Perspectivas xamânicas sobre as artes da cena:
Um diálogo cosmopolítico com as culturas ameríndias
Carlos Henrique Guimarães
Florianópolis, v.1, n.43, p.1-30, abr. 2022
sistematizados” (Icle, 2010, p.XIII), mas ele n
o apresenta uma defini
o sobre
xam
, nem sobre a que cultura xam
nica se refere, nem quais
ferramentas/técnicas do êxtase que o/a int
rprete da cena poderia eventualmente
utilizar. O livro discute mais oficinas de
clown
e a psicopedagogia piagetiana, do
que a rela
o entre ator/atriz e xam
; fundamenta-se em concep
es
exclusivamente ocidentais a respeito da consci
ncia humana e traz uma erudita
vis
o sobre o palha
o (inclusive utiliza o termo
clown
), n
o apresentando
qualquer concep
o xam
nica acerca dos estados da mente nem sobre o
palha
o
sagrado
(presente em diversas tradi
es xam
nicas). Diferencia estados cotidianos
dos extra-cotidianos
, com uma ideia
sobre altera
o
da consci
ncia e de tr
nsito
entre mundos que permitem trazer aos humanos comuns, hist
rias m
ticas de
outro tempo e espa
o. O xamanismo amer
ndio n
o trabalha com essas divis
es
estanques ao tratar dos mundos interpenetrantes e do tempo m
tico, que n
o
cristalizado mas pass
vel de ser alterado pela atividade da/o xam
.
Interesso-me por uma rela
o mais
ntima, experiencial e concreta entre as
figuras do/a ator/atriz e do/a xam
, tangenciando o "binômio teatro e
espiritualidade, o ato artístico devocional; a atuação canalizada, iluminada; a
ritualidade que proporciona o transe consciente – o êxtase, a cura" (Keiserman,
2021, p.3). Minha busca se d
por meio de uma concep
o de teatro mais
expandida e performativa, n
o-mim
tica, extra-ocidental e xam
nica; investigo
outras po
ticas da cena e outros sentidos da arte, diferentes do olhar que coisifica
tudo e faz da arte uma mercadoria (Debord, 2003). Esforço-me por encontrar rotas
de fuga
s vis
es de teatro enquanto atividade circunscrita
prepara
o de uma
obra em que se inclui o trabalho do/a autor/a, diretor/a, equipe t
cnica e
int
rpretes para que uma hist
ria seja comunicada a um p
blico; dialogo com
O
clown
segue a tradi
o europeia de m
scaras, remontando
comedia dell’arte
, fundamentalmente
popular em sua origem e posteriormente desenvolvida de modo erudito por diretores-pedagogos de teatro
no s
culo XX (Copeau, Decroux, Lecoq e Gaulier), chegando ao Brasil atrav
s do trabalho (dentre outros) de
Luis Ot
vio Burnier (UNICAMP).
Comedia dell’arte
resultado de s
culos de movimentos culturais n
mades,
de rua, que mesclou uma infinidade de refer
ncias sobre a utiliza
o ritual de m
scaras, presente em toda
a Europa medieval e que nascia de misturas entre aspectos animais e humanos, dos tipos de personalidades
e de extratos sociais caracter
sticos daquela
poca. Certamente aquelas m
scaras ancestrais remontam a
costumes xam
nicos, no entanto, as conex
es entre o
clown
contempor
neo com sua ancestralidade
xam
nica n
o s
o t
o evidentes e f
ceis de se demonstrar, vide o esfor
o de Gilberto Icle.
Mantém com isso uma discuss
o tipicamente capitalista sobre a vida, segmentando-a, distinguindo o
exerc
cio cotidiano da arte (presente em comunidades tradicionais) do lugar destacado que a arte ocidental
mercadológica se propõe a ter, desvinculada do cotidiano (Debord, 2003).