Uma mirada solar ao sul:
relato do processo de criação da dramaturgia e encenação da peça de agitação
Soledad
Mariana Cesar Coral
Florianópolis, v.2, n.44, p.1-20, set. 2022
do referido padrão de poder e opera em cada um dos planos, meios e
dimensões, materiais e subjetivos, da existência social quotidiana e da
escala societal. Origina-se e mundializa-se a partir da América (Quijano,
2010, p. 84).
Nesse sentido, vale ressaltar a tentativa de olhar o processo de produção
dos artistas. Tentamos trabalhar de forma horizontal, respeitando as ideias de
cada artista, buscando não sobrepor as ideias de cada um, quebrando, na
produção material da obra, hierarquias. O isolamento social fez com que a equipe
trabalhasse em lugares distintos. Realizamos a pesquisa de memória juntos, em
encontros virtuais, mas todos tinham liberdade de imprimir seus olhares nas suas
funções, como na trilha sonora, no vídeo de abertura, no figurino, nos adereços
cenográficos, na identidade visual. Cada parte foi feita pelo olhar singular dos
artistas, pois não buscávamos um símbolo único, trabalhamos em constelação.
Em relação ao “chão”, há um sentido alegórico a ser destacado, em camadas,
aproximando-nos de nossos sambaquis da Ilha de Santa Catarina. São civilizações
em camadas. Lidando com o
heliotropismo histórico benjaminiano
(Benjamin,
1997), pensando no céu da história que o historiador, escovando a história a
contrapelo, direcionando o sol nos vencidos. Esse rompimento da
colonialidade
se
dá, assim, ao trazer para esse céu da história as mulheres que deram o sangue
por uma América Latina, subjugada ao imperialismo americano dos anos de 1960
e 1970, nesse espaço pipocado de golpes militares e de Estado. A força que é
estabelecida é a conexão a
Abya Yala
, uma terra ainda sem os Estados-Nações,
sem países e fronteiras. Ela vem representar as forças da terra e diversas alegorias
que se dão na cena: a terra profunda, as florestas, o mato no chão, o Sol, “a” Sol
(Soledad), o olho inca e
el perro matapacos
. As alegorias se dão aos pares e de
forma dialética. Tratamos aqui de linguagem e, assim, de conhecimento, arte (e
ciência). Sob esse aspecto, pensando com Mignolo (2003, p. 669):
La ciencia (conocimiento y sabiduría) no puede separarse del lenguaje;
las lenguajes no son sólo fenómenos “culturales” en los que la gente
encuentra su “identidad”; estos son también el lugar donde el
conocimiento está inscrito. Y si los lenguajes no son cosas que los seres
humanos tienen, sino algo que estos son, la colonialidad del poder y del
saber engendra, pues, la colonialidad del ser.