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Uma cena que (se)
desplaza
: experiências
poéticas e políticas do Mapa Teatro
Paola Lopes Zamariola
Para citar este artigo:
ZAMARIOLA, Paola Lopes. Uma cena que (se)
desplaza
:
experiências poéticas e políticas do Mapa Teatro.
Urdimento
Revista de Estudos em Artes Cênicas,
Florianópolis, v. 3, n. 45, dez. 2022.
DOI: http:/dx.doi.org/10.5965/1414573103452022e0204
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: experiências poéticas e políticas do Mapa Teatro
Paola Lopes Zamariola
Florianópolis, v.3, n.45, p.1-24, dez. 2022
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Uma cena que (se)
desplaza
1
: experiências poéticas e políticas do
Mapa Teatro
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Paola Lopes Zamariola
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Resumo
O presente texto debate experiências poéticas e políticas desenvolvidas pelo grupo
colombiano Mapa Teatro nas quais o espaço se apresenta como elemento disruptivo
e produtor de
desplazamientos
. Ao fazer uso da noção de
desplazamiento
, o artigo
busca colocar em evidência as múltiplas reconfigurações perceptivas produzidas em
proposições como as envolvidas em projetos como
C'úndua e Anatomia de la
violencia en Colombia
. Como fator comum, através das distintas espacialidades
articuladas, tais criações possibilitam a desarticulação, mesmo que temporária, de
determinadas estruturas ligadas aos impactos produzidos pelas diferentes formas
de violência a que os territórios nomeados como América Latina seguem sujeitos.
Palavras-chave
: Colômbia.
Desplazamiento
. Espaço. Mapa Teatro.
A scene that
desplaza
(itself): Mapa Teatro's poetic and political
experiences
Abstract
The present text discusses poetic and political experiences developed by the
Colombian group Mapa Teatro in which space presents itself as a disruptive element
and producer of
desplazamientos
. By making use of the notion of
desplazamiento
,
the article seeks to put in evidence the multiple perceptual reconfigurations
produced in propositions such as those involved in projects like
C'úndua and
Anatomia de la violencia en Colombia
. As a common factor, through the different
articulated spatialities, such creations enable the disarticulation, even if temporary,
of certain structures linked to the impacts produced by the different forms of
violence to which the territories named as Latin America are subjected.
Keywords
: Colômbia.
Desplazamiento
. Space. Mapa Teatro.
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Revisão ortográfica, gramatical e contextual do artigo realizada por Gabriel Dória Rachwal. Doutor em Letras
pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Graduando em Artes Cênicas na Universidade Estadual do
Paraná (UNESPAR). gdoriarachwal@gmail.com
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Artigo elaborado a partir das pesquisas desenvolvidas para a tese
Desplazamientos desde abajo: contextos
de investigação e criação das cenas latino-americanas contemporâneas
(Zamariola, 2021). O estudo contou
com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo.
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Doutorado, mestrado e graduação em Artes Cênicas pela Universidade de São Paulo (USP). Especialização
em Práctica Escénica y Cultura Visual no Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofia (MNCARS), e em Artes
Visuais pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Professora colaboradora da Universidade
Estadual do Paraná (UNESPAR). Investiga a cena latino-americana contemporânea, com ênfase para projetos
que envolvem práticas artísticas e pedagógicas. paola.lopes.zamariola@gmail.com
http://lattes.cnpq.br/4533748928651270 https://orcid.org/0000-0003-2254-5389
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Una escena que (se) desplaza: experiencias poéticas y políticas de
Mapa Teatro
Resumen
El presente texto aborda las experiencias poéticas y políticas desarrolladas por el
grupo colombiano Mapa Teatro en las cuales el espacio se presenta como elemento
disruptivo y productor de desplazamientos. Haciendo uso de la noción de
desplazamiento, el artículo busca poner en evidencia las múltiples reconfiguraciones
perceptuales que se producen en propuestas como las involucradas en proyectos
como
C'úndua y Anatomía de la violencia en Colombia
. Como factor común, a través
de las diferentes espacialidades articuladas, tales creaciones permiten la
desarticulación, aunque temporaria, de ciertas estructuras vinculadas a los impactos
producidos por las diferentes formas de violencia a las que están sometidos los
territorios nombrados como América Latina.
Palabras-clave: Colombia. Desplazamiento. Espacio. Mapa Teatro.
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Uma cena que (se)
desplaza
Desde de sua criação em 1984, momento no qual os irmãos suiço-colombianos
Heidi Abderhalden e Rolf Abderhalden finalizam uma formação com Jacques Lecoq
em Paris, o Mapa Teatro carrega o termo “laboratório de artistas” como parte de
sua identidade. Sediados na cidade de Bogotá a partir de 1987, umas das fortes
marcas do grupo é a abertura ao experimentalismo, onde o
desplazamiento
se
apresenta como um modo de criação e fruição.
Através da noção de desplazamiento, busca-se colocar em evidência as
múltiplas reconfigurações perceptivas produzidas por experiências que almejam
desarticular, mesmo que temporariamente, determinadas estruturas ligadas aos
impactos das distintas formas de violência a que os territórios nomeados como
América Latina seguem sujeitos. Cabe aqui destacar o fato de tais proposições se
dedicarem, principalmente, a temáticas que possibilitem a problematização dos
conflitos de um contexto composto
por uma população cuja maioria é sistematicamente explorada por uma
minoria. Com apoio de uma parcela dessa população explorada, formam-
se governos que odeiam trabalhadores/as, negros/as e indígenas; e
negligenciam sistematicamente a universidade, a cultura e a arte, quando
estas são pensadas para todos/as. A este tipo de poder de Estado
correspondem espaços sociais homogeneizados dos quais se busca
eliminar os corpos contestadores (Lima; Baumgärtel, 2020, p.06).
Com o desejo de produzir desvios, interferências e mudanças em tal lógica,
uma significativa parte das práticas artísticas e sociais latino-americanas elaboram
dispositivos in/ter/trans/disciplinares nos quais o espaço se apresenta como um
elemento disruptivo que não pode "ser produzido e mantido sem a participação
ativa de uma comunidade, sem a articulação relacional de corpos em interação
numa configuração espacial ativa e produtiva" (Lima; Baumgärtel, 2020, p.06).
No caso específico do Mapa Teatro, através das diferentes espacialidades
investigadas e dos distintos
desplazamientos
produzidos, o grupo convida os que
participam de seus processos e criações a serem parte de um "acontecimiento
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artístico que potencie la dimensión simbólica de una circunstancia de la vida,
respetando su ritmo orgánico, su manera de relatarse y hacerse imaginario
colectivo" (Castañeda, 2014, p.125). É por meio dessa singular perspectiva poética e
política que os artistas realizam laboratórios de imaginário social, nos quais se
dedicam a
orientar y articular sensibilidades, artísticas y no artísticas, en la gestación
de una experiencia humana colectiva: un puente entre individuos y
pequeños colectivos y un grupo de artistas y profesionales de otras
disciplinas para la creación temporal de una comunidad experimental. [...]
Como un pequeño laboratorio del imaginario social: un laboratorio de
construcción y reconstrucción de imágenes y relatos (Abderhalden, 2007,
p. 79).
O termo “laboratório de imaginário social” é utilizado pelo Mapa Teatro devido
à inspiração produzida pela leitura de um dos escritos do dramaturgo alemão Heiner
Müller (1929-1995), no qual menciona o conceito desenvolvido pelo filósofo alemão
Wolfgang Heise (1925-1987), em que aborda o teatro como um laboratório de
fantasia social em potencial. A respeito dos debates ligados ao conceito de
laboratório de imaginário social, Heiner Müller declara que se a "política é a arte do
possível, a arte tem a ver com o impossível" (Müller apud Galisi, 1996, p.112). Nesse
mesmo sentido, Wolfgang Heise afirma que o impossível começa no momento em
que um "processo altamente complexo, inacabado, da vida histórica deve aparecer
em cena nas ações de um pequeno número de personagens como fragmento
isolado" (Heise apud Galisi, 1996, p. 112).
Como parte dos laboratórios de imaginários sociais desenvolvidos, o Mapa
Teatro reconfigurou o horizonte do possível do contexto bogotano em diversas
iniciativas levadas à cabo, como é o caso do espetáculo
Horacio
(1993), criado ao
longo de aproximadamente um ano com um grupo de internos do
La Picota
, uma
das penitenciárias de segurança máxima de Bogotá. O projeto, desenvolvido em um
momento de intensas disputas relacionadas ao narcotráfico na Colômbia, se inspira
na obra de Heiner Müller para, coletivamente, criar "figuras temporales - fugitivas -
en el espacio que tensaba entre teatralidad y performatividad. Disparaban
sonidos/sentidos con sus voces, y producían, con sus gestos, imágenes de un acto
poético/político" (Abderhalden, 2018, p. 434).
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Desplazando
o estabelecido como impossível, após longas negociações, nos
dias 10 de dezembro de 1993
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e 22 de abril de 1994
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, oito de seus nove criadores,
acompanhados de duzentos policiais e agentes penitenciários, são autorizados a
saírem do centro de detenção para se apresentarem no Teatro Camarín del Carmen,
localizado no centro histórico de Bogotá. Assim como havia idealizado Heiner Müller,
os condenados têm nesta intervenção a possibilidade de indagar sua
pólis
se
Horácio - que, apesar de vencer a guerra, matou a irmã - deveria ser chamado, na
posteridade, de “herói” ou de “assassino” (ver Figura 1), colocando em relevo o ponto
de vista do "victimario antes que en la víctima. Un problema radical en las disputas
por la memoria en Colombia" (Castañeda, 2014, p. 122).
Figura 1 - Horacio, Mapa Teatro (1993)
Acervo: Mapa Teatro.
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No contexto do Dia Internacional dos Direitos Humanos.
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Na ocasião do IV Festival Iberoamericano de Teatro de Bogotá.
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Outros
desplazamientos
também estiveram presentes no projeto
C'úndua
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,
que articulou diferentes experiências artísticas realizadas durante o processo de
desapropriação de uma significativa parte do bairro Santa Inés. A região conhecida
como
El Cartucho
seria demolida para a construção do parque
Metropolitano Tercer
Milenio
, em nome de uma pretensa renovação urbana. Formada prioritariamente
por edifícios republicanos abandonados e convertidos em cortiços, essa área era o
local de moradia </