A proposição cosmopolítica na obra de Jaider Esbell e Vó Bernal
Flaviana Benjamin
Florianópolis, v.1, n.43, p.1-19, abr. 2022
Para Kambeba (2020), a cultura, para os povos originários, é um processo
dinâmico que flui internamente como o tronco das árvores, mas que necessita de
cuidado e, para isso, a educação, a leitura, a escuta e o aprendizado são
necessários. Tomando isso como aporte, podemos verificar no canto Macuxi a
dinâmica intrínseca das práticas de adoração e valorização da natureza quando a
anciã se depara com o rio em meio à cidade. A autora acrescenta que o corpo
indígena é como uma tela ou livro que contém conhecimentos fundamentais para
a comunicação visual e oral do meio social.
Diferente da prática de olhar o espaço e reconhecer a natureza como o modo
operativo de Vó Bernal, os participantes da oficina, como eu, se preocupavam em
encontrar material descartado na cidade de maneira irresponsável e desenfreada.
A austeridade de ver a natureza se deteriorando parece fazer parte de pessoas da
cidade que já não se impactam com a poluição.
Sobre isso, Stengers pontua:
Nós herdamos de uma destruição, os filhos daqueles que, expropriados
de seus
commons
, foram a presa não apenas da exploração, mas
também das abstrações que faziam deles qualquer um, temos que
experimentar o que pode recriar – fazer pegar novamente, como se diz
das plantas – a capacidade de pensar e agir juntos (Stengers, 2009, p.75).
Para a filósofa, a experiência em torno de honrar Gaia, como a autora nomeia,
está em “aceitar mudar de vida” (Stengers, 2009, p.76). Nessa perspectiva, a
experiência está ligada à luta política que não passa por produção de repercussão,
mas na construção de “caixas de ressonância” (Stengers, 2009, p.78) que
propiciem outras formas de agir e ouvir. Decerto, não se trata de substituir uma
cultura por outra, mas da (re)construção de mundos, de composição. Assim, o
canto Macuxi dá vida à ressonância da natureza que caminha precariamente na
cidade em um som irreconhecível pela população local. Esses sons estão
presentes nos rios (visíveis ou cobertos pelas grandes construções), nos pássaros,
no balanço das árvores etc.
A autora expõe
commons
(comum) como essencial para a vida nas comunidades camponesas. Em sua
reflexão o comum se traduziria como usuário na concepção de que juntos podemos pensar, criar, imaginar
ao passo que cada um realiza o que é importante para o outro.