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Alguém acaba de morrer lá fora: Uma
experiência cênica no
Instagram
Daniele Geammal
Para citar este artigo:
GEAMMAL, Daniele. Alguém acaba de morrer fora: Uma
experiência cênica no
Instagram
.
Urdimento
Revista de
Estudos em Artes Cênicas, Florianópolis, v. 1 n. 43, abr. 2022.
DOI: http:/dx.doi.org/10.5965/1414573101432022e0110
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Resumo
Este texto contém o
relato
e análise do processo de criação teatral,
pertencente à última etapa de formação de uma importante escola pública
de teatro do Estado do Rio de Janeiro, desenvolvido com perspectivas de
autonomia e visando um ensino decolonial, ocorrido no período pandêmico,
tendo a experiência remota como alternativa para o momento.
Palavras-chave
: Ensino. Autonomia. Decolonialidade. Teatro. Experiência
remota.
Someone just died outside: a scenic experience on
Instagram
Abstract
This text contains the report and analysis of the process of theatrical creation,
belonging to the last stage of their education at an important public drama
school of the State of Rio de Janeiro, developed with perspectives of
autonomy and aiming at decolonial teaching, which occurred in the pandemic
period, with the remote experience as an alternative for the moment.
Keywords
: Teaching. Autonomy. Decoloniality. Drama. Remote experience.
1
Revisão ortográfica e gramatical do artigo realizada por Luiza Araújo Vicentini. Mestre em Literaturas de
Língua Inglesa pela Universidade Estadual do Rio de, Janeiro (UERJ). Licenciatura plena em Letras: Português
Inglês(UERJ). Atualmente matriculada na etapa 4 da Escola Técnica Estadual de Teatro Martins Penna.
luizaavicentini@gmail.com http://lattes.cnpq.br/7335427872852261
2
Doutoranda no Programa de Pós-graduação em Artes da Cena da Escola de comunicação da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Mestra em ensino de Artes Cênicas pelo Programa de Pós-Graduação em
Ensino de Artes Cênicas pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO - 2020). Bacharel
em Artes Cênicas, com habilitação em cenografia, pela Escola de Belas Artes da (UFRJ - 1996). Professora
efetiva da Fundação de Apoio à Escola Técnica do Estado do Rio de Janeiro (FAETEC - RJ), lotada na unidade
Escola Técnica Estadual de Teatro Martins Penna desde 2006. danielegeammal@gmail.com
http://lattes.cnpq.br/2568882441960685 https://orcid.org/0000-0002-2356-7099
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Alguien acaba de morir afuera: una experiencia escénica en
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Resumen
Este texto contiene el informe y el análisis del proceso de creación teatral,
perteneciente a la última etapa de formación de una importante escuela
pública de teatro del Estado de Río de Janeiro, desarrollada con perspectivas
de autonomía y apuntando a una enseñanza decolonial, ocurrida en el período
de pandemia, con la experiencia remota como alternativa para el momento.
Palabras clave
: Enseñanza. Autonomía. Decolonialidad. Teatro. Experiencia
remota.
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Quando nós falamos tagarelando e escrevemos mal ortografado
Quando nós cantamos desafinando e dançamos descompassado
Quando nós pintamos borrando e desenhamos enviesado
Não é porque estamos errando
É porque não fomos colonizados.
(Nêgo Bispo)
3
Introdução
O título deste texto, que parece a manchete sensacionalista de um jornal
Rodriguiano
4
, é o nome de uma peça de Bilac
5
, escrita 15 anos. Ela foi
escolhida, em 2021, por quatro estudantes com matrícula ativa na última das cinco
etapas hierárquicas e distribuídas em sistema seriado, pertencentes à formação
da Escola Técnica Estadual de Teatro Martins Penna (ETETMP)
6
. Esta fase final do
curso, que tem seu foco na formação de atores e atrizes, requer um estágio
supervisionado, que pressupõe a experiência em uma montagem teatral realizada
na escola e sob a orientação de uma equipe docente.
A peça de Bilac começou a ser escrita, segundo o próprio autor
7
, em 2006,
mas foi em março de 2020, com o anúncio de mortes fora, que as escolas se
fecharam. Neste início da terceira década do século XXI as mortes que cerraram
os portões da Martins Penna não ocorreram por atropelamento de carro na rua
em frente a um bar, onde se encontram as quatro personagens da trama criada
por Jô, e sim pela chegada de uma pandemia de Covid-19 que segue ainda, por
inimagináveis 24 meses, deixando fronteiras marcadas entre o aqui e o fora de
muita gente.
3
Nêgo Bispo recita este poema de sua autoria ao final de uma entrevista. (Nêgo..., 2020)
4
Ao usar o termo Rodriguiano”, refiro-me à obra do Dramaturgo brasileiro, Nelson Rodrigues, que trazia na
escrita uma forte influência da sua experiência com jornalismo policial.
5
Jô Bilac é um jovem dramaturgo brasileiro, formado pela Escola Técnica Estadual de Teatro Martins Penna,
com grande repercussão dentro e fora do Brasil.
6
Vou me referir à Escola Técnica Estadual de Teatro Martins Penna de muitas maneiras, dependendo da
relação que estabelecerei no trecho da escrita. O título completo da escola tem uma relação mais
institucional, que seguirá neste texto, a partir de agora com a sigla ETETMP. Muitas pessoas falam apenas
Escola de Teatro Martins Penna. No entanto, cotidianamente, usamos o nome do patrono e a chamamos de
a Martins Penna ou, de forma mais íntima e afetiva, apenas Martins.
7
Bilac, 2012.
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Na Martins Penna os portões de entrada, tão circulados outrora, em 2021 se
mantiveram fechados para encontros de ensino e aprendizado, até meados do
segundo semestre. Para tentar driblar a necessidade imprescindível de
afastamento dos corpos, com o objetivo de evitar a transmissão de Corona Vírus,
o mundo digital e remoto se abriu como alternativa de ensino e de criação artística,
gerando possibilidades antes não muito acessadas pela escola. Os olhares de
artistas se voltaram para lugares, espaços e caminhos para compartilhar e veicular
a arte teatral em diferentes linguagens.
Este texto, então, contém o relato e análise sobre o processo de criação do
espetáculo que lhe título e teve o
Instagram
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como espaço, veículo e linguagem
para as criações de quatro jovens estudantes. Considero o registro desta
experiência de suma importância para a reflexão das constantes transformações
fundamentais à existência do teatro, que o mantêm vivo ao longo da história. No
entanto, antes de compartilhar meus relatos e reflexões sobre esta experiência
diretamente, faz-se necessário voltarmos algumas casas para trás com o objetivo
de compreender os impactos iniciais dessa necessidade sanitária de afastamento
e como ela reverberou na Martins Penna, estabelecimento de ensino no qual
integro o corpo docente e que está descrita nos anais como a Escola de Teatro –
em funcionamento – mais antiga do Brasil.
A Martins é uma escola centenária. Ela nasce, por decreto, em 1908 e inicia a
sua primeira turma em 1910
9
. Mesmo sendo uma escola que existe hoje, no século
XXI, ela se sustenta em expectativas conservadoras por parte de seu corpo
docente e discente, que ainda a mantêm com fortes amarras ao século de seu
nascimento. Apesar de enxergar conservadorismo na escola em que trabalho,
preciso reconhecer que este é plural e se manifesta de muitas formas, maneiras
e com intensidades distintas. Portanto, não quero dizer exatamente que a Martins
parou no século passado, mas a considero, mesmo que com uma mirada em
direção a mudanças, estabelecida segundo modelos ultrapassados de escola.
8
O
Instagram
é uma rede social para compartilhamento de conteúdo através de fotos e vídeos,
prioritariamente.
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Luciano Loureiro, em sua dissertação, apresenta registros históricos sobre a fundação da Escola Dramática
Municipal, atual ETETMP. (Loureiro, 2016, p.15)
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Em algumas instituições de ensino, grupos de teatro, centros culturais e de
arte, acompanhei a celeridade de transformações a partir das possibilidades – ou
impossibilidades – de fazer teatro, que se impuseram ao meio artístico diante da
crise sanitária. No entanto, na Martins, essa lógica foi um pouco mais lenta.
Identifico essa lentidão sob alguns aspectos, como dificuldades financeiras,
tecnológicas, sanitárias e emocionais, mas ressalto dois importantes para o debate
que trago agora sobre questões ligadas às transformações pedagógicas que
pretendo abordar aqui neste texto:
Um deles é o apego a uma tradição teatral sustentado pela ideia de que a
Martins é uma escola centenária e, portanto, não pode mudar assim tão
abruptamente sem descaracterizar sua essência. Ou seja, refiro-me ao
conservadorismo mencionado no parágrafo anterior. Trata-se de uma percepção
comportamental e subentendida, inclusive, a partir de um programa pedagógico
que vem se mantendo quase imutável ao longo dos últimos vinte anos, mesmo
com as constantes mudanças sociais, econômicas, políticas e sanitárias, inerentes
à vida em sociedade e não somente ao período definido por esta pandemia iniciada
em 2020.
Outro aspecto sobre a recusa à uma mudança metodológica para contemplar
esse momento, que também identifico como conservadorismo de docentes e de
discentes, é a percepção de que as práticas teatrais tidas como ponto alto da
Martins –, o contato físico e o encontro olho no olho – fortemente desejados por
artistas de teatro e, principalmente, a afetividade característica desta escola
que faz com que seus estudantes se autodenominem
Filhas, Filhes e Filhos da
Martins
10
foram fatores de provável impedimento da aceitação de que estes
elementos poderiam ser vividos ou, até ressignificados com um processo digital e
realizado à distância.
O teatro é um campo do conhecimento que vem se sustentando, ao longo
da história, na ideia de presencialidade, onde todos os sentidos podem ser
acessados. Será possível viver isso por meios digitais? Diante tamanha inesperada
dúvida, pertinente a uma situação promovida pela pandemia, tornamo-nos
10
Maneira carinhosa com que estudantes, que passaram pela ETETMP ou estão matriculados nela, se
autodenominam, acentuando um caráter familiar às relações estabelecidas nesta instituição de ensino.
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perplexos e atônitos nem todos, os que puderam não apenas pela
dificuldade de sustentar o que nos parecia imprescindível ao teatro, mas
também pela tristeza e instabilidade emocional dos tempos atuais. Aos poucos
fomos desenhando rotas possíveis, algumas pessoas e instituições mais
rapidamente que outras. Reinventamos nosso corpo e indumentária,
reorganizamos a lógica dos espaços de trabalho e das casas para quem tem
casa e ressignificamos as relações, com as pessoas e com as ruas. Sobre tudo
isso, mesmo que com abismos de diferenças nas soluções possíveis para
pessoas vivendo em situações muito diversas, ouvi atribuírem a esse momento
o título de
novo normal
. Quando penso na palavra normal imediatamente surge
a ideia de norma, regra, padrão, usual, parâmetro etc.; uma série de palavras que
definem a atual expressão de ordem. Todos esses significados parecem
incoerentes à ideia que tenho de ensino e de arte, dois campos de estudo muito
caros a mim, que sou artista e docente de uma escola de teatro. Sendo assim,
prefiro concordar com Augusto Boal quando diz que “O belo não é algo que existe
como coisa ou na coisa, mas sim na relação entre coisa e observador não é
absoluto, é relativo. Pode durar milênios, mas não é eterno; pode ser imenso, mas
não é universal” (Boal, 2009, p.169).
Ensino e arte caracterizam os meus focos de pesquisa e prática, são áreas
que reúno algum tempo de experiência e onde venho lutando, desde muito
antes da existência da necessidade coletiva em buscar
um novo normal
, para
extinguir com a ideia de verdade única, muito bem debatida por Chimamamnda
Adichie na sua palestra sobre O perigo de uma história única
11
. Estas duas
expressões: novo normal e verdade única, caracterizam o que acho de mais
danoso e prejudicial ao ensino da arte, porque formatam, matam e extinguem
com a diversidade e canalizam para o que é padrão todos os holofotes, atenções,
verbas, respeito e oportunidades. Nos afastam das ricas possibilidades do
diferente, das diferenças, destroem sonhos, aniquilam as chances e opções de
tudo e de todas as pessoas que não estão enquadradas nas regras vigentes que
definem uma estética aceitável, normal e verdadeira, segundo os ditames de um
pequeno grupo hegemônico. E, mais do que isso, nos afastam das novidades.
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(O perigo..., 2009)
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Transcrevo abaixo uma fala de Ailton Krenak que, ao se referir às crianças,
suscita a reflexão sobre os prejuízos de um ensino formatador.
Enquadrar e formatar nesse período primeiro da formação da pessoa
seria uma violência muito grande porque você fica direcionando esse
espírito que podia trazer muita novidade pro mundo. Então ao invés de
futuro, futuro produzido, a gente deveria, na verdade, recepcionar essa
inventividade que chega no mundo através de novas pessoas, as crianças,
todas as crianças, em qualquer cultura do mundo, elas são portadoras
de novidade (2°..., 2020).
Dito isso volto meu olhar para a Martins na tentativa de analisar e
compreender o que foram os anos de 2020 e 2021 para esta comunidade escolar,
da qual faço parte, me aproveitando do período chamado Pandêmico para
refletir sobre esta unidade de ensino secular, no sentido de provocar saudáveis
debates sobre as transformações necessárias ao ensino da arte hoje e sempre.
Para ilustrar esse debate proposto vou aproveitar a experiência de montagem
do espetáculo
Alguém acaba de morrer fora
, como processo de ensino e
aprendizado referente à etapa V, última fase de formação desta escola e pré-
requisito para a obtenção de diploma do curso técnico em teatro da ETETMP.
Esta etapa, que é considerada um estágio supervisionado, culminou com a
partilha pública de uma criação artística idealizada, produzida e realizada por
quatro estudantes que, como na fala de Krenak, foram “portadoras de
novidades”.
Tentativa de reação
O período
pandêmico
tem sido banhado por muito sofrimento, isso é
inegável. Trata-se de uma triste fase de grande vulnerabilidade financeira, assim
como para nossa saúde física e emocional, se é que é possível separar estas
coisas. As perdas de pessoas queridas, que fazem parte da história da Martins
Penna, foram muitas. Ainda em março de 2020 recebemos, estarrecidos, a
notícia da morte de uma Filha da Martins e ex-funcionária muito estimada, Érika
Ferreira Elias, que se foi logo no primeiro mês da constatação de que a pandemia
chegava aqui no estado do Rio de Janeiro. Alguns meses adiante sofremos com
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a morte de dois professores, Mário Mendes e Marcelo Biar, também ex-diretor e
diretor adjunto em exercício, respectivamente. Em setembro de 2021, quando as
coisas pareciam estar se aprumando, todo o corpo docente e de funcionários
com as duas fases de imunização concluídas e estudantes já se encaminhando,
em sua maioria, para a aquisição da segunda dose, nos preparávamos para um
retorno presencial, fomos nocauteados pelo anúncio do falecimento do diretor,
Marcelo Reis, por complicações decorrentes da Covid-19. Portanto, nada do que
eu relatar aqui abaixo pode ser entendido como compensação das nossas
perdas. Mas é igualmente inegável, assim como o nosso sofrimento, que é
necessário e vital pensarmos na escola em constante movimento, formadora de
agentes de transformação, capazes de refletir sobre a sociedade, de questionar
as instituições de poderes e denunciar abusos de toda a espécie, inclusive os
que levam à atual situação caótica, política, econômica e sanitária, neste país.
Porque “Criar nossa própria cultura, sem servidão àquelas que nos são impostas,
é ato político e não apenas estético; ato estético, não apenas político! (Boal,
2009, p.36).
Sendo assim, sigamos em frente para compreender o que, apesar do
sofrimento inestimável, constitui-se como ato político, como ato estético, como
transformação que, mesmo ao findar da pandemia e dos protocolos necessários
à sobrevivência, caracterizará descobertas e possibilidades no teatro,
mantendo-o vivo, em constante mutação, capaz de ampliar vozes e denunciar
muitas outras mortes, que podem estar camufladas por um ensino colonizador
e um padrão estético elitista e excludente.
Em 2020, logo que tivemos os portões da Martins fechados, acreditávamos,
como imagino muitas pessoas no mundo, que a pandemia passaria logo.
Baseados nessa premissa começamos, docentes, discentes e funcionárias(os), a
organizar atividades que nos mantivessem em conexão entre nós e com o
pensamento artístico. Então, logo no primeiro semestre, produzimos oficinas
livres, leituras dramatizadas,
podcasts
, ciclo de
lives
em torno de temas ligados
ao teatro e a pessoas caras a nós, tudo por meios virtuais. Realizamos também
alguns debates sobre como prosseguir com o semestre letivo. Estes encontros
foram entremeados por enquetes à comunidade que, em sua maioria, mesmo
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depois de respostas positivas para acesso à internet e equipamentos
eletrônicos, se negava a aceitar qualquer forma de validação curricular do ensino
e aprendizado do teatro remotamente. Essa reação, em parte, me parecia
compreensível dada a instabilidade emocional do momento, gerando, inclusive,
dificuldade de reflexão sobre o que significava tudo isso que estávamos vivendo.
Por outro lado, também havia uma reação negativa à possibilidade de
experiências que pudessem ser convertidas em crédito para formação e
integradas aos históricos de estudantes, como se fosse impossível e pouco
razoável fazer teatro em condições desconhecidas. Para uma boa parcela da
comunidade escolar, com algumas exceções na qual me incluo, o que estava
sendo praticado com nome de Teatro, no mundo, não merecia esse título e não
combinava em nada com o propósito metodológico da ETETMP. Portanto nos
restava apenas esperar a pandemia acabar para voltarmos a trabalhar como
antes, como de costume, aguardar o retorno ao
normal
.
Acredito e defendo, muito antes da pandemia, uma metodologia livre para
o ensino, sem amarras disciplinares e encaixotadoras de um conhecimento
predeterminado por um currículo engessado e estabelecido unilateralmente,
sem a participação de estudantes. Essa crença encontra apoio no relato da
autora bell hooks ao descrever, no livro
Ensinando a transgredir
, sobre sua
experiência de infância.
Aprendemos desde cedo que nossa devoção ao estudo, à vida do
intelecto, era um ato contra hegemônico, um modo fundamental de
resistir a todas as estratégias brancas de colonização racista. [...] As
professoras trabalhavam conosco e para nós a fim de garantir que
realizássemos nosso destino intelectual e, assim, edificássemos a raça.
Minhas professoras tinham uma missão. Para cumprir essa missão, as
professoras faziam de tudo para nos “conhecer”. Elas conheciam nossos
pais, nossa condição econômica, sabiam a que igreja íamos, como era
nossa casa e como nossa família nos tratava (hooks, 2017, p.10).
Penso que qualquer processo de ensino que desconsidere a existência,
origem, histórico e a situação em que estudantes vivem, deixa de ser formação
e passa a ser formatação à serviço do sistema hierárquico, capitalista e
colonizador. E, desconsiderando interesse, disponibilidade e possibilidades de
estudantes, desconsidera a
experiência
, como Larrosa defende:
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A primeira coisa que gostaria de dizer sobre experiência é que é
necessário separá-la da informação. [...] A informação não é
experiência. E mais, a informação não deixa lugar para a experiência,
ela é quase o contrário da experiência, quase uma antiexperiência. Por
isso a ênfase contemporânea na informação, em estar informados, e
toda retórica destinada a constituir-nos como sujeitos informantes e
informados; a informação não faz outra coisa que cancelar nossas
possibilidades de experiência. O sujeito da informação sabe muitas
coisas, passa seu tempo buscando informação, o que mais o preocupa
é não ter bastante informação; cada vez sabe mais, cada vez está mais
bem informado, porém, com essa obsessão pela informação e pelo
saber (mas saber não no sentido de “sabedoria”, mas no sentido de
“estar informado”), o que consegue é que nada lhe aconteça (Larrosa,
2019, p.18-19).
Infelizmente, ao ler as palavras de Larrosa, reconheço a Martins Penna, que
se configurava, até então, por um sistema disciplinar muito próximo ao que
Paulo Freire chamava de educação bancária”, onde:
Educadores e educandos se arquivam na medida em que, nesta
distorcida visão da educação, não criatividade, não
transformação, não saber. existe saber na invenção, na
reinvenção, na busca inquieta, impaciente, permanente, que os homens
fazem no mundo, com o mundo e com os outros. Busca esperançosa
também. Na visão “bancária” da educação, o “saber” é uma doação dos
que se julgam sábios aos que julgam nada saber (Freire, 2013, p.81).
Desta feita, em diálogo com hooks, Larrosa e Freire, recolho pistas dos
motivos de parecer tão difícil pensar o ensino
fora da caixinha
em tempos
pandêmicos ou em qualquer outro. Como ensinar aquilo que nem a equipe
docente sabia fazer? Ou pensava que não sabia ou, ainda, não estava disposta a
sair do seu lugar de conforto, como detentora absoluta do
verdadeiro
conhecimento teatral e apegada à uma metodologia única, imutável e centenária
de fazer teatro. Estudantes, por sua vez, como neste sistema hierárquico e
disciplinado de transmissão de informação não são incentivados à experiência
autônoma, desacreditam nos seus potenciais, “julgam nada saber” e aguardam
inertes a doação dos que se julgam sábios”.
No segundo semestre de 2020, um pouco mais incrédulos do final iminente
da pandemia, algumas atividades em grupos de turmas, aos moldes de uma
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pedagogia baseada em desenvolvimento de projetos, foram sendo realizadas
como alternativa para a escola não se apagar. Então, em paralelo a isso, a equipe
pedagógica, percebendo neste momento a oportunidade de implementar um
novo programa para a Martins, iniciou, no primeiro semestre de 2021, uma série
de encontros para discutirmos, enfim, a possibilidade de mudanças estruturais
e metodológicas que se adequassem, não ao
período pandêmico
, mas à uma
perspectiva de ensino condizente com as necessidades urgentes de
transformação de uma escola por demais anacrônica, que parece presa a uma
grade curricular vertical, hermética, eurocentrada e dividida por disciplinas que
fragmentam o conhecimento. Considero essa alteração importantíssima em
qualquer escola, para qualquer área de formação, mas destaco abaixo as
palavras de Augusto Boal para defender a relevância de praticarmos, na Martins
Penna, uma metodologia capaz de fomentar o pensamento artístico
independente do mercado e dos parâmetros hegemônicos de produção cultural.
Arte, que pertence a todos, não pode se tornar propriedade de poucos
artistas, e estes, propriedade do monarca. A monarquia da comunicação
expropria a Estética como os latifundiários expropriam a terra. Cria, exala
e protege estrelas e estrelatos, imagens de senhorio. Aos que não são a
estrela da vez, ela os encerra em auditórios, com a função de bater
palmas. Arte latifundiária é inaceitável em uma democracia que se queira
tal. A arte tem que ser democrática como devem ser a terra, a água e o
ar (Boal, 2009, p.138).
Os encontros do segundo ano de pandemia resultaram em uma
reformulação do currículo, a ser implementada apenas em 2022 e, ainda, com
possibilidades de permanência no currículo antigo para estudantes que
considerem essa transformação uma perda de direitos adquiridos. Então, o
primeiro semestre de 2021 foi sendo desenhado com abertura para um
pensamento mais criativo de aprendizado em comunidade, onde um grupo de
professores e professoras trabalharam em colaboração com estudantes de uma
etapa específica, seguindo o tema estrutural de cada ementa. Tudo ocorria com
base na tentativa de não fragmentar o conhecimento, mas ainda com foco na
validação de disciplinas da grade curricular vigente e excluindo a possibilidade
de trabalhar as disciplinas que algumas pessoas, educandas e educadoras,
equivocadamente separam e nomeiam de disciplinas práticas em oposição às
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disciplinas teóricas, como se pudéssemos dissociar a teoria da prática, e
considerando impossível trabalhar o que intitulam de prática, remotamente.
Enfim, a dissociação de teoria e prática poderia dar um outro documento inteiro
de debate. Não voltarei a falar sobre esta dicotomia, o assunto aparecerá, de
alguma forma, diluído nos relatos do processo, vivido com a turma de quatro
estudantes, a que este texto se propõe.
Registro do processo
Ao iniciar o primeiro semestre letivo, de 2021, recebi um diário de classe
enumerando um grupo de 16 estudantes concluintes, pertencentes à última das
cinco etapas semestrais do curso técnico em teatro da ETETMP. Junto com o
diário a informação, fornecida pela coordenação pedagógica, de que haviam,
em sua maioria, sinalizado o desinteresse em prosseguir com a prática de
montagem, de forma remota ao público, e que desejavam trancar, retornando
apenas quando fosse possível a presencialidade.
Eu queria trabalhar, pensar teatro e aceitar o desafio de romper o
impossível. Até porque, fora da escola, eu estava experimentando várias
coisas, tanto assistindo espetáculos como produzindo em montagens teatrais
por meios virtuais. Resolvi ligar para algumas estudantes que eu identificava com
um certo grau de liderança. Ligar mesmo, sem mensagem, uma conversa por
telefone, rara nos tempos de hoje. A minha abordagem era para convidá-las a
comparecerem a uma reunião comigo, juntamente com as demais docentes
envolvidas com a etapa de formação, e que espalhassem para as outras pessoas
do grupo que viessem também. Disse que a reunião teria o objetivo de
prospectar possibilidades, que não precisariam necessariamente findar em um
produto, poderíamos aproveitar o momento para estudar e pesquisar interesses
comuns no teatro e, quem sabe, alinhavar projetos futuros para a tão desejada
prática de montagem que sonhavam acontecer sem a interferência de uma tela
de celular ou computador.
Recebi muitas confirmações de presença, que me encheram de esperança.
No entanto, no dia 11 de junho de 2021, data marcada para a reunião, chegaram
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algumas desculpas de ausência e outras desistências. Parecia até que estavam
com medo do convencimento de fazerem um teatro que não acreditavam. Eu
não seria capaz de propor isso, mas trazia o desejo de experimentar algum
caminho de pesquisa sobre teatro e, principalmente, um entendimento sobre o
teatro neste momento, em meio à pandemia. Algumas pessoas verbalizaram o
temor de receberem validação da etapa com a conclusão do curso, o que em
suas cabeças poderia significar o desligamento da escola. Concluir o curso de
uma escola cheia de afetos, onde estudantes se autodenominam
Filhas, Filhes
e Filhos da Martins
, pode parecer mesmo frustrante para quem conhece a
potência dos encontros
12
que aconteceram, até março de 2020, no número 14
da Rua Vinte de Abril, no centro da cidade do Rio de Janeiro
13
. Parecia assustador
finalizar a Martins à distância, uma escola rodeada de proximidades.
O encontro ocorreu com menos de um terço de estudantes da lista que
me foi enviada, e este pequeno grupo parecia estar ali por respeito e simpatia a
mim. Minhas palavras não estavam convencendo ninguém, nem mesmo da
perspectiva de investigação baseada em nossas curiosidades.
Quando estávamos nos despedindo e finalizando o encontro com a
promessa de pensarem a respeito de tudo que conversamos, mais de uma hora
depois do início, apareceu o Felipe, um dos inscritos na etapa, informando que
teve problemas com a internet. A maioria precisava mesmo sair, propus então
encerrar o encontro com as outras estudantes e seguir na sala virtual, onde
poderia conversar com mais calma com ele, sem prender as pessoas que
chegaram no início, mas compreendendo a necessidade de dar atenção a todas,
mesmo com suas dificuldades de conciliação temporal ou técnica e operacional.
Nenhuma outra professora pode permanecer naquele momento, portanto
ficamos apenas eu e Felipe. Este logo anunciou o desejo de se formar. Ele
intentava concluir a etapa de estágio supervisionado, fazer o que chamam de
12
Apesar de dizer que a grade curricular e a metodologia da ETETMP são baseadas em um ensino ainda
conservado em moldes antigos, tanto na prática docente quanto nos conceitos sobre teatro, reconheço que
existe um potencial de aprendizado em comunidade muito forte nos encontros informais: nas festas, na
cantina, no pátio, nos intervalos de aula, percursos de chegada e saída, no bar da esquina e muitas outras
atividades que não são identificadas institucionalmente, mas que considero valiosas e adoto, inclusive, como
tema para a minha pesquisa de doutorado.
13
Atual endereço da ETETMP.
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Instagram
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montagem de formatura
14
para encerrar seu vínculo com a escola, mesmo que
tivesse de fazer sozinho, porque a vida já havia tomado outros rumos.
Felipe chegou trazendo um desejo de pesquisa e investigação teatral, mas
também a necessidade preeminente de fechar um ciclo que havia se alongado
deveras e que não cabia mais na sua rotina. Absolutamente legítimo. Por outro
lado, ainda que corajosamente disposto a enfrentar o dito
impossível
por alguns,
ele trazia expectativas idealizadas e construídas ao longo dos estudos na escola
centenária que o mantinham preso a uma ideia hierárquica de construção da
cena, onde estudantes de atuação m pouco espaço de autonomia. Saliento
novamente o tempo de existência da Martins, que se configura quase que como
um selo de qualidade, para tentar entender os anseios do estudante que, mesmo
com a perspectiva destemida de se formar em meio à situação adversa do
momento, mostrou-se desejoso pela manutenção de formatos antigos e por
práticas reincidentes na escola, tentando conservar metodologias de outrora,
como um direito adquirido. Trago essa situação ao debate para poder observar
as dificuldades de transformação que se apresentam, tanto no campo do ensino
quanto na prática artística, quando estabelecemos ordens e regras do que é
normal, verdadeiro, naturalizado e costumeiro. Felipe estava reproduzindo o que
a escola o havia ensinado a desejar ao longo de quatro etapas.
Agora, com um pouco mais de afastamento da situação, compreendo
melhor as inquietudes dele. Eu estava propondo, através de uma renovação
metodológica: liberdade, autonomia e, mais do que isso, o direito de arriscar e
errar, em um processo de avaliação horizontal em que trabalharíamos em
comunhão, docente e discente. Mas será que esse mercado de trabalho
capitalista, hegemônico e cruel nos garante estas alternativas? É possível se
desvencilhar das forças e poderes que detêm o capital? As situações sociais
permitem que uma escola de arte seja “portadora de novidades”? Usando aqui,
mais uma vez, a precisa fala de Krenak. Muitos dirão, categoricamente, que não,
14
Coloco esta expressão em itálico para destacar esta denominação. Acho que chamar a última etapa, que
tem como objetivo o desenvolvimento de uma prática teatral, de
Montagem de formatura
mistura a
necessidade da vivência de formação à ideia de comemoração de conclusão. Isso acaba levando estudantes
a construírem uma expectativa de realização grandiosa, idealizada como o espetáculo da vida, que não está,
necessariamente, ligado ao processo de ensino e aprendizado. Considero, então, esta expressão prejudicial
à formação e produtora de diversas frustrações, que acaba por desconsiderar a experiência e se apega à
ideia de que o produto é o apogeu do processo.
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como resposta a estas três indagações acima. Eu considero difícil mesmo, mas
prefiro
esperançar
com Paulo Freire quando diz:
O mundo não é. O mundo está sendo. Como subjetividade curiosa,
inteligente, interferidora na objetividade com que dialeticamente me
relaciono, meu papel no mundo não é o de quem constata o que
ocorre mas também o de quem intervém como sujeito de ocorrências.
Não sou apenas objeto da
História
mas seu sujeito igualmente. No
mundo da História, da cultura, da política,
constato
não para me
adaptar
mas para
mudar
. No próprio mundo físico minha constatação
não me leva a impotência. O conhecimento sobre os terremotos
desenvolveu toda uma engenharia que nos ajuda a sobreviver a eles.
Não podemos eliminá-los, mas podemos diminuir os danos que nos
causam. Constatando, nos tornamos capazes de
intervir
na realidade,
tarefa incomparavelmente mais complexa e geradora de novos saberes
do que simplesmente a de nos adaptar a ela (Freire, 1996, p.85-86).
Então, se aceitarmos e nos conformarmos com o que está posto e nos
fazem crer que é imutável, passaremos a vida toda chamando de
contemporâneo apenas o teatro que era feito no século XX. Neste sentido as
escolas deveriam representar um território fértil e extremamente importante
para as transformações artísticas e criação de novas linguagens.
Duas semanas depois do primeiro encontro com o Felipe para falar da
montagem, que se repetiu mais uma ou duas vezes para levantarmos
alternativas que conciliassem os desejos do estudante com as novas alterações
metodológicas, recebemos duas outras jovens, pertencentes ao grupo de
formandas. Chegaram com necessidades equivalentes à do colega: fechar um
ciclo para poder seguir com outros em andamento. Agora tínhamos um trio,
o que sem dúvida significava mais possibilidades, ideias e saberes para
compartilharmos em equipe, além de mais apoio emocional para intensificar a
coragem tão necessária à instabilidade de tempos pandêmicos. Laura e Malu
chegaram nos
reoxigenando
.
Com a proposição de oferecer ao grupo de estudantes autonomia para
trilhar os caminhos que quisessem para este percurso final na Escola de Teatro
Martins Penna, nos aproveitando das escolhas também como caminho de
aprendizado, o trio buscou de forma pragmática um texto pronto que obtivesse
apenas três personagens, ou próximo disso. O tempo era curto, um pouco
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menos de dois meses, e não pretendiam desenvolver um projeto com muitas
fases de cronograma, por isso a escolha de uma dramaturgia que se encaixasse
também às necessidades produtivas. Isso não quer dizer que escolheriam
qualquer coisa.
O impasse ficou dividido em dois textos:
Alguém acaba de morrer fora
de Bilac e
Entre quatro paredes
de Jean-Paul Sartre. Ambos trazendo
questões que identificamos semelhantes, de interesse das três pessoas em
formação e pertinentes à atual crise sanitária, tanto das mortes como do
isolamento social a que fomos submetidos. Defendo a ideia de que as
circunstâncias da criação também podem direcionar os caminhos estéticos, não
no sentido de resignação, mas em atenção às oportunidades e reflexões do
mundo em que pertencemos. Escolheram o texto de Jô Bilac pela proximidade
temporal com um autor vivo, brasileiro,
Filho da Martins
e, também, pela minha
promessa de tentar trazê-lo para junto de nós.
O dramaturgo, como já mencionado, é
Filho da Martins
e tem comigo uma
história que se iniciou ainda antes de sua passagem pela escola centenária, em
um curso de teatro no CETEP-Barreto
15
. Nossos caminhos foram entremeados
por vários encontros teatrais e momentos iniciais de suas criações
dramatúrgicas, inclusive a primeira experiência de encenação do texto
Alguém
acaba de morrer fora,
que não chegou a ser compartilhada com o público por
questões financeiras, mas constituiu-se numa vivência muito rica, da qual eu fiz
parte. Por isso não foi uma surpresa receber dele o aceite ao convite de
acompanhar o processo de elaboração e adaptação de uma nova leitura para o
seu texto. Imaginei poder ser proveitoso para ele como foi para nós. Exatamente
por conhecer o Jô, e saber que sua inteligência também mora na abertura para
o novo, é que tive a certeza de que ele não interferiria impositivamente nos
caminhos criativos do processo. Mesmo assim, deixei a turma à vontade para
decidir sobre ter ou não o autor vivo tão dentro de suas leituras conceituais
sobre a obra. Aceitaram e receberam dele, ao final do processo, um olhar
15
Curso livre de teatro do Centro Cultural do CETEP-Barreto, localizado em Niterói, dentro do Colégio Henrique
Lage, uma unidade da rede FAETEC de ensino, minha primeira escola de lotação nesta instituição que
também administra a ETETMP, atual lotação da minha matrícula docente.
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maravilhado sobre a criatividade e até as coerentes vandalizações
16
de um texto
lido pelos olhos de quatro jovens de outra geração.
Tentei deixar o grupo mais livre em suas escolhas. Atuei em debates e
discussões, contribuindo para as reflexões. Também me contive, o máximo que
pude, para não produzir ideias e sugestões criativas que pudessem ser recebidas
como
verdades teatrais
vindas de uma pessoa com experiência artística e de
ensino, que poderia definir os parâmetros de avaliação. Meu objetivo, ao orientar
a turma, era de colaborar para a formulação de perguntas ao invés de oferecer
respostas. Olhei o processo com atenção, propiciando o máximo de autonomia
e liberdade, inclusive para a ocorrência do que algumas pessoas poderiam
chamar de
erro
. Combinamos aproveitar tudo, até os tropeços. Estes tropeços
seriam estabelecidos através dos propósitos elaborados pelo grupo, que
caracterizava, para mim, as pessoas responsáveis pela definição de sucesso a
partir dos próprios desejos e parâmetros de alcance. Uma avaliação construída
em conjunto e não institucionalmente de forma vertical.
Este conjunto propositivo de construção da liberdade, que visava descobrir
novas maneiras de pensar e fazer teatro, também acolhia a possibilidade de
abrir espaço para mais colegas, principalmente os elencados na lista de 16, que
poderiam participar em diversas atividades da cena. Mesmo que não quisessem
se formar agora, atuando, teriam espaço para exercer outras funções que lhes
interessassem no teatro. Com isso chegou o número 2 na ordem alfabética da
pauta escolar. Aloysio, ainda sem saber os caminhos iniciais do projeto, se
anunciou interessado em colaborar com a formatura de seu parceiro e suas
parceiras de classe, mesmo não pretendendo se formar ator à distância. Disse
que poderia fazer qualquer coisa que precisassem. Inocente. A oferta chegou
como encaixe perfeito em um projeto que partia da encenação de um texto com
quatro personagens e apenas três intérpretes disponíveis. Aloysio não contava
exatamente com a alternativa de ser ator no projeto, nem com a astúcia
oportunista do trio. Tentador. Convite feito, convite aceito. Rapidamente foi
integrado à equipe. Mais uma ativação de
oxigênio
chega para nossos encontros.
16
Expressão usada pelo próprio autor que, em reunião conosco, os estimulou à
Vandalização
do seu texto, na
perspectiva de transformá-lo como fosse necessário a esta nova linguagem que estavam experimentando.
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O trio transformou-se em um quarteto, fechando o elenco para a dramaturgia
criada por Jô Bilac.
Iniciou-se, então, uma nova fase: a investigação de como seria elaborada a
proposta, bem como o veículo e linguagem adotados. Impostos ao isolamento
social gerado pela pandemia de Covid-19, discutimos sobre o fato de fazer ou
não presencialmente sem público, com elenco testado e gravando junto, e a
importância de atentarmos aos riscos e às vantagens e desvantagens de cada
escolha. A gravação em encontro presencial, mesmo que com a participação
apenas de estudantes, sem público e respeitando todos os protocolos sanitários,
poderia trazer um pouco de energia a este momento de tanto sofrimento. Sendo
assim, fora do isolamento, teriam também a vantagem de usar um palco,
refletores e outros equipamentos de um espaço convencionalizado de teatro
oferecidos pelos recursos da escola. No entanto poderiam experimentá-los
no dia da gravação, para minimizar as chances de contágio. Então cogitamos,
por outro lado, o desafio que poderia ser pensar neste teatro em isolamento
total, inclusive entre intérpretes, e as possibilidades da impossibilidade, da
apropriação de um espaço/casa, integrando o cenário à composição da cena
desde o início do processo, explorando o máximo das imagens e recursos de um
lugar que seria construído ou delimitado em comunhão com as suas criações
vocais e corporais. O grupo se animou com o desafio de criar à distância e,
também, de poder experimentar o que Lucienne Guedes Fahrer, em artigo
recente, nomeou de
atitude gambiarra
:
Fazer arranjos de coisas supracicladas, fora de seu uso comum, de
objetos quebrados e cheios de falhas, pedaços de coisas juntadas. Fazer
uso de técnicas, de soluções e de ideias improváveis a serviço da cena.
Cooptar materialidades existentes nos espaços e nas características
arquitetônicas das casas como dramaturgia inevitável. (Fahrer, 2021, p.12).
Imbuídos então, todos e todas, da ideia de aproveitar o que havia de
possível
dentro do
impossível
, no encontro seguinte chegaram com o anúncio:
“Escolhemos o
Instagram
como plataforma para este trabalho”. As atividades
passaram a circular em torno desta proposta. Não demorou muito para
percebermos que esta ferramenta do século XXI estava sendo adotada para o
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espetáculo não só como veículo, mas também como espaço e linguagem. Além
disso, essa opção por si significava uma adaptação e atualização da
dramaturgia. Passaram a investigar: relações de usuários com a plataforma;
como transformar
Stories
17
em cena e
Destaques
18
em atos, recursos utilizados
para publicações no
Instagram
; enquadramentos em enamoramento com o
cinema e com o teatro ao mesmo tempo; o potencial de uso da imagem através
do compartilhamento e divisão da tela; possibilidades de exploração do espaço
casa; as associações da dramaturgia com a ferramenta; tipos de atuação que
dialogavam com a rede social; interação do público com a obra e outras muitas
questões que passaram a ser percebidas a partir desta proposta desafiadora de
ter o
Instagram
como espaço, linguagem e veículo para a cena.
Todo o processo foi sendo desenhado a partir desta diretriz. As pessoas
que foram chegando para integrar a ficha técnica partiam desta premissa que
eu, particularmente, considerei inovadora, inteligente e instigante. Ricardo e
Fernando, dois ex-professores da Martins, foram convidados pelo quarteto para
colaborarem com as concepções de direção e música, respectivamente. Em
montagens anteriores uma equipe de professoras(es), que continuava exercendo
a função docente e avaliadora do processo, era escalada para exercer atividades
de criação, se associando ao espetáculo e elaborando fases do processo que,
na minha opinião, devem ser totalmente concebidas por estudantes. Com o
discurso em defesa de uma formação exclusivamente de atores e atrizes, muitas
montagens da Martins tiveram escolhas importantes feitas por professoras e
professores, estabelecidas hierarquicamente. No entanto, compreendo que
existem diferentes caminhos de formação para atores e atrizes. Intérpretes da
cena que recebem de outras artistas todas as proposições para a criação da
cena e se preocupam apenas com seu corpo e voz pode até ser um caminho
formativo. Respeito, mas não coaduno. Penso que, assim como artista das
visualidades preciso compreender no meu corpo o espetáculo na íntegra, para
uma boa atuação também é necessário ter experiência em todas as funções da
17
Story
é um recurso do Instagram para compartilhar fotos e vídeos de até 15 segundos de duração. Os
stories
podem desaparecer, em 24 horas, se não forem armazenados pelo usuário nos
Destaques
.
18
O Destaque é um recurso do Instagram para armazenamento dos Stories.
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cena e não somente as informações sobre elas. Considero escolhas e
experimentações criativas em todas as áreas do teatro com enorme potencial
de aprendizado para a formação de atrizes e atores
19
. A escola é o lugar mais
apropriado para estas oportunidades. Sobre este assunto trago a Silvia
Fernandes para o debate, quando escreve com atenção à criação do Curso de
Interpretação em Artes Cênicas da Unicamp, que nasceu no ano de 1985 em
oposição ao que ela chama de “visão enciclopedista da educação teatral”
(Fernandes, 2010, p.201-202):
Compreender a formação do ator como pesquisa e a pesquisa como
prática do teatro é, sem dúvida, a contribuição maior da proposta
pedagógica do departamento de Artes Cênicas da Unicamp. O ponto de
partida do projeto formativo é a compreensão do trabalho do ator como
uma composição inteligente, que transforma materiais e mentalidades
ao produzir sensibilização e ação. Esse é o ponto de partida do projeto
formativo. Como um músico ou um pintor, o ator é considerado um
compositor que sistematiza procedimentos quando planeja, combina,
constrói e executa sua partitura de ações. Funcionando como modelo de
um novo homem de teatro, criador do projeto estético, mestre dos
instrumentos de atuação, autor de partituras em que saber e fazer se
harmonizam, ele deve aliar inteligência prática à inventividade teórica.
Muito mais que um intérprete de personagens, deve aproximar-se da
condição de atuador, de dançarino, ou de
performer
.
Performer
entendido
como o criador que unifica as atividades fracionadas do espetáculo,
tornando-se o centro intelectual do trabalho teatral: adapta o texto, dirige
e interpreta, além de conceber cenários e figurinos.
Por isso a chegada de Ricardo e Fernando, que vieram para colaborar e não
para definir, fez parte da escolha e organização do próprio quarteto, que
identificou nos dois uma qualidade artística que se associava às proposições
estéticas às quais rumavam. Portanto, como caminho metodológico acordado
em coletivo, se dividiram em curadorias por área. Cada membro do grupo
poderia, colaborativamente, criar e desenvolver sobre todas as partes que,
integradas, iriam compor o espetáculo. No entanto, algumas funções tinham um
cuidado mais atento de uma formanda ou formando, distribuídas assim: Aloysio,
aproveitando seu olhar de fotógrafo profissional, quis pensar na luz; Felipe, com
19
Este é o tema central do Memorial Analítico apresentado ao Curso de Mestrado Profissional em Ensino de
Artes Cênicas do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Artes Cênicas da UNIRIO, como requisito parcial
para obtenção do título de Mestre, onde debato sobre o ensino dos elementos visuais da cena na formação
de atrizes e atores. (Geammal, 2020)
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larga vivência em atividades circenses, ficou responsável pelos aquecimentos e
criações de expressão corporal; Laura é microempreendedora na área de moda
e, a partir dos conhecimentos em criação e confecção para a sua marca de
bolsas, propôs ser curadora de figurino e aproveitar a oportunidade para arriscar
a criação e execução de indumentária para a cena; Malu apresentou desejo em
aprofundar seus conhecimentos em direção, daí resolveu voltar sua atenção às
proposições do Ricardo e ser também curadora de cenografia, entendendo que
o espaço e as visualidades dele também configuram direcionamento. Exerceram,
também, diversas outras atividades para o bom andamento do projeto,
conscientes de que em alguns momentos precisariam de ajuda extra. Caminhos
foram sendo descobertos através de erros, acertos e repetições, enquanto em
outros momentos recorreram à ajuda de novas colaborações, que vieram de
diferentes fontes, como foi o caso da Laura, que recorreu a um tutorial no
Youtube
para o desafio de confeccionar uma camisa exatamente como havia
idealizado, e do Aloysio, que recebeu instruções de uma criança de nove anos
para aprofundar seus conhecimentos no
TikTok
, aplicativo para gravação de
vídeos curtos muito utilizado por esta geração. Teve o caso também da Bruna,
nova integrante da ficha técnica, facilitando a operação de edições de vídeo, o
que estava tomando muito do exíguo tempo das formandas e formandos. Uma
participação considerada de extrema importância para o proveitoso momento
de partilha com o público de tudo que estavam vivendo.
Além de orientar a turma e ter atenção às questões da cena de forma
holística e transdisciplinar, eu também me disponibilizei a dar suporte técnico e
a compartilhar minha experiência específica nas áreas de visualidades da cena.
Essa possibilidade me rendeu ricos debates com as curadorias, juntas ou
separadamente, onde travei excelentes discussões em comunhão entre a minha
experiência e as de cada estudante e pudemos partilhar conhecimentos ao
mesmo tempo em que produzimos outros. Costumo dizer que cada espetáculo
é único para mim, trazendo novas perspectivas de aprendizado em comunidade.
E, como docente e artista da cena, preciso ter atenção aos movimentos de
transformação do teatro, que percebo em circularidade entre as minhas práticas
na escola e fora dela.
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Este bravo coletivo de estudantes se aventurou por muitos territórios
novos, planejando e colocando em prática ações de toda a ordem que envolviam
a idealização, produção e realização de um espetáculo em
tempos pandêmicos
,
com necessidades de distanciamento social impostas por protocolos sanitários.
Redescobriram potenciais de criação teatral em meio à dificuldade e mutação
histórica e se aproveitaram do desafio do momento para aprender teatro. Um
aprendizado que não tinha no meu currículo, tive de me atualizar junto com o
grupo. Contudo, vale ressaltar que vivemos em constante movimento e que o
teatro não se transformou somente agora, nos anos de 2020 e 2021, mas vem
se transformando ao longo dos séculos. Se a escola não estiver aberta para às
ininterruptas modificações históricas, sociais, econômicas, ecológicas, sanitárias,
políticas, e de toda a ordem, estará, consequentemente, a serviço da formatação
e não da formação crítica e necessária às realizações artísticas, o que significará
irrefutável reflexo na produção de arte das cidades. A escola não deveria ser
apenas uma reprodutora e sim um lugar de encontro de saberes que, flexível
em suas configurações, a torna um espaço propício e fértil para o novo.
Próxima do final deste registro e análise, de um processo de criação teatral,
trago as palavras organizadas por Laura, em acordo com as demais estudantes,
escrita na época do lançamento para convidar o público à apreciação da obra:
É com alegria que convidamos a todes para a mostra que concluirá nossa
jornada pela Escola Técnica Estadual de Teatro Martins Penna. Em menos
de 60 dias, nós, quatro alunos da etapa 5, concordamos em juntar nossos
trapos quarentênicos (via
Zoom
”) e futucar nossas bagagens criativas a
fim de colidi-las e ver no que dá. Assim como os atores do teatro que
aprenderam a inventar o que era o audiovisual brasileiro na época em
que a tv aqui chegou, sentimo-nos parte de uma geração teatral de
guerrilha que desbrava território virgem, caótico, traiçoeiro e abarrotado
de novos recursos. Para ambientar a genial dramaturgia de Bilac na
peça “Alguém Acaba de Morrer Lá Fora”, escolhemos o “Instagram”. Aqui,
os “Stories” servirão como palco. E cada “Destaque” será um ato. Através
de recursos como filtros, enquadramentos inusitados e um leve flerte
com o “Tiktok”, esse elenco - diga-se de passagem, inteiramente “Cringe”
- busca suscitar a comicidade de Bilac, tão característica da nossa
existência latino-americana e, por muitas vezes, ácida. Nosso endereço é
@alguemacaba e se encontra fechado, em processo de ensaio. O acesso
será liberado no dia 21/08/2021, às 21h. Sigam todos para estarem
conosco no momento em que abrirmos o pano! Até lá, convidamos vocês
a acessarem o perfis pessoais dos personagens para já irem conhecendo
um pouco de cada uma dessas figuras: @aiemi.marcela, @claudio.lafora,
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24
@dodo_alguem e @91lauraevanesc. Esperamos que a experiência seja
prazerosa e transformadora pra vocês tanto quanto foi pra nós.
Merda! (FAETEC, 2021, p.21 de agosto).
Após a estreia fizemos um encontro de avaliação, em que estudantes
detinham o protagonismo relacionado às suas formações, ou seja, uma avaliação
com critérios estabelecidos por cada uma das pessoas em formação, segundo
seus próprios desejos artísticos. Aloyisio, Felipe, Laura e Malu, de diferentes
formas, relataram a sensação de sucesso com a experiência. Falaram também
de algumas frustrações, principalmente a ocasionada pela ausência de
abraços
suados
no calor do agito ao final das sessões no
quintal
20
da Martins, mas o
saldo foi mais que positivo. Aloysio, que nem queria se formar em uma
experiência de atuação remota, foi o primeiro a solicitar o diploma, achou
completamente válida a montagem e acrescentou que teve a oportunidade de
pesquisar e descobrir várias coisas novas, assim como também percebeu que
naquilo que tinha muita dificuldade, poderia pedir ajuda em uma criação
colaborativa, como se propuseram. Felipe, mesmo relutante a um processo
autônomo no início, reconheceu ter vivido uma experiência desafiadora e disse
que se percebe ainda muito cruel com o seu trabalho, crítico consigo e preso a
alguns paradigmas. Laura, que se mostrou uma líder nata, afirmou que a
coletividade a fez aprender a articular processos dentro do processo e a se afastar
do egoísmo. Malu, apontada por todo o grupo como uma figura agregadora,
admitiu que, à princípio, formar online era apenas uma solução, não imaginava que
iria gostar tanto, e ressaltou a importância de ter podido escolher as linguagens,
de viver uma metodologia sem pressão vertical e ter a possibilidade de errar e
aprender com o próprio erro.
Foi uma experiência única e cheia de descobertas que trago para mim
também. Um processo riquíssimo, onde cada fase configurou um aprendizado
diferente. Infelizmente o que escrevi aqui não contempla tudo o que vivemos,
nem o que este quarteto de estudantes agora atores e atrizes com diploma-,
20
O prédio que abriga a ETETMP tem um pátio na sua frente, por onde as pessoas entram para a escola, que
temos o hábito de associar ao quintal de uma casa. Neste espaço, estudantes, professoras(es),
funcionárias(os) e visitantes se encontram nos inícios, intervalos e finais das aulas, festas, espetáculos e
todo o tipo de evento que ocorra na Martins, os ordinários e os extraordinários.
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25
produziu com tamanha sabedoria. Porém a ponta deste
Iceberg
ainda está
disponível e se encontra registrada, em formato
Espetáculo Instagram
, no
endereço @alguémacaba
21
.
Referências
ALGUÉM acaba de morrer fora. Intérpretes: Aloysio Araripe, Felipe De Góis, Laura
Braga e Luiza Pitá. Roteiro: Bilac. Rio de Janeiro: Instagram, 2021. Disponível em:
https://www.instagram.com/alguemacaba/. Acesso em: 23 out. 2021.
BILAC, Jô.
Alguém acaba de morrer lá fora
. Rio de Janeiro: Cobogó, 2012.
BOAL, Augusto.
A Estética do Oprimido
. Rio de Janeiro: Garamond, 2009.
FAETEC (RJ). Escola Técnica Estadual de Teatro Martins Penna. Alguém acaba de
morrer lá fora: Espetáculo de conclusão do 1º semestre de 2021.
Facebook
, Rio de
Janeiro, p. 21 de agosto, 23 out. 2021. Disponível em:
https://www.facebook.com/322699121159625/posts/4229275603835271/.
Acesso em: 23 out. 2021.
FAHRER, Lucienne Guedes. Insistir na presença – Tentativas de invenção teatral e
pedagógica em isolamento.
Urdimento
Revista de Estudos em Artes Cênicas,
Florianópolis, v. 3, n. 42, dez. 2021. Disponível em
https://revistas.udesc.br/index.php/urdimento/about/submissions
Acesso em: 02 jan. 2022.
FERNANDES, Silvia.
Teatralidades contemporâneas
. São Paulo: Perspectiva:
Fapesp, 2010.
FREIRE, Paulo.
Pedagogia do Oprimido
. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2013.
FREIRE, Paulo.
Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa
.
14. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
GEAMMAL, Daniele Torres.
Por que estamos todos parados olhando?: o ensino dos
elementos visuais da cena na formação de atrizes e atores. Memorial Analítico.
Dissertação (Mestrado em Artes Cênicas) - Programa de pós-graduação em ensino
de artes cênicas, UNIRIO, Rio de Janeiro, 2020. Disponível em:
http://www.unirio.br/cla/ppgeac/dissertacoes-defendidasem-2020/por-que-
estamos-todos-parados-olhando-o-ensino-dos-elementos-visuais-dacena-na-
formacao-de-atrizes-e-atores/view. Acesso em: 23 out. 2021.
HOOKS, Bell.
Ensinando a transgredir: a educação como prática da liberdade
.
21
(Alguém..., 2021)
Alguém acaba de morrer lá fora: Uma experiência cênica no
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Daniele Geammal
Florianópolis, v.1, n.43, p.1-26, abr. 2022
26
Tradução: Marcelo Brandão Cipola. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2017.
LARROSA, Jorge.
Tremores: escritos sobre experiência
. Belo Horizonte: Autêntica
Editora, 2019.
LOUREIRO, Luciano.
Teatro cômico e musicado: uma abordagem histórico-cultural
para oficinas em sala de aula (1910-1930)
. 2016. Dissertação (Mestrado em História)
- Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), Rio de Janeiro, 2016.
Disponível em: http://educapes.capes.gov.br/handle/capes/145444. Acesso em: 23
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NÊGO, Bispo: vida, memória e aprendizado quilombola. Mekukradjá círculo de
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https://www.youtube.com/watch?v=ngg_zemry_Q&t=4004s.
Acesso em: 23 out. 2021.
Recebido em: 14/01/2022
Aprovado em: 21/02/2022
Universidade do Estado de Santa Catarina
UDESC
Programa de Pós-Graduação em Teatro
PPGT
Centro de Arte CEART
Urdimento Revista de Estudos em Artes Cênicas
Urdimento.ceart@udesc.br