Antonin Artaud, o México e os Raramuri:
questões raciais e colonialismo nas viagens de Artaud pelo México
Luciana da Costa Dias
Florianópolis, v.2, n.44, p.1-29, set. 2022
e exposições. E tal exposição – não muito diferente da exposição colonial que
Artaud assistiu em 1931 – nada mais é do que espólio colonial, isto é: o símbolo
sombrio da selvageria europeia moderna, resultado de saques e pilhagens.
Contudo, os autores enfatizam que dentro das próprias vanguardas, uma crítica
radical ao próprio primitivismo começaria a ser ensaiada pela reação de poucos
artistas, como Rimbaud e o próprio Artaud, cuja obra questionava a superioridade
universal da arte e civilização europeias e cuja inspiração não se limitaria à fruição
dos espólios contidos nos museus, e que se marcaria pela tentativa de realmente
conhecer as outras culturas, em sua própria lógica e complexidade.
A esse respeito, o Surrealismo
, como movimento de vanguarda, ocupa uma
posição única na história cultural e intelectual do século XX. Ele marca a crise do
pensamento pós-iluminista e ainda hoje se põe de forma marcante dentro dos
debates sobre modernismo e pós-modernismo, e até mesmo sobre colonialismo
e pós-colonialismo. Ex-associado do movimento surrealista, Antonin Artaud
compartilharia parcialmente da visão surrealista, na medida em que esta era uma
crítica ávida da modernidade europeia e de suas certezas de superioridade racial
e cultural. No prefácio do
O teatro e o seu duplo
(intitulado
O Teatro e a Cultura
),
por exemplo, Artaud escreveu:
É assim que nossa ausência enraizada de cultura se espanta diante de
certas grandiosas anomalias […]. E, também, se achamos que os negros
cheiram mal, ignoramos que para tudo que não é europeu somos nós,
brancos, que cheiramos mal. Eu diria mesmo que exalamos um odor
branco, branco assim como se pode se falar num “mal branco”. Assim
como o ferro em brasa é ferro branco; pode-se dizer que tudo que é
excessivo é branco; e, para um asiático, a cor branca tornou-se a insígnia
da mais extremada decomposição (Artaud, 2006, p. 4).
Uma curiosidade: o México, curiosamente, seria declarado por André Breton em 1938 como “o país surrealista
por excelência”. Contudo, ainda que André Breton também viesse a visitar o país, dois anos depois de Artaud,
influenciado por este, ele o faria de forma completamente diferente. Além de uma estadia mais curta e de
não sair da Cidade do México, Breton “conheceu as antigas culturas” do México… apenas dentro dos muros
do Museu Mexicano da capital (Cf. Nicholson, 2013).
Hence, our confirmed lack of culture is astonished by certain grandiose anomalies […]. Similarly, if we think
Negroes smell bad, we are ignorant of the fact that anywhere but in Europe it is we whites who "smell bad."
And I would even say that we give off an odour as white as the gathering of pus in an infected wound. […] It
can be said that everything excessive is white; for Asiatic, white has become the mark of extreme
decomposition. (Tradução nossa)