Teatro de Quermesse
Grácia Maria Navarro
Florianópolis, v.1, n.46, p.1-31, abr. 2023
se dividem e refletem na poética o ponto de vista do artista, proponente da obra
de arte autoral.
O Teatro de Quermesse aqui proposto se faz na encruzilhada de corpo,
história passada e história presente, articulando espaço geográfico com cena,
patrimônio material da arquitetura da cidade com patrimônio imaterial
reverberado nos corpos e corpas em gestual de memória alavancado pelo retorno
mítico impulsionado pela memória comum da quermesse, contornada de
bandeirinhas, sons e fogo. Fazemos baile, cortejo e números artísticos,
literalmente nas encruzilhadas da cidade, dos sentidos, dos tempos, dos corpos e
dos Brasis.
A encruzilhada, locus tangencial, é aqui assinalada como instância
simbólica e metonímica da qual se processam vias diversas de
elaborações discursivas, motivadas pelos próprios discursos que a
coabitam. Da esfera do rito e, portanto, da
performance
, é lugar radial de
centramento e descentramento, interseções e desvios, texto e traduções,
confluências e alterações, influências e divergências, fusões e rupturas,
multiplicidade e convergência, unidade e pluralidade, origem e
disseminação. Operadora de linguagens e de discursos, a encruzilhada,
como um lugar terceiro, é geratriz de produção sígnica diversificada e,
portanto, de sentidos. Nessa via de elaboração, as noções de sujeito
híbrido, mestiço e liminar, articuladas pela crítica pós-colonial, podem ser
pensadas como indicativas dos efeitos de processos e cruzamentos
discursivos diversos, intertextuais e interculturais (Martins, 1997, p.28).
O conceito de encruzilhadas, sintetizado por Leda Martins em “Afrografias da
memória” (1997), a partir de elaborações discursivas e filosóficas africanas, é uma
referência para essa ação artística que se quer em um “terceiro lugar” (Martins,
1997, p. 28). O marco zero da cidade é, para o teatro que aqui propomos,
encruzilhada de corpos, cultura popular, patrimônios materiais e imateriais, que
põe em contato o açúcar, o café, o passado, o presente, o largo do Carmo, da
Cadeia, do Pelourinho, do Capim, do Mercadinho, o córrego Tanquinho, as festas
juninas de ontem e de hoje, os vivos (nós) os mortos (Carlos Gomes e os artistas
evocados no mastro dos artistas). Encruzilhada esta que vibra todo o inferno e céu
que a colonização exploratória e o mercado de escravos em escala industrial,
deixaram como marca da cidade, do estado, do Brasil, da América Latina.
Buscamos esse lugar de encruzamentos e intersecções para o processo de
concepção da ação artística. O procuramos também nas linguagens artísticas,