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Quando escrever é mover: Por uma (des)educação
performativa na escrita acadêmica
Adrianne Ogêda Guedes
Carolina Cony Dariano da Rosa
Virna da Silva Bemvenuto
Vitória da Silva Bemvenuto
Para citar este artigo:
GUEDES, Adrianne Ogêda; ROSA, Carolina Cony Dariano da;
BEMVENUTO, Virna da Silva; BEMVENUTO, Vitória da Silva.
Quando escrever é mover: Por uma (des)educação
performativa na escrita acadêmica.
Urdimento
Revista de
Estudos em Artes Cênicas, Florianópolis, v. 2, n. 44, set. 2022.
DOI: http:/dx.doi.org/10.5965/1414573102442022e0103
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A Urdimento esta licenciada com: Licença de Atribuição Creative Commons (CC BY 4.0)
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Quando escrever é mover: Por uma (des)educação performativa na
escrita acadêmica
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Adrianne Ogêda Guedes
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Carolina Cony Dariano da Rosa
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Virna da Silva Bemvenuto
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Vitória da Silva Bemvenuto
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Resumo
Este relato de experiência refletiu sobre a construção de práticas de
produção acadêmica contra-hegemônicas no bojo das vivências de pesquisa
em uma Universidade Pública. Ancoradas no corpo e nas subjetividades de
quem escreve e como pressuposto para uma escrita estesiada, analisou-
se experiências com ênfase no conceito de escrita performativa,
relacionando-o à convocação de presença no corpo pela linguagem artística
da performance a produzir (in)disciplinas para uma (des)educação. Pela
ampliação da noção de escrita, tomando-a como experiência articulada a
outras materialidades artísticas que possam operar de modo performativo, o
texto moveu-se em busca do que pode vir a ser uma escrita acadêmica.
Palavras-chaves
: Escrita. Corpo. Experiência. Educação. Performance arte.
1
Revisão ortográfica e gramatical do artigo realizada por Gustavo Gomes Pinto Carapiá, licenciado em Letras:
Português - Francês na Universidade Federal do Rio de Janeiro. gucarapia@gmail.com
2
Doutora e Mestra em Educação pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Niterói, RJ. Pedagoga pela
Universidade Cândido Mendes, (UCAM), Rio de Janeiro, RJ. Técnica em bailarina pela Faculdade Angel Vianna
(FAV), Rio de Janeiro, RJ. Técnica no Método Ivaldo Bertazzo, São Paulo, SP.
adrianne.ogeda@gmail.com
http://lattes.cnpq.br/4803819887549154 https://orcid.org/0000-0001-5632-4539
3
Mestranda em Educação na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), Rio de Janeiro, RJ.
Graduada em Licenciatura em Dança pela Faculdade Angel Vianna (FAV), Rio de Janeiro, RJ.
carolcony@gmail.com
http://lattes.cnpq.br/6935638637778857 https://orcid.org/0000-0001-6409-7321
4
Mestranda em Educação na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), Rio de Janeiro, RJ.
Licenciada em Educação Artística - Artes Plásticas pela Escola de Belas Artes da Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ) Rio de Janeiro, RJ. virnabemvenuto@gmail.com
http://lattes.cnpq.br/8659046540077863 https://orcid.org/0000-0003-3255-7658
5
Mestranda em Educação na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), Rio de Janeiro, RJ;
Bacharela em Educação Física pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ;
Professora de Yoga pela Tradição de Krishnamacharya.
bemvenutovitoria@gmail.com
http://lattes.cnpq.br/2201604139674449 https://orcid.org/0000-0002-1300-0806
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When writing is in motion: Towards a performative (de)education in
academic writing
Abstract
This experience report to reflected on the construction of practices of
counter-hegemonic academic production in the context of research
experiences in a Public University. Anchored in the body and in the
subjectivities of who writes and reads as a prerequisite to a sensitive writing,
we analyzed experiences with an emphasis in the concept of performative
writing, relating it to the convocation of presence in the body by the artistic
language of performance to produce (in)disciplines for a (de)education. By
expanding the notion of writing, taking it as an experience articulated to other
artistic materialities that may operate in a performative way, the text moved
in search of what may become an academic writing.
Keywords
: Writing. Body. Experience. Education. Performance art.
Cuando la escritura se mueve: Hacia una (des)educación
performativa en la escritura académica
Resumen
Este informe de experiencia reflejó sobre la construcción de prácticas de
producción académica contrahegemónica en el contexto de las
investigaciónes en una Universidad Pública. Anclado en el cuerpo y en las
subjetividades de quien escribe y lee como requisito a una escritura sensitiva,
experiencias fueron analizadas con énfasis en el concepto de escritura
performativa, relacionándola con la convocatoria de la presencia en el cuerpo
por el lenguaje artístico de la performance para producir (in)disciplinas para
una (des)educación. Ampliando la noción de escritura, tomándola como una
experiencia articulada a otras materialidades artísticas que pueden operar de
manera performativa, el texto se movió en busca de lo que puede llegar a ser
una escritura académica.
Palabras clave
: Escritura. Cuerpo. Experiencia. Educación. Arte escénico.
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Experiência: Corpo que escreve. O que se inscreve no corpo?
Escrita que a ver um corpo: incorporada, performativa. Inspiradas em
Saber de Mello e col. (2020), entendemos que falar sobre nós mesmas talvez seja
cometer desvios a fim de encontrar sonoridades nas experiências, escapando das
generalizações que silenciam as diferenças. A subjetividade de quem escreve
anuncia que a escrita tem nascedouro no âmago: sempre atravessada, riscada,
marcada, ao avesso, forjada.
Escrita como corpo aberto, vulnerável às forças que a encarnam. Escrita
como gesto: abre espaço. Forma-conteúdo a inventar um corpo para o que se
quer dizer. Ou melhor, para o que se move em nosso corpo, para o que nos move
e se quer mover. Articulação de escrita e performance a desnaturalizar a
docilização dos corpos e ampliar possibilidades do que pode vir a ser uma escrita
acadêmica. Desarranjar poderes, reivindicar forças, desarmar modos de
dominação. Praticar indisciplinas artísticas para (des)educar. O que nos estimula a
chamada desse Dossiê: pensar a noção de (des)educação no corpo, como
invenção de formas e posturas outras contra-hegemônicas. Desabituar para
habitar o corpo, a casa, a Terra, o texto, o poema. Palavra-berro, palavra-sussurro
a convidar o/a leitor/a à uma escuta de si: o que te move enquanto você ou o
que se move em você?
Diante disso, então, narramos, neste relato de experiência, as feituras que
temos realizado, no âmbito da pesquisa acadêmica na Universidade Federal do
Estado do Rio de Janeiro, a qual estamos ligadas, para que o corpo seja
cotidianamente e cientificamente visibilizado. Especialmente nas materialidades
escritas - artigos, resumos, dissertações de mestrado, relatos de experiências,
comunicações para eventos científicos, ensaios etc. Buscamos construir, em
nossas produções, uma escrita estesiada que possa, com palavras, imagens e
diferentes recursos poéticos e performativos, revelar “[...] o corpo de quem escreve
[...] a subjetividade desses corpos que revelam sua história, sua singularidade,
unicidade, enfim, suas vozes” (Saber de Mello e col., 2020, p.7).
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Com Fals Borda (2015), afirmamos nosso entendimento de que somos seres
“sentipensantes”, isto é, nosso coração e corpo, razão e sentimento se combinam
na produção de conhecimento e no intercâmbio de saberes. Nesse passo, vamos
em busca de visibilizar, na escrita, as vozes do corpo que sempre estão ali,
redigidas pela via do sentir. Para tanto, evidenciamos a experiência - o que nos
acontece e nos passa (Bondía, 2021) - como processo, meio, abertura para que o
corpo seja, então, quem escreve e de onde partimos para inscrevermo-nos no
mundo.
Processo que é viabilizado, primeiramente, no encontro, na relação (Bondía,
2021). Por mais que seja intransferível, singular e pessoal, a experiência acontece
no encontro. Nesse sentido,
se a experiência é o que nos acontece e se o saber da experiência tem a
ver com a elaboração do sentido ou do sem-sentido do que nos
acontece, trata-se de um saber finito, ligado à existência de um indivíduo
ou de uma comunidade particular; ou, de um modo ainda mais explícito,
trata-se de um saber que revela ao homem concreto e singular,
entendido individual e coletivamente, o sentido ou o sem-sentido de sua
própria existência, de sua própria finitude (Bondía, 2021, p.32).
Assim, o que temos experimentado com nossos pares, como professoras-
pesquisadoras (e duas de nós também artistas), junto ao Grupo de Pesquisa
FRESTAS (Formação e Ressignificação do Educador: Saberes, Troca, Arte e
Sentidos) tem nos atravessado de maneira a criarmos recursos educacionais que
possibilitem, cada vez mais, uma escrita e uma leitura que sejam experiência: “[...]
o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o que se passa, o que
acontece, o que toca.” (Bondía, 2021, p.18). Uma escrita e uma leitura que não
estejam separadas do/da sujeita/o que as encarna.
Desde que o FRESTAS nasceu, e mais intensamente nos últimos dois anos,
com as primeiras defesas de mestrado no/do grupo, levantamos e estudamos a
hipótese de que escrever começando pelo corpo é driblar a perspectiva de que a
reflexão acontece num lugar específico, idealmente na imobilidade, no silêncio e
na neutralidade científica. Nesse sentido, nos interessa estarmos aqui como
sujeitas da experiência (Bondía, 2021), em que o corpo inteiro está disponível a ser
ponto de ancoragem, chegada e passagem dos acontecimentos. Espaço que
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lugar, que recebe e, ao receber, dá-se um tempo generoso para sentir o que a
experiência, enquanto potência formativa, transformativa (Bondía, 2021) e,
acrescentamos, performativa, nos causou.
Na realidade, nos interessa um pouco mais do que isso. Ousamos convocar
você, leitor/a, a ser conosco também sujeito/a dessa experiência, portanto,
arriscamos não dar pistas, não introduzir previamente o que está por vir nas
próximas linhas deste relato. Apostamos em sustentar a escolha de escrevê-lo e
lê-lo tendo essa experiência como “[...] uma abertura para o desconhecido, para o
que não se pode antecipar nem ‘pré-ver’ nem 'pré-dizer''' (Bondía, 2021, p.34).
Assim, desejamos que você escolha como quer vivê-la, mas deixamos uma
sugestão - se puder, experimente-a de corpo inteiro: escutando as vibrações das
palavras escritas, os movimentos inscritos no texto, as pausas e respiros que
solicitam atenção; se der vontade de ensaiar gestos enquanto lê, porque não fazê-
lo? Eis um desafio constante: ler e escrever sem apagar a presença inteira do
corpo, amplificando as leituras e as escrituras que dele transbordam, que nele se
inscrevem.
A escrita se inicia pelo corpo
Na postura sentada, com as costas apoiadas no encosto de uma cadeira não
muito confortável, com os pés apoiando apenas os metatarsos no chão, os joelhos
ligeiramente abertos e os cotovelos levemente apoiados sobre a mesa, iniciamos
a ação de escrever. Durante os anseios sobre como dar forma escrita às ideias,
sentidos, experiências, desenvolvê-las, dar a elas substratos e elaborar conceitos
que tomam nossa atenção; as mãos e os dedos dançam sobre o teclado. Os olhos
percorrem a tela luminosa do computador e, às vezes, buscam um respiro no
verde das árvores do lado de fora da janela. O dia está úmido, quente, e a
impaciência aparece durante a escrita.
O ar entra nos pulmões com dificuldade, é preciso expandir as costelas para
que ele entre e percorra os espaços de dentro do corpo. Grifar na tela em branco,
dando materialidade e organicidade ao que desejamos expressar, nos mobiliza
íntima e intensamente. Conseguiremos reconhecer nessa materialidade o que
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intentamos? Ao escolher um caminho, uma ideia, um modo de dizer; outros tantos
não são escolhidos. É preciso então…fazermos escolhas. Tomarmos rumos.
Seguirmos trilhas. Escolhemos: sentir é a motivação do agora, no ato de escrever,
como acontecimento do corpo pelo corpo.
Corpo que é presença constante nas ações ordinariamente realizadas,
cientificamente propostas e culturalmente encarnadas. Presença diversa, diversas
vezes invisibilizada. Mas ele, o corpo, continua aqui. Mergulhamos nele, com ele,
para deixar o gesto virar fala e a fala tornar-se texto. Experimente transferir
sutilmente o peso de um ísquio para outro. Cruzar e descruzar as pernas, apoiar o
queixo nas mãos, retesar ombros na busca da melhor forma de digitar, tensionar
a testa. Respire fundo: para continuar é necessário não abandonar o corpo.
E a escrita como experiência? Começar pelo corpo não seria um relato de
experiência na escrita? A própria escrita que aqui se tece se faz como experiência
e ao mesmo tempo como um relato. Uma experiência narrada pelos corpos que
vos escrevem. Um relato de experiência corporificado em escrita performativa.
Junto com Saber de Mello e col. (2020), nos aproximamos do fenômeno
relativamente recente de intensificação das discussões em torno do que pode ser
a escrita no âmbito da Pesquisa em Arte, levando em conta a dinamização do
conceito de texto que se abre à múltiplas vozes, conduzindo uma atenção especial
à “[...] sua produção e recepção, seus desdobramentos e metamorfoses” (Mello e
col., 2020, p.4). Assim, apostamos em
uma condição permissiva de escrita que a aproxima de existências mais
do que de significados, por se deixar influenciar pelas qualidades do que
está entre, pelo que não pode ser inteiramente capturado ou articulado
e assim se tornar uma experiência em seu próprio-movimento-próprio,
cheia de possibilidades relacionais (Saber de Mello e col., 2020, p.4).
Nesse sentido, as fissuras, sujeiras, detalhes, frestas nos possibilitam
experimentar maneiras outras de estarmos vivendo-pesquisando. Abrimos as
mãos para sentir o apoio que ela nos oferece para ir adiante e começamos a vida-
pesquisa tateando o mundo para, assim, inventá-lo. Conhecendo a realidade e a
nós mesmos/as a partir dessa experimentação permanente. Cair, levantar,
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empurrar, puxar, apoiar, sustentar. Ações no mundo. O mundo em nós. Gestos que
nos inspiram a iniciar a escrita pelo corpo - “[...] ponto zero do mundo, lá onde os
caminhos e os espaços se cruzam [...], este pequeno fulcro utópico, a partir do
qual eu sonho, falo, avanço, imagino[...]” (Foucault, 2013, p.14) -, é provocar um
desvio na lógica hegemônica que exclui os saberes do corpo, o compartimenta, o
esquadrinha e ordena os espaços, momentos e formas nos quais ele pode não
estar. Na escola, no trabalho, nos eventos acadêmicos, na escrita, no parque, na
festa, na rua, na educação: há tempos o corpo é ensinado a performar e forma-se
em cenas devidamente e previamente orquestradas.
E se o corpo, que detém seu lugar, reivindicasse espaço para manifestar
seus sentires, suas formas e contornos, a sua maneira de dizer? E se, para ocupar
o cotidiano, retornássemos primeiro a um estado de presença no corpo, como bell
hooks (2017) nos convida:
[...] para desconstruir o modo como o poder tradicionalmente se
orquestrou na sala de aula, negando subjetividades a alguns grupos e
facultando-a a outros. Reconhecendo a subjetividade e os limites de
identidade, rompemos essa objetificação tão necessária numa cultura de
dominação (hooks, 2017, p.186).
Como pesquisadoras e professoras e, duas de nós, artistas, dedicadas a
praticar a educação pela via do sensível (Duarte Júnior, 2000), temos investigado
e criado academicamente, dando ênfase na experiência com o corpo e com as
artes. Nesse sentido, pensamos-sentimos (Fals Borda, 2015) maneiras que nos
possibilitem permear nossas produções científicas com outras linguagens que
também possam ser consideradas escritas: a imagem, a performance arte,
produções audiovisuais, a dança - e a própria escrita como processo artístico
capaz de ativar outros modos de relação no intercâmbio de experiências entre
autores e leitores.
A cada ação, seja de pesquisa, ensino ou extensão
6
que forjamos,
sustentamos a preocupação com a coerência e o diálogo entre conteúdo e forma,
6
Somos pesquisadoras ligadas à uma Universidade Pública Brasileira, dessa forma, as ões que realizamos
no âmbito acadêmico estão baseadas no princípio da indissociabilidade entre pesquisa, ensino e extensão
(Brasil, 2016). Buscamos, a partir disso, integrar essas frentes possíveis de atuação para afinar os laços com
a sociedade, dentro e fora da Universidade, entendendo que esse compromisso é ético, político e estético.
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teoria e prática, pensamento e gesto. Ou seja, nos interessa que os sentidos,
centrais em nossas discussões, estejam visíveis naquilo que produzimos - desde
a intenção à concepção.
Um processo que entendemos ser desviante, como um gesto improvisado,
que burla a lógica colonialista de que o pensar se concentra especificamente no
cérebro e que se separa do corpo como um todo. Interessa-nos a diluição de uma
hierarquia corporal como possibilidade de abrir caminhos para povoarmo-nos de
saberes com o corpo inteiro. Neste aspecto, nos debruçamos sobre a força
coreográfica do desvio, na sua sagacidade em movimento, não se deixando colidir
de frente com o obstáculo rígido e opressor. Perceber esses impedimentos e
repetições padronizadas para que seja possível inventar saídas para outros
processos, outras maneiras de habitar e existir no mundo, assim como de produzir
conhecimentos e escritas na contramão da “[...] manutenção de uma produção
reduzida, protegida e conservadora, mas que seja uma construção coletiva de
fundamentos, saberes e redes” (Saber de Mello e col., 2020, p.18). Maneiras outras
de educar. (Des)educar.
(Des)educar metodologias: reivindicar o corpo na Universidade
Processos de buscas necessitam de métodos, ações que organizam-
preparando e preparam-organizando, concomitantemente. Das vontades e
necessidades criativas e organizacionais, o corpo se mobiliza. Por meio delas,
começamos a buscar maneiras que possam materializar a cena, os movimentos,
a conversa e o que acontece nas experiências do campo de estudos de nossas
pesquisas.
Devido às circunstâncias da pandemia da COVID-19
7
e a necessidade de
realizarmos grande parte das produções remotamente, os recursos de áudio e
vídeo se tornaram especiais para contarmos sobre o desenvolvimento dos
processos. Nessa trilha, conhecemos a dissertação de mestrado da artista-
pesquisadora Adriana Alves intitulada “Corpoexperiência: cartografias, dobras e
7
A COVID-19, doença causada pelo novo Coronavírus, foi descoberta na China em dezembro de 2019. Devido
a fácil transmissibilidade do vírus provocou uma pandemia, que já dura, aproximadamente, dois anos.
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descontinuidades”
8
. Por ela, encontramos a criação de
QR codes
como recurso
possível para trazermos cenas às nossas pesquisas. A partir desse encontro, os
QR codes
passaram a receber um certo destaque na elaboração de nossas escritas
acadêmicas: com ele, conseguimos alargar ainda mais o espaço à inventividade
entre as linhas, pontos e palavras. Por meio das artes e através desses outros
recursos, nos sentimos mais próximas da construção de um texto acadêmico
corporificado, performativo.
Assim, diante dos espaços da escrita, vamos afastando os objetos
amontoados de forma a abrirmos espaços para essas possibilidades outras de
escrever e reivindicarmos o corpo na Universidade. Para tanto, ele busca o copo
d'água, direciona a luz, se posiciona na cadeira e, antes de iniciar, uma pausa:
escolhe uma trilha sonora ou opta pelo silêncio.
9
Durante o ato de escrever, motivado pelo sentir a presença do corpo na
própria ação da escrita, surgem conversas com outras narrativas: um improviso
em vídeo, uma fala misteriosa, uma dança, uma cor. A imagem que surge enquanto
a reflexão acontece, trazendo uma produção criada em outro momento para um
diálogo que acontece agora. Nos processos de produção das pesquisas do
mestrado, por exemplo, o FRESTAS tem percebido a criação de videoarte e
videoperformance como um caminho metodológico importante.
O percurso da escrita convoca, durante o ato em si, o gesto dançado da boca,
8
Adriana Andrade Alves defendeu sua dissertação no ano de 2021. Sua produção, que nos foi/é tão inspiradora,
pode ser acessada pela Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações por meio deste link:
http://bdtd.ibict.br/vufind/Record/UFJF_fd48f5e397b6f483e1dcc4fdbf0c87cc.
9
Para acessar o
QR code
é necessário ter no celular um aplicativo que faça leitura de
QR code
ou, se preferir,
assista por este link: https://drive.google.com/file/d/1MT64EyjR16p4J80jRexl1KZ-
AhJrNjgU/view?ts=61e090ab. Esta videoperformance é de autoria de Carolina Cony, uma das autoras deste
relato.
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nesse caso, capturado pela câmera e transformado em narrativa:
complementando a palavra, assim como as mãos, que gesticulam enquanto uma
conversa acontece. A boca busca palavras, mas as transforma em movimento
dançado. Numa coreografia ordinária, que se repete e passa imperceptível por
nossos dias. Mas podemos nos atentar a essas miudezas do corpo, nas constantes
composições de movimento que criamos na fala, na escrita, nas expressões faciais
e num todo que se movimenta constantemente.
Cada letra cabe no som dela mesma, falada, pensada, vivida. Cada palavra
escolhida propõe uma ideia e com ela, uma estética. Na escrita, a vírgula respira,
o ponto finaliza. Na ação de criar surge a busca pela próxima palavra, assim como
diálogos com outros escritos, ideias, narrativas, contextos que inspiram a
continuidade da composição. Escrita como ação e reflexão, ato reflexivo. Como
movimento, evidencia o cruzo entre vida e pesquisa, nos fazendo adentrar em
diversos ritmos simbólicos que nos proporcionam prazer e criação. Uma escrita
performativa.
Poderíamos apontar como características do performativo: o apelo a
outros modos de percepção (e no caso do texto, a própria ressignificação
do que é considerado texto); o caráter processual, inacabado, de algo que
está sendo feito, do que está sendo composto através de uma colagem
de diferentes formas e gêneros; o espaço para o cotidiano, a não
separação entre arte e vida; a (re)inscrição da arte do domínio público, o
deslocamento dos códigos; a possibilidade do risco, do malogro, do erro
que acompanha a tentativa; a ludicidade das formas visuais e verbais do
discurso, a performatividade como experiência e como execução de uma
ação (Saber de Mello e col., 2020, p.8).
Pensar o termo “performativo” na contemporaneidade implica considerar o
que ele vem sendo, o que ele está abrangendo e como ele se em diferentes
linguagens artísticas e contextos, em vez de reduzi-lo a uma definição
essencialista (Alice, 2020). Como nos aponta Tania Alice (2020), de acordo com o
linguista inglês Austin (1990, p. 94), “[...] todo ato de fala contém um poder de
transformação inerente a ele mesmo”. Ou seja, “[...] a fala realiza uma ação ao
mesmo tempo que é proferida [...]” (Austin, 1990, p.94), sendo capaz de unir, afetar,
legitimar, impedir, deslocar, afastar e modificar o contexto em que acontece.
Segundo Peggy Phelan (2011) em “Ontologia da Performance”, o desafio que a
performance lança à escrita consiste em descobrir um modo de transformar
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palavras repetidas em falas performativas em vez acomodá-las em falas
constatativas, visto que a constatação se detém a narrar as coisas do mundo,
relatando-as, enquanto a expressão performativa ao ser dita é portadora de ação
e cria algo, gerando aberturas a inquietações e deslocamentos.
Nesse sentido, temos buscado pensar, propor e vivenciar articulações,
desdobramentos e expansões do performativo na produção acadêmica, na
performance arte e na educação, considerando a palavra como dispositivo de
ativação e relação, e a natureza disruptiva da linguagem da performance que não
se detém apenas à uma representação cênica, mas realiza-se modificando o
presente, interferindo nos modelos estabelecidos e propondo outras realidades a
partir da convocação de presença no corpo.
“Quem disse que isso não pode ser um dinossauro”
10
Proposição audiovisual realizada por uma das autoras deste relato de
experiência no contexto de um Curso de Extensão promovido por nosso Grupo
de Pesquisa durante os meses de novembro e dezembro de 2021,
refletindo acerca dos processos de criação e seus caminhos em diálogo
com a prática educativa.
“Quem disse que isso não pode ser um dinossauro” - questão inquietante
enunciada por uma criança durante uma aula de artes - foi a frase disparadora
para essa escrita em vídeo composta de diversos fragmentos, gestos, anotações,
desejos, memórias de processos artísticos que performam com a matéria. Uma
10
Para acessar o
QR code
é necessário ter no celular um aplicativo que faça leitura de
QR code
ou, se preferir,
assista por este link: https://drive.google.com/file/d/1D2r3Va0TlWpezoJl1fi-KN1KUz1xY1uj/view. Esta
videoperfomance é de autoria de Virna Bemvenuto, uma das autoras deste relato.
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constelação verbo-visual-sonora que evoca paisagens de elementos condutores
de pesquisa poética a partir de um corpo de artista-professora-pesquisadora
que transita entre escolas, crianças, galerias de arte, trens, centros culturais,
ruas, universidade, Central do Brasil do município do Rio de Janeiro. Palavra e
barro performam mutuamente, revelando na mutação da forma desejos e
devires da matéria.
As formas do barro anunciam gestos do corpo que o modela de modo não
explícito na cena, evocando a provocação da forma que, inconformada, busca
outras possibilidades de si. Essa feitura também se faz como metáfora para uma
perspectiva autobiográfica que se realiza de forma confessional pela voz que
narra seus próprios percursos poéticos de pesquisa. As palavras provocam
imagens situadas no corpo e que convidam a um caminho perceptivo afetado de
mundo. O gesto da modelagem faz o barro dançar com a palavra e esta, por sua
vez, conjura no presente do indicativo acontecimentos constituintes do corpo
que vos fala. Uma experiência performativa em uma escrita audiovisual, que se
lança aos rastros daquilo que se inscreveu no corpo em outros tempos, também,
performaticamente.
“Quem disse que isso não pode ser um dinossauro” foi abre-alas para
apresentação de uma de nós durante a roda de conversa que tinha como força
motriz estudarmos os processos criativos e seus caminhos a partir da conexão
entre Corpo, Arte e Ciência. Um diálogo construído por três artistas-professoras-
pesquisadoras, todas integrantes de nosso Grupo de Pesquisa.
Apostamos nessas possibilidades movidas pela perspectiva de uma
educação que seja estética, uma educação do sensível, que propõe “[...] um
refinamento dos nossos sentidos, que nos colocam face a face com os estímulos
do mundo” (Duarte Júnior, 2000, p.15). Ponto de vista que nos estimula a lançar
nossa atenção ao retorno das coisas mesmas,
[...] para aquele saber primeiro que veio sendo sistematicamente
preterido em favor do conhecimento intelectivo, não apenas no interior
das escolas, mas ainda e principalmente no âmbito familiar de nossa vida
cotidiana (Duarte Júnior, 2000, p.15).
Quando escrever é mover: Por uma (des)educação performativa na escrita acadêmica
Adrianne Ogêda Guedes; Carolina Cony Dariano da Rosa
Virna da Silva Bemvenuto; Vitória da Silva Bemvenuto
Florianópolis, v.2, n.44, p.1-20, set. 2022
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Nos ocupamos de cuidar dos detalhes que minuciosamente dão corpo às
nossas produções, entendendo a metodologia como modos de fazer, como
possibilidades diversas para dar forma ao que investigamos. Escolhê-las, trata-se,
portanto, de uma ação política: que é necessário atenção para que os gestos
cotidianos não reforcem paradigmas de opressão ou docilização do corpo, da
ciência e da vida. Para tanto, nos interessa enxergar as miudezas, as
minusculosidades presentes no processo de feitura da pesquisa acadêmica.
Assim, abraçamos a proposta de produzir pesquisa como artesania, por meio
de metodologias minúsculas, feitas manualmente, escolhendo a dedo maneiras
de fazer que firmam nosso compromisso com a flexibilidade à mudança, ao
movimento e a re-existência produzida em nossos corpos.
Metodologias minúsculas: aquelas que rompem com a normativa do
método enquanto condição de cientificidade, que reforçam a importância
das multiplicidades, das diferenças, da polifonia, do diálogo. Uma
metodologia com letra minúscula, compromissada com as
singularidades, com o diferir, com o sabor e o saber criado e vivenciado
na pesquisa (Guedes e Ribeiro, 2019, p.18).
Singularizar a palavra: alargar frestas para que a singularidade do corpo se
expresse no texto. Um desafio constante no nosso exercício de criar maneiras para
incorporar a escrita. Um exercício intenso no nosso desafio cotidiano de
corporificar as produções acadêmicas, especialmente as apresentações em
congressos.
TRANSFORM(A)ÇÃO
Migrações. Do Nordeste ao Sudeste.
Percília, João, Alfredo, Elsa.
Costura de caminhos, desvios, barro, Rocinha, Jacaré.
Realengo.
Eurides. Décio. Virna. Vitória.
Minha história cabe na pesquisa?
Por onde andei, em que passo ando, porquê me movo desse jeito.
Pode habitar as linhas do mestrado?
Transformo linhas em fios.
Pandemia.
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Meu corpo biográfico tece.
Junto com os corpos das educadoras do CIEP e da Creche.
Esvaziar para Preencher.
Assim nos propusemos.
Metodologia? Escrevivendo o Carinho.
Experiências: estéticas, yoga, ordinárias, originárias.
Esvaziar para Preencher.
Espaço-tempo de travessia.
Pra mim. Pra “Mãos-Generosas”.
Pra “Alegria Contagiante”.
Pra “Coração Imenso”.
Pra “Nutridora de vida”.
Pra “Brilho nos olhos”.
E tantas mais. E mais um.
Resultado?
Bolo de aniversário.
Festa Junina.
Brincadeiras.
Movimento.
Intimidade.
1 ano: íntima idade de encontro.
Trinta e tantas vezes carinho.
Tecendo os fios das páginas da vida-di certa ação.
Vitória Bemvenuto, 2021.
Costurando esse poema junto com outras duas integrantes de nosso Grupo
de Pesquisa, começamos nossa apresentação no I Encontro da Regional Sudeste
da Associação Brasileira de Pesquisa (Auto)biográfica Biograph, em novembro de
2021. A temática “Paulo Freire, pesquisa (auto)biográfica, narrar e esperançar a
vida”, proposta pelo evento, nos inspirava a esgarçar as frestas para uma
apresentação que evidenciasse, pela experiência poética da escuta, o artigo que
estávamos prestes a apresentar.
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Nele, algumas palavras nos explicitaram suas forças performativas: pesquisa
viva, experiências sensíveis, narrativas, docência, alargar as frestas. Desejávamos
uma apresentação em coerência com o que nos move a pesquisar: os sentidos,
as perguntas, as intimidades, a escuta, a relação. Estávamos interessadas em
evidenciar a metodologia, os achados que resultaram do processo de fazer, a
nossa autoria e a de quem caminhou conosco. (Des)educar a apresentação,
inventar maneiras outras de fazê-la.
No cruzo com as palavras escritas e faladas das outras duas companheiras
de criação, uma das autoras que aqui escreve compôs esse registro-poema de
pesquisa estruturando-o como quem produz um texto acadêmico, a partir das
escolhas éticas, políticas e estéticas que sustentamos enquanto Grupo de
Pesquisa vinculado à uma educação pelo sensível.
A primeira estrofe dizia sobre mim
11
, autora - comecei pelo corpo, trazendo
minha escrita (auto)biográfica: as presenças que me habitam, as marcas e
contornos que me fazem ser/estar no/com mundo. Em seguida: as autorias
companheiras - o grupo de sujeitas/os que estiveram em campo, com as mãos
na massa e o corpo presente na co-criação da pesquisa.
Então: dizer da metodologia - no registro-poema destacado a Escrevivência
de Conceição Evaristo e a relação movida - mantida pelo carinho e cuidado
contam da forma miúda e gentil de modos outros de fazer. Após, marcar,
novamente, a presença das coautoras do estudo: escolhi sublinhar,
generosamente, na apresentação acadêmica o envolvimento e a entrega que
essas educadoras dedicaram para vivermos as experiências.
Para terminar, evidenciar os resultados afetuosos e transformadores do
processo. Me interessa, na realidade, dizer: os achados que foram descobertos,
coletivamente, a partir de um ano de experiências em que entrelaçamos Yoga
12
e
11
Devido ao contexto de criação deste poema, optamos por manter a escrita em primeira pessoa do singular
no trecho que se segue. Trata-se da narrativa da autora do registro-poema exposto acima.
12
Yoga é um dos seis sistemas ortodoxos de Filosofia, Psicologia e Educação indiano. Por meio de práticas de
concentração, voltadas ao cotidiano, experimentações corporais e respiratórias, e estudos teóricos, se
debruça sobre questões ontológicas em torno da experiência humana na vida e a causa do sofrimento.
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Educação Estética. Um ano demarcado pela Pandemia da COVID-19, mas
também pelo “carinho”: palavra-força que aparece trinta e tantas vezes ao longo
das páginas da dissertação.
Após a apresentação no Encontro, esse registro-poema permaneceu em
mim. Fez questão que eu não o esquecesse e requisitou seu espaço,
gentilmente, como abre-alas para a escrita da dissertação. Poema-registro de
vida-pesquisa que dá corpo às experiências vividas, criado e sentido no processo
de vivê-las.
Percebemos: se não executamos seu apagamento, o corpo requisita seu
lugar - onde sempre esteve e está. Sentimos: se disponibilizarmos o verbo, a
palavra se corporifica.
Considerações em curso: escrever é dar a ver
A vida e a pesquisa, como experiências, nos encorajam a existirmos em
coletivo. Assim como as pausas, os retornos, as dúvidas, as letras apagadas, as
frases alongadas, as palavras repetidas. Respirar e soltar a mandíbula, destravar
os dentes, deixar escorrer a língua dentro da boca. Cuidamos para que o corpo
que escreve e que lê, os movimentos produzidos por ele durante o processo, as
paisagens e os acontecimentos que o atravessam e o inspiram, as palavras que
materializam o gesto na escrita, o respeito ao respiro e à pausa estejam presentes
no ambiente acadêmico e no que dele se origina. Possibilidades que se tornam
cada vez mais visíveis à medida que a arte e o corpo entram na cena das
produções universitárias, da educação, (in)disciplinando-as e (des)educando-as.
Desse modo, junto com Patzdorf (2021), considerando a crise da sensibilidade
enfrentada pelos corpos ocidentais, sublinhamos a arte-educação
[...] como um potente recurso de experimentação corporal e subjetiva
capaz de expressar e transformar os desequilíbrios físico, mental,
emocional e ‘energéticos’ programados pela somatopolítica neoliberal
(Patzdorf, 2021, p.7).
Nesse sentido, no contexto da pandemia da COVID-19, o FRESTAS
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vislumbrou/vislumbra modos de sentir, de investigar e produzir academicamente
que sejam contra-hegemônicos, considerando a singularidade e a coletividade
envolvidas nesse fazer.
Apostamos em vivências, cursos de extensão, projetos de pesquisa,
dissertações de mestrado, artigos, comunicações em eventos e aulas lançando
mão de diversos referenciais artísticos e pedagógicos, em que foram/são
propostas experiências interessadas em estimular, como nos inspira Patzdorf
(2021, p.7), “[...] processos de autoconhecimento e autocuidado capazes de
restabelecer, ainda que temporariamente, os vínculos com a vitalidade, a
expressividade, a coletividade e a liberdade [...]”. Temos procurado sustentar a
escuta aberta aos corpos e aos seus afetos que, como forças política, ética e
estética, nos convocam a problematizar perspectivas que o encarem e o reduzam
à condição de subalternidade que tenta, diariamente, condicioná-los como
máquina, objeto qualquer ou receptáculo da razão.
Para tanto, enxergamos a urgência de viver, como experiência, aquilo que
escrevemos, lemos e criamos no contexto da universidade. Fazer daquilo que
produzimos e que entramos em contato algo que realmente nos aconteça, nos
passe (Bondía, 2021). Nessa possibilidade, durante a realização do gesto
performático da escrita - e de outros recursos de produção -, sentimos o corpo:
sendo, existindo, imaginando, provocando. O ato de produzi-la como
acontecimento do corpo pelo corpo evoca os limites, os anseios, os apoios, o calor,
o incômodo da postura assumida - política, ética, estética e corporal, a ansiedade
durante a concretização da criação que nos convidam por vezes a nos evadir e/ou
a continuar em busca das vozes do corpo. Vozes escutadas, às vezes, pelo som,
pela escrita, pela cena, pelo gesto, pelo silêncio, pelo olhar. A forma de
materialização se altera e o corpo está sempre ali - ele já detém o seu lugar.
Sentindo que as reflexões que trazemos nesse relato de experiência
continuarão conosco, escolhemos sustentar, coletivamente, a prática da
(des)educação performativa na escrita acadêmica. Inspiradas na instrução “Peça
de voz para soprano
13
”, de Yoko Ono (2000), propomos a você que nos leu até aqui,
13
Voice piece for soprano. Scream./ 1. against the wind/ 2. against the wall/ 3. against the sky / 1961 autumn
(Ono, 2000, não paginado). (Tradução nossa)
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uma ação em que escrever é mover:
PEÇA DE ESCRITA PARA ACADÊMICAS/OS
ESCREVA.
1. contra o vento
2. contra a parede
3. contra o céu
4. contra o papel
Referências
ALICE, Tania. A diluição das fronteiras entre as linguagens artísticas. In: Tânia Alice
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Manual para performers e não-performers: 21 ações para produzir felicidade
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Rio de Janeiro: Multifoco, 2020, p. 93-102.
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Quando dizer é fazer - Palavras e Ação
. Trad. de Danilo
Marcondes de Souza Filho. Porto Alegre: Artes Médicas, 1990
BONDÍA, Jorge Larrosa. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. In:
Jorge Larrosa (Org.)
Tremores: Escritos sobre experiência
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Autêntica, 2021, p. 15-34.
DUARTE JUNIOR, João Francisco.
O sentido dos sentidos: a educação (do) sensível
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2000. Tese (Doutorado em Educação) Universidade Estadual de Campinas,
Campinas, 2000.
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Una Sociologia sentipensante para a América Latina
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Apontamentos para pensar uma pesquisa educativa. In: Adrianne Ogêda Guedes e
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Pesquisa, alteridade e experiência: metodologias minúsculas
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Ensinando a transgredir: a educação como prática da liberdade
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São Paulo: WMF Martins Fontes, 2017.
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PATZDORF, Danilo. Artista-educa-dor: A somatopolítica neoliberal e a crise da
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Urdimento
Revista de Estudos em Artes
Cênicas, Florianópolis, v. 1, n. 40, p. 01-28, 2021. Acesso em: 13 jan. 22. DOI:
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FRANZONI, Tereza. O que é escrita performativa?
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DOI: 10.5965/1808312915252020e0015.
Recebido em: 15/01/2022
Aprovado em: 21/02/2022
Universidade do Estado de Santa Catarina
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PPGT
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