A vida é uma ópera feita de gestos: uma leitura brechtiana de
Capitu
Saulo Lopes de Sousa; Antonio Marcos Vieira Sanseverino
Florianópolis, v.2, n.44, p.1-34, set. 2022
Isso posto, defende-se que a microssérie
Capitu
estabelece diálogo profícuo
com uma série de práticas e intervenções estéticas. Nesse particular, este estudo
toma a
teatralidade
como conceito verificável na obra audiovisual de Luiz
Fernando Carvalho para atestar sua especificidade e atualidade. Além da dimensão
teatral que palmilha a estética da microssérie, também se notabiliza, aqui, a
aderência de signos gestuais, de herança brechtiana, ao processo de confecção
estilístico-estrutural da obra carvalhiana. Propõe-se, portanto, a ideia de que,
assim como Brecht assinala o gesto como unidade básica do teatro épico e da
dialética social que mediatiza as relações entre os indivíduos, em
Capitu
, a
materialidade gestual emoldura uma relação diametral entre espectador e
atores/personagens, de maneira a descortinar a ilusão ficcional.
Saliente-se que “a gestualidade é um sistema de comunicação que transmite
uma mensagem, e pode por conseguinte ser considerada como uma linguagem
ou um sistema significante” (Kristeva, 1969, p.304). Então, do verbo de Machado ao
gesto de Carvalho, busca-se capturar, na leitura aqui fiada, a teia de sentidos
adjacentes à constelação de gestos traçados na microssérie. Com vistas a esse
objetivo, analisam-se, dentre o vasto leque de cenas possíveis, aquelas que melhor
se coadunam ao expediente teatral/gestual.
No bojo da percepção brechtiana, em
Capitu
, os resultados da técnica do
distanciamento
, insígnia do teatro épico, decorrem, sobretudo, da composição
cênica, do desempenho do ator e da gestualidade (
gestus
). Para efeitos didático-
analíticos, são divididos, aqui, em três aspectos: 1) Gesto estrutural – estética dos
elementos cenográficos; 2) Gesto metaficcional – ato da escrita; 3) Gesto
performático –
mise-en-scène
propriamente dita.
Finalmente, entende-se que “o gesto é não apenas um sistema de
comunicação, mas também a produção desse sistema (do seu sujeito e do seu
sentido)” (Kristeva, 1969, p.307). Em
Capitu
, a poética gestual se agrupa a outros
discursos, suportes e gêneros artísticos e cria, com requinte, uma ficção,
verdadeiramente, oblíqua e particular, cuja experiência estética ultrapassa os
Vale lembrar que as noções de distanciamento e estranhamento, para Brecht, são coexistentes, pois “[...]
distanciar um acontecimento ou um caráter significa antes de tudo retirar do acontecimento ou do caráter
aquilo que parece óbvio, o conhecido, o natural, e lançar sobre eles o espanto e a curiosidade”. (Bornheim,
1992, p.243).