1
O martelo e o edifício: o encontro entre ofício e espaço
pela experiência de um trabalhador cenotécnico no
Theatro Municipal de São Paulo
Entrevista com Aníbal Marques (Pelé)
Concedida à Berilo Luigi Deiró Nosella e
Priscila de Souza Chagas do Nascimento
Para citar este artigo:
MARQUES, Aníbal (Pelé); NOSELLA, Berilo Luigi Deiró; NASCIMENTO,
Priscila de Souza Chagas do. O martelo e o edifício: o encontro entre
ofício e espaço pela experiência de um trabalhador cenotécnico no
Theatro Municipal de São Paulo. [Entrevista concedida à Berilo Luigi
Deiró Nosella e Priscila de Souza Chagas do Nascimento].
Urdimento
-
Revista de Estudos em Artes Cênicas, Florianópolis, v.3, n.45, dez. 2022.
DOI: http:/dx.doi.org/10.5965/1414573103452022e0502
A Urdimento esta licenciada com: Licença de Atribuição Creative Commons (CC BY 4.0)
O martelo e o edifício: o encontro entre ofício e espaço pela experiência de
um trabalhador cenotécnico no Theatro Municipal de São Paulo
Entrevista com Aníbal Marques (Pelé) - Concedida à Berilo Luigi Deiró Nosella; Priscila de Souza Chagas do Nascimento
Florianópolis, v.3, n.45, p.1-23, dez. 2022
2
O martelo e o edifício: o encontro entre ofício e espaço pela
experiência de um trabalhador cenotécnico no Theatro Municipal
de São Paulo
Entrevista com Aníbal Marques (Pelé)
1
Concedida à Berilo Luigi Deiró Nosella
2
e
Priscila de Souza Chagas do Nascimento
3
Resumo
Na entrevista buscamos a compreensão do ofício cenotécnico em sua
relação com os espaços e meios de trabalho; no caso de Aníbal Marques, tal
encontro promove uma visão particular do trabalho cênico na relação de seu
ofício com seu principal espaço de trabalho- o Theatro Municipal de São
Paulo (TMSP), no qual exerce a função de chefe da equipe de cenotécnica
desde 1992. A entrevista compõe um conjunto de registros de memórias
coletadas durante o desenvolvimento da pesquisa de mestrado
Cenotenia, a
criação dos operários da cena:
Um estudo sobre as funções dos
trabalhadores cenotécnicos da cidade de São Paulo
, desenvolvida no âmbito
do NETOC/GPHPC e defendida no PPGAC/UFSJ.
Palavras-chave
: Cenotécnica. Theatro Municipal de São Paulo. Aníbal
Marques.
1
Aníbal Marques é cenotécnico chefe de equipe do Theatro Municipal de São Paulo e artista convidado da
linha de estudos em Técnica de Palco da SP Escola de Teatro.
2
Pós-Doutorado em Artes Cênicas pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Doutorado
em Artes Cênicas (UNIRIO). Mestrado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Graduação
em Comunicação - Bacharelado em Imagem e Som pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR).
Professor do Curso de Graduação em Teatro e do Programa de Pós-graduação em Artes Cênicas do
Departamento de Artes da Cena da Universidade Federal de São João del Rei (UFSJ).
berilonosella@ufsj.edu.br
http://lattes.cnpq.br/2696544764397266 https://orcid.org/0000-0002-3009-9836
3
Mestre em Artes nicas pelo Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Universidade Federal de
São João del-Rei (UFSJ). Graduação em Artes Cênicas pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP).
Cenógrafa e Cenotécnica. priscilachagasn@gmail.com
http://lattes.cnpq.br/6105434442185302 https://orcid.org/0000-0003-4514-174X
O martelo e o edifício: o encontro entre ofício e espaço pela experiência de
um trabalhador cenotécnico no Theatro Municipal de São Paulo
Entrevista com Aníbal Marques (Pelé) - Concedida à Berilo Luigi Deiró Nosella; Priscila de Souza Chagas do Nascimento
Florianópolis, v.3, n.45, p.1-23, dez. 2022
3
The hammer and the building: the meeting between handicrafts
and space through the experience of a scenotechnical worker at
Theatro Municipal of São Paulo
Abstract
In the interview we sought to understand the scenotechnical craft in its
relationship with the spaces and means of work; in the case of Aníbal
Marques, this meeting promotes a particular view of the scenic work in the
relationship between his craft and his main workspace - the Theatro
Municipal de São Paulo (TMSP), where he has been head of the scenotechnic
team since 1992. The interview composes a set of records of memories
collected during the development of the master's research
Cenotecnia, a
criação dos os operários da cena: Um estudo sobre as funções dos
trabalhadores cenotécnicos da cidade de São Paulo
developed within the
scope of NETOC/GPHPC and defended at PPGAC/UFSJ.
Keywords
: Cenotechnics. Theatro Municipal of São Paulo. Aníbal Marques.
El martillo y el edificio: el espacioentre la nave y el espacio por la
experiencia de un trabajador cenotécnico en el Theatro Municipal
de São Paulo
Resumen
En la entrevista buscamos la comprensión del oficio cenotécnico en su
relación con los espacios y medios de trabajo; en el caso de Aníbal Marques,
este encuentro promueve una visión particular del trabajo escénico en la
relación entre su oficio y su principal espacio de trabajo - el Theatro Municipal
de São Paulo (TMSP), donde dirige el equipo escenotécnico desde 1992. La
entrevista compone un conjunto de registros de memorias recogidos durante
el desarrollo de la investigación del maestro
Cenotecnia, a criação dos
operários da cena: Um estudo sobre as funções dos trabalhadores
cenotécnicos da cidade de São Paulo
, desarrollado en el ámbito de
netoc/GPHPC y defendido en PPGAC/UFSJ.
Palabras clave
: Cenotécnica. Theatro Municipal de São Paulo. Aníbal
Marques.
O martelo e o edifício: o encontro entre ofício e espaço pela experiência de
um trabalhador cenotécnico no Theatro Municipal de São Paulo
Entrevista com Aníbal Marques (Pelé) - Concedida à Berilo Luigi Deiró Nosella; Priscila de Souza Chagas do Nascimento
Florianópolis, v.3, n.45, p.1-23, dez. 2022
4
Apresentação
A entrevista com Aníbal Marques, o Pelé, faz parte de uma série de sete
entrevistas realizadas pelo Núcleo de Estudos de Técnicas e Ofícios da Cena,
vinculado ao Grupo de Pesquisa em História, Política e Cena -NETOC/GPHPC/UFSJ
(CNPq) no desenvolvimento da pesquisa de mestrado intitulada Cenotecnia, a
criação dos operários da cena: Um estudo sobre as funções dos trabalhadores
cenotécnicos da cidade de São Paulo (Nascimento, 2022)
4
, defendida no Programa
de Pós-graduação em Artes Cênicas da Universidade Federal de São João del-Rei
(PPGAC/UFSJ) em fevereiro de 2022.
Figura 1 – Aníbal Marques (Pelé) segurando uma corta de vara contrapesada (sem data)
Arquivo pessoal de Aníbal Marques
4
A pesquisa de mestrado contou com o financiamento da bolsa de Demanda Social da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CAPES.
O martelo e o edifício: o encontro entre ofício e espaço pela experiência de
um trabalhador cenotécnico no Theatro Municipal de São Paulo
Entrevista com Aníbal Marques (Pelé) - Concedida à Berilo Luigi Deiró Nosella; Priscila de Souza Chagas do Nascimento
Florianópolis, v.3, n.45, p.1-23, dez. 2022
5
O NETOC foi criado em 2018 com o objetivo de desenvolver pesquisas sobre
a história e o fazer das artes cênicas, propondo uma perspectiva de olhar focado
nos fazeres da técnica e seus ofícios. Tal Núcleo desenvolve-se em torno da
percepção de que a perspectiva do olhar para cena no meio acadêmico (seja em
sua história ou em sua compreensão contemporânea) pouco considera o mundo
do trabalho e suas relações, promovendo uma separação que consideramos
improducente entre o fazer da criação e o fazer da técnica, o que cria e o que
executa; acreditamos que olharmos para as questões da cena do lugar da técnica,
atravessando-a em toda sua criação e execução, buscando dissipar a ilusão da
separação, pode ser rico como prisma para os estudos no campo das Artes
Cênicas.
Tal riqueza, por exemplo, pode apresentar-se na percepção da própria
relação de responsabilidade para com o fazer teatral; percebemos que o
espetáculo teatral necessita de alguém, como um cenotécnico, que gerencie o
acontecimento na sua dimensão prática, senão dificilmente se realizará, e
identificamos que, mesmo assim, personagens como o Francisco Giacchieri
5
, não
tem dedicado sobre si nenhum registro, pesquisa etc. Entendemos que tal cenário
não é absoluto, e tende a se modificar; citamos a importância recente dos livros
autobiográficos publicados pelo cenotécnico Jorge Ferreira da Silva,
Os invisíveis
do teatro: primeiro ato
(2020) e
Os invisíveis do teatro: segundo ato
(2021), que,
por exemplo, citam Giacchieri e tantos outros cenotécnicos participantes nas
realizações do teatro brasileiro. Mas fica evidente como figuras como essas são
muitas vezes desconhecidas, não apenas pelos apreciadores dos espetáculos
teatrais, mas, também, por seus participantes e pesquisadores. Temos a
percepção de que esses personagens são invisibilizados, seja por uma
compreensão esteticista, que olha os elementos e movimentos que compõem a
cena como dados ou “mágicos”, não importando como e por quem são feitos, ou
seja pelo enraizamento de uma compreensão social pré-determinada sobre os
valores do trabalho. Superar tais predeterminações, e ampliar o olhar para essa
5
Francisco Giacchieri (19?? 1985) foi cenógrafo e cenotécnico, que dirigiu as equipes de cenotécnicos para
a Temporada rica de Ópera do TMSP. Giacchieridesenvolveu um conhecimento da técnica de montagem,
principalmente do gênero de teatro como o Municipal de São Paulo, com o movimento de comando baseado
nos dos antigos navios de vela” (Viana e Neto Campello, 2010, p.186).
O martelo e o edifício: o encontro entre ofício e espaço pela experiência de
um trabalhador cenotécnico no Theatro Municipal de São Paulo
Entrevista com Aníbal Marques (Pelé) - Concedida à Berilo Luigi Deiró Nosella; Priscila de Souza Chagas do Nascimento
Florianópolis, v.3, n.45, p.1-23, dez. 2022
6
dimensão além dos elementos e movimentos da cena, mirando as coxias
escondidas dos olhares, nos permitirá refletir sobre o sentido social e o significado
simbólico do trabalho dito técnico teatral (operacional) e como ele age também
no campo do sentido e do simbólico do que chamamos de arte. Por isso,
acreditamos que é preciso escutar, estudar e, considerar vozes e experiências
como as de Aníbal Marques (que aqui se apresenta) e de tantos e tantas técnicos
e técnicas nas pesquisas que desenvolvemos no campo das Artes Cênicas, para
que façam parte da história e do caldo de conhecimento que compõe a própria
cena, e não apenas trabalhem para ela. Um personagem como o Francolino, por
exemplo, que trabalhou construindo arquibancadas de carnaval na av. São João
na cidade de São Paulo, em um momento específico da história do carnaval de
rua com seus cordões paulistanos, faz sim parte da história cultural da cidade e
merece ser e estar citado nesse evento, pois o olhar dele para esse momento do
passado, que ajudou a construir, pode radicalmente nos apresentar prismas
importantes que, na ausência desse olhar, nos permanecerá invisíveis.
Outros movimentos como o SOS Técnica; o Teia Brasil; a organização das
equipes técnicas no Fórum Brasileiro de Ópera, Balé e Música de Concerto; o
Fundo Marlene Colé; o
Backstage
invisível e projetos de lives com entrevistas e
debates sobre os atuantes da coxia, também demonstram uma mudança de
quadro atual sobre a perspectiva do fazer da técnica teatral. Ainda pouca, e em
curso, mas que nos colocam em sintonia, destacando a importância de a academia
perceber esta mobilização. Tais movimentos citados surgiram durante a pandemia
de COVID-19 (2020-2021), gestando mobilizações para, por exemplo, incluir
técnicos e técnicas em editais de fomento à cultura; pois esta categoria, pelo
costume de só “ser acionada depois” e não participar desde o início de um projeto
– ou seja, só “vir para resolver problemas” e cumprir demandas já estabelecidas -
, se viu excluída também da possibilidade de lançar mão dos mecanismos sócio
políticos de subsistência para o campo cultural neste momento de exceção.
Entendemos que este momento tanto evidencia a situação de invisibilidade que a
categoria carrega no campo cultural quanto demonstra perspectivas de mudanças
neste quadro. Da mesma forma, como pesquisadoras/es, devemos pensar nas
consequências desse movimento histórico, e incorporar essa dimensão humana
do fazer, para problematizar a história e o conhecimento sobre as artes cênicas.
O martelo e o edifício: o encontro entre ofício e espaço pela experiência de
um trabalhador cenotécnico no Theatro Municipal de São Paulo
Entrevista com Aníbal Marques (Pelé) - Concedida à Berilo Luigi Deiró Nosella; Priscila de Souza Chagas do Nascimento
Florianópolis, v.3, n.45, p.1-23, dez. 2022
7
Entender que a técnica faz parte do processo de criação em toda sua extensão e
complexidade, evidencia que a perspectiva de “apenas resolver problemas”,
implicada ao profissional técnico, não é uma questão orgânica ao fazer, mas
histórica, social, política e econômica deste fazer. Citando algo que o movimento
SOS Técnica tem enfatizado, podemos afirmar que, para valorizar os profissionais
técnicos, é preciso valorizar a técnica, e isto significa valorizar o conhecimento
provindo do “fazer”.
Chamo de pensamento teatral a produção de conhecimento que o artista
e o técnico-artista geram na práxis, para a práxis e sobre a práxis teatral.
[...]
Como apontamos em diversas ocasiões, o trabalho dos técnicos e sua
produção de pensamento são fundamentais na produção do
acontecimento teatral, por isso preferimos falar não em técnico apenas,
mas em técnico-artista (Dubatti, 2007, p. s/n).
Portanto, o NETOC constitui-se como um núcleo interessado em estudar os
fazeres considerados técnicos ou técnicos artísticos, que promovem
conhecimento sobre e para a cena, abarcando em seus estudos os referidos
fazeres nos seus seguintes aspectos: a) História e Memória; b) o Pensamento e o
Conhecimento; c) os Fazeres em seus contextos; d) os Ofícios; e) as relações
trabalhistas e seus desdobramentos estéticos; e f) os processos pedagógicos,
tendo a história cultural, a história oral, a genética teatral e a arquivologia como
campos teóricos e metodológicos de base e os aspectos políticos destes fazeres
como eixo.
A pesquisa de mestrado desenvolvida por Priscila de Souza Chagas do
Nascimento, orientada por Berilo Luigi Deiró Nosella, no PPGAC/UFSJ, apresenta-
se como inaugural no projeto do NETOC, por se tratar de um estudo fundamental
e inédito a buscar a compreensão de algo que parece óbvio, em certa medida, mas
sobre o qual poucos tem clareza: o que é e o que faz um cenotécnico? E quais as
implicações históricas, práticas e legais, da constituição deste ofício? Para fazê-lo,
um dos caminhos foi o do registro e análise da memória de profissionais deste
campo, por meio dos métodos e princípios da História Oral. Assim, a pesquisa
investigou o ofício cenotécnico, considerando suas determinações legais e
culturais, a partir da recolha e análise de registros de memórias pessoais, do
O martelo e o edifício: o encontro entre ofício e espaço pela experiência de
um trabalhador cenotécnico no Theatro Municipal de São Paulo
Entrevista com Aníbal Marques (Pelé) - Concedida à Berilo Luigi Deiró Nosella; Priscila de Souza Chagas do Nascimento
Florianópolis, v.3, n.45, p.1-23, dez. 2022
8
estudo das leis trabalhistas que definiram, ao longo do século XX no Brasil, esta
profissão, e da própria experiência de Priscila Nascimento, cenotécnica formada
pela SP Escola de Teatro Centro de Formação das Artes do Palco e, como tantos
técnicos, pela lida diária com este ofício na cidade de São Paulo.
A escolha dos entrevistados para esta pesquisa obedeceu a dois critérios
principais que possibilitaram a comparação entre as trajetórias dos trabalhadores
da cena: o primeiro deles corresponde ao recorte proposto para a pesquisa, que
são profissionais cenotécnicos atuantes na cidade de São Paulo e que deram início
as suas carreiras na década de 1970
6
; o segundo, exigiu que houvesse
representantes de todas as diferentes funções executadas pela cenotécnica.
Porém, no decorrer da pesquisa, percebemos que o Theatro Municipal de São
Paulo (TMSP) é um espaço marcante para a historiografia da cenotécnica nesta
cidade presente no trabalho investigativo desenvolvido por Maria Aparecida Alves
(2008 e 2009) e principalmente como passagem na trajetória de quatro
cenotécnicos dos quais entrevistamos
7
; logo, o Theatro Municipal de São Paulo se
tornou um terceiro elemento a caracterizar as relações de comparação narrativa.
Esta percepção trouxe uma questão, não explorada na dissertação, mas
considerada, da relação entre o espaço de trabalho e o próprio trabalho. Neste
sentido, a entrevista com Aníbal Marques, que teve toda sua trajetória profissional
relacionada em algum nível com um espaço específico exatamente o Theatro
Municipal de São Paulo traz uma contribuição ímpar para a questão e, por isso,
consideramos que apresenta uma visão muito particular e interessante sobre as
relações entre o espaço do fazer, como lugar social e de trabalho, e o ofício, como
a técnica e a experiência específica do trabalhador da cena.
Aníbal Marques, conhecido como Pelé desde novo, enxerga o trabalho de
cenotécnico em sua vida como uma herança de seu pai, Geraldo Marques (o
Batucada), também cenotécnico. Pelé relata que quando “tinha cinco, seis anos de
idade”, ainda criança, seu pai o “levava para o Theatro Municipal” e pouco depois,
ainda novo, fora levado para trabalhar na oficina de José Antônio Gomes (Pupe),
6
A década de 1970 é marcada por grandes movimentos dos profissionais da arte que culminou no decreto
de lei 6.533 em 1978 que regulamentou as categorias profissionais de artistas e técnicos de espetáculos e
diversão.
7
Ermerlindo Terribele Sobrinho; Francolino Manoel Gomes; Aníbal Marques e Jorge Ferreira.
O martelo e o edifício: o encontro entre ofício e espaço pela experiência de
um trabalhador cenotécnico no Theatro Municipal de São Paulo
Entrevista com Aníbal Marques (Pelé) - Concedida à Berilo Luigi Deiró Nosella; Priscila de Souza Chagas do Nascimento
Florianópolis, v.3, n.45, p.1-23, dez. 2022
9
onde, segundo Pelé, adquiriu os conhecimentos necessários para o trabalho – por
exemplo, a leitura de plantas e desenhos técnicos de um cenário que será
construído. Assim, como outros cenotécnicos entrevistados, a trajetória de Pelé
tem passagens pelo cinema, publicidade, carnaval, stand (feiras), eventos
(desfiles), show, além do teatro e de ser um dos profissionais a formar a equipe
de Francisco Giacchieri contratada pelo TMSP em 1978. Sua experiência não se
limita a São Paulo, realizando montagens em turnê da Rita Lee pela Europa, e com
espetáculos teatrais em todas as regiões do Brasil. Segundo Pelé, essa trajetória
em diversas linguagens serviu de bagagem para obter o domínio que detém hoje
dentro de uma caixa cênica. Desde 1992 ele ocupa o cargo de chefe da equipe de
cenotécnica do TMSP, sendo responsável pelos grupos de maquinistas e
contrarregras.
A entrevista, concebida e tratada no âmbito do NETOC/GPHPC, foi realizada
por Priscila Nascimento no dia 06 de junho de 2021, na plataforma ZOOM (remoto)
com duração de 1 hora e 39 minutos; a mesma foi gravada, transcrita, tratada
(revisada e editada) e, após devolutiva, configurou-se o formato que agora publica-
se.
Figura 2 - Registro de Aníbal Marques (Pelé) durante a gravação da entrevista em 2021
Fonte: Priscila Nascimento
O martelo e o edifício: o encontro entre ofício e espaço pela experiência de
um trabalhador cenotécnico no Theatro Municipal de São Paulo
Entrevista com Aníbal Marques (Pelé) - Concedida à Berilo Luigi Deiró Nosella; Priscila de Souza Chagas do Nascimento
Florianópolis, v.3, n.45, p.1-23, dez. 2022
10
Gostaríamos que você se apresentasse, falasse seu nome, de onde você é, função,
idade...
Meu nome é Aníbal Marques, tenho 62 anos, sou nascido em São Paulo,
capital e hoje, atualmente, estou trabalhando no Theatro Municipal de São Paulo.
Eu comecei a minha vida de teatro, cinema, televisão, com meu pai. Quando eu
tinha meus cinco, seis, sete, até meus dez anos de idade, meu pai me levava muito
para esses locais, para teatro, feiras, televisão, cinema. Porque meu pai era
maquinista também. Meu pai se chama Geraldo Marques, apelido Batucada, e eu
venho de uma herança dele, essa profissão que tenho hoje foi por causa dele.
Porque eu me lembro bem que eu tinha cinco, seis anos de idade, ele me pegava
criança e me levava para o Theatro Municipal. Não levava só no Theatro, levava no
Ginásio do Ibirapuera, fim de ano tinha festa, a gente ganhava presentes, e tal.
Quando a gente estava no Theatro ele me deixava com os técnicos e os técnicos
me davam um martelo maior do que eu, que pesava 5 kg, e eu ficava brincando
lá. Quando eu fiz dezoito anos em 1977, meu pai me levou para o Theatro Municipal,
tinha uma vaga e ele me levou. Foi nessa época que eu comecei… em 1978.
eu entrei como funcionário.
E foi exatamente no ano em que foram regulamentadas as profissões teatrais
8
?
Exatamente, porque não existia… como é que se diz? Porque o Theatro
Municipal é da prefeitura, do município, e não existia essa profissão Maquinista,
não existia Contrarregra, Iluminadores… dentro da prefeitura. foi criado, em
verba de terceiro, esses cargos. Foi na época que eu entrei e meu pai arrumou
uma boquinha lá, pra mim.
Aí você entrou como…
Como maquinista. Eu já entrei como maquinista.
8
Lei 6.533 de 1978 que dispõe sobre a regulamentação das categorias profissionais de artistas e técnicos de
espetáculos e diversão.
O martelo e o edifício: o encontro entre ofício e espaço pela experiência de
um trabalhador cenotécnico no Theatro Municipal de São Paulo
Entrevista com Aníbal Marques (Pelé) - Concedida à Berilo Luigi Deiró Nosella; Priscila de Souza Chagas do Nascimento
Florianópolis, v.3, n.45, p.1-23, dez. 2022
11
Seu pai sempre trabalhou direto no Theatro Municipal ou ele trabalha também em
outros eventos?
Então, antigamente, o que que acontece?! A gente era mais freela, então, por
exemplo, o Theatro Municipal, como em outros lugares, a gente não tinha um
vínculo preso, a gente trabalhava de acordo com a necessidade do que estava
acontecendo. Então, era “Vamos montar uma cama elástica”. Lembrei de uma
coisa, quando a gente montou uma cama elástica num formato de uma sandália
havaiana, quando a Havaiana surgiu. Então, tinha uma cama elástica no meio,
gigante, hoje em dia tem o computador, faz isso, antes não, não tinha o
computador, era máquina de escrever. A gente construiu um chinelo gigante. Aí, o
que acontece, o cenotécnico contratava fulano, fulano, fulano e fulano, porque tal
dia tem que estar pronto, e montava uma equipe pelo trabalho. E no Municipal era
a mesma coisa, então a gente tinha oportunidade de trabalhar no Municipal e fazer
outros trabalhos fora também. E eu cansei, depois que entrei no Municipal, de ficar
dez, quinze dias fora e não tinha problema nenhum, porque eu estava fazendo
outro trabalho paralelo. Porque a demanda de técnicos não era tanta como é hoje.
E você acha que a demanda de espetáculos e eventos também aumentou? De
trabalho, de óperas...
Eu acho que aumentou porque surgiram mais teatros, tem muito mais teatro,
tem CEU’s., tem bastante, então a demanda de trabalho, de espetáculo aumentou
também. que antigamente não tinha essa demanda toda, tinha bastante
trabalho, mas a equipe era pequena. Poxa, o Batucada tinha que estar ali, tinha
que estar lá, porque é tudo para ontem. Não é de hoje que é tudo para ontem e o
tempo da técnica é sempre o mínimo, o técnico nunca tem tempo. Por isso que
antigamente chamava a pessoa certa porque sabia que aquela pessoa ia resolver,
porque a gente não tem tempo de ficar ensinando. Por exemplo, chega uma Ópera
hoje, daqui quinze dias vai estrear, e você começa a construir ela nesses quinze
dias que vai chegar para estrear, sem fazer ensaio, sem nada, às vezes. A gente
nunca tem tempo, então por isso que a demanda era assim. Tinha bastante
trabalho para todo mundo, mas nosso tempo era muito curto, de montagem. Eram
sempre as mesmas pessoas, o grupo era pequeno. Tem aquelas pessoas que
O martelo e o edifício: o encontro entre ofício e espaço pela experiência de
um trabalhador cenotécnico no Theatro Municipal de São Paulo
Entrevista com Aníbal Marques (Pelé) - Concedida à Berilo Luigi Deiró Nosella; Priscila de Souza Chagas do Nascimento
Florianópolis, v.3, n.45, p.1-23, dez. 2022
12
dominavam, aquele círculo de São Paulo. Sempre aquelas mesmas pessoas que
rodavam todos os teatros de São Paulo, os eventos, essas coisas todas. “Chama o
fulano porque tem que está pronto, e tal…” Então a gente não tinha tempo de ficar
ensinando as pessoas. Hoje em dia a demanda é curta, mas a gente tem uma
oportunidade, que está sendo expandida, que eu estou percebendo, dos
estagiários começarem. Você está levando uma pessoa para o caminho, você
está dando oportunidade para os outros, coisas que a gente não tinha antigamente.
A gente tinha que aprender na raça mesmo, ali, fazendo, acontecendo, não ficar
olhando.
Você falou desse círculo que é criado, que são sempre as mesmas pessoas, até
por falta de profissionais, nos lembrou de um compilado de fichas técnicas de
produções teatrais nos anos de 1980, organizado por Alexandre Mate
9
, pesquisador
da UNESP. Na parte de cenotécnicos, tinham muitos nomes repetidos, eram
Chimanski, Arquimedes, Pupe…
Estevão, Arquimedes, isso… Lembro, conhecia. Exatamente. Sempre eram
essas mesmas pessoas. “Vou chamar o Pupe, porque o Pupe resolve e sabe
resolver…” O Pupe, eu aprendi muito com ele esse tipo de coisa, de autoridade
dentro do palco. Ele chegava e falava para o diretor: “não, não é assim, essa cena
não é assim, essa cena é assim, assim, assim”. O cenotécnico dizia como tem que
ser, porque ele estuda aqui ali, ele sabia como estava montado. O contrarregra que
dizia qual o tipo de objeto que a pessoa vai usar, não é o diretor, e como vai usar.
Não é o diretor. Então, eles tinham um valor.
Como é essa relação hoje no Theatro Municipal? Do cenotécnico com o cenógrafo,
com toda a equipe administrativa e com o diretor?
O cenotécnico hoje em dia, eu acho né, que em relação ao diretor ele tem
que se impor muito, porque às vezes o diretor não aceita, não são todos, mas a
maioria. “Não, mas assim não dá, tal”. Mas a relação é boa, entre eles. O que é mais
complicado, é a parte administrativa, eu acho. Mas a relação com o diretor, eu
sempre tive uma boa relação com os diretores. Fizemos e “olha não vai estar
pronto”, e ele abaixa a cabeça e fala, “beleza, então quando você acha que vai estar
9
Anexo à tese
A Produção Teatral Paulistana dos anos 1980 - R(ab)iscando com faca o chão da história: Tempo
de contar os (pré)juízos em percursos de andança
(Mate, 2008).
O martelo e o edifício: o encontro entre ofício e espaço pela experiência de
um trabalhador cenotécnico no Theatro Municipal de São Paulo
Entrevista com Aníbal Marques (Pelé) - Concedida à Berilo Luigi Deiró Nosella; Priscila de Souza Chagas do Nascimento
Florianópolis, v.3, n.45, p.1-23, dez. 2022
13
pronto?” Às vezes pode acontecer do diretor chegar e falar: “Não, que tem que ser
agora”. você fala: “Tá bom, que você vai assinar embaixo se acontecer alguma
coisa”. muitos que são assim, outros não. Porque a cenotécnica perdeu um
pouco esse valor, de se impor dentro do palco, se impor dentro da sua área, claro.
Perdeu bastante.
Na sua opinião essa relação acontecia com mais troca?
Muito, muito. Muita troca de ideias, desde o início até o dia da estreia. Vamos
construir o cenário x, vamos falar da ópera h, vamos todo mundo conversar a
mesma língua.
O cenotécnico participava mais desse processo de idealização...
Participava mais, muito mais, muito mais. O cenotécnico era quem dizia
quando o elenco entrava no palco para começar a ensaiar. Hoje em dia é o
contrário, eles marcam o ensaio e pronto, não querem saber se está pronto. E se
não estiver pronto a gente leva bronca ainda. Você tem que se desdobrar. Aí entra
o RH, porque você vai ter que fazer hora extra e o RH não quer fazer. Você entende
o conflito que gera isso aí. Antes o cenotécnico dizia:
“Tal dia, tal hora está pronto”. Tá pronto.
Tal dia, tal hora: “Posso entrar com o elenco para ensaiar?”
“Pode entrar com elenco.”
“Seguro?”
“Seguro!”
Acabou.
E funcionava, e a gente não tinha essa tecnologia, não tinha essas máquinas
que a gente tem hoje em dia, era tudo manual. Não tinha varas elétricas, era tudo
manual. Os pesos, para você ter uma ideia, antigamente, os pesos do teatro, o
mais pesado era 20 kg. “Pesinho” de 20 kg é um balde de água, menos que isso.
Uma vara o máximo que pesava, para você pendurar alguma coisa eram 150 kg.
Presta atenção, 150 kg eram as varas do Theatro Municipal, e a gente construía
cenários gigantescos, óperas gigantescas. Saia na mão carregando com meia dúzia
de maquinistas. Hoje em dia, uma vara do Theatro Municipal, são 800 kg, e ainda
tem cenários que chegam e a gente não consegue contrapesar em uma vara,
O martelo e o edifício: o encontro entre ofício e espaço pela experiência de
um trabalhador cenotécnico no Theatro Municipal de São Paulo
Entrevista com Aníbal Marques (Pelé) - Concedida à Berilo Luigi Deiró Nosella; Priscila de Souza Chagas do Nascimento
Florianópolis, v.3, n.45, p.1-23, dez. 2022
14
tem que unir duas varas juntas. Você vê, que mudança radical, mais de 100 por
cento. Eu acho que teatro é ilusão, com 150 kg para você apresentar grandes
óperas, 500 kg é a mesma coisa do 150 kg.
Por que aumentou esse peso, essa necessidade do peso dessas estruturas?
Eu acho que virou comércio demais. O teatro virou muito realismo, e cenário
não é realismo, cenário é ficção, é uma história que eu estou contando. Você sabe
como a gente fazia? A gente fazia os telões, montava o cenário por trás. Por
exemplo, tem uma janela no segundo andar, a gente punha praticável até o
segundo andar, o resto era tudo telão. Só punha estrutura onde a pessoa passava,
o resto era telão. Mas na frente dava a impressão que era tudo concreto. Tinha um
artista que pintava aquela coisa toda, coisa que não tem mais. Agora é tudo
projeção. Era tudo prático, tudo ilusório e é isso que o público quer ver. Não quer
saber se eu coloquei aquilo com concreto ou não, se eu fiz de isopor, ou se eu fui
buscar uma árvore no parque, uma árvore original ou se eu peguei um tubo de
PVC e pintei uma árvore. Isso mudou muito. A cenografia com a arquitetura,
misturou os dois, aí entrou a segurança. E de repente as pessoas veem uma certa
segurança que, ao mesmo tempo, não tem segurança. Por exemplo, eu pego um
tronco, vou no pantanal e pego um tronco com dez metros de altura, o diretor
ou cenógrafo manda pintar aquele tronco, para eu pendurar aquele tronco, vou ter
que colocar cabo de aço, porque o tronco pesa toneladas, certo? Duas, três
toneladas. Um tronco com diâmetro de trinta centímetros, vamos supor, um
eucalipto. Aí, eu pego um PVC de trinta centímetros, pego esse mesmo cara que
pintou e mando ele pintar o tronco no PVC. Eu duvido quem descobre qual é a
diferença. E eu vou pendurar com quantos quilos? 10 kg, 5 kg, e vou dormir
sossegado. Não tenho o perigo de dormir e aquele negócio despencar de quatro
toneladas. Eu passei por isso, eu não dormia na ópera. Com aquele negócio
pendurado e um monte de gente passando embaixo. Porque se despenca, quem
é o responsável? O cenotécnico, são os técnicos. Então, a coisa virou muito
realista, teatro não é isso.
O martelo e o edifício: o encontro entre ofício e espaço pela experiência de
um trabalhador cenotécnico no Theatro Municipal de São Paulo
Entrevista com Aníbal Marques (Pelé) - Concedida à Berilo Luigi Deiró Nosella; Priscila de Souza Chagas do Nascimento
Florianópolis, v.3, n.45, p.1-23, dez. 2022
15
E essa escolha, por exemplo, quando chega… No caso do Municipal, na Central
10
vocês ainda constroem algumas peças…?
Algumas coisas. Antigamente a gente construía, isso antes de virar fundação
a gente construía, depois parou. Quem pega o cenário para fazer, o cenógrafo ou
o diretor que pega, para um cenotécnico que ele acha que tem que fazer o
cenário, e eles conversam... Isso que ficou complicado. Vamos supor, eu sou o
diretor de uma ópera, ópera A: “vou dar meu cenário para o Jorge fazer, não quero
que o pessoal do Municipal faça”.
Só que quem vai operar vai ser o pessoal do Municipal?
que quem vai operar é o pessoal do Municipal. que, os cenotécnicos
do Municipal, não participam da montagem para poder dar as deixas. Porque
depois, quando chega e a gente começa a falar as coisas, começa a complicar
tudo: “Isso não dá, por causa disso, por causa disso…” Puxa! começa a atrasar,
tem que virar a noite… Isso acontece diariamente, quando é construído fora. Chega
lá, na hora, quem resolve é o pessoal do Municipal, o pessoal da casa que
trabalhando. Essa relação entre cenógrafo, diretor, cenotécnico que está
construindo e cenotécnico da casa, não existe. Hoje em dia não existe mais. Fica
entre eles [cenógrafo, diretor e cenotécnico construtor]. Seria tão fácil se os
quatro se reunissem junto com o maestro e dizia: “isso dá, isso não dá, isso entra,
isso não cabe…”
Até para decidir que material vai usar, como você fala. Qual é a vantagem, colocar
uma estrutura de metal e chapear com madeira
11
, será que vale a pena?
É, por exemplo, uma coisa simples que acontece muito, e as pessoas ficam
bravas comigo às vezes. Vai entrar um carro, você quer um carro que vai entrar
em cena, ele vai entrar assim [mostra uma linha reta], vai e volta. Simples né?
Você vai colocar o que? Uma roda fixa que vai para e volta. E quando ele está
10
Central Técnica de Produções Artísticas Chico Giacchieri é um lugar dedicado a preservação restauração e
armazenamento de cenários e figurinos do TMSP, como também, construção de novas montagens.
Informações disponíveis em https://www.sustenidos.org.br/theatro-municipal/ Acesso em: 17 ago. 2022.
11
Um dos elementos estruturais mais utilizados e tradicionais da cenografia é o painel. Nele é possível criar
um fundo para o espetáculo, seja através de pintura de arte em tecido ou com o adereçamento por meio
de diversos tipos de materiais. Com o passar do tempo o tecido pintado foi sendo substituídos por outros
materiais gerando o aumento do peso, e o metal ganhou espaço como matéria estrutural que era ocupado
pela madeira.
O martelo e o edifício: o encontro entre ofício e espaço pela experiência de
um trabalhador cenotécnico no Theatro Municipal de São Paulo
Entrevista com Aníbal Marques (Pelé) - Concedida à Berilo Luigi Deiró Nosella; Priscila de Souza Chagas do Nascimento
Florianópolis, v.3, n.45, p.1-23, dez. 2022
16
aqui na coxia? Como é que eu manobro ele, pra entrar com as outras coisas? Eu
não posso colocar roda fixa. Eu posso colocar roda fixa na frente, mas atrás eu
tenho que colocar móvel.
“Não, Pelé, mas só vai andar assim”
“Como, vai andar assim? E o atrás, gente? Como é que eu vou fazer a
movimentação para entrar com as outras coisas? E o coro que vai entrar aqui?”
Essa conversa não existe.
Seria a conversa que teria que ter com a equipe de operação, não maquinista,
mas também os contrarregras...
Exatamente. Porque a gente sabe o que está acontecendo, o que vai
acontecer ali dentro, qual a movimentação onde realmente a pessoa vai
passar.
“Olha, vai descer um cenário aqui”
“Mas aqui vai entrar esse carro, como você vai descer?”
“Mas a gente escolheu essa vara, está aqui no desenho”
“Gente, desenho é uma coisa, a prática é outra”
Eu, quando viajava, a primeira coisa, quando eu chegava no teatro, chamava
os técnicos: “vamos tomar um café comigo?” Pegava o desenho e falava: “Olha, é
isso aqui que nós vamos montar, como vocês acham que eu devo fazer?” E os
caras: “fica tranquilo, Pelé”. Eles é que montavam, eu não punha a mão em nada.
Só dizia:
“Do jeito que vocês acharem melhor, só precisa ter esse formato aqui”
“Pelé, pode cortar aqui?”
“Corta!”
“É que vai atrapalhar, porque vai descer não sei o que”
“Ótimo”
Não tive problema nenhum em teatro nenhum. Porque os técnicos são quem
sabe o que acontece dentro de um palco. Eu não vejo diferente. Eles que decidem
na realidade. Se está pronto, ou não está pronto, não é o diretor, não é o maestro,
não é o ator. Eu, Pelé, se eu vejo que não está pronto eu falo: “Não está pronto. Se
vocês quiserem ensaiar sem o cenário, tudo bem, mas não está pronto.”
O martelo e o edifício: o encontro entre ofício e espaço pela experiência de
um trabalhador cenotécnico no Theatro Municipal de São Paulo
Entrevista com Aníbal Marques (Pelé) - Concedida à Berilo Luigi Deiró Nosella; Priscila de Souza Chagas do Nascimento
Florianópolis, v.3, n.45, p.1-23, dez. 2022
17
Pelé, como foi para você esse processo? Você voltou com 18 anos para o Theatro
Municipal, que você fazia alguns trabalhos fora do Theatro, viajava também, e
depois como que foi? Você já conhecia toda essa maquinaria.
Quando eu entrei no Municipal, eu comecei a trabalhar com o meu pai,
fiquei dez anos fazendo trabalho extra, mas por São Paulo. pintou uma
oportunidade para fazer uma turnê em 1986, com a Rita Lee. E eu me mandei do
Municipal e fui conhecer o mundo. Meu pai ficou bravo comigo, falou: “você é louco,
moleque” Eu era ‘novão’ ainda, tinha meus vinte e seis anos. Fui para Europa, nós
fomos para um monte de lugar. E eu que fazia as traquitanas dela de voo. Ela tinha
uma cena em que Roberto Carvalho vinha de baixo e ela passava voando em
cima com uma flauta. no Ginásio do Ibirapuera foi um sucesso. Foi uma das
melhores épocas da minha vida. Quem que arrumou pra mim? Foi o Pupe. Vire e
mexe, o Pupe me chamava. Toda vez que o Pupe ia montar uma ópera no Theatro
Municipal, o Serroni, eles me chamavam e eu ia com eles. eu comecei a turnê
com ela e comecei a rodar o mundo. Fiquei cinco anos fora do Municipal. [...]
Quando eu voltei para o Municipal, nos anos 1990, eu voltei como chefe. A Cleusa
Fernandes, que era diretora técnica, me chamou de volta como maquinista, como
maquinista não, como chefe da maquinaria. Entrou o Plano Collor, eu aceitei
rapidinho, o Collor pegou todo nosso dinheirinho na poupança, todo mundo duro.
Eu tive amigo meu que quase se matou, na época. Foi difícil. Na verdade, eu entrei
em 1990 como maquinista, mas eu estava tão acostumado a viajar que eu fiquei
alguns meses. “Cleusa, não pra eu ficar aqui parado descendo vara,
subindo vara, não quero mais não.” E eu já tinha uma noção dessa coisa de teatro,
porque eu tinha trabalhado lá, e foi por isso que ela me chamou de volta. Falei
que ia embora, fiquei um ano e fui. Estou trabalhando, e ela me liga alguns
meses depois, acho que 1992.
“Oi Cleusa, fala aí”
“Vamos fazer um trabalho, uma ópera em Campinas, na Pedreira”
Fizemos a ópera
Cavalleria
ao ar livre, com o pessoal de Goiânia, uma coisa
linda. Montamos toda a estrutura dentro da pedreira com carros, caminhões do
exército, e eu estava responsável pela montagem de cenário. Fernando Guimarães
estava participando, o diretor que hoje é do Teatro Alfa, foi onde eu conheci Luiz
Henrique. Que coisa linda. E eu trabalhando com ela e ela falou: “Quer voltar
O martelo e o edifício: o encontro entre ofício e espaço pela experiência de
um trabalhador cenotécnico no Theatro Municipal de São Paulo
Entrevista com Aníbal Marques (Pelé) - Concedida à Berilo Luigi Deiró Nosella; Priscila de Souza Chagas do Nascimento
Florianópolis, v.3, n.45, p.1-23, dez. 2022
18
para o Theatro? Vou te dar um cargo de chefe.” voltei com o cargo de chefe.
Collor deixou o país todo endividado, a coisa estava feia. Então voltei e estou
até hoje. Peguei mais conhecimento, fui viajando cada vez mais. Agradeço muito
pelo Theatro Municipal, pelo que ele me proporcionou durante a minha vida. Não
tenho o que reclamar do Theatro Municipal. Se não fosse o teatro eu não sei o que
eu seria.
Pelé, queríamos saber sobre a Central Técnica
12
, porque ela recebe o nome do
Chico Giacchieri, que foi um cenotécnico que organizava a equipe para a
Temporada Lírica de Ópera. Você participou do processo que instaurou a Central
Técnica?
Eu acompanho todo aquele material que, no meu ponto de vista, ninguém
conhece aquela Central. Eu a acompanho, desde 1978. Aquele material, tem muita
coisa antiga, do quarto centenário. Tem gente que não sabe disso. Talvez alguém
de algum RH, da prefeitura, tenha alguma coisa guardada, coisa de museu. Tinha
coisas lá que podiam fazer museu. Porque, a Central já foi para muitos lugares de
São Paulo, se perdeu muita coisa. Quando a gente inaugurou o Centro Cultural, na
época enchia muito d’água. Quando o Theatro Municipal fechou em 1982, acho
que foi, na penúltima reforma... sei que ele ficou cinco anos para reforma nos
anos 1980, que foi até na época que eu me mandei do Theatro. Quando o Theatro
fechou, a gente ficava fazendo coisa em bairros, palanques, coisa para deputados,
essas coisas. Isso não é meu forte. E foi justo por isso, que eu aproveitei e me
mandei. “Vou explorar outra coisa, vou aprender outra coisa”. Aí, o que que
acontece? Esses materiais, tinham telões de grandes pintores, foi tudo para o
Centro Cultural e encheu de água e se perdeu muita coisa. De lá, foi para o Tendal
da Lapa, enchia de água lá também e perdeu bastante coisa. A maioria das coisas
de contrarregragem, bijuterias, isso a gente guardava no próprio Theatro. O teatro
não é um escritório, teatro é uma sala de espetáculo. A parte administrativa do
Theatro, ficava na Secretaria de Cultura. No Theatro ficavam as pessoas que
participavam, produção, técnicos, atores, maestros. Teatro é uma sala de
espetáculo, não é um escritório, não é um Rh. Porque hoje em dia ocuparam tudo
12
A Central Técnica de Produções Artísticas Chico Giacchieri da Secretaria Municipal de Cultura, de São Paulo,
foi criada e regulamentada pelo decreto 50.439 em 2009 deferido pelo então prefeito de São Paulo Gilberto
Kassab,
O martelo e o edifício: o encontro entre ofício e espaço pela experiência de
um trabalhador cenotécnico no Theatro Municipal de São Paulo
Entrevista com Aníbal Marques (Pelé) - Concedida à Berilo Luigi Deiró Nosella; Priscila de Souza Chagas do Nascimento
Florianópolis, v.3, n.45, p.1-23, dez. 2022
19
quanto é sala lá, então aquilo começou a se perder. A gente rodou muito, foi para
o Ipiranga, e todo lugar enchia de água. Foi para o Tendal da Lapa, para a Vila
Guilherme. E cada vez, eu separava peça por peça, porque cada montagem que a
gente tinha que desmontar, a gente tinha uma equipe diferente. Engraçado, porque
a cada quatro anos mudava o prefeito, mudava o secretário, e cada um vinha
com uma ideia. Como é até hoje. Só que, antigamente, eles consultavam a gente,
então a gente ia separava as coisas. A gente tinha esse conhecimento de olhar
e falar que esse painel é da ópera tal, vou colocar pra lá, esse pra cá. Esses objetos
vão para tal lugar. Adereços, essas coisas todas. E da Vila Guilherme nós fomos
para onde nós estamos hoje, na Central de Produção. Ali era um galpão que era
do metrô, os “caras” encheram o caminhão e puseram e eu comecei a separar
tudo de novo. Não sei até quando, mas tomara que fique ali para sempre.
Que ano que vocês ocuparam na Portuguesa
13
?
Acho que foi 2013. Não, não, foi antes de 2013. 2009? Mais ou menos aí.
Lá é um espaço bom, né? Tem um acervo gigante
14
.
Nossa, ali é excelente, ali dava para nós tomarmos conta, mas como é do
governo, não é da prefeitura, então tem uma política. Nós já fizemos exposição, já
fizemos espetáculos. Eu queria montar uma escola técnica ali, mas ninguém
escuta a gente. Ali tem espaço, tem um galpão vazio, que eu fazia as montagens
e de vez em quando eu levava alguns alunos da SP para lá, às vezes até escondido.
Contra muita gente, mas eu levava. Muita gente não gostava do que eu fazia, não
sei por quê.
Nossa, é um espaço maravilhoso, com muita coisa…
Ali tem coisa que muita gente não conhece, e o público de São Paulo merece
conhecer. Entendeu?
13
Portuguesa (ou Portuguesa-Tietê) é o ponto de referência da Central Técnica que é localizada na Rua Pascoal
Ranieri, no bairro do Canindé, na zona norte da capital paulista, aproximadamente 4,7 quilômetros de
distância da sede do TMSP.
14
A Central Técnica possui um extenso acervo de cenários e figurinos dos espetáculos de ópera e balé
apresentados no TMSP, onde são armazenados e restaurados. encontram-se estruturas e peças de
cenários, adereços e objetos cenográficos, indumentárias (figurino, sapatos, chapéus, perucas e acessórios),
além de oficinas equipadas para marcenaria e serralheria.
O martelo e o edifício: o encontro entre ofício e espaço pela experiência de
um trabalhador cenotécnico no Theatro Municipal de São Paulo
Entrevista com Aníbal Marques (Pelé) - Concedida à Berilo Luigi Deiró Nosella; Priscila de Souza Chagas do Nascimento
Florianópolis, v.3, n.45, p.1-23, dez. 2022
20
São várias funções dentro do instrumento da cenotécnica: tem a marcenaria, a
contrarregragem, a maquinaria, o acabamento, a pintura de arte, o adereço e a
serralheria, que agora está forte, mais presente do que era antes, então queríamos
saber, se alguém perguntasse o que você faz, como você explicaria? Como é o seu
trabalho? O que é o cenotécnico?
Cenotécnico? Nossa é difícil de responder isso. Cenotécnico, ele é
responsável pela construção, pela montagem e a distribuição de técnicos. Cada
um no seu lugar. O cenotécnico tem que verificar se essa construção está bem-
feita, se o acabamento está bem-feito, porque ele tem que ter a noção que vai
entrar um vestido com uma capa que não pode arranhar e nem enganchar em
lugar nenhum. Então esse piso tem que estar legal. Ele vai verificar se o tapete do
balé está bem esticadinho, bem colocado, para o bailarino não cair. Ele vai verificar
se aquele cenário que está pendurado está bem amarrado. Ele vai verificar se
aquele cenário que vai subir e descer não vai bater em lugar nenhum. “Quem é
que vai operar esse espetáculo?” “Quem é que vai operar essa vara?” A pessoa que
tem mais desempenho para aquele tipo de coisa. Porque cada maquinista tem o
seu lugar. Cada contrarregra tem o seu lugar. Tem contrarregra que gosta de entrar
em cena para trocar uma peça, tem outros que não conseguem entrar em cena
para trocar uma cena. Então, o cenotécnico tem que enxergar o seu todo. Ele tem
que ter uma visão, de entrar no local e falar: “aquilo ali está desafinado”. Ele tem
que ter esse olho, ele tem que ter ouvido. Se alguma coisa está subindo e
descendo, se está fazendo um barulho diferente na roldana. Ele tem que pensar
antes de acontecer. Eu enxergo o cenotécnico assim. Ele tem que estar prevenido.
E, se acontecer, ele tem que ter uma solução imediata para aquele problema,
porque a gente está trabalhando com vida humana e a gente é ao vivo. Cortina
abriu, não tem volta, o espetáculo não pode parar. Então, o cenotécnico, no meu
modo de ver, é uma das pessoas mais responsáveis pelo espetáculo acontecer.
Ele é o maestro da técnica, do espetáculo que estiver acontecendo. Ele tem que
saber se o prego está bem batido, se o parafuso está bem apertado, se vai
aguentar três pessoas em cima da mesa, porque tem cenário que a gente faz que
as pessoas sobem na mesa, pendura na parede. Tudo isso, ele que vai ver, porque
na hora que o cara botar a mão e o negócio cair, imagina. Então o cenotécnico tem
que ter o olho clínico, ele é o médico. Ele tem que resolver, não importa o que
O martelo e o edifício: o encontro entre ofício e espaço pela experiência de
um trabalhador cenotécnico no Theatro Municipal de São Paulo
Entrevista com Aníbal Marques (Pelé) - Concedida à Berilo Luigi Deiró Nosella; Priscila de Souza Chagas do Nascimento
Florianópolis, v.3, n.45, p.1-23, dez. 2022
21
acontecer, porque o primeiro que vai levar bronca é ele.
E para a gente finalizar, eu queria que você falasse um pouco, de como você
enxerga o futuro desse ofício?
É, estou para me aposentar. Estou me aposentando. Como eu vejo o futuro?
Eu acho que vai ser um futuro de acordo com a época que estamos vivendo, a
tecnologia. Porque eu estou vendo que está difícil. Porque se não tiver pessoas
que nem você, por exemplo, que brigam pela técnica, que não abrem mão da
técnica, que não abrem mão de formar pessoas, eu acho que vai ficar meio
perigoso. Porque eu não vejo técnico que [são poucos] entram e querem botar a
mão na massa. A tecnologia é ótima, mas para a geração de hoje em dia, eles
estão dando mais prioridade para a tecnologia do que para o manual. Por exemplo,
eu vejo que para operar, puxar uma corda está difícil de achar técnico para fazer
esse movimento de puxar uma corda, que é a coisa mais simples que tem. Mas
ele tem que ter essa técnica, força, tempo, essa coisa toda. Está difícil de achar.
Porque o técnico está muito no celular. Eu tenho um pouco de medo disso para o
futuro, da tecnologia atrapalhar essa coisa da cenotécnica, da construção. Por isso
que a gente precisa formar pessoas, para ter um futuro legal para essa profissão.
Porque, senão, acaba acontecendo, a gente vai ter projeções. Não vamos ter
técnicos, não vamos ter profissão mais. Vai ter uma pessoa só, no Theatro
Municipal, o resto tudo projeção, entra um praticável, sai um praticável. Não tem
mais aquela criação, porque, cadê os técnicos para construir? Cadê os técnicos
para bater o prego? Porque ninguém quer nem bater prego mais. Os técnicos não
querem andar com martelo na cinta. A geração de hoje em dia não quer andar
com martelo na cinta, que é o mínimo que eu exijo no Theatro Municipal. Eu exijo,
com quem trabalha comigo: “você tem que ter o seu martelo”. Eu passei por
situações no Theatro Municipal, que tinham dez pessoas, aconteceu de quebrar
um negócio e precisava pregar rapidinho, para não parar o ensaio, aquela coisa
toda. “Prega aqui pra mim, fulano”. Dez e não tinha um com martelo. A
identificação do maquinista é o martelo. Mas todos estavam com o celular.
Deveriam estar prestando atenção no que estava acontecendo, para já ter a noção
de vir com o martelo, sem esperar ser mandado. Eu tenho medo desse futuro da
cenotécnica. Tenho um pouco de receio que a tecnologia possa atrapalhar esses
O martelo e o edifício: o encontro entre ofício e espaço pela experiência de
um trabalhador cenotécnico no Theatro Municipal de São Paulo
Entrevista com Aníbal Marques (Pelé) - Concedida à Berilo Luigi Deiró Nosella; Priscila de Souza Chagas do Nascimento
Florianópolis, v.3, n.45, p.1-23, dez. 2022
22
garotos. Está cheio de gente querendo aprender, mas quando chega na hora da
prática, do pesado, sinto essa falta. Todos são ótimos, mas estou sentindo essa
falta. Às vezes, dando aula na SP Escola, são poucos os que se interessam para
pegar no pesado. Por isso que eu levava as minhas coisas [ferramentas] para lá.
Falei para o Serroni, falei para a diretora, na época: “eu não posso dar aula de
teoria, minha coisa é a prática”. Porque ser um técnico de palco tem que praticar.
E isso, está me deixando a desejar, estou preocupado. Os técnicos querem se
valorizar, mas eles têm que se dar o valor. A gente tem os nossos direitos e os
nossos deveres como técnico. Os antigos não, os técnicos antigos, o Português, o
Terribele… O Terribele, na idade dele, ele põe o martelinho dele e está lá. Agora
essa geração de hoje em dia, eu não vejo um, tenho que ficar falando: “Marcelo,
por favor, pede para esse pessoal colocar o martelo que a gente está numa
montagem”. Eu vou ter que parar uma montagem, esperar o cara pegar o martelo,
ou ter que dizer para ele pegar o martelo para pregar isso daqui. O técnico tem
que estar na frente. Antes de acontecer a gente tem que estar prevenido para
isso. Só que eu não vejo isso acontecer. Eu tenho medo do futuro a este respeito.
Os técnicos que estão vindo, não estão enxergando essa coisa da prática. Se tem
uma coisa em uma vara motorizada, um ou dois querem ir fazer. em um
manual, ninguém quer fazer, porque vai fazer força. São poucos que gostam de
fazer, eu conto no dedo. Por isso, quando eu tenho uma ópera, eu que monto:
varanda, chão e tal lugar.
Tem que dominar a tecnologia, saber qual botão apertar, mas se o botão não
funcionar, tem que saber resolver manualmente.
Exatamente. Porque o gostoso do teatro é o manual. Quebrar a cabeça. Junto
com o cantor, o bailarino. E a coisa está ficando cada vez mais crítica, porque o
contrapeso está ficando cada vez mais pesado, os cenários cada vez mais
pesados. Cada vez mais pesado e não temos gente para operar esse tipo de
material. Se não tiver a vara elétrica não funciona. Estou preocupado. Como é que
você vai montar e desmontar um cenário rápido, e você vai ficar parafusando e
desparafusando toda hora? Põe o martelo, deixa um pouquinho a cabeça [do
prego] para cima, chega e
tufi
[movimento de tirar o prego], desmontou. É a
prática, tem que ter prática. o parafuso, espana a cabeça, a máquina não tem
O martelo e o edifício: o encontro entre ofício e espaço pela experiência de
um trabalhador cenotécnico no Theatro Municipal de São Paulo
Entrevista com Aníbal Marques (Pelé) - Concedida à Berilo Luigi Deiró Nosella; Priscila de Souza Chagas do Nascimento
Florianópolis, v.3, n.45, p.1-23, dez. 2022
23
bateira… pelo amor de Deus. Parafuso é quando você está construindo, mas
quando você está fazendo movimentação rápida é o martelinho. O martelinho é
seu ganha pão. Tenho um martelo que foi meu pai que meu deu, até hoje eu tenho.
Conheceu o mundo, meu martelo.
Referências
ALVES, M. A.
O trabalho técnico no campo das artes e espetáculos: um estudo
sobre o Theatro Municipal de São Paulo.
2008. Tese (Doutorado em Artes da Cena)
- Universidade Estadual de Campinas. Campinas, Campinas, 2008.
ALVES, M. A.
O trabalho do técnico de palco no contexto de um teatro público:
década de 1950 a 2000. PROA Revista de Antropologia e Arte,
Campinas, v. 01, n. 1ª,
p. 190 - 227, 2009. Disponível em: <http://www.ifch.unicamp.br/proa>.
DUBATTI, J.
O teatro dos mortos: Introdução a uma filosofia do teatro.
São Paulo:
SESC, v. e-book, 2007.
MATE, A. L.
Anexo à tese A Produção Teatral Paulistana dos anos 1980 -
R(ab)iscando com faca o chão da história: Tempo de contar os (pré)juízos em
percursos de andança.
2998. Tese (Doutorado em Artes Cênicas). 2008.
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008.
NASCIMENTO, P. S. C.
Cenotecnia, a criação dos operários da cena: Um estudo
sobre as funções dos trabalhadores cenotécnicos da cidade de São Paulo.
2022.
Dissertação (Mestrado em Artes Cênicas
)
- Universidade Federal de São João del-
Rei, São João del-Rei, 2022.
SILVA, J. F.
Os invisíveis do teatro: primeiro ato. São Paulo: Intermezzo Editorial,
2020.
SILVA, J. F. Os Invisíveis do teatro: segundo ato. São Paulo: Intermezzo Editorial,
2021.
VIANA, F. R. P.; NETO CAMPELLO, A. H. C.
Introdução histórica sobre cenografia: os
primeiros rascunhos
. São Paulo: [s.n.], 2010.
Recebido em: 28/08/2022
Aprovado em: 15/09/2022
Universidade do Estado de Santa Catarina
UDESC
Programa de Pós-Graduação em Teatro
PPGT
Centro de Arte CEART
Urdimento
Revista de Estudos em Artes Cênicas
Urdimento.ceart@udesc.br