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Uma mirada solar ao sul:
relato do processo de criação da dramaturgia
e encenação da peça de agitação
Soledad
Mariana Cesar Coral
Para citar este artigo:
CORAL, Mariana Cesar. Uma mirada solar ao sul: relato do
processo de criação da dramaturgia e encenação da peça
de agitação
Soledad
.
Urdimento
Revista de Estudos em
Artes Cênicas, Florianópolis, v. 2, n. 44, set. 2022.
DOI: http:/dx.doi.org/10.5965/1414573102442022e0302
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relato do processo de criação da dramaturgia e encenação da peça de agitação
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Florianópolis, v.2, n.44, p.1-20, set. 2022
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Uma mirada solar ao sul: relato do processo de criação da
dramaturgia e encenação da peça de agitação
Soledad
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Mariana Cesar Coral
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Resumo
Esse relato propôs a descrever e discutir o processo de criação da
dramaturgia e encenação da peça
Soledad
sob a perspectiva do pensamento
decolonial, registrando elementos que contribuem para propor processos
criativos latino-americanos em uma mirada ao sul. A peça parte da história
da militante e poeta Soledad Barrett Viedma, vítima da Ditadura militar
brasileira, em 1973, e de histórias de mulheres insurgentes. Ao analisar o
processo de criação de
Soledad
, o estudo identificou os caminhos de
construção imagética e dramatúrgica, evidenciando as alegorias da peça.
Palavras-chave
: Soledad Barrett. Teatro. Dramaturgias do sul.
A solar gaze to the south: report the process of creating the
dramaturgy and staging of the play
Soledad
Abstract
This report proposes to describe and discuss the process of creating the
dramaturgy and staging of the play
Soledad
from the perspective of
decolonial thinking, registering elements that contribute to proposing Latin
American creative processes in a southern gaze. The play starts from the
story of activist and poet Soledad Barrett Viedma, victim of the Brazilian
military dictatorship in 1973, and stories of insurgent women. By analyzing the
process of creation of
Soledad
, the study identified the paths of imagery and
dramaturgical construction, highlighting the allegories of the play.
Keywords
: Soledad Barrett. Theater. Southern dramaturgies.
1
Revisão ortográfica e gramatical do artigo realizada por Priscila Rosa Martins. Mestra em Letras pela
Universidade Estadual de Londrina. E-mail: profpriscilar@gmail.com
2
Doutoranda e Mestra (2019) pelo programa de pós-graduação em Artes da Cena (UDESC); bacharel em Teatro
pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP-2003) e possui especialização em Arte Crítica e
Curadoria (PUC/São Paulo-2012). É atriz, dramaturga, diretora e encenadora de Teatro.
coralemariana2@gmail.com
http://lattes.cnpq.br/0174586398682379 https://orcid.org/0000-0002-9410-0808
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Una mirada solar al sur: reporte el proceso de creación de la
dramaturgia y puesta en escena de la obra
Soledad
Resumen
Este informe se propuso describir y discutir el proceso de creación de la
dramaturgia y puesta en escena de la obra
Soledad
desde la perspectiva del
pensamiento decolonial, registrando elementos que contribuyen a proponer
procesos creativos latinoamericanos en una mirada sureña. La obra parte de
la historia de la activista y poeta Soledad Barrett Viedma, víctima de la
dictadura militar brasileña en 1973, y de historias de mujeres insurgentes. Al
analizar el proceso de creación de
Soledad
, el estudio identificó los caminos
de la construcción imaginaria y dramatúrgica, destacando las alegorías de la
obra.
Palabras clave
: Soledad Barrett. Teatro. Dramaturgias sureñas.
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[...]
é provável que ainda sigas olhando
Soledad compatriota de três ou quatro povos
o limpo futuro pelo qual vivias
e pelo qual nunca te negaste a morrer.
(Mario Benedetti)
A peça
Soledad
(2021) começou a ser imaginada antes do período de
isolamento pandêmico. Com produção da Cia Embróglio (Florianópolis, SC), foi
apresentada por cinco vezes de forma on-line, entre os dias 16 de outubro de 2021
e 06 de novembro de 2021. Sua realização teve o suporte do fomento municipal
da cidade de Florianópolis (2020) por meio da Fundação Cultural Franklin Cascaes.
Soledad
faz parte da pesquisa de doutorado sobre Teatro Brasileiro, da artista
Mariana Corale, e agrupa uma série de artistas fincados na Ilha de Santa Catarina,
entre eles: Fátima Costa de Lima, Ana Viegas, Yalis Barrett Drummond, Edinho
Roldan, Paula Maba, François Muleka, Rafael Motta, Gustavo Bieberbach, Ricardo
Goulart, Natália Poli, Rachel Seixas e Sérgio Vignes.
O sonho coletivo de falar sobre Soledad passou a ser desejado por nosso
grupo no ano de 2015, quando na página
As minas da história
3
, lemos sobre a
história da poeta e militante paraguaia. Naquele momento, estávamos escrevendo
outra peça,
Ontem à noite caía o sol
(2015). Quem era essa mulher assassinada
pelo governo brasileiro em 1973 no episódio conhecido como massacre da granja
São Bento?
4
Soledad Barrett Viedma nasceu no Paraguai em 1945 e passou por diversos
países da América Latina: Argentina, Uruguai, Chile, Cuba e Brasil. Seu destino foi
interrompido aos 28 anos, em 1973, na cidade de Bragança Paulista, no Estado de
Pernambuco, Brasil, onde junto com outros camaradas em atividades da
Vanguarda Popular Revolucionária (VPR
5
) organizava ações de contraponto à
3
Página sobre memória e protagonismo de mulheres: https://asminanahistoria.wordpress.com Acesso em: 08
mar. 2022
4
Para saber mais: https://memoriasdaditadura.org.br/memorial/soledad-barret-viedma/
Acesso em: 08 mar. 2022
5
A Vanguarda Popular Revolucionária foi uma organização político-militar criada em 1968. Teve como um dos
principais líderes Carlos Lamarca.
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Ditadura Militar em curso em nosso país. Soledad Barrett é uma figura muito
lembrada na esquerda latino-americana, as fotos de seu rosto e seu nome andam
a vagar em todo continente em muros e manifestações.
Foi no Uruguai que recebeu as “impronunciáveis” em suas coxas durante um
sequestro praticado por um grupo de direita, ainda aos 17 anos
6
. Sua vida, misto
de sonhos e tragédia, tem um caráter simbólico muito forte, sua beleza e sua
própria morte tornaram-se emblemas do feminicídio, da violência contra a mulher
e, ao mesmo tempo, da resistência ao capitalismo e ao imperialismo. Seu trânsito
na América Latina, sua aproximação aos trabalhadores de algodão na Argentina,
seus caminhos como militante e o fato de ser de uma família de militantes
anarquistas, além de sua violenta morte e desaparecimento do corpo, criaram em
torno de Soledad Barrett uma imagem forte, mas também calcada em uma grande
melancolia.
De início, levando em consideração a hipótese dramática que Soledad
estivesse a vagar por esse tempo, nosso intuito era criar uma encenação a partir
da categoria de fantasma. O percurso investigativo foi muito intenso, tanto a
pesquisa em si, o contato com os familiares, quanto as leituras dos relatórios da
Comissão Nacional da Verdade
7
. O fato de seu corpo ter desaparecido, seus restos
mortais não terem sido até hoje velados, a falta de enterro, de velas, da
materialidade dos ritos fúnebres. Em 2023, a memória de sua morte chegará aos
50 anos e há o desejo de seus familiares e admiradores, ainda, de realizar os ritos
de passagem. Foram quatro meses até conseguirmos nos aproximar dos materiais
existentes, pensando no trabalho de memória como cercado de esquecimentos e
encobrimentos. A partir do encontro público com Ñaisandy Barrett de Araújo, filha
de Soledad, fomos traçando um caminho no qual outras histórias puderam ser
agregadas.
Com o desenvolvimento da pesquisa, percebemos que a maior parte do
material enfatizava o momento de sua morte e estávamos atrás da vida, de seus
6
Notícia sobre os 45 anos do assassinato de Soledad disponível em:
https://www.lanacion.com.py/espectaculo/2018/01/08/a-45-anos-del-asesinato-de-soledad-barrett/. Acesso
em: 01 maio 2022
7
Disponível em: http://cnv.memoriasreveladas.gov.br/images/pdf/relatorio/volume_3_digital.pdf Acesso em: 08
jun. 2022.
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caminhos pelo sul. A partir da aproximação de imagens da vida de Soledad Barrett
Viedma, iniciamos um processo de costuras e bordados materiais e alegóricos,
pensando o território da
Abya Yala
8
(a América ainda sem fronteiras), a terra
profunda ameríndia, e nos aproximamos artisticamente de situações de
enfrentamentos e utopias. A sinopse da divulgação enfoca isso:
A peça tenta criar efervescências de imagens, transitando em um Teatro
barroco, tempos, espaços e fantasmas que nos convocam a ter coragem
para enfrentar os desafios da atualidade; plantando ações do passado e
do presente em um heliotropismo histórico ancorado na arte e na
coletividade dos artistas.
9
Com o passar dos ensaios, fomos adentrando em uma situação de uma figura
mais profética, carnavalizada, essa figura, interpretada pela atriz Fátima Costa de
Lima, falava de outras mulheres que partiram, evocando-as; e de outras ainda
vivas, no front. A ideia de profeta traz a materialidade da narração, um
intermediário entre o sobrenatural e a humanidade. O tom profético da atriz traz
a convivência do sagrado e do profano e as conversas trabalham além dos planos
materiais, são conversas espirituais, dívidas, reencontros. um esforço para
tratar o não-dito (Pollack, 1989). O gesto da atriz é permeado por emoção e ironia,
as quebras épicas lidam com o sarcasmo, mas não de forma pura, há dialéticas e
convivência de opostos. Nesse momento, entra a carnavalização da linguagem
(Bakhtin, 2010).
A pesquisa de meses nos Arquivos da Comissão Nacional da Verdade era
insuficiente e foi preciso trazer histórias de outras mulheres para conversar com
a biografia de Soledad. Não apenas as que estavam perto da Sol, mas sim outras
histórias de resiliências. Na peça, há um forte apelo temporal, tanto pela ausência
ou presença do Sol (que insistiu em nos deixar na estreia) e a imagem da atriz. O
Sol passa a ser uma alegoria da Sol (Soledad) e sua imagem adentra-se na peça,
como figuração e repleta de significados sobrepostos. Desde o início, levamos
também em consideração, para a construção da peça, o desejo de quebrar a
8
Para saber mais sobre a expressão Abya Yala: http://latinoamericana.wiki.br/verbetes/a/abya-yala.
Acesso em: 08 mar. 2022
9
Texto da sinopse utilizado na divulgação nas redes sociais.
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melancolia do tema. A relação alegórica com o Sol possibilitou um direcionamento
mais vivo, ligado a uma imaginação política de enfrentamento de nossos desafios
da criação artística.
Em relação à Sol (Soledad), havia um acerto de contas, uma dívida. Esse
acerto passava pela questão da maternidade, Soledad havia deixado sua filha em
Cuba em 1971 e não pode voltar. Em janeiro de 1973, foi capturada em Olinda (PE)
e, junto com Pauline Reichestul, foram torturadas e assassinadas. Passam-se
décadas. um vácuo, outras mulheres. Pensando com a pesquisadora
nigeriana
Oyèronké OyeWùmí
(2019), outras formas de entender a questão da
maternidade, da
maternagem
, das maternidades e do gênero. A história de
Soledad Barrett Viedma como militante e como mãe é complexa e nos deparamos
com essa questão assim que iniciamos a pesquisa. Os ecos patriarcais são tão
fortes que nos impedem de entender histórias fora do padrão.
Para compor essa alegoria, algumas outras imagens foram colocadas em
cena: o milho, a fome (
hambre
), el perro
matapacos
. Durante toda a peça,
decidimos que era preciso mesclar o português e o espanhol em um linguajar
poético e popular. A escolha pelo milho inseria a representação do alimento base
das civilizações maias, astecas e tantas outras de nosso continente da América
Latina ou “Améfrica Ladina”
10
(Gonzalez, 1988). Desde o início da peça, colocamos
diversas imagens de pluralidade para tentar dar conta desse espaço, sem recalcar
nossas mazelas, sendo a maior delas a fome. As imagens em contradição: o milho
e a fome. Na
Améfrica
, a fome é construída a partir do início da colonização, da
modernidade e do racismo. A fome, presente também em nosso ano de 2022,
constrói-se por uma brutal distribuição de renda, de terra e pela venda de
nossas empresas estatais, ilustrando parte do cenário brasileiro. A fome é um
10
Lélia coloca a categoria
amefricanidade
para dar conta de nossas particularidades. Primeiro ela se utiliza da
palavra América e junta com a África como registro de legado, herança. “Partindo de uma perspectiva histórico
e cultural é importante reconhecer que a experiência
amefricana
diferenciou-se daquelas dos africanos que
permaneceram em seu próprio continente” (Gonzalez, 1988, p. 78). A
amefricanidade
faz com que possamos sair
de uma visão idealizada da África lidando com nosso próprio legado de resistência construída aqui nesse
território. A amefricanidade serviria para todos que estão na América, pois leva em consideração o legado
indígena e africano, apoiando-se na resistência da escravização, a reinterpretação e as adaptações culturais e
históricas. Amefricanos são todos da América, sem limite territorial dos estados nações. A categoria
amefricano
tem muito do négritude, afrocentricity (expressões de positivação do panafricanismo). uma criação do
território da diáspora incorporando o legado como uma grande herança de riqueza cultural, artística, histórica e
de conhecimentos. Lélia destaca a força dessa herança e podemos pensar em outros tempos e espaços de luta
que se somam ao atual.
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projeto colonial que deu certo, ameniza-se em governos populares, mas volta a
emergir no neoliberalismo brutal e galopante. Assim que a peça inicia-se, algumas
imagens já são colocadas:
NORTE (PLANO ESPIRITUAL) PARA O SUL (CULTIVOS, MUJER )
(
Edad caminha do norte ao sul, vinda de outro lugar, é pega no meio da
cena - Senta com um cesto em sua frente, Edad debulha espigas de
milho. Ela resmunga sobre o milho e a fome
)
Milho, maíz, tem, tiene mucho! (
ela dá risada
) la hambre, a fome é coisa
inventada
...
(
Dirige-se ao público
):
Sou a mulher que não morreu e el perro matapacos me acompanha
Ele pode latir se você se mexer, muito estranho...
(
muda de tom
)
(
saindo do sonho
)
Te extraño carinho. Carrego em mim marcas de outros séculos, outros
tempos, passei por Tenochtitlán e passei por Cuzco,
soy una mujer que debulha o milho em frente ao lago Chiapas.
(Coral, 2021, n.p.)
A atriz Fátima Costa de Lima, no processo, tenta criar uma imagem alegórica
e carnavalizada, sua interpretação joga com a narrativa sem aderir totalmente ao
texto, buscando sempre a dialética da cena. uma tentativa de colocar o
território da América Latina como central, fugindo da visão de periferia do mundo
e como chão. Esse chão dar-se-á em um sentido do espaço geográfico e, também,
do espaço cênico. O sul como epistemologia liga-se ao chão, numa busca por
romper as fronteiras dos Estados-Nações; pensando em um espaço pré-colonial
ou uma utopia decolonial. O chão também se liga à vida, à produção de alimentos
e ao sangue derramado nas lutas populares, é ainda o lugar onde estão os mortos
e os desaparecidos.
A peça de agitação
Soledad
tem a alegoria
benjaminiana
11
como procedimento
11
“A alegoria - mais especificamente, a alegoria
benjaminiana
- carrega em si uma espécie de alheamento da
tradição, que abre espaços entre o presente e um passado o qual talvez ficasse para sempre sepultado sem o
trabalho da alegoria. Portanto, em relação à temporalidade histórica são duas as intervenções da alegoria: ela
permite acessar outro passado, que foi esquecido, e desse modo permite o acontecer outro presente”. (Lima,
2021, p. 130)
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de construção artística, por esse motivo, imagens são anexadas, como
suplementos; são ruínas a serem interpretadas. Aos poucos, vamos mostrando
procedimentos de agrupamentos de imagens, fragmentos que vão formando
figurações; criando sentidos que não se esgotam. Não uma mensagem única,
existe o tempo inteiro como imagem de fundo, sem ser explicitado, o corpo
ultrajado e o
cadáver como emblema
(Benjamin, 2011). Para realizar a pesquisa,
deparamo-nos com o registro tanatoscópico, é dele a imagem do
cadáver
ultrajado
de Soledad Barrett. Na encenação, esse corpo não aparece, mas está
presente, um fundo de olho, é fim aparente da história, dando a dialética e a
urgência para o que é mostrado. O fato de sabermos que ele é o fim trágico da
biografia que trabalhamos carrega um forte apelo emocional no espectador e na
equipe da peça, por sua violência. Ele é o limite alegórico e imagético, que torna
tudo que é dito com mais impacto.
Figura 1 - Fátima Costa de Lima em
Soledad
, direção Mariana Corale (2021)
Foto: Sérgio Vignes
Fonte: Arquivo pessoal
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A alegorização tensiona a criação artística e as imagens tornam-se anexos a
serem interpretados. As memórias das mulheres trabalham em um sentido
acumulativo, são histórias de violência, superação e de impacto na história da
América Latina. Essa alta alegorização corrobora também no sentido de
destrinchar a
colonialidade
, as estruturas e relações de poder. Soledad é esse
amálgama que une a história dessas mulheres, chegando agora localmente a
Santa Catarina, onde também mulheres "desobedientes''. Um exemplo desse
encontro é a história de Yonara Marques, do grupo Cirquinho do Revirado,
explicitada no momento quando largaram tudo, em 1997, para comprar uma lona
de circo. Junto com Yonara incluímos a história de Julia Madeira, que evidencia a
diferença de gênero no ambiente capitalista e do trabalho:
Soy todos ustedes. Adónde van? Que tierra van a dejar?
La mediocridad, la ignorancia, el inmediatismo
em que transformam sua jornada, em
pixes
de capitalismo
Estou a ouvir Soledad e peço coragem. Ação!
Não te lamentes, fale com todos à sua volta.
O artista da fome mostra a todos que o queremos pouco e somos
muitos. A criança precisa do palhaço. O circo foi nosso chão quando
deixamos o mundo onde tudo é cobrado: o ar, o oxigênio, a água. Yonara
Marques, rainha que não se contenta com pouco.
Estou a olhar Criciúma na década de 30 e vejo muitas mulheres a carregar
os caminhões de carvão. Seu Ratinho estava lá, andando devagar, o
homem ganhava por diária e a mulher por serviço. Ah, mas Julia Madeira
o arrastou, para mostrar quem era quem.
(Coral, 2021, n.p.)
Desde o início, a proposta da peça era a de romper com a
colonialidade,
não
apenas na temática, mas por meio de um enfrentamento e provocação da
personagem, questionando as estruturas de poder capitalistas e as classificações
que se dão dentro da própria peça. Nesse ponto, tentamos nos aproximar de
Quijano (2010) e compreender a colonialidade para pensar em nossas relações:
A colonialidade é um dos elementos constitutivos e específicos do
padrão mundial do poder capitalista. Sustenta-se na imposição de uma
classificação racial/étnica da população do mundo como pedra angular
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do referido padrão de poder e opera em cada um dos planos, meios e
dimensões, materiais e subjetivos, da existência social quotidiana e da
escala societal. Origina-se e mundializa-se a partir da América (Quijano,
2010, p. 84).
Nesse sentido, vale ressaltar a tentativa de olhar o processo de produção
dos artistas. Tentamos trabalhar de forma horizontal, respeitando as ideias de
cada artista, buscando não sobrepor as ideias de cada um, quebrando, na
produção material da obra, hierarquias. O isolamento social fez com que a equipe
trabalhasse em lugares distintos. Realizamos a pesquisa de memória juntos, em
encontros virtuais, mas todos tinham liberdade de imprimir seus olhares nas suas
funções, como na trilha sonora, no vídeo de abertura, no figurino, nos adereços
cenográficos, na identidade visual. Cada parte foi feita pelo olhar singular dos
artistas, pois não buscávamos um símbolo único, trabalhamos em constelação.
Em relação ao “chão”, um sentido alegórico a ser destacado, em camadas,
aproximando-nos de nossos sambaquis da Ilha de Santa Catarina. São civilizações
em camadas. Lidando com o
heliotropismo histórico benjaminiano
(Benjamin,
1997), pensando no céu da história que o historiador, escovando a história a
contrapelo, direcionando o sol nos vencidos. Esse rompimento da
colonialidade
se
dá, assim, ao trazer para esse céu da história as mulheres que deram o sangue
por uma América Latina, subjugada ao imperialismo americano dos anos de 1960
e 1970, nesse espaço pipocado de golpes militares e de Estado. A força que é
estabelecida é a conexão a
Abya Yala
, uma terra ainda sem os Estados-Nações,
sem países e fronteiras. Ela vem representar as forças da terra e diversas alegorias
que se dão na cena: a terra profunda, as florestas, o mato no chão, o Sol, “a” Sol
(Soledad), o olho inca e
el perro matapacos
. As alegorias se dão aos pares e de
forma dialética. Tratamos aqui de linguagem e, assim, de conhecimento, arte (e
ciência). Sob esse aspecto, pensando com Mignolo (2003, p. 669):
La ciencia (conocimiento y sabiduría) no puede separarse del lenguaje;
las lenguajes no son sólo fenómenos “culturales” en los que la gente
encuentra su “identidad”; estos son también el lugar donde el
conocimiento está inscrito. Y si los lenguajes no son cosas que los seres
humanos tienen, sino algo que estos son, la colonialidad del poder y del
saber engendra, pues, la colonialidad del ser.
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Esse rompimento se faz dentro da linguagem teatral e no trabalho de
recepção do espectador. Rompendo estatutos do próprio Teatro como
personagem, narrativa e palco. O Teatro, aqui, não é um resultado acabado, mas
uma agitação política através de uma linguagem imagética na qual todos estão
convidados a adentrar. A aproximação se dá, também, na emoção e não o
objetivo de fechar uma mensagem, mas friccionar pontos de uma imaginação
política, autorizando-nos a imaginar outras possibilidades de viver. O trabalho
pretende provocar a audiência.
Buscando aproximar nossos processos, dentro dos estudos decoloniais e
para entendermos um pouco mais sobre a diferença entre colonialidade e
colonialismo, recorremos a Maldonado-Torres (2007). O autor discorre sobre a
sobrevivência da colonialidade ao colonialismo. Carregamos a colonialidade nas
estruturas do poder, nas relações afetivas, no trabalho, na cultura, na
subjetividade, na sustentação do racismo epistêmico e nas relações de gênero e
sexualidade. Pensar na colonialidade é pensar nas estruturas invisíveis que
sustentam padrões de exploração e subordinação.
Na peça
Soledad
, tentamos, na aglutinação de histórias de mulheres
guerrilheiras e guerreiras, romper e explicitar a colonialidade do poder, das
situações de opressão, no caso, as Ditaduras do continente latino-americano. Suas
histórias eram de revolta, de ações de enfrentamento para com o capitalismo, às
Ditaduras, às formas de opressão e às armadilhas do neoliberalismo. Uma
mirada
ao sul, pois tratamos de mulheres da América Latina, que ousaram lutar contra o
sistema e o patriarcado, elas são as marcas subversivas da história: Soledad
Barrett Viedma, Inês Etienne Romeu, Dora (Maria Auxiliadora), Clementina de
Jesus, Damares Lucena, Elisabeth Teixeira. São todas mulheres narradas ou
atravessadas pela a atriz.
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Figura 2 - Fátima Costa de Lima em Soledad, direção Mariana Corale (2021)
Foto: Sérgio Vignes
Fonte: Arquivo Pessoal
A polifonia se dá pela desobediência e a categoria das sujeitas históricas e o
conceito
memórias clandestinas
de Michael Pollack (1989): memórias que andam
subterrâneas na história, mas que em determinado momento emergem entrando
em disputa com memórias oficiais. Pollack sinaliza essas memórias organizadas
dentro de filmes, romances e espetáculos teatrais. Não são memórias fáceis de
serem ditas “ao Sol”. Tal como a história citada na peça, a de Madre Maurina
12
, uma
freira presa pela ditadura brasileira em 1969, representando um episódio soturno
12
Para saber mais:
Memórias da Ditadura
disponível em https://memoriasdaditadura.org.br/biografias-da-
resistencia/madre-maurina/. Acesso em: 20 mar. 2021.
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fortíssimo:
NORTE DEUS
13
(
ajoelha no chão e reza
)
Agora estou Madre Maurina,
Aquela de Ribeirão Preto que cuidava das meninas...
(
reza murmura algo
)
Colocaram um documento em seu birô,
Prenderam Maurina e o que fizeram depois não vou falar...
Excomungaram esses policiais, crápulas...
A Madre foi exilada para México..
15 anos sem Brasil e voltar sem memória...
Memória, memória, memória.
(Coral, 2021, n.p.)
Além dessas memórias clandestinas (Pollack, 1989), também a ligação que
se faz dos tempos biográficos. A peça S
oledad
mergulhou na figuração da alegoria
benjaminiana, abrindo ruídos e imagens sobre a história da poeta e militante. A
ficção de lacunas biográficas passa a ser uma poética, é necessário dar sentido à
vida e não se render à violência colonial e patriarcal.
OESTE SOL
Te vi hoje em meus sonhos a passear pelo Malecón, teus vinte anos, a
alegria que só Havana nos dá. Tu olhaste a ilha, tua filha e querias assim
-la, a vida, neste sol eterno de Havana, um cheiro de
chorizo
, uma
rumba, aquela roupa secando e sol, sol, muito sol! Sempre.
E
las barcas a levarem teus hijos
El las calles cresceu teu ventre e assim, cheia de dúvidas...
Tua filha passarinha cresceu, mas teu coração era sedento de justiça, a
indignação que permeia os Barretts: plantei em teu ser.
Sol se planta
Não voltaste mais.
Tua foto nos jornais brasileiros, teu corpo ultrajado.
Carrego em minha
edad
a
edad
que não tiveste.
(Coral, 2021, n.p.)
Assim, dentro do tempo biográfico não arquivado, foi possível ficcionalizar,
13
Orientação espacial da chakana: símbolo primitivo dos povos andinos; o qual explicaremos em seguida.
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imaginando Soledad Barrett em seu tempo em Cuba e no momento quando teve
sua filha Ñainsandy Barrett de Araújo. Colocamo-nos a criar esse espaço,
descrever seus detalhes, seus cheiros, aumentando para o espectador o caráter
imagético da cena. Foi possível, dessa forma, realizar uma aproximação imaginada
das lacunas biográficas. Nesses momentos da peça e da dramaturgia, carregados
de ficção, transbordam novas subjetividades, atravessamentos de memória e
trânsitos da atriz que se deixa borrar na interpretação.
Pensado nas observações do escritor argentino Ricardo Piglia (2004), em
Formas breves
, e que nos serviram, também, de suporte: a divisão da história em
explícita e enigmática é uma maneira de estruturar o conto, e também nos serve
na dramaturgia, esse caminho de esconder os fatos e ir apresentando de pouco
em pouco os acontecimentos. É devagar que a história enigmática transborda e,
nesse caso, com o suporte alegórico. Também aqui, em
Soledad
, apoiamo-nos na
história enigmática. À conta-gotas, cena por cena, o espectador pode ir juntando
um quebra-cabeça com a história da “Sol”. Somam-se a essa outras histórias,
reviravoltas e lutas populares. A ficção entra nesse sentido de modo a lidar com
as lacunas, ela preenche despedidas que não aconteceram, a exemplo da
separação de Soledad Barrett com José Maria Ferreira de Araújo, seu companheiro
assassinado em São Paulo, em 1971, dois anos antes da morte dela. Novamente, o
corpo-fantasma se impõe na dramaturgia e na encenação, a gosto da alegoria
benjaminiana:
Para onde foi nosso amor?
José, não te pude chorar e tampouco tu me choraste.
Na noite em que morreste, de golpe eu senti no sono a força de um
machado,
tu hija empieza a chorar...chora tua filha e toda a América Latina
Sangra, José, eres el hombre digno.
la dignidad, quem ainda a tem?
Todos se consomem em plásticos, em sonhos mesquinhos de aparecer,
de
aparências, de números, de likes... Ridículos!!!
(Coral, 2021, n.p.)
Nesse momento, a “velha louca” criada pela atriz faz a ligação do acontecido
nos anos 1970 com o agora, comentando também, as atitudes neoliberais
contemporâneas. uma mudança brusca de tempos que acontece a partir
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de uma ideia de questionamento sobre a estrutura social em que estamos
imbricados. Os sobressaltos aumentam o caráter alegórico.
Poéticas do sul: a Quitapena Guatemalteca, artesanias e a
chakana andina
Nas imagens finais da peça
Soledad
, trabalhamos a ideia da
quitapena maya
,
é ela que ouve nossas histórias e permite os nossos sonhos.
Diz a crença Maya que a tradicional boneca do país centro-americano nos
ajuda a lidar com nossos medos, memórias e tristezas. As bonequinhas
vestidas com roupas originárias de indígenas guatemaltecas contam as
avós fazem com que nossos problemas desapareçam. Quando
estamos aflitos, podemos contar à quitapenas nossas angústias antes de
dormir, pedindo que leve embora durante a noite tudo que nos incomoda.
A colocamos embaixo do travesseiro e, para que não sofram com nossos
pesares, ou em retribuição, podemos lhes dar um beijo ou fazer carinho
em sua barriga. A quitapena ouve nossos relatos e, a partir deles, realiza
seu trabalho (Goulart, 2021, p.13).
A
quitapena
foi uma imagem apresentada por um dos colegas da equipe da
peça, o ator, designer e pesquisador José Ricardo Goulart (2021). A imagem está
imbricada na tese NO SOY PAZ, SOY GUERRA:
O lugar Político do corpo e da
memória na Obra de Regina José Galindo
. A quitapena traz a ideia de histórias
mais profundas e subterrâneas que veem à tona relacionadas ao conceito de
Michael Pollack (1989): memórias clandestinas. Pollack, como já citamos, trabalha
sobre memórias que estão no subterrâneo social e, quando emergem de forma
coletiva, detonam reivindicações de direitos e espaço. Esse agrupamento de
memórias e a permissão (que nos demos) para juntar as histórias permitem o sono
e sonho profundo após coçarmos a barriguinha da
quitapena
. Essas memórias
necessitam ser ficcionalizadas e agrupadas para ganharem força.
A
quitapena
não tem censura ou filtro ao ouvir nossos medos e pesadelos,
até mesmo antes de sonhá-los. Na cultura guatemalteca, o gesto passa de geração
em geração. Antes de fechar os olhos, é um momento de se contar as mazelas,
as lamúrias e de agradar a quitapena, coçando sua barriguinha. “Os finais são
formas de dar sentido à experiência” (Piglia, 2004, p. 100), e a
quitapena
costura
bem esse final, amarrando, na cultura popular da América Latina, um tanto de
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histórias que se agrupam e se fortalecem na palavra dita pelo Teatro.
Para compor a visualidade da peça, a escolha é transpassada pela artesania.
Os símbolos costuram-se ponto por ponto através do bordado e linhas. O ponto
da costura utilizado no símbolo da
chakana
foi o ponto haste, nos outros bordados
da peça, trabalhamos com o ponto pontilhado. O pontilhado que utilizamos é feito
um a um, é necessário passar todo o fio para baixo e retornar.
As alegorias provenientes do bordado são inúmeras. O bordado e o ato de
tecer é característica dos povos andinos, dos guaranis, mapuches e inúmeros
povos de
Abya Yala
. Outros artistas, tais como Regina Galindo, utilizam-se do ato
de bordar e também do ato de suturar. Associamos, aqui, com o fechar as veias
abertas da América Latina, em uma tentativa de lidarmos com o livro de Galeano
(2018). Aproximamo-nos da intelectual e ativista boliviana Silvia Rivera Cusicanqui
(1949-)
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quando coloca que é necessário romper a diferença do trabalho manual
e intelectual, assim acreditamos nessa tessitura das linhas em analogia de uma
tessitura textual e dramatúrgica repleta de sentidos.
A
chakana
, ou a cruz Inca, foi uma imagem base para nós e para a composição
de nossa alegoria e dramaturgia. Ela é um símbolo milenar recorrente dos povos
andinos centrais e representa o plano humano e o plano espiritual; o plano alto e
baixo; a Terra e o Sol. A
chakana
é a representação do universo. Além do caráter
imagético, a chakana serviu como procedimento para construir uma noção
espacial (de deslocamento) e de cena para a atriz. Começamos dividindo a
dramaturgia em norte, sul, leste, oeste e, dentro disso, interligando com as
características temporais da chakana:
mujeres
, cultivos, tempo seco,
nube
,
lluvia
,
arco íris,
animales
e etc. Isso se tornou uma forma de organização do espaço para
nós, além de dar um sentido de temporalidade para as ações cênicas. a
passagem de tempo interna da dramaturgia, o espaço e seus direcionamentos. A
estrela da manhã e a estrela matutina, imagens duais, corroboram com a alegoria.
Imagens que jogam com o imaginário da atriz, trazendo nuances para o público.
A imagem da
chakana
possibilitou repensarmos o espaço cênico com uma
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https://www.youtube.com/watch?v=1q6HfhZUGhcHistorias debidas VIII, Canal encuentro (Argentina).
Acesso em: 08 mar. 2022.
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cosmogonia andina, uma surpresa a partir da busca de algumas visualidades.
Assim, dividimos o espaço cênico, nas direções da
chakana
, levando em
consideração também os planos superior e inferior. Essas divisões tornam-se
suportes para a construção da cena e das ações da atriz; dentro da dramaturgia,
essas separações ou partes foram importantes para diferenciar as intensidades,
as “cores” das cenas, compondo uma alegoria de camadas.
Figura 3 - A chakana andina
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Fonte: https://www.centrotaripaypacha.org/post/a-chakana-andina (2021)
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A
chakana
como símbolo andino nos ajudou também a fugir de uma ideia de
centralidade, ideia que podemos identificar em Heidegger, como explica
Maldonado-Torres (2010), no capítulo: “A topologia do ser e a geopolítica do
conhecimento. Modernidade, Império e Colonialidade”. Nesse capítulo do livro
Epistemologias do S
ul, Maldonado-Torres (2010) tece uma crítica à ideia ontológica
do centro e da centralidade defendida por Martin Heidegger, a qual tentamos nos
distanciar a partir do momento que escolhemos a chakana como material
referencial, tentando
sulear
uma maneira de ver o espaço da cena. Deixar de lado
a ideia da existência de um único centro é também deixar de lado uma episteme
eurocêntrica, ficando os dois pés em nosso continente e em nossas cosmologias.
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Recebido em: 13/06/2022
Aprovado em: 18/08/2022
Universidade do Estado de Santa Catarina
UDESC
Programa de Pós-Graduação em Teatro
PPGT
Centro de Arte CEART
Urdimento
Revista de Estudos em Artes Cênicas
Urdimento.ceart@udesc.br