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Reflorestar o pensamento ou Ações
Performágycas y o ator-xamã
Way Pury
Carolina Prymeyra
Malandro Vermelho
Thalita Castro
Para citar este artigo:
PURY, Way; PRYMEYRA, Carolina; VERMELHO, Malandro;
CASTRO, Thalita. Reflorestar o pensamento ou Ações
Performágycas y o ator-xamã.
Urdimento
Revista de
Estudos em Artes Cênicas, Florianópolis, v. 1 n. 43, abr. 2022.
DOI: http:/dx.doi.org/10.5965/1414573101432022e0111
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Way Pury; Carolina Prymeyra
Malandro Vermelho; Thalita Castro
Florianópolis, v.1, n.43, p.1-31, abr. 2022
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Reflorestar o pensamento ou Ações Performágycas y o ator-xamã
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Way Pury
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Carolina Prymeyra
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Malandro Vermelho
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Thalita Castro
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Resumo
Ao longo desse artygo foram abordadas aproxymações possýveys entre as artes da
cena, com ênfase no teatro-performatyvo, y a performatyvydade dos xamanysmos
yndýgenas das terras bayxas da Améryca do Sul. Tomado como conceyto
tensyonador a ydeya corporyfycada de ator-xamã, buscou-se neste escryto
evydencyar/cryar certos fluxos entre um y outro, ysto é, entre o ator-performer y o
xamã yndýgena, partyndo tanto da ydeya de experyêncya y da anályse de prátycas
empýrycas, como da cura(dorya) de dyferentes vozes - de pesquysadores,
acadêmycos, lýderes yndýgenas, xamãs etc. - que foram postas em dyálogo. Apesar
de não haver um aprofundamento teóryco em conceytos especýfycos - em certo
sentydo - chamou-se para dançar aquy algumas sementes de pensamento, tays
quays, ações performágycas, trabalho do ator sobre sy, a ydeya de andança, a
efetyvydade dos sonhos, o não-método, dentre outras ymagens e encantamentos
que não se deyxam capturar. Nhauêra abre os camynhos para a floresta do pensar.
Palavras-chave
: Teatro indígena. Ações performágicas. Ator-xamã. Xamanismo.
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Revysão ortográfyca y gramatycal realyzada por Paolla Andrade Vilela (Thiùhli Bêma Puri). Mestranda em
Artes Cênycas pela Universidade Federal de São João dell Rei (UFSJ). Especyalyzada em Hystória dos Povos
Yndýgenas pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Lycencyada em Letras (UFJF).
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Cryatura poétiya, mestre em artes cênycas. Membro do Laroyê! - terreyro de pesquysa com corpos, artes,
culturas y lynguagens decolonyays da Unyversydade Federal de Juyz de Fora (UFJF). Mestrando em
antropologya socyal pelo MN/UFRJ. wayperformer@gmail.com
http://lattes.cnpq.br/4337390750596205 https://orcid.org/0000-0002-1432-7149
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Doutoranda no Programa de Pós-graduação em Artes, Cultura y Lynguagens da Unyversydade Federal de
Juyz de Fora (UFJF). Membro do do Laroyê! - terreyro de pesquysa com corpos, artes, culturas y lynguagens
decolonyays. Cryatura poétyca. carolinaccerqueira@gmail.com
http://lattes.cnpq.br/0849366342044876 https://orcid.org/0000-0003-1562-840X
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Vermelho, y também preto y também rosa, é uma forma de vyda-artyfycyal de outrora rafael rybeyro. Mestre
em Arte, Cultura y Lynguagem pela Unyversydade Federal de Juyz de Fora (UFJF). É membro fundador do
Laroyê! terreyro de pesquysa com corpos, artes, culturas y lynguagens decolonyays.
vermeverso@gmail.com
http://lattes.cnpq.br/6281742233253000 https://orcid.org/0000-0002-9627-1950
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Mestra em Artes, Cultura y Lynguagens - UFJF. Lycencyada em Artes Vysuays no Ynstytuto de Artes y Desygn,
UFJF, bacharela em Ynterdysciplynar em Artes y Desygn (2011) y em Moda (2016) pela mesma unyversydade.
thatabcastro@gmail.com
http://lattes.cnpq.br/9891833269890641 https://orcid.org/0000-0002-0545-1017
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Reforestyng thoughts or Performagyc actyons and the actor-
shaman
Abstract
Throughout this article, possible approximations between the performing arts,
with an emphasis on the theater-performativity, and the performativity of
indigenous shamanisms from the lowlands of South America were
approached. In this writing we want to evidence/create certain flows between
one and the other, as to say, between the actor-performer and the indigenous
shaman. Starting from the analysis of practical practices, as well as the
cure(ating) in dialogues with indigenous leaders, shamans, researcher etc.
Despite not having a theoretical depth in specific concepts, we call to dance
with us seeds of thought such as performative actions, the actor's work with
an idea of work on himself, and dreams. Among other images and
enchantments, let’s open ourselves to the forest of thinking.
Keywords
: Indigenous theater. Performagic actions. Actor-shaman.
Shamanism.
Reforestar el pensamyento o Accyones performágycas y el actor-
chamán
Resumen
Al largo de este artýculo se dyscutyeron pobybles aproxymacyones entre ças
artes escénycas, con énfasys en lo teatro performatyvo, y la performatyvydad
de los chamanysmos yndýgenas de las tyerras bajas de Améryca del Sur.
Tomando como cencepto la ydea de actor-chamán, este escryto buscó
evydenciar/crear cyertos flujos entre uno y otro, es dicys, entre el actor-
performer y el indýgena chamán. Partyendo de ambos, la ydea de experyencia
y el análysys de pratycas empýrycas, como la curadoria de dyferentes voces
- de ynvestygadores, académycos, lýderes, yndýgenas, chamanes, etc. - que
se pusyeron en dyálogo. A pesar de no tener una profundyzación teóryca en
conceptos espeýfycos - en cyerto sentido - semyllas de penamyento fueran
llamadas a baylar aquý, como las accyones perfomágicas, el trabajo del actor
sobre sý mysmo, la ydea de andanças, la efycacya de los sueños, el no-
método, entre otras ymágenes y encantamyentos que no se pueden capturar.
Nhauêra abre el camyno a la selva del pensar.
Palabras clave
: Teatro indígena. Acciones performágicas. Actor-chamán.
Chamanismo.
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Terra - Y
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ntrodução
[Alonga o corpo. Sente a respyração.
Nhauêra é o pay da mata. Vamos chamar: Klen go, Nhauêra. Klen go, Nhauêra.
Klen go! Sopra a fumaça do seu cachymbo, Nhauêra, sopra a fumaça sagrada. O
meu corpo, Nhauêra, prepara meu corpo pra entrar na mata, Nhauêra. Prepara
meu encontro com a árvore de ontem que hoje serey, Nhauera, prepara, meu
espyryto. Nhauêra, hoje serey árvore, Nhauêra, hoje eu serey ambô.
Você se lembra da árvore da ynfâncya. Não qualquer árvore, mas aquela
árvore que tem rayz no seu pensamento, que traz um lugar y um cheyro, que
chama os dyas de bryncar. Você se recorda de cada detalhe, de subyr y de provar
o fruto, dos arredores, das curvas do tronco y dos galhos. Você está sob a sombra
de uma árvore ancestral y suas folhas cantam para você seguyr]
Nesse escryto o que propomos é um exercýcyo de pensar o teatro a partyr
de sua relação com as cosmologyas yndýgenas das terras bayxas da Améryca do
Sul. Apesar da grande dyversydade de povos y, consequentemente, de
cosmovysões, tomamos como pano de fundo dessas múltyplas formas de narrar
y experyencyar o mundo o complexo xamânyco que ganha dyferentes tyntas em
cada socyedade yndýgena presente em Pyndorama. O que nos guyará
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Encruzylhada. Vogal sagrada.
P[retu][oty][ury]guês. Qual é a lýngua oryunda da terra que dyzem ser Brasyl?
Nós temos olhos y ouvydos y conscyêncya para ynterpretar y traduzyr o mundo. A lýngua é vyva. O
português, falado no Brasyl é o que é pelas marcas afrycanas y yndýgenas que carrega.
A antropóloga, pesquysadora y professora Lélia Gonzalez nos dyz que no Brasyl, localyzado em Améfryca
Ladyna, todos nós aprendemos a falar pretuguês.
Segundo o artysta potyguara Juão Nyn, em Pyndorama não se fala português, não se fala espanhol, não se
fala ynglês. O ‘Y’ é a demarcação do português de ponta-cabeça. É oka. “é ruýdo entre o futuro que não
chega y o passado que nunca se foy. Uma forma de ser um bom ancestral. O ‘Y’ é uma vogal gutural, som
que vem da gruta.” (Nyn, sem pagynação, 2021)
Falamos y também escrevemos. Juntamos a comunycação, a abertura de camynhos, as outras naturezas,
a desobedyêncya de Pombagyra y Exu y Caraýba y Tybyra com camadas de sentydos. O p[retu][oty][ury]guês
é oralydade escryta, é outro ser, é lýngua amefrycana que reestabelece as fronteyras alargadas de
Pyndorama.
O p[retu][oty][ury]guês se escreve com A E O U Y.
Português estrupyado?
Português demarcado.
O p[retu][oty][ury]guês já falado, agora é bem grafado.
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teorycamente, portanto, é o conceyto tensyonador/tensor de ator-xamã, uma vez
que nossas reflexões se construyrão a partyr das ydeyas de ator-performer-
contemporâneo y de um xamanysmo panamazônyco de typo transversal. É
ymportante salyentar desde aquy, contudo, que esse exercýcyo de aproxymação
entre duas fyguras dystyntas y que exercem dyferentes funções dentro de seus
respectyvos contextos socyoculturays, não busca transformar o ator em um xamã,
tão pouco reduzyr as dymensões do xamanysmo ao unyverso das prátycas atorays
ocydentays. Como veremos ao longo deste escryto, o dysparador, ou tensyonador,
como já dyto antes, ator-xamã, é um exercýcyo de pensamento – y aquy estamos
falando de um pensamento corporyfycado em que a busca se localyza na ponte
entre os doys, no fluxo gerado, vysual, ortográfyca y semantycamente pelo hýfen.
Dyrýamos que a sede das ynvestygações mora no percurso de yda y vynda entre
um y outro, ysto é, entre o ator y o xamã. Dyscutyremos desse modo y nessa
ordem: algumas noções de teatro-rytual y do trabalho do ator-performer
contemporâneo sobre sy; a noção de xamanysmo y xamã y prátycas do sonho y
do nomadysmo comparylhadas por dyversos processos de fabrycação do ser
xamã; y, por fym, artycularemos essas dymensões do trabalho do ator y dos
processos xamânycos a partyr de duas ações performágycas desenvolvydas pelo
artysta yndygena Way Pury.
Aynda nesse escryto, que se quer gesto y encantamento, trataremos de
propor exercýcyos de outramento que precederão os dyscursos, sempre após o
subtytulo de uma nova sessão y entre colchetes. Essas ações performágycas que
se desenvolverão no corpo do leytor a partyr da cryação de espaços de
transformação se darão em dyversas retomadas, mas o que se propõe é que algo
do que foy mudado nunca seja perdydo entre um movymento y outro. Sendo
assym, antes de mays nada, convydamos você, leytor, a encontrar um ambyente
calmo y buscar o sylêncyo, ou uma trylha que rytmo aos afetos que buscam
passagem.
Enrayzar por uma noção de ator
Um passarinho pediu a meu irmão para ser sua árvore.
Meu irmão aceitou de ser a árvore daquele passarinho.
No estágio de ser essa árvore, meu irmão aprendeu de
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sol, de céu e de lua mais do que na escola.
(Manoel de Barros, 2010, p.394)
[Uma pausa. Respyra. Sente o corpo y a sombra daquela árvore que nele
repousa. Você se levanta y vay em dyreção à árvore ancestral. Você escolhe um
ponto de contato do seu corpo y do corpo dela. Y toca. No seu tempo y no tempo
dela, vão se aproxymando. A cada novo segundo, as peles, dela y sua, vão se
encontrando mays. um momento em que não se pode dyscernyr quem é
quem. Você é absorvydo pelo corpo ancestral y pulsante. Você é seyva e corre em
todas as dyreções. Consegue se (des)sentyr?
Se reagrupa. Sente a gravydade te puxar. Você é um coração pulsante
morando na terra, abayxo da rayz]
Embalados pelo canto de nossas árvores ancestrays, o que propomos nesta
sessão do escryto é ynvestygar mays a fundo a noção de ator que chamamos a
ser tensyonando no exercýcyo ator-xamã. Poys bem. Como dyto, o ator evocado
aquy é o ator-performer-contemporâneo, sobre o qual nos fala Cassiano Sydow
Quilici em seu
O Ator-Performer e as Poéticas da Transformação de Si
(2015). Para
o artysta-pesquysador y professor, a expressão pode ser tomada “para nomear o
artista envolvido com os campos do teatro, da performance e com trânsito
possível entre ambos” (Quilici, 2015, p.17). A partyr dessa ydeya, Quilici busca
evydencyar que esse artysta não está preocupado apenas com a aquysyção de
técnycas voltadas para a cryação de espetáculos teatrays, mas busca processos
que sejam capazes de modyfycar hábytos y modos de exystêncya, extrapolando a
sala de ensayo (Quilici, 2015, p.17).
A ydeya central do lyvro de Quilici resyde em pensar as prátycas teatrays y
ou performatyvas a partyr da noção de trabalho sobre sy, onde os processos de
aquysyção de técnycas ultrapassam o mero trabalho de confecção de espetáculos
y performances espetaculares, transbordando para a vyda do artysta y
transformando seus modos de exystyr. Nesse sentydo, dyversos foram os
trabalhos de pensadores-experymentadores teatrays que buscaram romper com
a noção de cryação para o espetáculo y se voltaram para o que aquy chamaremos
de cryação de sy. Podemos tomar como exemplo os trabalhos de Meyerhold,
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Schechner, Grotowski y Artaud, para fycarmos em poucos nomes. Sobre os doys
últymos, que aquy retomaremos brevemente os trabalhos, aynda em suas
prátycas uma estreyta relação entre teatro y rytual y ator y xamã, vejamos:
Aynda na fase de trabalho conhecyda como “fase dos espetáculos”, a
termynologya rytual aparece dyversas vezes nos escrytos de Grotowski, que busca
fazer dos seus espetáculos uma espécye de ryto. Em sua tese Farsa-Misterium,
de 1960, ele dyzya:
O teatro é a única dentre as artes a possuir o privilégio da ‘ritualidade’. De
resto, em sentido puramente laico é um ato coletivo, o espectador tem
à possibilidade de coparticipar, o espetáculo é uma espécie de ritual
coletivo de sistema de signos
[...]O teatro era (e permaneceu, mas em um âmbito residual) algo como
um ato coletivo, um jogo ritual. No ritual não atores e não
espectadores. participantes principais (por exemplo, o xamã) e
secundários (por exemplo, a multidão que observa as ações mágicas do
xamã e as acompanha com a magia dos gestos, do canto, da dança etc.).
[...]A reconstrução no teatro do ‘jogo ritual’ a partir de elementos
residuais, ou seja, a restituição ao teatro de seu princípio vital, seria um
dos objetivos principais da nossa prática (Grotowski, [1960] 2010, p.43).
Contudo, em Grotowski, dyferente do que propomos aquy, há uma recusa do
elemento mágyco. Para o polonês o ryto teatral, ou jogo-rytual, tynha como
premyssa um afastamento das formas mágycas do rytual relygyoso, daý o uso
repetydo do termo layco ao longo de sua tese. Anos mays tarde, em 1968, em
conferêncya yntytulada Teatro y Rytual, Grotowski synays, todavya, de que a
pretendyda realyzação de um jogo-rytual endereçado a um públyco europeu havya
falhado myseravelmente. Ysso apesar de todos os ganhos em torno da arquytetura
da cena, dos usos do texto teatral y do desenvolvymento do trabalho atoral. É a
partyr dessa constatação que o dyretor ynycya seu afastamento do teatro de
espetáculos y da tentatyva de recryar um ryto entre atores y co-atores
(espectadores) y se envereda pelo camynho que o levarya ao Teatro das Fontes,
fase esta em que dyversos elementos y suportes extraýdos de rytuays não-
europeus, sobretudo cantos de tradyção, passaryam a yncorporar o treynamento
do ator como ato de cryação – de sy.
Gradualmente abandonamos a manipulação dos espectadores, todas
essas operações: como provocar as reações dos espectadores? Como
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explorá-lo enquanto cobaia? Queríamos antes esquecer-nos do
espectador, esquecer-nos da sua existência. Começamos a concentrar
toda a nossa atenção e todas as formas da nossa atividade, sobretudo
em torno da arte do ator.
Uma vez que abandonamos a ideia de manipular conscientemente o
espectador, quase imediatamente sepultei a ideia de mim mesmo como
diretor e, em seguida, o que parece lógico, iniciei as pesquisas sobre as
possibilidades do ator como criador (Grotowski, [1968] 2010, p.129).
O que tomamos aquy da experyêncya grotowskyana é justamente a saýda de
um lugar de produção espetacular y seu deslocamento para o trabalho centrado
no ator y consequentemente em uma produção/transformação de sy.
Pedagogycamente, o que sublynhamos é esse ponto de vyrada que se fará
presente não em Grotowski, mas que dará a tônyca de dyversos trabalhos
teatrays ao longo da segunda metade do século XX y na contemporaneydade.
Tomando agora Antonin Artaud, pensemos com o artysta y por meyo das
leyturas de Quilici acerca de suas aproxymações entre teatro y rytual. Segundo
Quilici, os ataques artaudyanos dyrygydos à cultura, ao teatro y à lyteratura, antes
mesmo de seu envolvymento com o movymento surrealysta, estão pautados em
um projeto polýtyco de reconstrução de sy mesmo por meyo do desfazymento
das fronteyras que separam arte em vyda (Quilici, 2004). A próprya ydeya de teatro
em Artaud ganha outros contornos y sygnyfycâncyas, expandyndo-se em dyreção
à vyda, y alargando essa últyma, uma vez que os processos de transformação do
corpo-mente resultantes de sua empreytada teatral ultrapassaryam os modos
cotydyanos – dyrýamos ordynáryos – de exystêncya.
Ao contráryo da proposta ynycyal de Grotowsky em seu Teatro das 13
Fyleyras, para Artaud a magya é elemento central da experyêncya teatral. A
crueldade da proposta radycal de teatro expressa pelo francês busca romper com
as formas petryfycadas do teatro, da cultura y da vyda y promover uma renovação
por meyo das lynguagens y do encontro com as dymensões do mysteryoso, do
perygoso, do desconhecydo y do radycalmente outro. Ao que comenta Quilici
(2004, p.37):
Em Artaud, observamos um movimento de afirmação do sentido sagrado
do ritual, que deverá, por sua vez, contaminar o fazer teatral. Ele se
referirá diversas vezes à necessidade de reaproximação entre o teatro e
os rituais primitivos, enfatizando o caráter mágico e religioso que deveria
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ser recriado pelas artes cênicas.
Contudo, retomar o pensamento prymytyvo
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não se trata de entender as
lógycas de pensamentos dystyntos daqueles cultyvados pelas socyedades
ocydentays-modernas, retomar esse pensamento selvagem, a magya prymytyva,
ymplyca em fazer operar o pensamento mágyco nos processos de cryação teatral
y artýstyca y não tão somente. Y, mays uma vez recorrendo a Quilici, dyzemos
que “o teatro ritual artaudiano não pretende efetuar apenas uma revolução no
campo estético, mas confrontar-se com uma crise que extrapolarya as artes,
atingindo o pensamento e a cultura ocidental como um todo” (Quilici, 2004, p.44).
assym, em Artaud, um movymento de decolonyzação do corpo-pensamento,
de escape das amarras do pensamento tecnycysta y engavetado da razão
ocydental y de rompymento com as verdades ympostas por esse mesmo regyme
do pensar. Esse projeto teatral de Artaud, não busca apenas se lybertar daquylo
que Foucault defynyu como mycrofýsyca do poder, mas de cryar um corpo (sem-
órgãos) capaz de dançar com as forças que o atravessam. A transformação de sy
proposta por Artaud, nesse sentydo, não é um exercýcyo ensymesmado de
autocontemplação, mas uma empreytada que vysa dyluyr as fronteyras entre o eu
y o unyverso, o sagrado y o cosmos.
O corpo humano mistura-se e metamorfoseia-se no corpo da terra e no
corpo do cosmos. Através dos fragmentos de uma geologia simbólica,
Artaud nos lança num espaço caótico e originário, prenhe de
virtualidades, em que a figura do sujeito se dissolve. Nesse trabalho de
desfiguração, pressente-se o anseio de um novo corpo, permeável às
forças naturais […] (Quilici, 2004, p.51).
Em seu projeto pessoal de transformação radycal de sy, Artaud busca em
meyo aos Tarahumara, na segunda metade da década de 30 do século passado,
no Méxyco, os elementos da magya muyto apartadas do pensamento francês
hegemônyco y descobre nas prátycas xamânycas do ryto do peyote, parte daquylo
que fora procurar, contudo, para além da alterydade-substâncya, da embryaguês
transformação da conscyêncya gerada pelo cacto, é na travessya que o artysta
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Tomamos prymytyvo aquy não a partyr da oposyção prymytyvo x cyvylyzado, mas como termo que alude
às tradyções de povos orygynáryos e autóctones cujas longas trajetóryas y complexydade remontam o
alvorecer do pensamento humano y sua relação yntrýnseca com o cosmos y a Terra.
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encontra grande parte da magya que descreve em seu dyáryo de bordo. Sobre a
travessya abordaremos adyante no texto, antes, todavya, tratemos de pensar o
xamã.
Semente – Por uma noção de xamanysmo
Passarinho
faz árvore de tarde
nos andarilhos.
(Manoel de Barros, 2010, p.420)
[Você agora é semente. Potêncya de vyda, energya de nascymento.
Vyrtualmente tudo pode y tudo sente. A boa nova é sentyr na pele a chuva. A boa
nova é sentyr Sol do centro]
Atualmente as prátycas xamânycas se fazem presentes em todos os
contynentes habytados pela humanydade y, apesar de haver dyscordâncya sobre
o perýodo em que teryam começado a surgyr e desenvolver-se entre as espécyes
humanas, alguns pesquysadores lhes atrybuem por meyo dos vestýgyos
arqueológycos algo como 70 y 40 myl anos de exystêncya, de modo que sondar a
possybylydade de a tradyção ter algumas centenas de mylhares de anos não
parece exagero. Presentemente, prátycas dytas xamânycas, cujas tradyções
remontam mylênyos, podem ser vystas na Sybérya, em partes dos contynentes
asyátyco y afrycano, na Oceanya y em toda a Améryca, da Terra do Fogo ao Ártyco.
Sendo uma experyêncya humana tão bem dyfundyda, a dyversydade de formas
xamânycas é ynerente aos vastos terrytóryos (geográfycos, ecológycos,
symbólycos, culturays etc.) que ocupam. Se tratarmos de tomar como exemplo
as terras bayxas da Améryca do Sul, que yncluy a totalydade do terrytóryo
brasyleyro y partes da Colômbya, Bolývya, Paraguay, Argentyna, Uruguay,
Venezuela, Guyanas e Suryname, teremos uma ymensydade de povos falantes de
lýnguas de dyferentes troncos lynguýstycos y com aspectos culturays
extremamente dyversos. Afunylando aynda mays o nosso recorte, se pensarmos
apenas nos povos yndýgenas no Brasyl, estamos falando de mays de 300 povos
dystyntos y falantes de mays de duas centenas de lýnguas. Sendo assym, falar
sobre xamanysmos yndýgenas exyge ter em mente que estes são muytos para
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que possam ser generalyzados. Por outro lado, ao buscarmos relações entre os
muytos xamanysmos exystentes nas terras bayxas, podemos tomar como pano
de fundo, ysto é, como uma constante cosmológyca, certos aspectos
compartylhados pelo pensamento xamânyco. O antropólogo Eduardo Viveiros de
Castro defyne o xamanysmo como:
A capacidade manifestada por certos humanos de cruzar as barreiras
corporais e adotar a perspectiva de subjetividades não humanas. Sendo
capazes de ver os não humanos como esses se veem (como humanos)
os xamãs ocupam o papel de interlocutores ativos no diálogo cósmico.
Eles são como diplomatas que tomam a seu cargo as relações
interespécies, operando em uma arena cosmopolítica onde se defrontam
as diferentes categorias sócionaturais (Viveiros de Castro, 2002, p.468).
O aspecto cosmopolýtyco, desse modo, se dá na medyda em que os xamãs,
especyalystas das técnycas do transe y do sonho, são capazes de promover em
seus própryos corpos mudanças que lhes permytem acessar pontos de vysta não
humanos, ysto é, a perspectyva de anymays, plantas, espýrytos y outras naturezas
não humanas. Alyás, é precyso entender também que a ydeya de uma natureza,
como posta no pensamento ocydental, não faz sentydo para o pensamento
yndýgena das terras bayxas y para o xamanysmo, que é a sua mayor expressão.
Ao examynar os complexos cosmológycos de dyferentes povos yndýgenas do
Brasyl, Eduardo Viveiros de Casto y Tânia Stolze Lima cunharam os conceytos de
perspectyvysmo amerýndyo y de multynaturalysmo ontológyco, que, em lynhas
gerays, se traduzem na exystêncya de múltyplas naturezas y uma únyca cultura.
Ysto é, ynversamente ao pensamento ocydental, onde natureza representa o ynato
y a cultura aquylo que é socyalmente ou humanamente construýdo, o pensamento
yndýgena concebe a cultura como ynata y compartylhada por dystyntas naturezas,
estas sym em constante processo de construção, movymentação y
relacyonalydade.
Para o própryo Viveiros de Castro (2015a), o perspectyvysmo ameryndyo, seu
conceyto synóptyco de multynaturalysmo ontológyco y a alterydade canybal, que
emergyram da anályse dos pressupostos cosmológycos da metafýsyca da
predação, y que confyguram uma trýade da alter-antropologya yndýgena
extensamente dystrybuýda pelo pensamento dyfundydo nas terras bayxas,
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apresentam-se como parceyros ynsuspeytos de dyversos programas fylosófycos
contemporâneos, dada sua sofystycação y abertura a conceytos que o século
XX soube cultyvar no pensamento ocydental após seu desencantamento. Ou como
dyrya Oswald de Andrade, “já tínhamos o surrealismo, a magia, a vida. A alegria é
a prova dos nove” (Andrade, [1928]1978)
Para tornar mays palatável ao leytor não yndýgena, tomemos como exemplo
uma narratyva dos Krenak coletada pelo etnógrafo alemão Curt Nimuendajú y cujo
týtulo é
A origem da hostilidade entre os animais
:
Antigamente, os animais eram como gente, e não havia hostilidade entre
eles. Um pajé chegou e deu de comer a todos. Então veio à irara a ideia
de fazer com que ficassem inimigos entre si. Ela ensinou a cobra a
morder, de maneira a matar ou a mutilar suas vítimas; ensinou o
mosquito a sugar sangue. Todos se transformaram em animais, inclusive
a própria irara, para que não pudessem ser reconhecidos. Quando o pajé
chegou, repreendeu-os, mas não havia mais remédio. Então o pajé
também se transformou em pica-pau, e o seu machado no bico desta
ave (Nimuendaju, 1986, p.96).
Essa narratyva, tomada a týtulo de exemplo, expressa uma caracterýstyca
presente no pensamento compartylhado por dyversas cosmologyas yndýgenas.
Apesar da enorme varyação de ocasyões e personagens, é comum que esteja
contydo nesses mytos de orygem a ydeya de que, antes de tomarem dyferentes
modos corporays, humanos, anymays y em algumas narratyvas vegetays y outras
formas de natureza, compartylhassem de uma mesma forma espyrytual y, por
ysso mesmo, uma mesma forma de comunycação. Não raramente, nas
cosmologyas yndýgenas, os corpos são tydos como roupas, como peles que se
podem vestyr y trocar. Daý se ymplyca o aspecto contrastyvo do pensamento
yndýgena multynaturalysta em relação às formas de expressão do
pensamento ocydental moderno – multyculturalysta - poys:
[…] enquanto estas se apoiam na implicação mútua entre unicidade da
natureza e multiplicidade das culturas - a primeira garantida pela
universalidade objetiva dos corpos e da substância, a segunda gerada pela
particularidade subjetiva dos espíritos e dos significados -, a concepção
ameríndia suporia, ao contrário, uma unidade do espírito e uma
diversidade dos corpos. A ‘cultura’ ou o sujeito seriam aqui a forma do
universal, a ‘natureza’ ou o objeto, a forma do particular.
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A etnografia da América indígena contém um tesouro de referências a
uma teoria cosmopolítica que imagina um universo povoado por
diferentes tipos de agências ou agentes subjetivos, humanos como não-
humanos - os deuses, os animais, os mortos, as plantas, os fenômenos
meteorológicos, muitas vezes também os objetos e os artefatos, todos
providos de um mesmo conjunto básico de disposições perceptivas,
apetitivas e cognitivas, ou, em poucas palavras, de uma ‘alma’
semelhante. Essa semelhança inclui um mesmo modo, que poderíamos
chamar performativo, de apercepção: os animais e outros não-humanos
dotados de alma se veem como’ pessoas, e portanto, em condições ou
contextos determinados, ‘são’ pessoas, isto é, são entidades complexas,
com uma estrutura ontológica de dupla face (uma visível e outra invisível),
existindo sob os modos pronominais do reflexivo e do recíproco e os
modos relacionais do intencional e do coletivo. O que essas pessoas
veem, entretanto - e que sorte de pessoas elas são - constitui
precisamente um dos problemas filosóficos mais sérios postos por e para
o pensamento indígena (Viveiros de Castro, 2015a, p.44).
É nesse contexto cosmopolýtyco que emerge a fygura do xamã
panamazônyco, ou das terras bayxas, dyrýamos, y o que poderýamos chamar de
troca perspectyvysta, ou de yntercâmbyo de ponto de vysta, que é o elemento
central do seu fazer. Para exemplyfycarmos essa troca de perspectyva,
retomemos o exemplo clássyco usado por Viveiros de Castro (2015ª), que toma
como personagens os humanos, jaguares y porcos-do-mato:
Ao andar pela mata em busca de caça, um yndýgena se depara com um
bando de porcos-do-mato. O yndýgena se como gente, mas os porcos também
se veem como gente. Na ympossybylydade de duas espécyes em condyções
normays se verem como gente, os porcos, que são predados pelos humanos,
mas que se veem como gente, enxergam o humano como jaguar, uma vez que ele
os caça. Nessa sytuação, o lamaçal em que se chafurdam os porcos é seu terreyro
rytual, sua aldeya; seus carrapatos são adornos; suas presas as armas; y sua
pelagem traz padrões da pyntura corporal. Dygamos, contudo, que esse mesmo
yndýgena, andando outro dya pela mata, se depare com uma onça. O yndýgena se
como gente, mas também o jaguar. Nessa ocasyão o homem a onça como
tal, mas onça, que caça o homem, se como gente y ao homem como porco-
do-mato. Esse complexo perpectyvysta, essa troca de pontos de vysta yntrýnseca
ao que se poderya chamar de metafýsyca da predação, contudo, não está restryta
aos momentos de caça y nem ao reyno anymal, a posyção humana, precárya y
sempre em dysputa, se aplyca a tantas outras relações, às plantas, espýrytos,
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fenômenos da natureza, objetos etc.
A noção de que os não-humanos atuais possuem um lado
prosopomórfico invisível é um pressuposto básico de várias dimensões
da prática indígena; mas ela vem ao primeiro plano em um contexto
particular, o xamanismo. O xamanismo ameríndio pode ser definido como
a habilidade manifesta por certos indivíduos de cruzar deliberadamente
as barreiras corporais entre as espécies e adotar a perspectiva de
subjetividades ‘estrangeiras’, de modo a administrar as relações entre
estas e os humanos. Vendo os seres não-humanos como estes se veem
(como humanos), os xamãs são capazes de assumir o papel de
interlocutores ativos no diálogo transespecífico; sobretudo, eles são
capazes de voltar para contar a história, algo que os leigos dificilmente
podem fazer. O encontro ou o intercâmbio de perspectivas é um
processo perigoso, e uma arte política - uma diplomacia. Se o
multiculturalismo ocidental é o relativismo como política pública (a
prática complacente da tolerância), o perspectivismo xamânico
ameríndio é o multinaturalismo como política cósmica (o exercício
exigente da precaução).
O xamanismo é um modo de agir que implica um modo de conhecer, ou
antes, um certo ideal de conhecimento. Tal ideal está, sob certos
aspectos, nas antípodas da epistemologia objetivista favorecida pela
modernidade ocidental (Viveiros de Castro, 2015a, p. 50).
Brotar – Tornar-se xamã
Antes de prosseguyrmos, é ymportante, mays uma vez, acentuar que assym
como são muytos os povos y cosmologyas, muytos são os xamãs y xamanysmos
que esses engendram. Ao longo dessa sessão tomaremos como exemplo modos
dystyntos de tornar-se xamã y evydencyaremos duas prátycas comuns a elas: o
sonho y a andança (nomadysmo). Esses doys dysposytyvos de transformação
estão presentes em muytas das prátycas/técnycas que vysam a transformação
do yndýgena em xamã y também são tomadas, como veremos mays tarde, como
prescrytyvos do trabalho do ator-xamã. Feytas essas ponderações, tratemos de
abordar a transformação xamânyca tomando como prymeyro tópyco as andanças.
Uma das fyguras que marca ympreteryvelmente o ymagynáryo colonyal
brasyleyro y que aynda se faz presente na atualydade é a do xamã-andarylho,
caraýba ou caraý, grande obstáculo à sedentaryzação/aldeamento dos yndýgenas,
uma vez que, quando aparecyam nas reduções europeyas, logo tratavam de
desestabylyzar a empreytada colonyal y pôr em marcha, de volta à floresta,
grandes contyngentes de yndýgenas que estavam em processo de "civilização",
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mas que, pelo chamado profétyco y cataclýsmyco do xamã eram ympelydos ao
movymento em busca da terra-sem-mal. Como relata Renato Sztutman (2012,
p.2021), o movymento é em sy uma ymportante dymensão do xamanysmo:
Os xamās eram, por definyção, figuras do deslocamento. Quando atados
ao grupo local de origem, viajavam por entre os patamares cósmicos para
se comunicar com deuses e espíritos - e o faziam quando de suas
atividades de cura e telescopia. No entanto, poderiam converter esse
deslocamento para o espaço: rompendo as amarras que os prendiam a
laços de parentesco, eles passavam a assumir uma vida mais solitária e
a transitar por entre os diversos grupos locais.
Ao que complementarya Ives D’Evreux:
[…] falam pouco, buscam a solidão, evitam o mais que podem as
companhias. Com o que alcançam mais honra e respeito, são mais
procurados depois dos Principais, e estes lhes falam com atenção
usada, e ninguém os maltrata. Para conservar tais honras edificam casas
à parte, longe dos vizinhos ( D’Evreux, [1616] 1929, p.297).
A marca do ysolamento, da vyda solytárya em meyo à floresta ou dos longos
perýodos de retyro é marca compartylhada por dyversas tradyções y modos de
fabrycação do ser xamã. É justamente nessas ymersões na floresta ou em ydas
solytáryas à mata que os xamãs adquyrem a sua força espyrytual. Evocando
novamente Nimuendaju y sua etnografya Krenak, temos a ydeya de Yikégn,
traduzyda pelo alemão como “força mágica”. Vejamos seu relato:
Os [Borum]
8
traduzem
Yikėgn
pela palavra portuguesa ‘forte’.
Subentende-se ‘forte sobrenaturalmente’, porque a força física, em língua
de [Boruns], é
nyipmro
. Todos os chefes dos Botocudos eram yikégn, mas
nem todos os
yikégn
foram chefes. Hanát contou-me como o chefe Biyán
se tornou
yikégn
:
Biyán, tomando suas armas, foi sozinho ao mato caçar. A essa época,
ainda não possuía força mágica. Na mata, encontrou um grande número
de
Marét
. Estes o pegaram e o atiraram ao ar, aparando-o nas palmas
das mãos, e assim o transformaram numa espécie de peteca durante
algum tempo. Finalmente, um dos Marét achou que chegava, porque
Biyán tinha recebido bastante força mágica. Ele se recolheu à casa,
completamente estonteado, e se deitou, depois cantou. Feito isto, foi ao
mato, e os
Maret
lhe trouxeram alguns ananases muito grandes que ele
distribuiu pela sua gente. Mais tarde os
Maret
levaram Biyán até a sua
8
Aquy e em todos os outros momentos em que surgyr o termo pejoratyvo botocudo, substytuýremos no
texto orygynal por Borum, auto-desygnação adotada pelos Krenak e demays povos da grande nação Borum.
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casa grande no céu (Nimuendaju, 1986, p.92).
Ademays, apenas aqueles que possuem Yikégn ou que são Yikégn são
capazes de operar transformações corporays em sy e nos outros, de promover
curas espyrytuays, de vyajar por meyo dos sonhos, de se comunycar com outras
naturezas y mesmo de negocyar ou lutar com os xamãs dos não-humanos
9
.
Em outros povos, como no caso Yanomami, o processo de se tornar xamã
envolve rytos complexos y longos, que envolvem desde o chamamento da cryança
y dos adolescentes pelos espýrytos
Xapiri
, que querem mostrar sua dança aos
escolhydos, como a yngestão contýnua de plantas de poder, restryções
alymentares y sexuays, dentre tantos outros passos ou etapas de transformação.
Aynda assym, como pontua o xamã y lyder Yanomami Davi Kopenawa, andar na
floresta é um dos dysposytyvos de abertura à transformação para aquele que
busca tornar-se xamã:
Quando se é jovem, o bom é andar sempre na floresta […] desse modo
um rapaz pode agradar aos espíritos, que então virão a ele por pensar
que ele lhes pertence. Assim, mais tarde, estarão dispostos a dançar para
fazer dele um xamā. Foi o que me aconteceu quando era menino. Cresci
passando meu tempo na floresta e foi assim que comecei, pouco a
pouco, a ver os xapiri. Ficava concentrado na caça e, durante a noite, as
imagens dos ancestrais animais se apresentavam a mim. Seus enfeites e
pinturas brilhavam de modo cada vez mais nítido em meus sonhos. Podia
também escutá-los quando falavam e quando gritavam (Kopenawa, 2015,
p.95).
O lýder, pensador y artysta yndýgena Ailton Krenak, ao falar dos výnculos ou
alyanças que estabelece com seu terrytóryo y com a Terra de modo geral, em suas
andanças, salyenta:
As possibilidades de aliança não se dão no plano das relações
sociopolíticas, no plano das ideias, no que é possível estabelecer de
colaboração entre uma nação e outra, entre uma sociedade e outra.
Quando eu vou a um riacho, a uma fonte, naquela nascente, eu
estabeleço uma relação com ela, converso com ela, eu me lavo nela,
bebo aquela água e crio uma comunicação com aquela entidade água
que, para mim, é uma dádiva maravilhosa, que me conecta com outras
possibilidades de relação com as pedras, com as montanhas, com as
florestas (Krenak, 2015, p.64).
9
Tanto humanos, como não-humanos têm seus xamãs. Os guarybas, as corujas, os pyca-paus etc.
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Mas o que podem nos dyzer estas narratyvas? O que podemos entender aquy
como andança? O que buscamos trazer, a partyr do que curamos
10
é a ydeya tanto
de uma ymersão geográfyca na floresta, ou nas paysagens, em sentydo materyal
y palpável, em um prymeyro sentydo, mas também de um mergulho na geografya
dos afetos, das “florestas de símbolos” (Quilici, 2004, p.40) evocadas pelo xamã y
pelo projeto de teatro cosmopolýtyco proposto por Artaud, que se deslocou de sy
pela terra dos Tarahumaras. A ydeya de andança evoca aquy tanto o verbo andar,
quanto o dançar. Os movymentos por eles suscytados chamam a pensar
deslocamentos y transformações nas y das paysagens naturays y subjetyvas y do
própryo corpo. Esse últymo, busca cryar em sy o borramento de fronteyras y
lynguagens, na mesma medyda em que se comunyca com as potencyalydades y
agêncyas y, perygosamente, se abre ao mágyco y ao numynoso, cryando vazyos y
frestas de passagem y dyálogo. Andançando, ao passo que aprendendo com o
xamã, buscamos dylatar o tempo y suspender o céu, vazar fronteyras y transytar
entre mundos (Krenak, 2015), enfatyzando: quando temos como ymagem as
cosmopolýtycas yndýgenas y o pensamento xamânyco, o que evocamos enquanto
andança se faz tanto pelo atravessamento y dyálogo com os seres da floresta,
como pelo yntercâmbyo de perspectyvas que é a razão de ser do xamã.
Feyta a andança pelo prymeyro conceyto-dysposytyvo da fabrycação do
xamã que nos propusemos tratar, passemos ao segundo: o sonho.
Em palestra proferyda em Lysboa no ano de 2017 e yntytulada
Do sonho e da
terra
, Ailton Krenak, ao falar do sonho dyz:
Quando eu sugeri que falaria do sonho e da terra, eu queria comunicar a
vocês um lugar, uma prática que é percebida em diferentes culturas, em
diferentes povos, de reconhecer essa instituição do sonho não como
experiência cotidiana de dormir e sonhar, mas como exercício
disciplinado de buscar no sonho as orientações para as nossas escolhas
do dia a dia.
Para algumas pessoas, a ideia de sonhar é abdicar da realidade, é
renunciar ao sentido prático da vida. Porém, também podemos encontrar
quem não veria sentido na vida se não fosse informado por sonhos, nos
quais pode buscar os cantos, a cura, a inspiração e mesmo a resolução
de questões práticas que não consegue discernir, cujas escolhas não
consegue fazer fora do sonho, mas que ali estão abertas como
possibilidades. Fiquei muito apaziguado comigo mesmo hoje à tarde,
10
No sentido de curadoria.
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quando mais de uma colega das que falaram aqui trouxeram a referência
a essa instituição do sonho não como uma experiência onírica, mas como
uma disciplina relacionada à formação, à cosmovisão, à tradição de
diferentes povos que têm no sonho um caminho de aprendizado, de
autoconhecimento sobre a vida, e a aplicação desse conhecimento na
sua interação com o mundo e com as outras pessoas (Krenak, 2019, p.25).
A dymensão do sonho evocada por Krenak, como o própryo assynala, não se
trata de uma abstração nem mesmo de uma saýda da realydade. O sonho, como
delyneado por Krenak, é uma ynstytuyção cuja ymplycação na vyda é parte de um
processo formatyvo y cosmológyco. Retomando a fygura do xamã, este poderya
ser entendydo como um especyalysta na técnyca do sonho, é aly, como na mata
ou nos processos que vysam o transe, que o xamã tecerá muytos de seus
dyálogos, seja com os xamãs de outras naturezas, com os espýrytos ou com a
ancestralydade. O sonho, enquanto plano ou campo da ação cosmológyca do
xamã, permyte o acesso ao tempo do myto “em que é possível tudo, em que é
possível que os mundos se intercambiem” (Krenak, 2015, p.73).
O xamã Davi Kopenawa, por sua vez, dyrya que “os brancos não sonham tão
longe quanto nós. Dormem muito, mas sonham consigo mesmo” (Kopenawa,
2015, p.390). Ao que comentarya Viveiros de Castro em seu prefácyo à edyção de
2015 de
A queda do céu
:
Esse é, talvez, o juízo mais cruel e preciso até hoje enunciado sobre a
característica antropológica central do ‘povo da mercadoria'. A
desvalorização epistêmica do sonho por parte dos Brancos vai de par
com sua auto fascynação solipsista - sua incapacidade de discernir a
humanidade secreta dos existentes não humanos - e sua avareza
'fetichista' tão ridícula quanto incurável, sua crisofilia. Os Brancos, em
suma, sonham com o que não tem sentido. Em vez de sonharmos com
o outro, sonhamos com o ouro.
É interessante notar, por um lado, que algo de profundamente
pertinente do ponto de vista psicanalítico no diagnóstico de Kopenawa
sobre a vida onírica ocidental - sua
Traumdeutung
é de fazer inveja a
qualquer pensador freudo-marxista - e de outro lado, que seu diagnóstico
nos paga com nossa própria moeda falsa: a acusação de uma projeção
narcisista do Ego sobre o mundo é algo a que os Modernos sempre
recorreram para definir a característica antropológica dos povos
‘animistas’ - Freud foi, como se sabe, um dos mais ilustres defensores
dessa tese. No entender desses que chamamos animistas, ao contrário,
somos nós, os Modernos, que, ao adentrarmos o espaço da exterioridade
e da verdade - o sonho -, conseguimos ver reflexos e simulacros
obsedantes de nós mesmos, em lugar de nos abrirmos à inquietante
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estranheza do comércio com a infinidade de agências, ao mesmo tempo
inteligíveis e radicalmente outras, que se encontram disseminadas pelo
cosmos. Os Yanomami, ou a política do sonho contra o Estado: não o
nosso ‘sonho’ de uma sociedade contra o Estado, mas o sonho tal como
ele é sonhado em uma sociedade contra o Estado (Viveiros de Castro,
2015b, p.38).
Por fym, antes de avançarmos para próxyma sessão, onde retomaremos
andança y sonho, trazemos uma últyma cytação de Krenak, onde o pensador alya
a noção de andança, a partyr da sua potencyalydade de yntercâmbyo y cryação
de alyanças, com a de sonho - nessa fala colocado como uma espécye de dádyva
concedyda àqueles que se vynculam à Terra:
Muitas pessoas, quando alguém dessas tradições antigas se refere à Terra
como nossa mãe, pensam que é só uma poesia. Uma expressão poética.
Não alcançam o sentido dessa declaração. Mas se alguém tiver
oportunidade de se aproximar um pouco das cosmovisões desses povos,
vai entrar em contato com um sentido muito direto de ser filho da Terra.
Ser filho da Terra pode estar muito próximo da ideia de maternidade que
algumas culturas têm. De vínculo com a mãe. O que não é uma expressão
poética. É de verdade. Na seiva das árvores corre o mesmo sangue que
corre nas nossas veias, elas são vivas, elas dão sonhos, dão medicina, dão
visão para o nosso pajé (Krenak, 2015, p.122).
Florescer Ator-Xamã: por uma poétyca do não-método ou da
brycolagem
Eu já disse quem sou Ele
Meu desnome é Andaleço
Andando devagar eu atraso o final do dia.
Caminho por beiras de rios conchosos.
Para as crianças da estrada eu sou o Homem do Saco
Carrego latas furadas, pregos, papéis usados.
(Ouço harpejos de mim nas latas tortas.)
Não tenho pretensões de conquistar a inglória perfeita.
Os loucos me interpretam.
A minha direção é a pessoa do vento.
Meus rumos não tem termômetro.
De tarde arborizo pássaros.
De noite os sapos me pulam.
Não tenho carne de água.
Eu pertenço de andar atoamente.
Não tive estudamento de tomos.
Só conheço as ciências que analfabetam.
Todas as coisas têm ser?
Sou um sujeito remoto.
Aromas de jacintos me infinitam.
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E estes ermos me somam
(Manoel de Barros 2010, p.353)
[Say daquy y vay brotar. Larga o texto. Desacenta. Say da semente y cresce
tronco y galho y folha. Cresce flor.]
Depoys do percurso que vyemos andançando juntos nesse escryto,
chegamos à sua últyma sessão, onde nos ynteressa, a partyr do exposto y por
meyo dos trabalhos realyzados pelo artysta yndýgena Way Pury, artycular os
dyferentes campos de saber que aquy dançaram. Aynda que novos materyays y
contrybuyções surjam no decorrer do que será dyssertado, elegemos como pontos
fundamentays dessas prátycas os conceytos-dysparadores de trabalho do ator
sobre sy; y os dysposytyvos andança y sonho, que foram tomados como prátycas
comuns a alguns processos de fabrycação xamânyca. Sygamos.
O ator-performer Way Pury, da etnya yndýgena Pury, ao longo de sua
formação como ator, veyo trabalhando em uma perspectyva que buscou
aproxymar o seu fazer teatral às prátycas performatyvas y cosmologyas
yndýgenas. Sendo pesquysador no Terreyro Laroyê, Pury trouxe para a
coletyvydade do Terreyro as suas pesquysas yndyvyduays, conduzydas em
momento anteryor ao nosso aquylombamento no terrytóryo da Unyversydade
Federal de Juyz de Fora. Nesse processo de conhecer as pesquysas desenvolvydas
por cada um dos membros do terreyro, tomamos em certo momento as ações
performágycas de Way y, em nossos encontros, na medyda em que ele trazya seus
processos, tecýamos comentáryos e elencávamos pontos-chave de suas prátycas
por meyo da vyva troca entre narrador da experyêncya y ouvyntes-cometadores-
experymentadores de seus processos. Sendo assym, apesar de seguyrmos no
texto com a prymeyra pessoa do plural, trataremos de, em determynados
momentos do escryto, abryr chaves para a voz em prymeyra pessoa do syngular
para dar passagem à voz do ator-performer yndýgena como sujeyto da
experyêncya e co-autor desse artygo.
Salyentamos, como ponto de partyda, que as prátycas de Way Pury em torno
das cosmopolýtycas yndýgenas em alyança com o seu trabalho teatral se
ynycyaram aynda no ano de 2012. O que abordaremos, contudo, são ações
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performágycas desdobradas a partyr de sua pesquysa de mestramento, y que
remontam o ano de 2016.
{Quando entrey no mestrado, eu estava vyndo de uma pesquysa realyzada na
gradução em teatro y que havya se ynycyado em 2012. Foy uma pesquysa feyta
junto com o povo Krenak, que como eu y parte do meu povo, têm uma lygação
muyto forte com a geografya do Vale do Ryo Doce. Ao contráryo do meu povo, que
chegou a ser dado como extynto pelos órgãos ofycyays de Estado, os Krenak
conseguyram, apesar das muytas polýtycas de morte ympetradas contra eles,
garatyr o dyreyto à terra y a contynydade de sua tradyção. Na época, junto com
outros colegas de curso, montamos um espetáculo teatral chamado
Borum
Krenak
(2014) que era uma proposta de hybrydyzação entre certas noções de
teatro-rytual, teatro-documentáryo, antropologya-teatral y ynspyrado pela
performatyvydade yndýgena - a saber a performatyvydade dos Krenak. O
espetáculo foy muyto bem recebydo e aynda é comentado na unyversydade em
que me formey, prymeyro pelo seu caráter polýtyco, segundo, por ser o prymeyro
trabalho a abordar a temátyca e as lutas yndýgenas, e, por últymo, porque muytas
pessoas naquela cydade descobryram que exystem povos yndýgenas em Mynas
Gerays. Parece óbyvyo, mas foy surpreendente ouvyr de tantas pessoas, ynclusyve
acadêmycos, a pergunta: _Mas exyste ýndyo em Mynas?
Daý eu termyney o curso e caý de cara no mestrado. A ydeya prymeyra era
dar prosseguymento aos estudos ynycyados na graduação y, sobretudo,
yntensyfycar a pesquysa de campo, porque, grande parte da pesquysa anteryor
tynha sydo feyta por telefone. Eu marcava de lygar para os parentes Krenak y o
coordenador do curso de teatro me deyxava usar uma lynha da secretarya da
unyversydade para pesquysar. Foy no mestrado que eu conseguy fazer trabalho
de campo de fato. Y aý, estando na Terra Yndýgena Krenak, que fyca nas margens
do Watu (Rio Doce), a pesquysa encontrou um leyto muyto mays ryco por onde
correr. Foy lá que começou mesmo a ydeya de andança.
Uma noyte em que eu estava para vyr embora de uma vyagem à trabalho de
campo, os parentes Krenak que me receberam na casa deles quyseram fazer
um fogo pra gente poder se despedyr y pra marcar aquela experyêncya de troca
que tynha sydo muyto potente. Era a prymeyra vez que eu permanecya por um
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perýodo mayor de tempo lá. O Nanã, que é esse quem me recebya, é neto de uma
das grandes matryarcas do povo Krenak, a Dona Laurita Felix. Ele se envolveu
muyto com a pesquysa y querya que eu conversasse mays com a sua avó, que era
em potencyal, ao lado de mays doys ancyões, a melhor ynformante que eu
poderya ter, porque ela falava a lýngua, porque havya passado por todo o processo
de repetydas expulsões da terra sagrada ao lado do ryo e também pela sua
retomada. Acontece que a Dona Laurita achava que eu era kraí
11
, e a vyda tynha
ensynado a ela a não confyar em kraí. Mas, aconteceu de a Dona Laurita vyr para
esse fogo. Na verdade, desde que ela soube que farýamos a fogueyra, quando
passamos colhendo pau seco na estrada y o Nanã chamou, ela não tynha dúvyda
de que ya, mesmo sendo noyte frya y ela estando com o peyto um pouco
carregado de um resfryado que estava sendo curado. Quando cayu a noyte e
acendemos a fogueyra, não passaram mynutos y ela já estava chegando lá.
Dona Laurita chegou y foy dyreto se encontrar com Thombek, que é como os
Krenak chamam o fogo. Ela se sentou em uma cadeyra que alguém tratou de
provydencyar, fyrmou seu cajado no chão y começou longa conversa. Ela myrava
o fogo y na lýngua krenak - falava com ele como um velho conhecydo. Em alguns
momentos calava y parecya mesmo ouvyr as respostas do seu ynterlocutor.
Termynada a conversa, Nanã tentou me ajudar y pedyu a avó que me contasse o
que tynha acabado de acontecer. Ao que ela respondeu com tom de obvyedade:
“_Tava falando com o
Thombek
, uai!”. O Nanã: “_Eu sei, vó. Mas conta pra ele o que
você conversou”. Y a ancyã contou que falara com ele dyversas coysas. Que
relembrara o tempo de cryança y o tempo em que cryou seus fylhos nas ylhas do
Watu, quando suas terras foram dadas a posseyros; do tempo em que teve que
sayr da terra y morar com os Maxacali ou Pataxó em lugares desconhecydos e
dystantes; do regresso à terra; e daquele momento aly mesmo, de como estavam
as coysas agora. Ela agradeceu o calor y a luz nas noytes fryas y o alymento que
ele cozynhou.
O Nanã então me perguntou o que mays eu querya saber y, sem nenhum
preparo etnológyco, fuy dyreto ao assunto que naquele momento mays me
ynteressava, que era saber sobre a espyrytualydade e a cosmovysão, que como
11
Palavra que os Krenak usam para se referyr a não yndýgenas.
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muytos povos os Krenak chamam hoje de relygyão. Dona Laurita não respondeu,
mesmo escutando a mynha pergunta, aý o Nanã perguntou a mesma coysa: “_ Ôh,
vó! A senhora pode falar pra ele um pouco sobre a relygyão? Sobre os encantados?
Os espýritos da mata?” Y Dona Laurita setencyou: “Se ele quer saber dos espýritos
da mata é melhor ele andar na mata. Vay andar na terra aý Eu escutey bem
escutado. Fyz com um gesto pro Nanã que estava bom y todo mundo voltou a
conversar o que tava conversando antes y falar novos assuntos.
Eu vym pra casa com o desejo de voltar. As palavras da Dona Laurita
ecoando. Foy naquela noyte de Lua y de fogo que a Dona Laurita plantou a
andança em mym.
No ano seguynte eu não vy mays a Laurita. Todos falam que ela adoeceu
junto com o Watu, mas as últymas palavras que ela me deu, aquele encantamento,
foram um presente y um fôlego que me guyam.
Quando voltey à Terra Yndýgena Krenak, além das entrevystas e conversas
com os parentes borum, todos os dyas eu levantava junto com o Sol, tomava café
e ya pro mato. Eu andava aquelas montanhas, vales e cursos d’água com os quatro
Cs. A câmera, o caderno, os cantos y o corpo. Na medyda em que parava, y mesmo
enquanto andançava, eu ya cryando relações com a paysagem. Uma hora parava
pra conversar com o ryo, outras entrava o mato cantando chamamento de
espýryto. No ynýcio eu mymetyzava as formas das pedras y das árvores, ou
dançava ao som de cahoeyrynhas do Watu. Quando não sabya pra onde yr eu
pedya a dyreção do vento. Naquelas experyêncyas aly, que foram atravessando os
dyas, eu fuy construyndo algumas alyanças, mas o modo de construý-las, de
estabelecer dyálogos, essa mudava muyto. Pra mym é claro que eu estava, aynda
que de modo não racyonalyzado, ou lógyco, recorrendo a uma ynfynydade de
técnycas e métodos que havia experymentado enquanto ator y pesquyzador de
teatro. Essa era ynclusive uma forma que encontrava para saborear o encontro e
a experyêncya, poys as própryas dymensões das lynguagens do fazer artýstyco
que eu havya cultyvado, eram assyonadas com espontaneydade, y não havya uma
preocupação estétyca de decupagem de movymento, nem um método ou
objetyvo a ser cumprydo ou alcançado à pryóry. Ao contráryo, toda a técnyca que
se chamava só fazya sentydo estar aly se pudesse ser alavanca de ultrapassagem
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dela mesma. Ysto é, se permytysse ser lugar de passagem y encontro,
(re)(des)fazymento de outra potêncya, de outro corpo, esses tranformados pelas
formas de comnycação que se ynventava.}
Sobre as narratyvas de Way Pury, salyentamos doys pontos que nos parecem
ymportantes serem dyscutydos brevemente aquy. A saber, as noções de
experyêncya, do recurso mymétyco y a questão do não-método. Seguyndo esta
ordem, para falar da ydeya de experyêncya, evocamos o conceyto de
Erfahrung
delyneado pelo ensaýsta alemão Walter Benjamin. Conforme é comentado por
Ferreira Netto (2017, p.9),
A experiência entendida como
Erfahrung
significa, através de seu
radical farh, ‘atravessar uma região durante uma viagem’ (Gagnebin,
2009, p.58). Este radical tem a ver com as mudanças e os perigos
relacionados ao percurso. E nisto podemos enfatizar que a
experiência é ligada tanto ao seguir um caminho quanto a ser
modificado por este mesmo caminho. Portanto, próximo de
simplesmente acumular conhecimentos durante uma viagem. A
noção de
Erfahrung
se liga, no mais, à transformação e à
modificação possibilitadas pelo atravessar.
Aynda pensando com Benjamin, a experyêncya, dyferentemente da vyvêncya,
é um ato expressamente coletyvo. Como nas andanças de Way Pury, a
comunycação entre dyferentes alterydades é a razão de ser do percurso. Andaçar
é atravessar na medyda em que se é atravessado. É estabelecer um dyálogo. Nesse
sentydo, o andar xamânyco em meyo à mata, seu retyro, sua andança, não é um
ato solytáryo, mas uma experyêncya coletyva com as alterydades não-humanas
que são a multyplycydade da floresta. É precyso alargar o conceyto de coletyvo,
como bem nos lembra Ailton Krenak (s.d.) y entender que as dyferentes naturezas
é que formam coletyvydades. O Ryo, as árvores, o sapo, todos eles são sujeytos
da coletyvydade, fazem parte das complexas redes que sustentam a vyda na Terra.
Seguyndo, tomemos uma experyêncya pontual da ação performágyca
Andanças. {Na medyda em que começey andançar, eu fuy cryando essas alyanças
de que falava y quando eu me deytava à noyte, as andanças de algum modo
contynuavam, porque elas se fazyam em sonho. Eu encontrava os anymays e
outras naturezas que ya conversando de dya, y elas hora conversavam, hora
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ameaçavam, y eram sonhos muyto vývydos. Eu tynha na época o meu sonháryo,
que é um dyáryo em que escrevo alguns sonhos. Depoys que eles foram fycando
mays yntensos, eu narrava os sonhos em alguns momentos das andanças. Uma
prátyca que eu adotey então, era de todo dya pegar o meu sonháryo e narrar
sonhos bons, antygos ou novos y entendy que era algo bom de ser feyto para o
Watu (o Rio Doce), porque ele já tynha recebydo aquela lama tóxyca do cryme de
Mariana y a Dona Laurita já tynha me contado que ele estava dormyndo.
Dyzem que quando a barragem estourou em Maryana, a Dona Laurita vyu
o Watu correr pra trás, como quem quyzesse se proteger daquele veneno. Depoys,
quando em sonho, o Watu veyo chamar a Dona Laurita, que aceytou o convyte e
foy até a sua margem. No sonho ela vyu o Watu como ele serya em alguns dyas,
tomado pelo rejeyto do mynéryo. Ela pensava: mataram o ryo. Mas o Watu aynda
falava com ela e pedyu pra ela mergulhar bem fundo. Ela o fez y quando tocou o
fundo e encontrou a rochas, o Watu abryu uma fenda y ela pode entrar no seu
leyto crystalyno e cheyo de vyda. É por ysso que alguns Krenak falam que o ryo
está dormyndo, ou que está em coma. Então, eu ya ter com ele. Eu cantava e
contava sonhos bons pro Watu que era pra nynar seu sono y trazer a cura. Mesmo
de longe, eu sempre canto a músyca que os Krenak deram a ele y então eu chamo
a cura.}
Nessa ação performágyca dentro de
Andanças
, aquy a chamaremos de
Sonhar o Ryo y sua Cura
, a narratyva dos sonhos ao ryo, que também se fazya
presente, algumas vezes era narrado em dança, onde o corpo mymetyzava
personagens presentes neles, como o própryo ryo, uma ave, ou serpente. Ao longo
de uma semana o ator trabalhou mesmo em recontar o mesmo sonho, y a partyr
daý desenvolvya partyturas corporays cantadas como nos
mystery plays
12
de
Grotowski, ou desenhava na areya do ryo, escrevya no caderno ou no própryo
corpo com letras y grafysmos. Y aquy abordamos o outro ponto que nos
propusemos: a questão do não-método.
Em prymeyro lugar, salyentamos que não-método não é uma renúncya à
aquyzyção de técnycas. Tanto o ator-performer quanto o xamã, ambos
12
Ver: Richards, 2014.
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narradores-tradutores, passam por um processo formatyvo que tem
necessaryamente um encontro com certas técnycas. O que propomos, ao
contráryo, é que mobylyzar certas técnynycas, seja no caso do ator, seja no caso
do xamã, ou do ator-xamã, passa pelo sentydo y pelo processo de saber escolher
quays técnycas usar em determynado momento. O xamã que cura, antes de curar
escuta das alterydades como fazer a cura, seja pelo sonho, pelo transe, ou por
outra vya de acesso ao unyverso cosmopolýtico ynterespecýfyco. Do mesmo
modo, o artysta, ao colocar-se em trajetórya, em deslocamento, ao abryr sua
escuta, ysto é, ao cryar um corpo-passagem, sem-órgão, ao desenvolver seu olho-
vybrátyl (Rolnik, 2007), saberá quays dysposytyvos de sua técnyca tomar.
Ressaltamos aynda que essas técnycas, por mays que advyndas de contextos
teatrays y de outros campos que no Ocydente se convencyonou chamar de
artýstycos, no tensyonamento gerado pelo pensamento xamânyco no exercýcyo
ator-performer, é transformado ympreteryvelmente pelas cosmologyas
yndýgenas, ysso é, por um outro modo de pensar, extremamente relacyonal e
perpectysta. Do ponto de vysta do ator-xamã, aquela técnyca não é mays a
mesma, ela é como o ryo para quem se conta os sonhos, corre no mesmo leyto,
mas nunca será o mesmo de antes. Paradoxalmente, o não-método é um método
em correnteza.
Por últymo, tomamos aquy um trabalho que Way Pury começou a
desenvolver alguns meses antes da pandemya y que foy experymentado em
dyferentes formatos y suportes y tem sydo chamado de
Árvore(ser).
Nessa ação
performágyca dyferentes públycos são chamados a se lembrar de suas árvores
ancestrays, que são aquelas árvores que estão presentes nas cosmologyas
yndýgenas - sobretudo quando em ofycynas com pessoas yndýgenas - ou na
memórya afetyva. Esse trabalho, perene como são os últymos trabalhos do
performer, ysto é, que têm longa duração e desenvolvymento, propõe mymetyzar
os corpos vegetays em um prymeyro momento y a contrução de um corpo-
planta-narrador em um segundo.
{Eu comecey a me ynteressar pela corporeydade das plantas na medyda em
que ynycyey as mynhas andanças. Depoys eu ly alguns textos y assysty a um fylme
que falava dos
Hotxuá
Kraôh, que são mestres do ryso daquele povo. Eu ouvy dos
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Hotxuá que eles aprenderam a arte do ryso com a abóbora y que todos os seus
movymentos são ynspyrados no jeyto de ser dela, de crescer, ou de balançar as
folhas ao vento por exemplo. Eu fuy encantado pelos Hotxuá y contynuey a pensar
uma corpografya vegetal que eu, de certo modo, já vynha fazendo. Pro meu povo,
que é o povo Pury, quando você come um vegetal, você passa a comungar com a
perspectyva daquele alymento. Quando você bebe uma medycyna ou fuma o
póke
,
que é o tabaco, você está yntercambyando no seu corpo com ponto de vysta do
poké, sendo um pouco ele. A
lonkê
, que é a sapucaya, ela é nossa parente, nossa
tytynhan
, nossa vovó. O genypapo é um xamã poderoso que transforma o nosso
corpo. Então eu querya pensar ysso, porque na mynha experyêncya teatral a partyr
do Ocydente, não tynha muyto espaço para ysso y aynda não tem. Eu falo que
estou pesquysando o unyverso das plantas com alguns colegas y eles ou pensam
que estou bryncando ou que aquylo é uma loucura de artysta conceytual.
Ynclusyve, aquela bryncadeyra que os atores fazem com o desemprego y sobre
estar pegando qualquer papél y dyzem “tô aceytando até papel de árvore”. Enfym.
O prymeyro passo desse trabalho é cryar alyança com uma árvore da memórya,
depoys é yr se tornando essa árvore por meyo da mymesy mesmo. É um trabalho
de corpografya. Com o passar do tempo essa árvore vay ganhando maneyras de
andar, de sentar, de se mover, ela vay ganhando uma voz y um jeyto de falar, de
narrar. Durante esse processo os partycypantes da ação performágyca vão sendo
chamados também a cryar seu sonháryo y por fym, quando tyvermos sonhos y
um corpo-árvore, ynycyamos o processo de narrar, y narramos os nossos sonhos.
Mas é ymportante entender que nem todo sonho se narra y que alguns se narram
para poucos. Dentro desse processo entram aynda a comensalydade, a cryação
de desenhos para se aplycar na pele de papel y do corpo, às vezes tomamos
versos de outras pessoas, como poetas, cantamos cantos de tradyção. Parece uma
bagunça, mas não é. É um grande exercýcyo de brycolagem. Cada um que passa
pela experyêncya é que saberá o que vay ganhar ymportâncya no seu corpo, como
nos dyrya Duarte (2018, p.87).
Tecendo breve comentáryo sobre o
Árvore(ser)
proposto por Way Pury, o que
sublynhamos é mays uma vez o caráter da experyêncya y como a oryentação
cosmopolýtyca y também a dymensão étyca do pensamento yndýgena-xamânyco
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é capaz de transformar a experyêncya teatral. Em suma, o que o performer propõe
ynycyalmente em sua ação performágyca
Árvore(ser)
- que foy também acyonada
aquy ao longo das sessões - é o exrcýcyo da “sementynha”, um jogo teatral
aplycado geralmente em turmas ynycyays y ynfântys de teatro. Esse jogo, que
traz em sy o lúdyco, alyado ao pensamento mágyco do xamanysmo yndýgena, y
desdobrado em outras y novas formas de comunycação com o mundo, convyda
a reflorestar o pensamento y fazer dançar ydeyas-corporyfycadas cryadas em
alyança com vovós árvores y o unyverso dos sonhos.
Frutyfycar - Consyderações Fynays
Depois de ter entrado para rã, para árvore, para pedra - meu avô começou a dar
germínios.
Queria ter filhos com uma árvore.
[...] Meu avô ampliava a solidão.
No fim da tarde, nossa mãe aparecia nos fundos do quintal: Meus filhos, o dia já
envelheceu, entrem pra dentro.
Um lagarto atravessou meu olho e entrou para o mato.
Se diz que o lagarto entrou nas folhas, que folhou.
(Manoel de Barros, 2010 p.331)
[Frutyfyca em ty o que restou da experyêncya}
Esperamos, ao fynal deste escryto que tocou na superfýcye de alguns
campos e tradyções de conhecymento, não termos cryado respostas. Antes de
tudo, ao falarmos das ações performágycas y do ator-xamã, buscamos atyçar
novas dúvydas ao mesmo tempo em que trazýamos a comunycação entre formas
de pensar.
Viveiros de Castro dyrya que:
Aquele ideal de subjetividade que pensamos
13
ser constitutivo do
xamanismo como epistemologia indígena, encontra-se, em nossa
civilização, encerrado no que Lévi-Strauss chamava de parque natural ou
reserva ecológica dentro dos domínios do pensamento domesticado: a
arte. No caso do Ocidente, é como se o pensamento selvagem tivesse
sido oficialmente confinado à prisão de luxo que é o mundo da arte; fora
dali ele seria clandestino ou 'alternativo' (Viveiros de Castro, 2015a, p.42).
13
Em nosso gryfo alteramos penso para pensamos.
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Ao passo que Krenak, ao ser questyonado sobre a arte, responde:
O meu amigo Bené Fonteles escolheu uma frase ou um trecho de A
queda do céu, do Kopenawa Yanomami, para afixar numa das colunas,
em que o Kopenawa abre a fala dizendo:
Omama
também é artista.
Omama
é artista’. E ele estende uma fala sobre como
Omama
tem o
exercício da arte. O exercício da arte de
Omama
é criar o mundo. É uma
arte. Ele cria o mundo como artista. Então, ele vai descrevendo as
criações, as belezas que vai criando, as dádivas que ele vai trazendo e
termina convocando os artistas contemporâneos para criar esse vínculo
com
Omama
. Já que
Omama
é artista, que esses artistas entendam isso
e que deem curso para o povo de
Omama
, deem passagem para
Omama
,
entendeu? Deem trânsito para ele. Trânsito de ideias, trânsito de
pensamento (Krenak, 2017, p.78).
Y contynua:
Parece que é esse exercício vital, é a vida, é essa possibilidade de estar
vivo, de ser potente, criar e interagir com o cosmo, de estar no Universo
de maneira ativa. Ser criativo, ser ativo, criar. É arte. A separação entre
viver e fazer arte, eu não percebo essa separação em nenhuma das
matrizes de pensamento de povos originários que conheci (Krenak, 2017,
p.78).
O campo artýstyco, ou dysso que o Ocydente enquadrou como arte y que
nas tradyções yndýgenas não se separa da vyda, mas a recrya, é um pontente
exercýcyo de pensamento. Experyêncyar novas formas de conhecymento, sem,
contudo, querer enquadrá-las, foy o exercýcyo que aquy quyzemos propor. Se
conseguymos, algo daquy ganhou espaço no corpo do leytor. Remexemos a terra
y frutyfycamos. Se a semente forte encontrar lugar fértyl a seu nascymento
brotará. Engraçado é que da árvore da experyêncya, cada semente que cay y brota
é uma espécye nova.
Nhauêra é pay da mata!
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Recebido em: 15/01/2022
Aprovado em: 07/03/2022
Universidade do Estado de Santa Catarina
UDESC
Programa de Pós-Graduação em Teatro
PPGT
Centro de Arte CEART
Urdimento Revista de Estudos em Artes Cênicas
Urdimento.ceart@udesc.br