema importância
nos conscientizarmos acerca da maneira que ele vem sendo tratado, para
que, ao invés de lamentarmos tantos problemas, pensarmos em formas
de resolvê-los a partir da raiz, a um mais longo prazo. Também acabei
assemelhando esses aprendizados e os aplicando em outros contextos
parecidos, como os que eu vejo na cidade onde moro (informação
verbal)28.
Ao analisar os dados do formulário
Google
, enviado para preenchimento no
final do projeto, foi significativo observar as respostas à pergunta: “Conheceu ações
sustentáveis em Viçosa ao participar do projeto? Quais?”. Dos 13 respondentes,
todos informaram que conheceram ações sustentáveis em Viçosa a partir do
projeto, e todas as respostas incluíram conhecimentos compartilhados pelos
integrantes do ISAVIÇOSA.
25 Depoimento gravado no 2º encontro virtual com os participantes do projeto GWD, em 30 out. 2020.
26 O plantio de água” é uma técnica utilizada para captação de água de chuva, que, ao invés de escoar,
possibilita a infiltração da água no solo (informação verbal compartilhada por Bráulio no encontro virtual
com os participantes do projeto GWD, em 16 out. 2020).
27 Depoimento gravado no 1º encontro virtual com os participantes do projeto GWD, em 16 out. 2020.
28 Depoimento registrado no formulário Google preenchido no final do projeto, em jun. 2021.
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Dentre as ações sustentáveis citadas pelos participantes estão: projeto
Microbacia Escola29, plantio de água, recuperação de nascentes e de áreas
degradadas, atuação para criação da Área de Proteção Ambiental (APA) São
Bartolomeu, reflorestamento e reutilização de água todos projetos e ações
desenvolvidos pelo instituto. As respostas incluíram ainda a atuação do Grupo
Rascunho e a própria experiência no projeto como formas de fomento a ações
sustentáveis. Outras ações sustentáveis mencionadas foram as de catadores de
lixo e da ACAT (Associação dos Catadores de material reciclável de Viçosa).30
Logo, identificamos impactos significativos nos participantes do projeto, pois
a maioria não sabia como é o abastecimento de água da cidade, de onde vem a
água, como ela chega nas residências nem mesmo que a água das represas da
UFV vem do São Bartolomeu. Aprendemos também sobre práticas regenerativas
da natureza, assim como refletimos sobre o modo que nossos hábitos de
consumo e alimentação podem impactar no meio ambiente.
Em relação aos aprendizados, Uriel compartilhou que mudou sua forma de
ver e observar a água. Disse que treinou a visão ao realizar uma das tarefas
sugeridas no projeto, que era registrar a água em áudio e vídeo. Contou que, em
dias de chuva, saía para ver a água pingar e para observar as formas que ela
tomava sobre um lago, uma folha; e se atentou também para os sons. “E tudo isso
aí, acho que, através desse projeto, que teve a água como um tema central,
contribuiu para mudar essa forma de ver – não é? –, de sentir, [...] as formas e os
sons” (informação verbal)31.
Outro aspecto observado foi que construímos um sentido de comunidade
entre os participantes do projeto, o que foi potencializado pelos
compartilhamentos de conhecimentos, trabalho colaborativo e criações em dança.
O sentimento de pertencimento a um grupo social nos sensibilizou para agir com
29 O Microbacia Escola é um projeto que promove atividades sociais de educação ambiental com o olhar para
práticas regenerativas da natureza, envolvendo grupos de escolas que incluem professores, alunos do ensino
básico e estudantes universitários. Ocorre na maioria das vezes no tio Palmital, sede do instituto
socioambiental.
30 Respostas que constam do formulário
Google
preenchido no final do projeto, em jun. 2021.
31 Depoimento gravado em 18 jun. 2021.
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mais respeito ao meio ambiente, como será detalhado a seguir.
Colaboração e construção de um sentido de comunidade
A colaboração e o suporte mútuo foram aspectos centrais do trabalho
desenvolvido no projeto. Criamos um ambiente em que houve aprendizado a partir
da troca de experiências. Nosso método de trabalho tem pontos em comum com
o que Richmond e Bird (2020) descrevem como “abordagem centrada no aluno”,
pois valorizamos a experiência individual e a autodescoberta, além de cocriação,
participação ativa e colaboração em um ambiente democrático e solidário.
A validação da experiência individual permite o desenvolvimento de
habilidades de pensamento crítico necessárias (Burnidge, 2012) que
aumentam as habilidades de desempenho ao poder investigar, questionar
e discutir os próprios pensamentos e sentimentos (Raman, 2009)
(Richmond; Bird, 2020, p. 136)32.
Logo, os trabalhos foram conduzidos de modo a priorizar a socialização,
assim como os sentimentos de inclusão e de ser com o outro. Os trabalhos
colaborativos envolveram estudantes e profissionais de diversas áreas, portanto,
dependendo da atividade desenvolvida, diferentes pessoas assumiram a condução
dos trabalhos, como facilitadores. Aulas de dança foram conduzidas pelos
integrantes do Grupo Rascunho, palestras sobre a situação hídrica de Viçosa foram
realizadas por integrantes do ISAVIÇOSA, habilidades para edição de vídeo, entre
outras, foram compartilhadas por diferentes participantes.
32 The validation of individual experience allows for the development of necessary critical thinking skills
(Burnidge, 2012) which increase performance abilities by being able to investigate, question and discuss ones
own thoughts and feelings (Raman, 2009)”.
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Figura 7 - Momento de socialização dos participantes no contexto das filmagens
Arquivo de Juliana Carvalho Franco da Silveira
No dia de encerramento do projeto, perguntamos: “como foi trabalhar com
processos colaborativos?". Uriel respondeu que, desde que chegou em Viçosa,
esteve envolvido em projetos colaborativos e que, em alguns casos (quando havia
muitos professores e pessoas formadas), era comum que se delegasse muito
serviço para estagiários e estudantes; por isso, notava uma falta de organização.
Mas, no contexto do projeto, sentiu que a organização proposta pelo Grupo
Rascunho colaborou para que houvesse uma distribuição de tarefas, o que deixou
o trabalho mais leve.
Vinícius M. pontuou sobre como foi ver o perfil de cada participante e sua
respectiva colaboração dentro do trabalho. Comentou que “por isso, acho muito
interessante você se sentir protagonista, se sentir importante, e não estar
recebendo passivamente, mas você pode ter a chance de falar” (informação
verbal)33.
Juliana C. pontuou sobre aprendizagem e diversidade no trabalho
colaborativo:
Acho bom sempre trabalhar dessa forma, acho que o grupo cresce desse
jeito, dessa forma colaborativa; o coletivo fica mais potente, a gente
consegue incluir mais informações e também consegue aprender mais.
Esse grupo é muito diverso, são várias áreas, são várias idades, várias
experiências diferentes, e quanto mais pessoas falarem, mais a gente
33 Depoimento gravado em 18 jun. 2021.
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vai aprendendo também (informação verbal)34.
Amanda35 comentou que, em contraste com ambientes que estimulam a
competição e o individualismo, o trabalho colaborativo pode contribuir para
humanizar as pessoas.
Ao refletir sobre o sentido da cooperação, foi muito significativo observar
como o biólogo chileno Humberto Maturana ressalta a importância de resgatarmos
aspectos essenciais da história evolutiva humana, como o cuidado mútuo e o
amor. Segundo Maturana (1985, p. 223), “a origem antropológica do
Homo sapiens
não se deu através da competição, mas sim através da cooperação, e a
cooperação só pode se dar como uma atividade espontânea através da aceitação
mútua, isto é, através do amor”. Importante esclarecer que Maturana propõe um
sentido bem específico para a palavra amor, que, como observa Rios Neto (2021),
está relacionado à noção de cuidado mútuo e não à conotação cristã ou romântica.
Maturana (2014, p. 221) considera que “o amor consiste na abertura de um espaço
de existência para um outro em coexistência conosco, em um domínio particular
de interações”, e completa:
Finalmente, o amor é a fonte da socialização humana, e não o resultado
dela, e qualquer coisa que destrói o amor, qualquer coisa que destrói a
congruência estrutural que ele implica, destrói a socialização. A
socialização é o resultado do operar no amor, e ocorre somente no
domínio em que o amor ocorre (Maturana, 1985, p. 221).
Nossa experiência em trabalhar com a dança através do cuidado mútuo e da
cooperação fortaleceu os laços entre os participantes. Assim como Houston (2008,
p. 13 apud Richmond; Bird, 2020, p. 139)36, notamos que a valorização do
“pertencimento coletivo do trabalho de dança, [de] igualdade de oportunidades
para dançar, [e da] inclusão de participantes de diversas origens e habilidades”
contribuiu para o trabalho colaborativo.
34 Depoimento gravado em 18 jun. 2021.
35 Depoimento gravado em 18 jun. 2021.
36 collective ownership of the dance work, equal opportunity to dance, [and] inclusion of participants from
diverse backgrounds and abilities.
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Também reconhecemos que precisamos continuar na busca por caminhos
para agir por meio de nosso trabalho como artistas, pois
[...] precisamos continuar a pensar criticamente, nos engajar em um
diálogo de resistência e solidariedade, apelar para nossas experiências
vividas e encontrar caminhos para agir por meio de nossa arte, de
maneiras que se manifestem e encontrem pontos em comum para
resistir a situações opressivas e prejudiciais. Tudo isso nos leva a invocar
nossos poderes de conexão além-fronteiras, a desenvolver comunidades
compassivas e resistentes, e a agir por meio de nosso trabalho como
artistas e professores no espírito de amor e justiça (Shapiro, 2016, p. 31)37.
Outro aspecto que fortaleceu o sentido de comunidade foi a proposta do
GWD de conexão do grupo de participantes locais com aqueles de diversas outras
localidades espalhadas pelo mundo. Observamos que essa conexão pode ser um
aspecto significativo para fortalecer nossas reivindicações relacionadas à
preservação da água, pois sabemos que o planeta Terra é um organismo vivo e
temos ciência de que o que ocorre em uma região afeta outras localidades, assim
como o que acontece ao planeta reverbera nos corpos.
Muitas vezes, sentimos certa impotência diante da destruição da natureza e
percebemos a dificuldade de uma real mobilização da população em defesa da
ecologia. Na ocasião do encerramento do projeto, ao avaliarmos as propostas
desenvolvidas, Marina (informação verbal)38 comentou que ficou feliz em conhecer
sobre o Ribeirão São Bartolomeu e, ao mesmo tempo, ficou muito incomodada
pela sensação de não conseguir fazer nada para mudar a situação de poluição do
ribeirão, mesmo entendendo que é possível um trabalho de conscientização. Em
seguida, Julia refletiu sobre questões levantadas por Marina, quando disse que:
[...] esse projeto pode ser um início de um movimento maior, de expansão
mesmo de todo esse estudo e esse cuidado que a gente precisa ter para
o município mesmo de Viçosa; e expandir isso. Então, assim, eu vejo que
nesse sentido foi uma reafirmação mesmo da importância desse trabalho
que está sendo feito aqui nas nascentes, assim, que a gente começou
aqui no ISAVIÇOSA. Mas de forma que isso possa se expandir pro
37 […] we need to continue to think critically, engage in a dialogue of resistance and solidarity, call upon our
lived experiences and find avenues to act through our art in ways that speak out and find commonalities to
resist oppressive and harmful situations. All of this brings us to call upon our powers of connection across
borders, to develop compassionate as well resisting communities, and to act through our work as artists
and teachers in the spirit of love and justice.
38 Depoimento gravado em 18 jun. 2021.
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município todo e mobilizar mesmo as pessoas, não é? Você que
esse grupo aqui como que já foi tocado, não é? (informação verbal)39.
Julia comentou também que a participação no projeto impactou sua relação
com o plantio de água, uma prática desenvolvida pelo ISAVIÇOSA. Disse que se
aproximou muito mais das nascentes e dos espaços que estavam sendo
trabalhados pelo instituto. Ao perceber isso, teve outro entendimento, conseguiu
visualizar que eles têm um canteiro de água, água nascendo, sendo cultivada e
cuidada, o que afeta todo um ecossistema que se forma no entorno.
Outro ponto destacado em nossa conversa final foi a importância da
sensibilização das pessoas para as causas ambientais. Sobre isso, Uriel comentou:
“a Marina tinha falado, não é, que sente impotência, de não poder fazer... Mas, às
vezes, até quem está na área ambiental também sente isso. Eu falo isso por
experiência própria [...]” (informação verbal)40. Comentou que, às vezes, está no
ISAVIÇOSA, trabalhando, mas quando olha para fora dali, ao redor, sente um
impacto. Disse que, no começo do projeto, questionava a proposta de a dança
abordar a questão da água, mas que, com o tempo, observou como a
sensibilização é importante:
Eu vi que o caminho é o indivíduo mesmo. Então essa sensibilização que
o projeto trouxe, eu acho que qualquer um que for ver o vídeo vai sentir,
entendeu? Eu acho que isso daí é o caminho mesmo [...] tudo depende
das pessoas que estão ali. Então essa sensibilização é muito mais
importante [...] com essa sensibilização das pessoas, a gente consegue
alcançar outros patamares. Então mudou muito a minha visão também
por toda essa parte social de sensibilização artística e é isso (informação
verbal)41.
Vitor comentou que estamos plantando uma ideia e que essa ideia pode
crescer e ser aplicada também dentro de sala de aula:
E muito do que eu aprendi aqui eu vejo que pode ser facilmente aplicado
dentro de sala de aula, sabe? Trazer essa sensibilização, porque,
infelizmente, a didática que é usada para, por exemplo, tratar de bacias
hidrográficas, que é um conteúdo dentro da Geografia, é uma coisa assim:
“ah, a gente tem a nascente, a gente tem o leito do rio que é toda
extensão que vai até às margens , a gente tem a foz que é onde o rio
39 Depoimento gravado em 18 jun. 2021.
40 Depoimento gravado em 18 jun. 2021.
41 Depoimento gravado em 18 jun. 2021.
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deságua , e a gente tem os oceanos”. Não! Sabe? Acho que não é assim.
Entende? Acho que quando a gente sensibiliza, a gente atrai mais para
um conteúdo, no caso, bacias hidrográficas, por exemplo. Mas a
sensibilização, ela atrai mais, não é? Ela chama mais atenção, ela conecta
o corpo, a mente da pessoa, assim, os sentidos dela à água, que é o que
a gente está trabalhando aqui (informação verbal)42.
Outro aspecto trazido por Vitor foi a importância da continuidade das ações
do projeto, o que ressoou em várias falas dos participantes. Ele continuou:
Eu, de verdade, queria estar participando da continuidade do projeto da
dança local em Viçosa, sabe? Não sei se todo mundo está nessa mesma
vibe, assim, mas é um negócio que nasceu em mim e nasce junto com
uma outra coisa, não é, de continuar a ter práticas de dança mesmo
assim [...] (informação verbal)43.
Assim como Vitor, consideramos que a continuidade das ações do projeto é
vital para possibilitar mudanças mais duradouras. Nesse sentido, a coordenadora
do projeto participou do Programa Educacional
Global Water Dan
ces, em 2022, e
do Global Water Dances 2023, o que será tema de futuras publicações.
Considerações finais
Ao longo do projeto, observamos que a dança, enquanto conhecimento
corporalizado, foi uma epistemologia que promoveu autotransformação e
possibilitou novas configurações sociais, pois despertou as pessoas para o
autoconhecimento e criou aberturas para relações mais sensíveis com os outros
e o meio ambiente.
Identificamos também que a participação no
Global Water Dances
2021
proporcionou aos envolvidos em nosso projeto um sentido de comunidade local e
global. Houve ainda ampliação dos conhecimentos sobre a situação hídrica de
Viçosa e sobre práticas regenerativas da natureza, o que foi potencializado pela
presença de integrantes do ISAVIÇOSA. Mais um aspecto observado foi a
conscientização sobre a relação da água com hábitos de consumo e alimentação.
Finalizado o projeto, à medida em que as pessoas seguem suas vidas, sujeitas
42 Depoimento gravado em 18 jun. 2021.
43 Depoimento gravado em 18 jun. 2021.
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a muitas demandas e informações alienantes, alguns impactos imediatos do
processo podem ser perdidos. No entanto, como comenta Shapiro (2016), uma vez
que questões são colocadas e conexões são feitas, permanece um conhecimento
corporalizado que tem poder transformador. Nesse sentido, cada participante
pode se tornar um agente propagador de ideias em defesa do meio ambiente,
aspecto que consideramos essencial, pois entendemos que grandes mudanças
podem começar a partir das relações interpessoais.
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Juliana Carvalho Franco da Silveira | Vinicius Macena Santiago Fialho
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Recebido em: 02/12/2022
Aprovado em: 03/09/2023
Universidade do Estado de Santa Catarina
UDESC
Programa de Pós-Graduação em Teatro
PPGT
Centro de Arte CEART
Urdimento
Revista de Estudos em Artes Cênicas
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