A
alegoria cômica
como artifício cênico nas obras da Quasar Cia. de Dança (1989-1992)
Rafael Guarato
Florianópolis, v.3, n.45, p.1-24, dez. 2022
tempo presente.
Não existia fórmula ou modelo para fazer dança, assim como, não havia amparo
em procedimentos específicos de técnicas ou tradições cênicas. Mas, ao mesmo tempo,
essa dança não estava “solta na história”, mas condicionada ao seu tempo e espaço
onde se deu e às pessoas que a constituíram. Essa especificidade é traduzida pela então
bailarina e hoje diretora executiva, Vera Bicalho (2022), nas seguintes palavras: “Fazíamos
estudos e experiências, e era uma coisa muito divertida [...] era sem um compromisso.”
A sensação de não terem orientação estética específica, de não serem obrigados a fazer
de um modo pré-estabelecido, acrescido às diferentes formações artísticas do elenco,
fez da dança algo “divertido”.
A comicidade à qual me refiro, possui um lastro identificável com a preocupação
artística de fazer rir. Entretanto, a historiadora Verena Alberti (2002) em seus estudos
sobre o risível, destacou que existe certo consenso em tratá-lo por sua função desviante
em relação à norma, que permite ao ato de rir, subverter domínios, opressões e relações
sociais normativas, podendo ocorrer por meio de descontinuidade, exagero, ironia, sátira,
humilhação, ridicularização da crítica e da racionalidade e do inesperado. Esse
entendimento vai de encontro com as formulações de Sigmund Freud (1996 [1905], p.
118)
, quando este define o risível por sua capacidade de conectar coisas de um modo
"rejeitado e cuidadosamente evitado pelo pensamento sério."
Para tanto, a elaboração de frases, gestos ou cenas capazes de fazer rir, demanda
um modo específico de organização de informações, assumindo aspectos de uma
técnica comunicacional capaz de fazer compreensível a comunicação cômica. A técnica
de comicidade utilizada pela Quasar, constitui-se como um jogo que é simultaneamente
estético, político e ético, uma vez que condensa ideias em cenas curtas, fornecendo um
produto que reúne processos complexos, assim como, o humor permite existir algo
compartilhado, uma espécie de resíduo da vida urbana que partilhamos e que nos
permite reconhecer situações por meio de uma supervalorização da interpretação ao
mesmo tempo em que possibilita zombar das interpretações e/ou regras normativas,
permitindo assim, desestabilizar o social e a seriedade da racionalidade.
Especificamente nos estudos em dança, o pesquisador e artista Jorge Alencar
(2008), reconheceu que o cômico em dança também permite reorientar os modos como
Sobre a análise dos chistes em Freud, tomo de empréstimo seu tratamento do “chiste de condensação”,
mas sem adentrar em questões específicas da psicanálise como a “elaboração onírica” e nem sua relação
com o “Pensamento onírico latente”, seguindo as recomendações do historiador Michael de Certeau (2002),
sobre os limites do uso da psicanálise para explicações históricas.