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Sensorialidade no espaço cênico:
Vestido de Noiva
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Roda Viva
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Trate-me Leão
Delano Delfino
Cêça Guimaraens
Weber Schimiti
Para citar este artigo:
DELFINO, Delano; GUIMARAENS, Cêça; SCHIMITI,
Weber. Sensorialidade no espaço cênico:
Vestido de
Noiva
|
Roda Viva
| Trate-me Leão
.
Urdimento
Revista de Estudos em Artes Cênicas, Florianópolis,
v. 3, n. 45, dez. 2022.
DOI: http:/dx.doi.org/10.5965/1414573103452022e0114
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Delano Delfino
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Cêça Guimaraens
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Weber Schimiti
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Resumo
O artigo trata a sensorialidade na condição de atributo dos espaços cênicos
e arquitetônicos onde aconteceram montagens das peças
Vestido de Noiva
,
Roda Viva
e
Trate-me Leão
, as quais foram encenadas no Rio de Janeiro no
Theatro Municipal em 1943, no Teatro Princesa Isabel em 1968, e no Teatro
Dulcina em 1977, respectivamente. Apresentamos a forma sob a qual a
“sensorialidade” promoveu a quebra da “quarta parede”, buscando
demonstrar que tal situação proporcionou aos espectadores excepcional
experiência imersiva que se tornou de interesse histórico. Destacamos que
os teatros onde as três peças estrearam possuem palcos do tipo italiano;
além disso, ressaltamos que, àqueles tempos ditatoriais, as referidas
montagens de
Roda Viva
e
Trate-me Leão
foram censuradas e os atores
foram vítimas de violência e agressões.
Palavras-Chave
: Cenografia. Arquitetura sensorial.
Vestido de Noiva
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Roda
Viva
.
Trate-me Leão
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Revisão ortográfica, gramatical e contextual do artigo realizada por Domingos de Leers Guimaraens, Doutor
em Literatura, cultura e contemporaneidade pela Puc-Rio, Mestre em Letras pela Puc-Rio, Graduado em
Letras pela Puc-Rio. amigodojonas@gmail.com http://lattes.cnpq.br/0738286793436837
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Mestrando pelo programa de Mestrado Profissional em Projeto e Patrimônio na Universidade Federal do Rio
de Janeiro (UFRJ). Pós-graduado em Design de Interiores pela Universidade Veiga de Almeida. Graduação
em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Estácio de Sá. Formação complementar em Técnico em
Edificações, Escola Técnica Silva e Souza. Pesquisador na FAU/UFRJ. delanodelfino@gmail.com
https://lattes.cnpq.br/5903690924732519 https://orcid.org/0000-0002-0480-5987
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Pós-doutorado em Museum and American Studies na New York University - NYU/USA (2004-
2005). Doutorado em Planejamento Urbano e Regional pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e
Regional (1999). Doutorado em Museologia pela Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias (2012).
Mestrado em Teorias da Comunicação e da Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ-
1993). Professora Associada aposentada da UFRJ e professora colaboradora do Proarq/UFRJ e DAU/UERJ.
Graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de Brasília (1970). Pesquisadora, consultora ad
hoc e bolsista da Facepe, Mast/Unirio e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
- CNPq. cessaguimaraens@gmail.com
http://lattes.cnpq.br/0090037095817957 https://orcid.org/0000-0003-1889-7883
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Doutorando pelo Programa de Pós-graduação em Arquitetura PROARQ - Universidade Federal do Rio de
Janeiro. Mestre pelo PROARQ/UFRJ (2021). Bolsista CAPES (2019/2021). Especialista em Arquitetura -
Conforto Ambiental pela FAU-UFRJ (1989). Graduado em Arquitetura e Urbanismo pelo CAU - Universidade
Federal do Paraná (1988). Professor Substituto no Departamento de Projeto de Arquitetura da Faculdade de
Arquitetura - UFRJ (2020-2022). weber.schimiti@fau.ufrj.br
http://lattes.cnpq.br/0876052105660066 https://orcid.org/0000-0001-6572-5078
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Sensoriality in the scenic space:
Vestido de Noiva
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Trate-me Leão
Abstract
The article deals with sensoriality as an attribute of the scenic and
architectural spaces where the plays
Vestido de Noiva
, Roda Viva and
Trate-
me Leão
took place, which were staged in Rio de Janeiro at the Theatro
Municipal in 1943, at Teatro Princesa Isabel in 1943. 1968, and at Teatro Dulcina
in 1977, respectively. We present the way in which “sensoriality” promoted the
breaking of the “fourth wall”, seeking to demonstrate that this situation
provided spectators with an exceptional immersive experience that became
of historical interest. We emphasize that the theaters where the three plays
premiered have Italian-style stages; Furthermore, we emphasize that, in
those dictatorial times, the aforementioned productions of
Roda Viv
a and
Trate-me Leão
were censored and the actors were victims of violence and
aggression.
Keywords
: Scenography. Sensory architecture.
Vestido de Noiva
.
Roda Viva
.
Trate-me Leão
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Sensorial en el espacio escénico:
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Resumen
El artículo trata de la sensorialidad como atributo de los espacios escénicos
y arquitectónicos donde ocurrieron las obras
Vestido de Noiva
,
Roda Viva
y
Trate-me Leão
, que se representaron en Río de Janeiro en el Theatro
Municipal en 1943, en el Teatro Princesa Isabel en 1943. 1968, y en el Teatro
Dulcina en 1977, respectivamente. Presentamos la forma en que la
“sensorialidad” promovió la ruptura de la “cuarta pared”, buscando demostrar
que esta situación brindó a los espectadores una experiencia inmersiva
excepcional que devino de interés histórico. Destacamos que los teatros
donde se estrenaron las tres obras cuentan con escenarios de estilo italiano;
Además, destacamos que, en aquellos tiempos dictatoriales, las
mencionadas producciones de
Roda Viva
y
Trate-me Leão
eran censuradas y
los actores eran víctimas de violencia y agresión.
Palabras clave
: Escenografía. Arquitectura sensorial.
Vestido de Noiva
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Roda
Viva
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Na atualidade, com o mundo cada vez mais conectado, diversas estratégias
são utilizadas para entreter e engajar os públicos. No campo da arte, performances
teatrais e exposições são promovidas por criarem os chamados “ambientes
imersivos”.
Entretanto, quando vista na condição de “novidade”, essa propalada imersão
deve ser problematizada. Para tanto, é essencial voltar o olhar atento para grandes
marcos do teatro brasileiro ainda hoje relevantes por terem transformado a
maneira como se fazia teatro. Dessa perspectiva, destacamos, em especial, as
montagens de
Vestido de Noiva
de Nelson Rodrigues,
Roda Viva
de Oswald de
Andrade e
Trate-me Leão
do grupo Asdrúbal Trouxe o Trombone. De início,
verifica-se que essas peças possuem as seguintes similaridades: são criações de
autores brasileiros, estrearam na cidade do Rio de Janeiro, e constituíram-se sobre
experiências profundamente imersivas, tornando-se objetos de estudos críticos e
históricos. A destacar, no entanto, a capacidade de cada espaço abrigar os
espectadores. Assim, verifica-se que o Teatro Municipal do Rio de Janeiro tem
capacidade para 1.739 espectadores; o Teatro Princesa Isabel 300; e o Teatro
Dulcina 429. (Guia cultural do centro do rio, 2011; Botelho, 2017; Theatro Municipal-
RJ, 2011)
As semelhanças e diferenças entre os elementos das produções e a
contribuição destas para as experiências imersivas e sensoriais podem ser
verificadas nas citadas montagens, na medida em que fatos e reações do público
ocorridas na época das estreias estão registradas em publicações e na
internet
.
Portanto, os materiais que tratam, entre outros fatores, das produções, dos
cenógrafos, atores e diretores dos espetáculos, agregando ainda as reações das
plateias, são a base do instantâneo quase fiel imaginado neste artigo.
Sensorialidade e a quarta parede
O entendimento da sensorialidade é muito complexo e tem mais nuances do
que podemos especular. Ao observarmos que a arquitetura sensorial envolve os
sentidos dos corpos, verificamos que a percepção,
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não é uma soma de pressupostos visuais, táteis e auditivos: eu percebo
de maneira total com todo o meu ser: eu abarco uma estrutura única da
coisa, um modo único de ser, o qual fala com todos meus sentidos ao
mesmo tempo (Merleau-Ponty, apud Pallasmaa, 2011, p.20).
Em paralelo, observamos que podemos atestar algo que pressentimos, pois
nosso corpo tem memória visual.
Tido como o principal e mais importante de todos os nossos sentidos, o mais
privilegiado é o da visão. Em sendo assim, por meio da visão podemos acessar os
outros sentidos.
...a predileção da visão não implica necessariamente a rejeição dos
demais sentidos, como a sensibilidade do tato, a materialidade e o peso
peremptório da arquitetura grega comprovam; os olhos convidam e
estimulam as sensações musculares e táteis. O sentido da visão pode
incorporar e até mesmo reforçar outras modalidades sensoriais; o
ingrediente tátil inconsciente que existe na visão é particularmente
importante e muito presente na arquitetura histórica, mas extremamente
negligenciado na arquitetura de nossa época (Pallasmaa, 2011, p. 25).
Ao colocar em perspectiva as nossas experiências, podemos perceber que,
para ativar nossos sentidos, não precisamos estar em um ambiente dito “imersivo”,
pois, utilizando a visão, podemos ter uma experiência profundamente sensorial.
Ao vermos uma bancada de mármore não precisamos tocá-la para sentir a rigidez
e a temperatura da pedra. Igualmente, uma cortina de veludo não precisa ser
tocada para sentirmos a maciez do tecido. Enfim, podemos estar sentados na
plateia da sala de teatro e ter uma experiência imersiva acessando todos os outros
sentidos (Palasmaa, 2011).
Quando analisamos a morfologia da arquitetura teatral predominante na
época em que foi criada a quebra da “quarta parede”, os teatros continham o
formato do palco italiano, ao qual o conceito se encaixava perfeitamente. Ao longo
do tempo, a maneira de atuar evoluiu, e novas configurações de espaços teatrais
foram criadas, tornando os atores mais próximos do público (Heliodora, 2013).
Para entender a “quarta parede”, devemos visualizar o palco como uma caixa,
cuja primeira parede seria o fundo do palco, a segunda e a terceira seriam as
vedações laterais dos espaços onde se localizam as coxias. A quarta parede seria
o limite do palco, linha ao mesmo tempo concreta e imaginária que determina
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onde começa a plateia, onde se encontra o público (Malina, 2017).
Além de proporcionar uma experiência sensorial, as montagens das três
peças em pauta buscaram a “quebra da quarta parede”. Tal situação, em termos
gerais, buscava romper a “parede” imaginária que separava o ator da plateia. Desse
modo, a quebra da quarta parede buscava maior interação do público com os
atores.
Pode-se dizer que, anteriormente, os atores estavam acima da plateia, ou
seja, em uma posição de poder. A situação, na qual os atores ficavam no palco
acima do público imóvel e sentado na plateia evidenciava certa hierarquia.
Com a quebra da quarta parede se buscava abalar tais relações de poder. O
ator não mais enviaria uma mensagem ao público, receptor passivo. As
performances teatrais não buscariam, mas exigiriam uma reação do público,
seja esta positiva ou negativa. Os atores precisavam disso para reagir e seguir com
a atuação. Muitas vezes, o resultado das interações modificava o desenvolvimento
das performances, transformando, inclusive, o final da ação (Malina, 2017; Teatro,
2010).
Desse modo, a sensorialidade poderia ser caracterizada e incluída
explicitamente na condição de importante atributo que conectaria o espaço onde
se desenvolve a cena teatral com o público. Portanto, contribuiria para a quebra
da 4ª parede.
Vestido de Noiva
Nós tínhamos a ideia de criar um teatro brasileiro em novos moldes. Que
não fosse o teatro
boulevard
que estava na moda dizia Luiza Barreto
Leite (atriz da Companhia) Era alguma coisa realmente diferente, que
nós próprios não sabíamos o que era. Mas era um teatro brasileiro, com
raízes brasileiras (Ziembinski, apud Pluta, 2015, p.128).
A estreia de
Vestido de Noiva
ocorreu em 28 de dezembro de 1943 no Theatro
Municipal, na cidade do Rio de Janeiro, então capital federal. A peça escrita por
Nelson Rodrigues e encenada pelo grupo amador Os Comediantes teve a direção
de Zbigniew Ziembinski e cenografia de Tomás Santa Rosa (Noiva, 2022).
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Até hoje cultuadas na história do teatro, não em razão do argumento
criado por Nelson Rodrigues, mas em virtude da luminotécnica e da cenografia
nascidas da união bem-sucedida de Ziembinski e Santa Rosa, a peça e a
montagem foram revolucionárias em diversos aspectos e são consideradas
marcos do início do teatro moderno brasileiro por muitos críticos e estudiosos
(Pluta, 2015).
A estreia do espetáculo teve uma repercussão morna, de pouco destaque. Na
ocasião, a peça dividiu as atenções com a temporada de bailados e com as
mudanças estruturais profundas na estrutura do maquinário do palco.
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No final de janeiro de 1944, o espetáculo reestreou, causando grande
comoção por todo o burburinho causado enquanto o Teatro permaneceu fechado
(Drago, 2014).
É diante da obra de Nelson Rodrigues que, pela primeira vez, Santa Rosa
vislumbra uma solução para a cenografia simples e que permitisse as
rápidas trocas de cena. [...] Ziembinski sabia que a solução estava na
iluminação. [...] O choque estético causado pelos 132 efeitos de luz sobre
um cenário fixo (Godois; Collaço apud Drago, 2014), no qual apenas
acessórios de iluminação eram suficientes para criar dezenas de
ambientações, inscreveu o espetáculo imediatamente na história do
teatro brasileiro (Drago, 2014, p. 135).
A peça tem um enredo simples: uma família se muda para uma residência
que, depois, descobrem ter sido um antigo bordel, dirigido por Madame Clessi. A
indignada família descobre um diário que afeta muito Alaíde, uma das filhas. Lúcia,
a irmã de Alaíde, namora um rico industrial, Pedro. Quando Lúcia fica doente,
Alaíde rouba o namorado de Lúcia (Noiva, 2022).
Alaíde e Pedro se casam, mas ela acaba falecendo em um acidente, o qual
não fica claro se foi acidental ou provocado. Enquanto Alaíde agoniza no hospital,
passa a misturar eventos e cenas, em delírio, através dos quais ela chega a visitar
Madame Clessi no antigo bordel. No final, Alaíde morre e a grande vitoriosa é Lúcia
que se casa com Pedro (Noiva, 2022).
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Na maioria dos teatros, na época, o içamento das varas era feito de maneira manual. O novo sistema elétrico
fez com que parte das varas pudessem ser operadas de forma automatizada. No entanto, algumas varas
não foram inseridas no novo sistema para que a cenotécnica possuísse flexibilidade no trabalho, o que
permanece até hoje. (Drago, 2014)
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A breve contextualização do argumento se torna necessária para a
compreensão das singularidades da montagem elaborada por Santa Rosa e
Ziembinski. Tanto a peça quanto a cenografia contêm três partes distintas:
realidade, memória e alucinação. A parte que demonstra toda a capacidade de
Ziembinski e Santa Rosa é a correspondente à alucinação, a qual acontece
enquanto Alaíde está agonizando no hospital e ‘revivendo’ cenas reais e imaginadas
(Drago, 2014).
Com clara inspiração na obra de Adolphe Appia e Gordon Craig, Santa Rosa
cria o que ele batizou de “arquitetura cênica”. O cenário tem dois níveis com planos
distintos bem-marcados: escadas dos dois lados, dois níveis e portas com arcos
que dão monumentalidade e imponência à cenografia (Drago, 2014, p.133).
Quando analisamos a cenografia, vemos a simplicidade em paredes brancas
e estéreis, e o minimalismo, em que estavam ausentes os grandes adornos e os
elementos cenográficos da época. Enquanto a cenografia cresce e ganha vida com
a inserção de mais de uma centena de efeitos de luz criados por Ziembinski, os
planos criados por Santa Rosa representam a consciência de Alaíde e metaforizam
o argumento. Os arcos facilitaram a mobilidade dos personagens, enquanto as
paredes brancas e iluminadas são capazes de criar diversas atmosferas. Às vezes
soturnas outras alegres tais atmosferas instauram a dúvida. Indaga-se: o quê, de
verdade, aconteceu com Alaíde. Suicídio? Assassinato tramado por sua irmã e seu
marido? Ou uma simples fatalidade? Ou delírio vivido pela personagem, enquanto
agoniza no leito (Drago, 2014).
A iluminação possibilidade aos espectadores de inusitada apreensão das
rápidas alternâncias dos três níveis de consciência propostos pelo texto. O jogo de
luz e sombra proporciona mudanças frenéticas e incessantes. A atmosfera de
vertigem e alucinação sentida por Alaíde enquanto agoniza, mantém o público
estático e ansioso pelo desfecho da trama (Noiva, 2022).
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Figura 1 -
Vestido de Noiva
, 1943, Theatro Municipal do Rio de Janeiro
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O grande impacto causado pela peça ocorreu, principalmente, porque o
público estava acostumado a montagens de textos europeus com cenários
repletos de adornos. O projeto de Santa Rosa se utiliza de pouquíssimos
elementos cenográficos, levando a se recorrer à mímica na maioria dos casos,
situação exemplificada na cena em que Alaíde nutre o desejo de matar Pedro e o
acerta com um pedaço de ferro imaginário.
Mais de trinta anos após a estreia no Theatro Municipal, em meados dos anos
70, o melhor relato dado sobre o impacto da peça, foi elaborado pelo próprio autor,
Nelson Rodrigues, na medida em que ele assim descreve o ensaio final e a estreia
do espetáculo:
[...] Dentro da luz, cadeiras, sofás e pessoas pareciam boiar. As caras eram
azuladas, lunares. A caminho de casa uma súbita certeza instalou-se em
mim: Vestido de Noiva ia ser vaiada. O cenário estava dividido em três
planos: em cima realidade, embaixo memória e alucinação. Ao despertar
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Fonte: Enciclopédia Itaú Cultural. Disponível: https://enciclopedia.itaucultural.org.br/evento399276/vestido-
de-noiva Acesso em: 20 out.2022.