Teatro que Roda invade a cidade: Ensaio acerca do espetáculo
Das Saborosas Aventuras de Dom Quixote...
José Alencar de Melo; Natassia Duarte Garcia Leite de Oliveira
Florianópolis, v.3, n.45, p.1-31, dez. 2022
espacializada provoca nos atores outros estímulos, que ora vão moldando, ora
modificando, ora reestruturando a dramaturgia ou algo que está sendo encenado
por esse ator de “corpo-em-vida”, o qual é orgânico e pode vir a conhecer a
organicidade cênica. Ou seja, um ator que aprende, apreende a plenitude dos sons,
dos cheiros, das imagens e que entra em fluxo com a cidade. Portanto, o ator é
parte desse espaço, o espaço se torna parte dele, e ele se compõe com esse
espaço. Neste caso, não se pode, portanto, falar de espaço e espacialidade sem
falar da atuação do ator.
Quando se opera com o corpo objétil
, trabalha-se com a ideia do objeto que
é ressignificado, transformado e lançado numa forma de imaginário diferente.
Elementos concretos são lançados para uma abstração, para um imaginário dos
seres imaginários que permeiam a narrativa original de
Das saborosas aventuras
de Dom Quixote de La Mancha e seu fiel Escudeiro Sancho Pança – um capítulo
que poderia ter sido
, isto é, são atualizados no momento e na presentificação da
performance urbana. O ator lança mão de uma técnica, e seu corpo entra em
fluxo com o espaço, se tornando um corpo, sinestesicamente, com toda a
espacialidade, em suas múltiplas dimensões. É um ator que está intimamente
conectado com a espacialidade e, ao mesmo tempo, a espacialidade de seu corpo
deve se organicizar com a cidade, no tempo e no espaço. Assiste-se a atores que
interveem e interferem na cidade, com seu corpo que dialogam com a cidade para
criar a dramaturgia.
É nesse contexto que o grupo Teatro que Roda estabelece suas relações com
a cidade, com o fluxo em que o ator entra em relação ao espaço e a todas as
possibilidades que esse espaço pode dar. Essa relação pode ser nos espaços
acústico, visual, plástico e estético, ou mesmo no espaço afetivo, que envolvem
as relações do ator com pessoas que transitam por estes.
Natássia Oliveira (2009, 2011, 2013) a partir de seus estudos contínuos, atualmente, define corpo objétil como
o corpo que se lança como objeto e entra em fluxo com as várias dimensões do espaço da cidade em todas
as suas dimensões (plasticidade – incluindo espaço cênico, des.caracterização dos performers, sonoridade
e luminosidade; textualidades corp.Orais; per.formações e experiências estéticas; cinestesias e sinestesias
– movimentos, peso, resistências, posição do corpo, intensidades, estados, sabores, cheiros, odores,
experienciações táteis e auditivas, texturas; contato com transeuntes, etc.). Mas o corpo-objétil é sujeito
histórico e está ligado às condições objetivas e materiais, podendo modificar a estrutura da rua e
ressignificá-la em suas várias dimensões, bem como pode ser trans(formado) por ela. Ou seja, o ator ora é
sujeito, ora é objeto: o espaço ocupa seu corpo, ao mesmo tempo em que o seu corpo estabelece uma
conexão com a espacialidade da cidade.