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Urgência da pesquisa em educação e linguagens:
investigar o corpo sob o prisma da(s) arte(s)
Cristiane Wosniak
Para c
itar esta Resenha:
WOSNIAK, Cristiane. Urgência da pesquisa em educação
e linguagens: investigar o corpo sob o prisma da(s) arte(s).
Urdimento
Revista de Estudos em Artes Cênicas,
Florianópolis, v. 2, n. 44, p.1-14, set. 2022.
DOI: http:/dx.doi.org/10.5965/1414573102442022e0801
A Urdimento esta licenciada com: Licença de Atribuição Creative Commons (CC BY 4.0)
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Cristiane Wosniak
Florianópolis, v.2, n.44, p.1-14, set. 2022
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Resenha da obra
BRAIT, Beth; GONÇALVES, Jean Carlos (Org.).
Bakhtin e as artes do corpo
. São
Paulo: Hucitec, 2021, 214p.
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Urgência da pesquisa em educação e linguagens
1
: investigar o corpo
sob o prisma da(s) arte(s)
2
Cristiane Wosniak
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Resumo
Resenha do livro
Bakhtin e as artes do corpo
, organizado por Beth Brait e Jean
Carlos Gon
ç
alves. Esta obra constitui o terceiro volume da Cole
çã
o LiCorEs:
Linguagem, Corpo, Est
é
tica. O volume contém uma apresentação elaborada
por seus organizadores, seguida de cinco ensaios que trazem para o centro
do debate noções, conceitos e reverberações das artes do corpo em diálogo
com seus elementos discursivos e com os estudos bakhtinianos em uma
perspectiva também aberta a outras vertentes do conhecimento.
Palavras-chaves
: Corpo. Artes. Linguagem. Bakhtin.
The urgency of Education and Language research: to study the
human body through the lens of art(s)
Abstract
Review of the book
Bakhtin e as artes do corpo
, edited by Beth Brait and Jean
Carlos Gonçalves. This work is the third volume of the LiCorEs Collection:
Language, Body, Aesthetics. The volume starts with a Foreword by the two
organizers and it contains five essays which bring to the heart of the debate
some notions, concepts and reverberations of the arts of the body in dialogue
with their discursive elements with Bakhtinian studies in a perspective which
is also open to other aspects of knowledge.
Keywords
: Body. Art. Language. Bakhtin.
1
Revis
ã
o ortogr
á
fica e gramatical da resenha foi realizada por Luzia Araújo. entrelinhas.edit@gmail.com
2
Trabalho realizado com o apoio da CAPES (PROEX Programas 6 e 7) PPGE/UFPR.
3
Doutora e Mestra em Comunicação e Linguagens / Estudos de Cinema e Audiovisual (UTP). Especialista em
Artes-Dança (FAP-PR). Bacharel e licenciada em Dança (Unespar/FAP). Docente adjunta da Unespar
(Bacharelado em Cinema e Audiovisual). Vice-Coordenadora do Programa de Pós-Graduação/Mestrado
Acadêmico em Cinema e Artes do Vídeo (PPG-CINEAV/Unespar/FAP). Docente permanente do Programa de
Pós-Graduação (Mestrado e Doutorado) em Educação da UFPR.
cristianewosniak@ufpr.br
http://lattes.cnpq.br/8707636250586166 https://orcid.org/0000-0002-7234-2638
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Urgencia de la investigación en educación y lenguas: investigar el
cuerpo a través del prisma del arte(s)
Resumen
Reseña del libro
Bakhtin e as artes do corpo
, editado por Beth Brait y Jean
Carlos Gonçalves, que constituye el tercer volumen de la Colección LiCorEs:
Lenguaje, Cuerpo, Estética. El volumen contiene una presentación elaborada
por sus organizadores y cinco trabajos que llevan al centro del debate algunas
nociones, conceptos y reverberaciones de las artes del cuerpo en diálogo con
sus elementos discursivos y con los estudios bakhtinianos en una perspectiva
abierta también a otros aspectos del saber.
Palabras clave
: Cuerpo. Arte. Lenguaje. Bakhtin.
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O livro
Bakhtin e as artes do corpo
, organizado por Beth Brait e Jean Carlos
Gonçalves, publicado em 2021 pela Editora Hucitec, constitui o terceiro volume da
série “Linguagem, Corpo, Estética”. Trata-se de uma coletânea de ensaios que
refletem sobre as artes do corpo, compreendidas em seus elementos discursivos
na contemporaneidade. O claro intento da publicação ancora-se nas
possibilidades de inusitados encontros de temas, sujeitos e objetos dos autores e
autoras, aqui reunidos a partir de lentes diversas, mas que encontram nas lógicas
dos estudos bakhtinianos e do Círculo um denominador comum: um percurso
investigativo gerado sob a perspectiva da Análise Dialógica do Discurso (ADD).
Os organizadores da coletânea possuem um claro e aderente percurso de
pesquisa vinculado aos estudos da linguagem pelo viés dos estudos bakhtinianos.
Beth Brait é crítica, ensaísta e docente da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo (PUC-SP), atuando nos Programas de Estudos Pós-Graduados em Linguística
Aplicada e Estudos da Linguagem (LAEL) e Literatura e Crítica Literária (LCL), além
de ser professora aposentada da Universidade de São Paulo (USP), instituição onde
cursou a graduação em Letras, Doutorado e tornou-se Livre-Docente em
Linguística. Possui estágio pós-doutoral na École des Hautes Études en Sciences
Sociales, em Paris. Atualmente é pesquisadora nível 1 do CNPq, líder do Grupo de
Pesquisa Linguagem, Identidade e Memória (PUC-SP) e criadora e editora do
periódico Bakhtiniana – Revista de Estudos do Discurso.
Jean Carlos Gonçalves é docente permanente do Programa de Pós-
Graduação em Educação (PPGE) da Universidade Federal do Paraná (UFPR),
vinculado à linha de pesquisa LiCorEs – Linguagem, Corpo e Estética na Educação,
além de lecionar no Setor de Educação Profissional e Tecnológica na mesma
instituição. É bacharel e licenciado em Teatro-Interpretação pela Universidade
Regional de Blumenau (FURB), Mestre em Educação também pela FURB e Doutor
em Educação pela UFPR. Possui estágios pós-doutorais em Linguística Aplicada e
Estudos da Linguagem realizados na PUC-SP e em Educação na Universidade do
Vale do Itajaí (UNIVALI). Em parceria com a professora doutora Michelle Bocchi
Gonçalves, é líder do Grupo de Pesquisa Labelit Laboratório de estudos em
educação, linguagens e teatralidades da UFPR. Atualmente é Bolsista de
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Produtividade em Pesquisa (CNPq).
Em seu texto de apresentação da coletânea, os organizadores alertam os/as
leitores/as para os impactos e as implicações – do/no corpo – inerentes às novas
formas de interação, propiciadas pelo universo tecnológico, que colocam os seres
humanos em hiperconexão permanente. Alude-se à Internet das Coisas (IoT)
[Internet of Things], à proliferação de aplicativos de toda natureza e funções, além
de uma série de dispositivos contemporâneos facilitadores de uma suposta
qualidade de vida na atualidade. Mas o que se reflete sobre o
dispositivo
corpo? E
o contato vivo entre os corpos? E as Artes do Corpo nos tempos atuais e,
sobretudo, durante o período pandêmico?
Tais indagações são colocadas em evidência na presente coletânea e nos
reportam aos contextos das reflexões trazidas por diferentes autores e autoras,
que propõem um olhar crítico para as artes do corpo a partir da insistência da
presença como elemento gerador de criação. Constata-se, entretanto, que a
reunião entre sujeitos em um mesmo espaço com mediação entre telas tornou-
se uma possibilidade efetiva de criação cênica e performance
online
,
onlife,
in live
,
em videoconferência. Arte, corpo e linguagem podem efetivamente coexistir em
cena virtual? O palco se faz tela? Estas são as pistas que o texto introdutório da
obra oferece para pensarmos as Artes do Corpo em uma perspectiva expandida a
partir dos estudos bakhtinianos presentes em cinco ensaios, reunindo sete autores
e autoras provenientes do Brasil, França e Reino Unido.
São os próprios organizadores da coletânea que assinam o primeiro ensaio,
denominado “Corpos espelhados nas dobras da arte e da vida: a desumanização”.
O texto entrecruza alguns resultados obtidos nas pesquisas realizadas em
parceria. A partir dos estudos bakhtinianos, com tendências e pensamentos
conceituais advindos das artes do corpo e da literatura, Brait e Gonçalves nos
oferecem um percurso metodológico reflexivo e analítico para colocar em pauta
o processo mutante de criação e recriação da peça teatral
A Desumanização
, de
Valter Hugo Mãe, a partir de quatro eixos investigativos: 1) o texto literário base
MÃE (2020; 2013), ignição dos discursos cênicos decorrentes; 2) uma
adaptação/montagem teatral (2019) em contexto pré-pandêmico; 3) uma
(re)adaptação do mesmo grupo teatral (maio de 2020) imersa em contexto
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pandêmico; 4) uma segunda (re)adaptação do mesmo grupo teatral ainda sob
protocolos de isolamento social (outubro de 2020). Em um primeiro momento, os
autores se debruçam sobre esclarecimentos particulares acerca das Artes do
Corpo em confluência com a perspectiva da análise dialógica do discurso (ADD). É
nesta seção que se manifesta um corolário-chave para compreendermos o que
move o rigor do trabalho aqui empreendido: pensar o corpo a partir do campo das
artes é uma das urgências do campo da pesquisa em linguagem.” Após os
esclarecimentos conceituais, em um segundo momento, os autores partem para
a apresentação do romancista, poeta, artista plástico e editor português, nascido
em Angola, Valter Hugo Mãe [pseudônimo de Valter Hugo Lemos], e deixam claro
que o percurso investigativo ressalta a importância da obra literária seminal.
Entretanto, o foco analítico recai sobre o conjunto de suas três adaptações cênicas
e, especificamente, sobre o corpo e seu “duplo”. Expressões diversas, tais como
corpo literário, corpo cênico e corpo live, servem de respaldo para o embate
teórico-analítico que traz as transmutações constantes da narrativa imbuída da
experiência do “duplo” como interação dialógica entre os personagens –,
salientando marcas semânticas duplicadas/antagônicas: gêmeas; uma e outra;
imagem e reflexo; espelho; viva e morta; corpo e alma/espírito e a esclarecedora
expressão “as costas do olho”, magnificamente explorada pelos autores em seu
sentido específico na(s) narrativa(s) analisadas. A terceira seção do trabalho aborda
em pormenores o deslocamento (trans)formativo das três versões/adaptações
dos espetáculos teatrais levados à cena com roteiro de Fernando Paz, direção de
José Roberto Jardim, e apresentando como protagonistas
[irmãs/duplas/viva/morta] Fernanda Nobre e Maria Helena Chira. A partir de duas
categorias analíticas, Brait e Gonçalves se dedicam a explorar a dicotomia
“presença” e “ausência” palavras intencionalmente colocadas entre aspas com
a finalidade de que sejam percebidas em seus contrastes. Os aparatos
tecnológicos que compõem a cena, tais como projeções, imagens simultâneas e
movimento de câmeras, são descritos em cotejamento com os conceitos de
teatralidade e corpo performativo atribuídos à encenação das atrizes no recinto
teatral (real ou virtual). Na última seção do trabalho os autores retomam a força
motriz geradora tanto do percurso cênico quanto da ADD empreendida no
trabalho, ou seja, o caráter temático do
duplo
, que se revela não apenas como um
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conceito teórico, mas como uma existência verificável tanto na obra literária
quanto nas diferentes encenações adaptadas para diferentes contextos e tempos
de pré-pandemia e pandemia de Covid-19. Encerram-se as reflexões analíticas,
delineadas ao longo de 41 páginas, colocando-se em evidência o caráter do “duplo”
em relação à sustentação das categorias eleitas como chaves para o percurso da
ADD: a “presença” e a “ausência”. É o
duplo
que permeia, o tempo todo, as ideias
e sínteses dos elementos disparadores da análise: vida e morte, corpo presente e
corpo virtual, imagem e reflexo especular, palco/cena e palco/tela,
mise-en-
scène
/montagem e edição, corpo e câmera. Trata-se, sem dúvida, de um trabalho
exemplar e rigoroso que explora, em minúcias, uma trajetória singular de corpos
espelhados nas dobras da arte e da vida.
“Para uma filosofia do corpo em movimento” é o ensaio de autoria de Dick
McCaw. O autor é atualmente Professor Sênior do Departamento de Drama, Teatro
e Dança da Royal Holloway, Universidade de Londres. É pesquisador, na
modalidade colaborador estrangeiro do Grupo de Pesquisa Labelit Laboratório
de estudos em educação, linguagens e teatralidades da UFPR. Em 1980, foi
cofundador, com Carl Heap, do reconhecido grupo de teatro The Medieval Players,
em Londres, e foi diretor artístico do
International Workshop Festival
, entre os
anos de 1993 até 2001.
McCaw tem como intento discutir a originalidade e as possibilidades dos
primórdios da filosofia de Bakhtin, fazendo-a dialogar com estudiosos e autores
de variados campos do pensamento, tais como psicologia, antropologia, filosofia e
sociologia, campos estes que, segundo o autor, notadamente ecoam o
pensamento bakhtiniano. O texto, que contém 25 páginas e se divide em duas
partes, cada uma delas com cinco seções argumentativas, apresenta
considerações clássicas do pensamento bakhtiniano no que se refere à relação
entre o corpo/eu (contemplador) e o corpo/outro (contemplado), o que observa e
o que é, por sua vez, observado. A parte I, Modos de perceber o espaço
geométrico ou ecológico?, traz uma interrogação e uma intensa e complexa
discussão acerca do corpo, das palavras encarnado e encarnação, concluindo-se
que o corpo pode assumir uma expressão concreta advinda de meras ideias
abstratas. Para refletir sobre movimento, sentidos, (auto)percepção, corpo sujeito
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e objeto, corpo imagem e agente, além de espaços alocêntricos e egocêntricos,
MacCaw traz para o debate autores de diferentes campos das Ciências Humanas
em cotejamento direto com os pressupostos bakhtinianos e conclui a seção
afirmando que, enquanto corpos, exercemos capacidades empáticas, cognitivas e
perceptivas essenciais para nos mantermos ativos em sociedade. A parte II,
Tempo: momento ou processo, é destinada a esclarecer alguns conceitos sobre
ação e processo em relação/referência ao espaço e ao tempo. Desta forma, o
pensamento de Bakhtin se reporta a temas como estado de incompletude, desejo
irrealizado e, a partir destes termos, o autor tece reflexões sobre os sentidos do
corpo como informação, sobre a fronteira da pele, sobre a empatia encarnada,
perspectivas sobre a dor e ensaia complexas relações entre autores pontuais
como Liz Pisk e Thomas Hanna, criador da prática somática, entre outros autores,
que se reportam ao campo das neurociências, psicologia da empatia e relações
interpessoais. Por fim, na seção O Corpo Vital, McCaw retoma o seu objetivo inicial
e admite que, ao colocar em diálogo e extrair pressupostos de trabalhos de alguns
pensadores contemporâneos em comparação com as ideias de Bakhtin sobre o
corpo, foi possível encontrar campo fértil para discorrer sobre o corpo humano
em suas complexas redes e interações com o ambiente, consigo mesmo e com o
outro para a geração de sentido sobre si mesmo e sobre o mundo em que se vive.
Marilia Amorim assina o terceiro ensaio que se intitula “O professor, seu
outro
e seu corpo – fragmentos de uma experiência no ensino universitário.” O texto se
organiza a partir do resultado de duas conferências realizadas no Brasil,
especificamente na UFPR e na UNIFESP, como parte de suas atividades como
pesquisadora visitante da FAPESP/LAEL/PUC-SP/Paris8, no ano de 2019.
Doutora em Ciências Humanas e da Educação pela Universidade Paris VIII,
Amorin tornou-se, mediante concurso,
Maître de Conférances
na mesma
instituição, em 2001, aposentando-se em 2017. Graduada em Psicologia, foi
professora adjunta do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, onde se aposentou em 2000. Seus interesses atuais são os trabalhos na
área de linguagem e discurso com ênfase na perspectiva dialógica e bakhtiniana.
Sob este viés investigativo, integra dois grupos de pesquisa: o GP Linguagem,
Identidade e Memória (PUC-SP) e o GP Labelit Laboratório de estudos em
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educação, linguagens e teatralidades (UFPR). Foi professora visitante do
LAEL/PUC-SP, a convite de Beth Brait, em 2019, com apoio da FAPESP.
A partir de fragmentos intencionalmente não articulados em uma lógica
linear, a autora reflete sobre a sua atuação como docente universitária em Paris.
A intenção do texto, num total de 37 páginas, com uma Introdução e duas partes
contendo, cada uma com três seções, é tratar a própria prática pedagógica, ou
seja, a situação de ensino em que se encontra como uma espécie de atividade
discursiva e que pode ser analisável na perspectiva bakhtiniana e do Círculo, em
cotejamento a outros autores(as) da filosofia da linguagem. Em seu trabalho,
Amorin parte de uma assertiva e de uma questão: se o eixo do pensamento
bakhtiniano é a noção filosófica da alteridade, então “quem é o
outro
do
professor?” (Amorin, 2021, p.84). A partir deste questionamento, o texto avança em
termos reflexivos acerca da construção e da reconstrução constante da identidade
desse suposto professor, tendo em vista que a alteridade pode ser pensada a
partir da sua oposição ao conceito de identidade fixa. Também se cogita sobre o(s)
saber(es) que ocupam, nesta concepção bakhtiniana, um lugar alteritário. A seguir,
a autora se reveste de sua narrativa em primeira pessoa para trazer à pauta a sua
experiência como docente na Universidade de Paris e onde o debate gira em torno
de língua e gênero discursivo. A proposição de uma pedagogia do letramento e a
criação de uma disciplina específica Linguagem e Pensamento são
mencionadas com o intuito de se reportar a questões inerentes aos primeiros
estágios de vivência acadêmica em que os alunos são frequentemente expostos
às vozes do
Google
e do
Youtube
, por exemplo, e raramente exercitam a
construção da própria voz. Na parte I do trabalho, ainda consta uma inusitada e
metafórica Receita de Farofa de Banana Fácil, a partir da qual a autora reflete
sobre gêneros discursivos do cotidiano. A seção em que se reporta à alteridade da
língua marcada no corpo traz apontamentos marcantes acerca da constituição da
subjetividade do ser, derivada de sua entrada no mundo da linguagem. A autora
alude a estudiosos da Linguística para trazer alguns aportes sobre comunicação,
educação e infância, tendo por mote dessas reflexões o corpo e a linguagem. Na
parte II, Elementos para uma filosofia da educação, a noção de
qualidade da
presença
é abordada para traçar perspectivas teóricas e práticas sobre o corpo e
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o ensino como ato encarnado. O(s) diálogo(s) entre o professor e o aluno, assim
como as noções de ensino e transmissão de conhecimento são referenciados para
se discutir a reprodução ou a criação por parte dos sujeitos envolvidos nos
processos educacionais. É nesta seção que a autora traz à tona suas memórias
dos tempos de colégio no Brasil. Por fim, na seção denominada Alteridade Radical,
Amorin retoma a indagação do Outro-interlocutor aplicada ao professor. E, sob o
signo/marca do olhar, nos convida a (re)pensar nossas práticas em sala de aula
quando, por vezes, deliberadamente ao olhar o aluno que não está ali (presente
em sua ausência) desviamos o olhar como a evitar a sua indiferença. Amorin
questiona: “como falar com alguém que nos recusa o olhar?” (Amorin, 2021, p.112).
A autora atenta para a hipótese de que na contemporaneidade os olhares atentos
dos alunos e alunas aos professores vem continuamente diminuindo, sobretudo
no Brasil. Possíveis causas para refletir: a onipresença das tecnologias em
hiperconexão com os corpos (des)atentos? Discursos anti-intelectuais e
anticulturais? E, para concluir, a autora não se permite vencer pelo negativismo e
destaca que, mesmo no contexto do pessimismo, é possível vislumbrar lampejos
de organização.
Em “Corpo grotesco bem temperado: ressonâncias em ritmo de Bach”, a
autora Irene Machado nos transporta, de forma poética, para as imagens e as
possibilidades de entender corpos em movimento dançante sendo redesenhados
pela iluminação concentrada no palco sob a forma de feixes luminosos indiciais.
Ao longo de 25 páginas, três seções e seis textos imagéticos, a autora apresenta
uma possibilidade de repensar a iluminação cênica em sua produção tátil-
cinestésica como produtora de significados. E para tal intento, seu objeto empírico
de investigação é o Grupo Corpo (Belo Horizonte, Brasil) em sua performance do
espetáculo Bach em formato registrado e editado para a tela videográfica, em
suporte DVD a partir das traduções intersemióticas de algumas partituras de
Johann Sebastian Bach.
Irene Machado dedica-se à docência e à pesquisa da Semiótica da Cultura,
investigando as teorias russas sobre os estudos dos espaços semióticos da cultura
audiovisual, com ênfase no cinema. É livre docente em Ciências da Comunicação
pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (USP-SP).
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Doutora em Letras (FFLCH-USP) e mestre em Comunicação e Semiótica (PUC-SP).
Foi Editora Científica de periódicos tais como:
Galáxia
(PUC-SP);
Matrizes
(USP) e
Significaçã
o (USP). Atualmente, atua como docente na USP (ECA e FAU) e é bolsista
de Produtividade em Pesquisa (CNPq).
É a partir de seus interesses focados nas intersemioticidades provenientes
desses corpos do Grupo Corpo que a autora traz para a luz alguns pressupostos
de Bakhtin para analisar os ritmos dos movimentos dançantes dos bailarinos no
palco/cena e depois no palco/tela em deslocamentos compositivos da tri para a
bidimensionalidade. Seu foco de análise, portanto, é a tradução intersemiótica da
(re)montagem do espetáculo para/em vídeo. São abordadas questões sobre a
performance, o
grotesco bem temperado
em uma alusão clara ao cravo/teclado
bem temperado de Bach –, além de se referir constantemente às nuances da
luminosidade em azul/blue como extração cromática protagonista para as suas
considerações. Em última instância, é possível afirmar que a rigorosa análise se
reporta a chaves específicas que se sobrepõem: arranjo musical, corpos em
performance, composição audiovisual, luz, cenografia, objetos e cenário, além de
figurinos vislumbrados em seu conjunto minimalista. Trata-se de um complexo
texto que emana questões que se transformam e se deslocam do tom abstrato
dos conceitos ao campo das ideias que tomam corpo. É de ressonâncias
performativas em que se reveste o texto que ecoa o ritmo das luzes que
sustentam corpos que bailam descolados do chão e agarrados aos tubos
semióticos de um cravo bem temperado de Bach.
No último ensaio da coletânea, Carolina Fernandes Rodrigues Fomin e Vânia
de Aquino Albres Santiago referem-se à tradução e a interpretação para a Língua
Brasileira de Sinais (Libras) em contextos artísticos relacionados ao corpo e ao
dialogismo, acolhendo a ideia de que o corpo é sempre mediação/mídia primária
e suporte para a língua. É a partir desta premissa que as autoras desenvolvem seu
trabalho denominado “Tradução e interpretação: um ensaio sobre libras, corpo e
arte.”
Ambas as autoras são orientandas de Beth Brait (PUC-SP) e integram o Grupo
de Pesquisa Linguagem, Identidade e Memória (PUC-SP). Fomin é doutoranda e
mestre em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem, além de coordenar o
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curso de Pós-graduação em Tradução e Interpretação Libras/Português no
Instituto Superior de Educação de São Paulo (ISESP) Singularidades. Santiago,
por sua vez, é Doutora em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem e mestre
em Educação Especial pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e atua
como docente no curso de Pós-graduação coordenado por Fomin.
Por meio de um denso e extenso trabalho, contendo 61 páginas e sete seções,
as autoras buscam refletir e apresentar exemplos de ações efetivas/cenários das
atividades humanas que se organizam a partir do encontro entre a língua e o corpo,
instaurando-se, assim, discursividades diversas nas áreas artísticas e áreas afins.
Parte-se do estudo concreto dos pensamentos de Bakhtin e do Círculo. A
articulação de possíveis relações entre texto-corpo, língua-modalidade e gênero-
esfera é levada ao campo de pesquisa de ambas as autoras, que se define como
a tradução e a interpretação de e para a língua de sinais daquele/a profissional
específico que atua em gêneros discursivos literários e/ou artísticos. Os rumos
analíticos perpassam a contextualização acerca da língua de sinais, sua produção
articulatória, a percepção e a recepção avançam para as esferas artísticas e a
performatividade dos textos para que se possa trazer o pensamento dialógico
bakhtiniano envolvendo o gênero artístico-literário e os espetáculos teatrais.
Revestindo-se de exemplos de peças teatrais concretas, as autoras trazem à tona
posicionamentos e questões ideológicas relacionadas às estratégias
tradutórias/interpretativas selecionadas em diferentes contextos e que são
permeadas também por diferentes formas de entender a atuação e a cena. A
seguir, reportam-se às questões relativas à interpretação e às traduções de contos
e fábulas em que o corpo (trejeitos, gestos, características físicas dos personagens)
torna-se suporte para a contação das histórias e, em sintonia e ressonância com
os corpos dos atores na cena, acaba produzindo diferentes efeitos de sentido. O
texto também aborda tais relações quando ocorre o registro destas obras para
vídeo. Evoca-se também o complexo papel do corpo em ação tradutória e como
condutor de alguns elementos comunicativos em shows musicais. Concluem as
autoras que a esfera artística e seus discursos demandam do corpo tradutor uma
disponibilidade e uma abertura, além de conhecimento e compreensão da cena
artística em que se opera o mecanismo de performance tradutória.
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Em síntese, a obra
Bakhtin e as Artes do Corpo
reverbera a urgência da
proposição, da consistência e da continuidade de estudos que investiguem o
corpo, implicado no mundo contemporâneo, para além das suas relações e
interações mediadas pelas tecnologias de comunicação. A presente publicação
traz ao alcance dos leitores distintas abordagens, pelo viés dos estudos de Bakhtin
e do Círculo, sobre o campo expandido das Artes do Corpo em íntima conexão
com as pesquisas em Educação e Linguagens.
Referências
AMORIN, Marilia. O professor, seu outro e seu corpo fragmentos de uma
experiência no ensino universitário. In: BRAIT, Beth; GONÇALVES, Jean Carlos (Org.).
Bakhtin e as artes do corpo
. São Paulo: Hucitec, 2021, p. 83-120.
HANNA, Thomas. What is Somatics? In: JOHNSON, Don Hanlon.
Bone, Breath and
Gesture
. Berkeley: North Atlantic Books, 1995.
PISK, Liz. O ator e o corpo.
Cadernos de Teatro
, 122, 1989, p. 12. Disponível em:
http://otablado2.hospedagemdesites.ws/media/cadernos/arquivos/CADERNOS_D
E_TEATRO_NUM_122.pdf. Acesso em: 10 mai. 2022.
Recebido em: 12/05/2022
Aprovado em: 19/05/2022
Universidade do Estado de Santa Catarina
UDESC
Programa de Pós-Graduação em Teatro
PPGT
Centro de Arte CEART
Urdimento
Revista de Estudos em Artes Cênicas
Urdimento.ceart@udesc.br