Teatro e memória urbana: a cidade do Rio de Janeiro como mutação de mágica
Ana Paula Brasil
Florianópolis, v.3, n.45, p.1-33, dez. 2022
Abdalah some na fumaça da chama, enquanto os arbustos, que anteriormente se
abriram escondendo a mesa e as cadeiras, fecham-se e desaparecem pelo chão
do palco, revelando a longa escada pela qual ele desce rolando. A iluminação da
cena, o efeito da chama, a sonoplastia e a trilha musical são parte fundamental
dessas mutações (estas também estão presentes na antiga
féerie Les Pilules du
Diable
, na qual os encadeamentos dos truques fizeram sucesso junto ao público,
elevando esta mágica à condição de exemplar do gênero).
Esses truques de transformação são, relativamente, rudimentares. A
combinação de efeitos, o ritmo, a iluminação, a musica incidental e tantos outros
aspectos, inovam, a cada encenação, para a execução das mutações de cena.
A seção “Diversões” do jornal
O Paiz
noticiou a reprise do drama fantástico
O
Castello do Diabo,
com tramoias e desmoronamentos:
A empresa Dias Braga, do theatro Recreio Dramatico, faz hoje uma
surpresa ao publico. Em 'reprise' sobe ali hoje à cena o grandioso drama
fantastico
O Castello do Diabo
.
Cinco Atos e sete quadros, ornados de musica, canções, côros, combates,
marchas, incêndios,
tramoias, desmoronamentos
,
tutti quanti
, hão de por
força atrair ali hoje o Rio de Janeiro em peso (
O Paiz
, sábado, 24 fev.
1894. "Artes e Artistas", p. 2, grifos nossos).
A recorrência dos desmoronamentos cenográficos, no final do século XIX,
coincide com o "desmoronamento" do Império e com o início das reformas
urbanísticas na cidade. Presume-se que eram obtidos com o desprendimento de
partes recortadas dos telões cenográficos, conjugados com efeitos de iluminação
e a abertura de alçapões no piso do palco. Estes efeitos eram apresentados
também em dramas, revistas e dramas marítimos.
O Naufrágio do 'Colombo'
, drama marítimo em cinco atos e sete quadros,
escrito pela autora portuguesa Guiomar Torrezão, encenado em 1897, no Theatro
Sant'Anna, com a direção de Accássio Antunes, foi anunciado como “extraordinária
novidade, assombroso sucesso” (
Jornal do Brasil
, sábado, 30 out. 1897, p. 4). O
episódio atesta o clima de catástrofe aludido pelo naufrágio, com indicação da
unidade de tempo localizada na "época [da] atualidade", com diversões ao clima
"fim de século." O anúncio publicitário informa a localização dos quadros – em
Buenos Aires, no alto mar, em Lisboa, e assim por diante, além de intitulá-los: