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A vida é uma ópera feita de gestos:
uma leitura brechtiana de Capitu
Saulo Lopes de Sousa
Antonio Marcos Vieira Sanseverino
Para citar este artigo:
SOUSA, Saulo Lopes de; SANSEVERINO, Antonio Marcos
Vieira. A vida é uma ópera feita de gestos: uma leitura
brechtiana de
Capitu
.
Urdimento
Revista de Estudos em
Artes Cênicas, Florianópolis, v. 2, n. 44, set. 2022.
DOI: http:/dx.doi.org/10.5965/1414573102442022e0212
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A vida é uma ópera feita de gestos: uma leitura brechtiana de
Capitu
Saulo Lopes de Sousa; Antonio Marcos Vieira Sanseverino
Florianópolis, v.2, n.44, p.1-34, set. 2022
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A vida é uma ópera feita de gestos: uma leitura brechtiana de Capitu
1
Saulo Lopes de Sousa
2
Antonio Marcos Vieira Sanseverino
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Resumo
O artigo coteja uma análise da gestualidade brechtiana como valor estético da
microssérie
Capitu
(2008), de Luiz Fernando Carvalho. O intuito é aproximar, com as
devidas congruências, a dimensão gestual do teatro épico de Brecht à ótica
audiovisual da adaptação, cujo caminho de leitura comporta a tutela de contributos
teóricos provenientes da Teoria do teatro, da Narratologia cinematográfica e dos
Estudos da performance, na análise de cenas que melhor se alinham à perspectiva
crítico-interpretativa adotada. Parte-se do alargamento da noção de gesto
brechtiano, incidindo sobre a composição cênica, a metaficcionalidade e a
mise-en-
scène.
Assim, a estética gestual é lida como um dos múltiplos componentes do
amplo quadro de signos expressivos da linguagem polivalente da microssérie, que
assimila diferentes dispositivos e combinações para ampliar os horizontes de
sentido.
Palavras-chave
: Gesto. Performance.
Mise-en-scène
. Estética audiovisual.
Capitu
.
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Revisão ortográfica e gramatical do artigo realizada por Deivanira Vasconcelos Soares. Doutoranda em
Estudos Literários (UFSM). Mestre em Letras (UEMA). Especialista em Metodologia do Ensino Superior
(INESPO). Licenciada em Letras (UEMA). dv.vasconcelosrosa@gmail.com
2
Doutorando em Letras na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Mestrado em Letras pela
Universidade Estadual do Maranhão (UEMA). Especialização em andamento em Literatura e Ensino (UEMA).
Especialização em Estudos Linguísticos e Literários pela Universidade Estadual do Piauí (UESPI).
Aperfeiçoamento em Análise do Discurso e Literatura na Universidade Candido Mendes (UCAM). Graduação
em Letras pela UEMA. saulo.sousa@ifma.edu.br
http://lattes.cnpq.br/0394941997209624 https://orcid.org/0000-0001-6290-5954
3
Pós-doutor pela Brown University, com apoio da CAPES. Doutor em Teoria da Literatura pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Mestre em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do
Sul (UFRGS). Professor Associado de Literatura Brasileira da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Docente do Programa de Pós-Graduação em Letras. Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq (Nível
2). Membro do GT - Literatura e Sociedade, da ANPOLL amvsanseverino@gmail.com
http://lattes.cnpq.br/7032901713208920 https://orcid.org/0000-0001-6085-0881
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Life is an opera made of gestures: a Brechtian reading of Capitu
Abstract
The article relate an analysis of Brechtian gestures like aesthetic value of the
Capitu
microseries (2008) by Luiz Fernando Carvalho. The aim is to
approximate with the appropriate congruences, the gesture dimension of
Brecht's epic theater to the audiovisual point of view of adaptation, whose
reading path includes the protection of theoretical contributions from Theater
Theory, of cinematographic narratology and performance studies, in the
analysis of scenes that best align with the critical-interpretative perspective
adopted. We begin by broadening the notion of Brechtian gesture, focusing
on scenic composition, metafictionality and
mise-en-scène
. So, gestural
aesthetics is read as one of the multiple components of the wide range of
expressive signs of the polyvalent language of the microseries, that
assimilates different devices and combinations to expand the horizons of
meaning.
Keywords
: Gestural. Performance.
Mise-en-scène
. Audiovisual Aesthetics.
Capitu.
La vida es una ópera hecha de gestos: una lectura brechtiana de Capitu
Resumen
El artículo coteja un análisis de la gestualidad brechtiana como valor estético
de la miniserie
Capitu
(2008), de Luiz Fernando Carvalho. La idea es acercar,
con las debidas coherencias, la dimensión gestual del teatro épico de Brecht
a la óptica audiovisual de la adaptación, cuyo camino de lectura comporta la
tutela de aportes teóricos provenientes de la Teoría del Teatro, de la
Narratología cinematográfica y de los Estudios de la performance, en el
análisis de escenas que mejor se aproximen a la perspectiva crítico
interpretativa adoptada. Comenzamos ampliando la noción de gesto
brechtiano, centrándonos en la composición escénica, la metaficción y la
mise-en-scène
. Así, la estética gestual es leída como uno de los múltiples
componentes del amplio cuadro de signos expresivos del lenguaje polivalente
de la miniserie, que asimila diferentes dispositivos y combinaciones para
ampliar los horizontes de sentido.
Palabras clave
: Gesto. Performance.
Mise-en-scène
. Estética audiovisual.
Capitu
.
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Gesto é o movimento no qual se articula uma liberdade,
a fim de se revelar ou de se velar para o outro.
(Flusser, 2014, p.16-17)
Espiando por entre as cortinas
Capitu,
microssérie de Luiz Fernando Carvalho, veiculada em 2008 pela Rede
Globo, é um daqueles raros e felizes casos em que o diferencial estético, aliado à
perspicácia criativa de um adaptador-
leitor
, impulsiona a tônica decisiva de um
projeto perigosamente audacioso: entreter e, ao mesmo tempo, reeducar o olhar
do telespectador para os artefatos audiovisuais contemporâneos. Em entrevista, o
diretor declara que sua intenção, ao conceber a obra, foi a de “buscar uma espécie
de reeducação do espectador a partir das imagens, dos conteúdos, da forma, da
narrativa, da luz, da música, das atuações, enfim, da estética” (Carvalho, 2008b,
p.92).
Componente de uma empreitada mais ampla o projeto
Quadrante
4
a
adaptação de Carvalho é um novo olhar crítico lançado à produção de ficção
televisiva que poderia levar ao público histórias, genuinamente, brasileiras,
representativas da multiplicidade cultural espalhada por todos os universos
regionais do Brasil.
Perigosamente audacioso, porque perscruta formar o caráter educativo da
audiência. Deseja aliar ética e estética
5
, desautomatizar espectadores alienados ao
padrão televisivo do eixo Rio-São Paulo e despertá-los à cidadania, a encontrar
outros valores socioculturais pelo conhecimento de obras literárias de ficcionistas
regionais transpostas para a televisão. Audaciosamente perigoso, porque se
arquiteta a partir de um complexo processo de expressões artísticas, cuja
4
Quadrante é um projeto que trago mais de 20 anos comigo. Trata-se de uma tentativa de um modelo
de comunicação, mas também de educação, onde a ética e a estética andam juntas. Estou propondo,
através da transposição de textos literários, uma pequena reflexão sobre o nosso país. (Carvalho, 2006,
on-
line
)
5
A função da estética é filha da função ética. Não existe o belo só pelo belo. Aí é um comercial de geladeira.
Quando a TV atinge essa função estética, necessariamente dá as mãos para sua responsabilidade. O belo, o
bom texto, a boa imagem, a boa música são elementos fundadores de um país. E consequentemente são
elementos educativos, mas através da emoção. (Carvalho, 2016,
on-line
)
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linguagem sincrética distancia-se das convenções realistas e vazão a dizeres
multiformes e caleidoscópicos, tais como os olhos eclipsados e oblíquos de
Capitolina
6
.
Se é válido dizer que a composição audiovisual carvalhiana abriga seus
bocados de dimensão pedagógica, como aqui se conjectura, é igualmente exato
cotejar a
estética
de Capitu como brechtiana por excelência. Aliás, isso é
abertamente declarado pelo diretor:
Eu usei a imagem do distanciamento de Brecht na ausência de um outro
termo melhor, mas é um exercício de linguagem apuradíssimo e que eu
trouxe também para essa aproximação que eu fiz. Também estarei
propondo esse jogo de estar dentro, estar fora (Carvalho, 2008b, p.92).
Diante da microssérie, é inescapável não considerar a ideia de que tal
produto, na verdade, se trata de uma encenação, em que a mimetização do real é
recodificada e cujas coordenadas rompem com a imobilidade do espectador, para
que este tenha a plena consciência tal como Machado adverte em
Dom
Casmurro
de que presencia uma narrativa orquestrada. Para isso, Carvalho
descasca a couraça da verossimilhança e denuncia, numa perspectiva não-
naturalista, as engrenagens de seu próprio fazer adaptativo. Capitu se confessa,
deliberadamente, como ficção.
Feita de obliquidades narrativas e estéticas,
Capitu
sobrepuja os realismos e
descortina a própria feitura, revelando as instâncias que a edificam. Tais artifícios,
dados a conhecer ao espectador, minam o contrato ficcional, pois uma vez
manifestados os dispositivos, de imediato, tem-se a constatação de que seu
conteúdo é uma “verdade” construída.
Simetricamente, Luiz Fernando Carvalho desestrutura as balizas que
alicerçam sua ficção audiovisual, guia o espectador pela mão a olhá-la de outro
ângulo, a concebê-la de forma inteiramente inaugural. Na verdade, é a personagem
Dom Casmurro que se oferece como guia pelo passeio por entre suas memórias
caiadas, numa relação dialética de quem se sabe diante daquele que o olha.
6
Eu me lembrara da definição que José Dias dera a eles, ‘olhos de cigana oblíqua e dissimulada’. Eu não
sabia o que era oblíqua, mas dissimulada eu sabia[...]. (
Capitu
, 2008, Ep. 2, 10min19).
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Isso posto, defende-se que a microssérie
Capitu
estabelece diálogo profícuo
com uma série de práticas e intervenções estéticas. Nesse particular, este estudo
toma a
teatralidade
como conceito verificável na obra audiovisual de Luiz
Fernando Carvalho para atestar sua especificidade e atualidade. Além da dimensão
teatral que palmilha a estética da microssérie, também se notabiliza, aqui, a
aderência de signos gestuais, de herança brechtiana, ao processo de confecção
estilístico-estrutural da obra carvalhiana. Propõe-se, portanto, a ideia de que,
assim como Brecht assinala o gesto como unidade básica do teatro épico e da
dialética social que mediatiza as relações entre os indivíduos, em
Capitu
, a
materialidade gestual emoldura uma relação diametral entre espectador e
atores/personagens, de maneira a descortinar a ilusão ficcional.
Saliente-se que “a gestualidade é um sistema de comunicação que transmite
uma mensagem, e pode por conseguinte ser considerada como uma linguagem
ou um sistema significante” (Kristeva, 1969, p.304). Então, do verbo de Machado ao
gesto de Carvalho, busca-se capturar, na leitura aqui fiada, a teia de sentidos
adjacentes à constelação de gestos traçados na microssérie. Com vistas a esse
objetivo, analisam-se, dentre o vasto leque de cenas possíveis, aquelas que melhor
se coadunam ao expediente teatral/gestual.
No bojo da percepção brechtiana, em
Capitu
, os resultados da técnica do
distanciamento
7
, insígnia do teatro épico, decorrem, sobretudo, da composição
cênica, do desempenho do ator e da gestualidade (
gestus
). Para efeitos didático-
analíticos, são divididos, aqui, em três aspectos: 1) Gesto estrutural – estética dos
elementos cenográficos; 2) Gesto metaficcional ato da escrita; 3) Gesto
performático –
mise-en-scène
propriamente dita.
Finalmente, entende-se que “o gesto é não apenas um sistema de
comunicação, mas também a produção desse sistema (do seu sujeito e do seu
sentido)” (Kristeva, 1969, p.307). Em
Capitu
, a poética gestual se agrupa a outros
discursos, suportes e gêneros artísticos e cria, com requinte, uma ficção,
verdadeiramente, oblíqua e particular, cuja experiência estética ultrapassa os
7
Vale lembrar que as noções de distanciamento e estranhamento, para Brecht, são coexistentes, pois “[...]
distanciar um acontecimento ou um caráter significa antes de tudo retirar do acontecimento ou do caráter
aquilo que parece óbvio, o conhecido, o natural, e lançar sobre eles o espanto e a curiosidade”. (Bornheim,
1992, p.243).
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perímetros convencionais de uma narrativa audiovisual para a televisão aberta
brasileira.
Gestus que nos constituem
Bertold Brecht (1898-1956) intentou erigir o teatro de transformação:
transmutar o acontecimento em gesto. A proposta brechtiana contempla a
representação da realidade de forma que possa ser modificável. Brecht retira o
fato de seu fluxo natural e o dispõe em análise, gerando, com isso, o olhar de
estranhamento ante a matéria representada. O espanto causado no público diante
da cena é o gatilho que o conduz a uma atitude de intervenção sobre o fato
narrado/encenado.
No contexto posterior à Primeira Guerra Mundial, no final dos anos de 1920, o
dramaturgo alemão concebe a arte do representar sob a égide da perspectiva
crítico-social, a partir da acepção de
gesto
:
Chamamos esfera do gesto aquela a que pertencem as atitudes que as
personagens assumem em relação umas às outras. A posição do corpo,
a entonação e a expressão fisionômica são determinadas por um gesto
social. [...] A exteriorização do “gesto” é, na maior parte das vezes,
verdadeiramente complexa e contraditória [...] (Brecht, 2005, p.155).
Como bem se observa na definição de Brecht, o caráter do gesto centra-se
no corpo como matéria-prima, no que comporta postura física, tom de voz e
feições faciais. Por outro lado, para além do espelhamento mimético, o gesto
reflete a dialética social que rege os intercâmbios relacionais entre os indivíduos.
Por isso, convém à concepção brechtiana que a gestualidade revele a experiência
de quebra da lógica ilusionista e gere uma postura participante tanto dos atores
quanto do público, elidindo qualquer possibilidade de identificação pela via da
empatia ou do encantamento.
Do gesto, ou melhor, da interrupção do fluxo narrativo que o origina, brotam
as nuances que dão a ver o sentido e os contornos da identidade social, bem como
das forças tensivas que balizam as relações em sociedade. O gesto, portanto,
“estrutura os acontecimentos e caracteriza as personagens realçando todos os
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traços a que seja possível dar um enquadramento social. Sua representação
transforma-se, assim, num colóquio sobre as condições sociais, num colóquio
com o público, a quem se dirige” (Brecht, 2005, p.109).
Nesse ponto, é interessante salientar que Brecht o gesto não como um
movimento esvaziado e puramente gesticular, mas como portador de significado
na vida social:
Nem todos os gestos são gestos sociais. A atitude de defesa perante uma
mosca não é, em si própria, um gesto social; a atitude de defesa perante
um cão pode ser um gesto social, se por meio dessa atitude se exprimir,
por exemplo, a luta que um homem andrajoso tem que travar com cães
de guarda. As tentativas para não escorregar numa superfície lisa
resultam num gesto social quando alguém, por uma escorregadela, perde
sua compostura, isto é, sofre uma perda de prestígio. O gesto de trabalhar
é sem dúvida um gesto social, pois a atividade humana orientada no
sentido de um domínio sobre a natureza é uma realidade social, uma
realidade do mundo dos homens (Brecht, 2005, p.193-194).
Assim, quando o gesto brechtiano evade-se do realismo aristotélico e aponta
para um código expressivo no interior de um contexto social, deixa de ser gesto e
torna-se
gestus
: efetivada no palco, a ação manifestada pelo
gestus
adquire
conotação social e passa a sitiar “a expressão mímica e conceitual das relações
sociais que se verificam entre os homens de uma determinada época” (Brecht,
2005, p.109). Nisso reside a distinção essencial entre tais categorias: “[...] enquanto
os gestos podem ser trocados por outros gestos, o
Gestus
se mantém o mesmo.
[...] O
Gestus
mostra esse conjunto de valores, não como uma abstração, mas na
maneira como eles se tornam particulares em cada homem” (Gaspar Neto, 2009,
p.3-4, grifo do autor).
Gestus
assim, na sua etimologia latina engendra a dimensão
emancipadora e a potência estética do teatro épico para desmitificar estereótipos
e propor uma visão pedagógica que possa intervir, criticamente, em problemáticas
sociais e humanas. Encarna, oportunamente, “atitudes-padrão, que irá se
consagrar como representação de um povo e de uma época” (Gaspar Neto, 2009,
p.7); preocupa-se mais em representar situações do que desenvolver ações.
Nesse ponto, parece indivisa a opinião de que a dramaturgia brechtiana
imprimiu força criativa e fôlego renovado ao teatro moderno. Através da
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transparência na atuação do ator e do efeito de distanciamento, o teatro épico se
constitui e também é formador do público, consciente de sua própria forma
teatral, à medida que o presencia ser performado. Em verdade, a forma épica do
teatro expõe as potencialidades e os limites da linguagem teatral em busca de um
efeito que supere o espaço cênico em direção a um
estar-no-mundo
, no espaço
social. Uma arte consciente e crítica de seu próprio caráter superestrutural e
metalinguístico.
Trilhando esteira dissidente, Agamben distancia-se da compreensão
brechtiana e conjectura o entendimento de gesto como pura
medialidade
sem
fins:
[...] o gesto não é nem um meio, nem um fim: antes, é a exibição de uma
pura medialidade, o tornar visível um meio enquanto tal, em sua
emancipação de toda finalidade. [...] no gesto o homem não comunica
um escopo ou um significado mais ou menos cifrado, mas sua própria
essência linguística, a pura comunicabilidade daquele ato liberado de
todo fim. No gesto não se conhece algo, mas apenas uma
cognoscibilidade (Agamben, 2018, p.3).
Agamben se afasta de Brecht quando lida com o movimento do corpo como
técnica corporal, que é retirada do fluxo do movimento. Trata-se da interrupção
que produz o gesto. Assim, ele se destaca do fluxo e se revela como pura
medialidade, como algo que se retira de uma finalidade ou de um automatismo
do comportamento cotidiano. Vale lembrar os exemplos do mímico ou da dança.
Dessa forma, ele deixa de ser algo imediato, para ser mediação
meio emancipado
de toda finalidade
. Portanto, Agamben aparta-se do pensamento de Brecht, pois
o dramaturgo prioriza a capacidade de revelação do conflito social. A interrupção,
bem como os efeitos de distanciamento, destaca a tensão social inerente a uma
relação conflituosa. Em resumo, “o gesto é, neste sentido, comunicação de uma
comunicabilidade” (Agamben, 2008, p.13).
Em termos prosaicos, a noção de Brecht é mais pertinente, sobretudo, se se
trouxer à baila a nova forma do romance, em que o leitor, a uma certa distância
da matéria narrada e desviando da passividade de um mero
voyeur
, posiciona-se
diante do relato e se mostra ativo na construção do sentido do texto. Kafka, a
propósito, parece ser um exemplo salutar. Conforme elucida Benjamin, a obra do
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escritor tcheco é um desafio à interpretação e “representa um código de gestos,
cuja significação simbólica não é de modo algum evidente, desde o início, para o
próprio autor; eles recebem essa significação depois de inúmeras tentativas e
experiências, em contextos múltiplos” (Benjamin, 1994, p.146).
Sair no encalço da linguagem, a fim de alcançar-lhe o dizer, é, desde já, gesto
significante, pois nesse mesmo movimento se exterioriza para o outro algum
sentido, ainda que fugidio. Exatamente em Kafka, o gesto “é o elemento decisivo,
o centro da ação [...] Kafka é sempre assim; ele priva os gestos humanos dos seus
esteios tradicionais e os transforma em temas de reflexões intermináveis”
(Benjamin, 1994, p.147). Igualmente em Brecht, o
gestus
se lança ao agenciamento
de formas capazes de exteriorizar instâncias internas no particípio da construção
das personagens.
Como bem coloca Barthes (2007, p.147), a importância da obra de Brecht se
concentra na “densidade de uma criação, mas essa criação se fundamenta numa
crítica poderosa da sociedade, sua arte se confunde, sem nenhuma concessão,
com a mais alta consciência política”: de triunfo sobre o formalismo hegemônico,
de fuga à passividade alienada, de conquista duma postura participante, de
objetividade científica. Até certo ponto, é a mesma densidade crítica de Machado
de Assis, ao pontilhar sua análise da espécie social pelo prisma psicológico,
focalizando a configuração do sujeito burguês da sociedade carioca do século XIX,
que ultrapassa as circunstâncias do retrato meramente figurativo. É ainda e
ponderadas as fronteiras de gêneros a poética gestual de
Capitu,
composta
duma verdadeira miscelânea palimpsestuosa, que perpassa conteúdos, níveis e
texturas de diferentes expansões artísticas.
Capitu
se põe diante do palco e dirige o olhar para frente, para aquele
emoldurado mar de penumbra e de pessoas, como se “perguntasse a todo
instante, como se procurasse a mão do espectador” (Carvalho, 2008b, p.86). O
diretor Luiz Fernando Carvalho concentra a energia pulsante da palavra
machadiana e a converte em porções mágicas, imagéticas, sonoras... gestuais.
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Trazendo o palco à tela: gestos estruturais
“Tive de fazer muita bruxaria nesta produção; sem bruxaria não se consegue
nada” (Carvalho, 2008b, p.83). Alquimia. Por certo, esse é o ilustrativo que mais se
encaixa ao intenso labor artístico empreendido por Luiz Fernando Carvalho na
microssérie
Capitu
. Como bom aprendiz do grão-mestre, o interesse maior de
Carvalho consiste, para além do desloque de um meio de expressão a outro, na
inteira recriação de uma textualidade, em essência e substância, abeirando-se um
pouco da magia dos antigos alquimistas em transmutar o chumbo em metal
áureo:
Minha motivação como criador, independentemente do suporte, é a
passagem de um estado a outro estado. A cada instante, preparar os
intérpretes, a equipe, eu mesmo, todos, como um pajé reúne suas folhas
para depois extrair delas um conjunto de sensações. Essa é a alquimia
que me interessa. passamos de um estado a outro se este conjunto
de sensações existir [...], espécie de sonho [...] (Carvalho, 2017,
on-line
).
Do pendor alquímico, Carvalho estabelece ganchos dialógicos com outras
regiões textuais, fator que confere à obra sua qualidade palimpsestuosa, permeada
por várias outras referências. Em contrapartida, o feitiço carvalhiano, que poderia
levar o público ao enlevo e à empatia, logo se revela como dispositivo de
dessacralização do efeito de encantamento. O fascínio da cena, para Brecht,
significa que o espectador encontra-se apassivado, hipnotizado, sem condições de
intervir e compreendê-la. Nesse sentido, a função do palco como local físico surge
como desarticulação dos elementos do real e ocupa o encargo de instituição
moral, em que o conhecimento é transmitido e gerado. A visão brechtiana
compreende, dessa forma, que “o palco não é a imagem de um mundo
subitamente tornado inofensivo, que o espetáculo não imita a realidade, mas
permite enxergá-la” (Roubine, 1982, p.156).
Na microssérie de Carvalho, o palco agrupando, aqui, cenografia e direção
de arte – encarna o espírito de fábula, vista por Brecht como “[...] o cerne da obra
teatral [...], composição global de todos os acontecimentos-gesto, incluindo juízos
e impulsos” (Brecht, 2005, p.159). Consoante o pensamento brechtiano, a fábula
refere-se a um acontecimento restrito, que incidirá sobre certos e específicos
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interesses, servindo de matéria de discussão e crítica ao espectador. Aproximado
à estética de
Capitu
, o tom fabulesco reflete a postura formal antinaturalista e ati-
ilusionista que desconstrói o formato realista do romance ao qual se aproxima, e
também aquele comumente aplicado à ficção televisiva.
De modo global, a construção cênica da microssérie realiza o gesto
autorreflexivo de sua própria plasticidade, ao passo que, comportando em si os
personagens, conclama o espectador, distanciado, a analisar com “uma atitude
crítica as suas múltiplas exteriorizações” (Brecht, 2005, p.155), pois “[...] todos esses
personagens pertencem a um mundo fabulesco, e precisam permanecer por lá,
assim poderemos dialogar com eles, olhá-los, encontrá-los, para, depois,
devolvê-los à Literatura” (Carvalho, 2008b, p.84). Este é, portanto, o primeiro
movimento da obra televisiva de Carvalho: o
gesto estrutural
, concebido no seu
nível macroestético de desnudamento dos componentes cenográficos para,
simultaneamente, revesti-los de reflexão metadiscursiva.
O antigo edifício-sede do Automóvel
Club
do Brasil
8
serviu de locação para as
filmagens de
Capitu
:
Quando percebi que o orçamento da minissérie não possibilitaria gravar
nas diversas ruas e casarões antigos que eu tinha pensado e pesquisado,
o velho palácio em ruínas passou a representar um pouco da alma da
história de Dom Casmurro, senão um pouco da própria visão machadiana,
e então me pareceu interessante contar a história toda dentro,
encenando ali todos os ambientes e situações (Carvalho, 2008b, p.90).
Acertadamente, o palacete abrigou todos os recintos ficcionais do romance
de Machado de Assis, tal como prescreve a noção aristotélica de unidade do
cenário. Brecht entende que a movimentação de lugares causa desordem para o
público e dispersão do enredo. Na microssérie, é possível considerar tal indicativo,
todavia, para além da espacialidade em si; esse gesto estrutural de condensação
espacial alude à Casa em Matacavalos, mas também à reconstituição dos
escombros das memórias de Dom Casmurro memórias terrivelmente
inconfiáveis –, as quais busca, numa tentativa capenga e doentia, recompor, caco
8
Prédio em ruínas, localizado na Rua do Passeio, cidade do Rio de Janeiro. De arquitetura neoclássica do
século XIX, foi inaugurado em 1860 e tombado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac).
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a caco. No plano da trama, “o relativo confinamento espacial é compensado por
amplos movimentos de câmera em torno de atores que mobilizam intensa
expressão corporal em busca de interpretação teatral” (Hamburger, 2008,
on-line
).
Logo nas primeiras cenas de
Capitu
, a teatralidade do espaço se pronuncia
como gesto do olhar
voyeurístico
da câmera, que visualiza, num movimento de
travelling
9
, uma espécie de cenário de ópera, composto pela cúpula, cortinas
vermelhas e holofotes.
Figura 1 Estética da composição cenográfica
Fonte: Carvalho.
Capitu
, 2008.
O movimento de câmera que aponta para o alto mimetiza o gesto do
espectador que chega ao espaço do teatro e lança seu olhar ao teto, diante da
grandiloquência da arquitetura. Parece estar imergido num tempo/espaço míticos,
de tom fabulesco. Ao mesmo tempo, a ação o prepara, conscientemente, para
o espetáculo que será presentificado ali. O signo gestual, desse modo, anuncia que
se está diante de uma encenação fictícia, que rompe com a ilusão tradicional do
teatro e põe o espectador em estado de questionamento brechtiano das fronteiras
entre a aparência do real e a veracidade da representação.
Outras intermitências espaciais sinalizam a composição fragmentada do
gesto estrutural mediante a
desconstrução por economia
. Pouquíssimos
elementos cênicos delimitam os ambientes representados na microssérie: portal
de cortinas por onde José Dias adentra a casa de D. Glória; janela em que Capitu
observa o vendedor de cocadas passar;
displays
de personagens feitos de papelão,
com os quais interagem Capitu e Bento Santiago; molduras envidraçadas que as
escravas simulam pendurar na parede.
9
O
travelling
consiste numa deslocação da câmera durante a qual o ângulo entre o eixo óptico e a trajectória
da deslocação permanece constante. (Martin, 2005, p.58, grifo do autor).
A vida é uma ópera feita de gestos: uma leitura brechtiana de
Capitu
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Figura 2 Desconstrução do espaço cênico
Fonte: Carvalho.
Capitu
, 2008.
O processo de apagamento das demarcações de espaço (paredes, portas
etc.) soma-se à ideia desconstrutivista da estrutura ficcional e corrobora o gesto
(social) brechtiano que versatiliza a noção de lugar, uma vez que “o cenário é anti-
ilusionista, não apoia a ação, apenas a comenta. É estilizado e reduzido ao
indispensável; pode mesmo entrar em conflito com a ação e parodiá-la”
(Rosenfeld, 1994, p.159). De certo modo, essa estratégia força o espectador a
empenhar-se na reconstituição mental dos compartimentos, porém, é um
exercício crítico que o recorda, constantemente, de que a obra audiovisual não
passa de ficção, bem como aciona o
ethos
machadiano no que concerne à
dinâmica das aparências: “Machado quer nos dizer que muitas vezes as aparências
são tudo o que temos, e que as aparências jamais desdizem o medo ou o desejo,
elas simplesmente os confirmam em aparência” (Carvalho, 2008b, p.85). A
percepção da aparência da ficcionalidade, por esse viés, se alinha ao ponto de vista
de um espectador, genuinamente, brechtiano, que não deixa escapar os eventos
de maneira imperceptível, mas que os analisa com olhar crítico e pungente.
Há, pois, no engajamento intelectual do público que infere, de antemão, a
“artificialidade” dos constituintes cênicos de
Capitu
o gesto esperado pela
própria obra audiovisual: a percepção de que seu universo mimético é uma
experimentação. Numa das sequências da microssérie, surge a imagem do cavalo
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Capitu
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de Tio Cosme, esculpido, artesanalmente, com madeira e papel, engendrado por
uma estrutura com rodinhas de cata-vento.
Figura 3 Cavalo mimetizado
Fonte: Carvalho.
Capitu
, 2008.
De antemão, a figura é reconhecível pelos contornos que aludem ao plano da
realidade (alusão metonímica da cabeça equina). Possivelmente, se houvesse em
cena um cavalo real, ou mesmo a projeção de sua imagem, o efeito estético seria
outro, pois recairia na apresentação mimética do animal, sem que ao espectador
fosse dada a concessão de imaginá-lo. a concepção teatralizada do cavalo, pela
desnaturalização de suas feições, provoca, à primeira vista, o estranhamento do
espectador, justamente, porque desautomatiza a percepção imediata que se tenha
de um cavalo: não se trata de um cavalo real, mas sim de um cavalo encenado.
Isso, por seu turno, enseja no público a interpretação crítica das formas como se
o cavalo, isto é, das maneiras de compreendê-lo. Pode-se interpretá-lo como
a imagem real de um cavalo, ou a obrigação cotidiana do ofício de advocacia de
Tio Cosme, ou ainda a metáfora dos seus traquejos desengonçados (narrados pela
voz over
10
de Dom Casmurro) e, por fim, como um objeto encenado (Cf. Nonato,
2013, p.34).
Tal como preconiza a arte dramática de Brecht, o gesto estrutural em
Capitu
elege a
teatralidade
como estética composicional que põe em suspensão o
contrato de uma mimese realista e a adesão afetiva. Mira, ainda, a reformulação
dos paradigmas de verdade subjacentes à representação audiovisual televisiva,
quando põe o público a certa distância e todos juntos – obra, ator e espectador –
interrogam as próprias bases do seu fazer artístico.
Capitu
, portanto, “exercita
10
Trata-se de “enunciados orais [que] relatam qualquer porção de uma narrativa e são ditos por um locutor
invisível situado num tempo e espaço diferentes dos que são apresentados simultaneamente pelas imagens
vistas na tela” (Kozloff, 1998, p. 85 apud Gaudreault; Jost, 2009, p.96).
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Capitu
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metalinguagem, para assinalar ainda mais o distanciamento, uma vez que sua
narrativa parte de outro texto, com o qual dialoga” (Proença Filho, 2008, p.36).
O gesto estrutural de Carvalho reforça aquilo que no romance é latente
sobreaviso: o leitor-espectador está diante de um livro, de uma construção
ficcional. Prova disso é, claramente, o tom burlesco e falseado com que Carvalho
fabrica o cenário, “uma cenografia que renuncia a afirmar-se por si mesma, mas
procura essencialmente criar um espaço para o texto, um espaço para o ator”
(Roubine, 1982, p.145). Não por acaso, a posição teórica de Brecht anuncia suas
reais intenções: renunciar o entusiasmo hipnótico e a catarse paralisante em prol
do espírito dialético que inquire o “mítico embate entre o que seja a mera
aparência das coisas e a verdade do mundo” (Carvalho, 2008b, p.85).
Persona scriptum: gestos metaficcionais
Em consonância com o nível de estrutura, o segundo movimento da
operística gestual de
Capitu
concentra-se no
gesto metaficciona
l, isto é, gestos
que transitam, livremente, da macroestética para o âmbito diegético. Aqui, a
narrativa sintoniza duas esferas espaço-temporais da personagem, e o recurso da
metaficção alardeia o gesto comunicante de experiências incomunicáveis de vida:
A ficção existe para falar da incomunicabilidade de experiências: a
experiência do narrador e do personagem. A incomunicabilidade, no
entanto, se recobre pelo tecido de uma relação, relação esta que se
define pelo olhar. Uma ponte, feita de palavras, envolve a experiência
muda do olhar e torna possível a narrativa (Santiago, 2002, p.52).
Essa “ponte” de que trata Santiago está, simbólica e imageticamente,
representada no fio de giz que Capitu desenha no chão, sobre o qual caminha o
solitário Casmurro. Linha tortuosa e errante com a qual o narrador-personagem
escreve suas memórias: com a pena na mão, transmuta trechos de vida em
lembranças de papel.
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Capitu
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Figura 4 Atar as duas
pontes
da vida
Fonte: Carvalho.
Capitu
, 2008.
Em termos diegéticos, unir as duas pontas e pontes da vida, para Dom
Casmurro, serviria como subterfúgio último pelo qual alcançaria a compreensão
de suas experiências de outrora. Funcionaria como portal transcendente, potência
espiritual de vivências pregressas, mas que ainda provocam em seu íntimo
resvalos e interferências, mesmo que se esquive deles a contragosto. Na dimensão
metaficcional, por sua vez, o entrelaçamento de passado e presente reverbera,
justamente, a teoria dialética de Brecht. O teatro épico brechtiano empenha-se
em “[...] caracterizar determinada situação na sua relatividade histórica para
demonstrar sua condição passageira e mutável” (Rosenfeld, 2012, p.34-35). Ora,
Dom Casmurro é o autor do próprio romance que escreve, com base em suas
reminiscências fantasmagóricas, mas a forma como essa “verdade” memorável se
(re)constrói diante do leitor e do espectador, em se tratando da microssérie –, é
matéria a ser submetida ao crivo do olhar épico da distância.
Dom Casmurro está defronte uma bifurcação: espiar mais de perto a própria
verdade alicerçada ou testemunhar a ilusão de seu discurso corroído pelo passado
e ciúme. Seja qual for a decisão, é certo que Carvalho escolhe por trilhar o caminho
da
continuidade
primeira fala do protagonista na microssérie e no romance
como estandarte da atadura possível de duas situações apartadas no tempo e no
espaço, que se aproxima “[...] da ideia de permanência e da sabedoria de se lidar
com este tempo que escorre e que vai construir a continuação de tudo e de todos”
(Carvalho, 2008b, p.80).
Opera-se na continuidade carvalhiana uma atitude bilateral: o aproximar-se,
momentaneamente, das memórias casmurras gera o choque do não conhecer o
familiar; do estranhamento advém o afastar-se para ver melhor, que angaria a
compreensão crítica do antigo habitual. Observa-se, no desempenho da dinâmica
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metaficcional em
Capitu
, aquilo que Brecht aponta como a genuína representação:
narrar “[...] o ‘agora’ e o ‘aqui’ não como uma ficção que é possível devido às regras
da representação, mas, sim, tornando-os distintos do ‘ontem’ e do ‘em outro
lugar’” (Brecht, 2005, p.149-150).
Dado que se tratam de época e lugar específicos (Rio de Janeiro do final do
século XIX), para atar as duas pontas ficcionais, entra em cena o recurso
metalinguístico da
escrita
enquanto gesto criativo do olhar, outra vez índice que
descortina os bastidores da ficção orquestrada. Para tanto, a liturgia do gesto
escritural desponta com a focalização do olho da câmera sobre o processo de
feitura do romance, cuja luz refratada da lente
Dom Casmurro
11
ilumina as páginas
escritas.
Figura 5 Gesto escritural
Fonte: Carvalho.
Capitu
, 2008.
Mão e olho entram em sintonia e fusão no gesto escritural audiovisualizado.
Eis, aí, o gesto metaficcional na sua inteira essência de
gestus:
a
escrita
não é a
transcrição de uma pronúncia, não diz respeito à fala, mas ao fazer da mão. É uma
relação com o corpo, é gesto físico manual, oposto ao vocal: “A escrita está sempre
do lado do gesto, e nunca do lado do rosto: é tátil, não é oral” (Barthes, 2002,
p.129). Como convém a Barthes, o gesto da escrita aliado ao corpo, ao passo que
transpõe palavras à superfície dérmica do papel, inscreve o ser que o executa; o
gesto da mão de Dom Casmurro narra e, ao mesmo tempo, o insere na tessitura
de sua própria ficção: “por sua essência, o gesto de escrever não é construtivo,
mas penetrante. Não cobre a superfície, entra nela” (Flusser, 2014, p.99).
O aceno com a mão direita feito pelo personagem evidencia alguns dedos
11
Na microssérie, a lente
Dom Casmurro
, como foi batizada pelo diretor, era uma retina de cerca de 30 cm
de diâmetro, cheia de água, para criar dimensão ótica a partir do efeito de refração.
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com manchas de tinta azul, aspecto que corrobora o gesto escritural como
agenciador de inscrição do ser, pois o corpo é a matéria-prima do gesto: Dom
Casmurro se faz superfície ficcional, representação, e se autoinscreve na narrativa
que esquadrinha, assim como Luiz Fernando Carvalho inscreve o narrador-
personagem na história por ele narrada, presentifica-o no seio das recordações
que revive. Dom Casmurro, num exímio desempenho épico brechtiano,
corporifica-se como duplo agente: é ator (Michel Melamed) que mostra sua
personagem e é espectador que assiste à própria encenação.
Pelo gesto metaficcional que irmana o que diz a palavra e o que mostra a
imagem, no veio de leitura que
Capitu
possibilita, Dom Casmurro se transforma
em
persona scriptum
: pessoa escrita no limiar do texto/encenação. Com efeito,
em cenas onde a sombra ou o reflexo da personagem se insinuam em superfícies
(lençóis estendidos e lâminas de vidro translúcidas, por exemplo), a imagem se
impõe tal como uma impressão, desejosa de fixar-se como
gestus
de quem pensa
para poder coexistir, “pois querer penetrar superfícies é a tendência daquilo
comumente chamado ‘pensamento’. Escrever, por ser essencialmente gesto
penetrante, é manifestação de pensamento” (Flusser, 2014, p.102).
Indubitavelmente, “[...] o gesto de escrever é uma forma de pensar-se” (Flusser,
2014, p.107).
Figura 6 Dom Casmurro “impresso” na diegese
Fonte: Carvalho.
Capitu
, 2008.
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Vale dizer que a opção de Luiz Fernando Carvalho pelo
gestus
metalinguístico
prefigura, de certo modo, a instância que no romance subjaz enquanto didática de
composição: “[...] esse romance Dom Casmurro é montado para mim, como um
conjunto de colagens, de camadas, de tempos e de avessos”, em que “o próprio
fazer do livro conta como processo de construção da narrativa e da linguagem”
(Carvalho, 2008b, p.87). Em verdade, a forma metadiscursiva da microssérie está
a serviço do preceito de representação como história distanciada do público, mas
nem por isso impossibilitada de intervenção. O movimento de construção da
narrativa audiovisual perpetra, portanto, o que Brecht sugere como “literarização”
da cena:
Para atingirmos este objetivo, a melhor maneira é adotarmos títulos [...].
Os títulos devem conter flechas certeiras, dentro de uma perspectiva
social, e explicitar, simultaneamente, algo acerca da forma de
representação desejável, isto é, devem imitar, consoante o caso, o estilo
do título de uma crônica, de uma balada, de um jornal ou de quadro de
costumes (Brecht, 2005, p.160).
Diegeticamente, o narrador machadiano, por diversas vezes, suspende a
função narrativa para comentar determinados fatos, comportamento de
personagens, ou mesmo emitir juízos opinativos. O texto, no mesmo compasso, é
entrecortado em micro relatos, encabeçados por títulos que, no mais das vezes,
anteveem as ações. Carvalho, em
Capitu
, a la Brecht, intervém nas cenas com os
mesmos subtítulos do romance, anunciados por uma voz locutora masculina
extradiegética, igualmente um anúncio de reportagem, que “[...] não pertencem
diretamente à ação, que se distanciam dela e a comentam e que, ademais,
representam um elemento estático, como que à margem do fluxo da ação”
(Rosenfeld, 1994, p.158). Essa configuração capitular assegura ao espectador que
ele está vendo um livro ou
lendo
uma microssérie audiovisual e, como tal,
deve manter-se atento à sua posição distanciada, contudo dialética. É o que
também nos diz Dom Casmurro na microssérie: “O destino não é dramaturgo,
é também o seu próprio contrarregra” (
Capitu
, 2008, Ep. 3, 28min31).
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Figura 7 Estratégias cênico-literárias
Fonte: Carvalho.
Capitu
, 2008.
Outras situações que qualificam o
gestus
metaficcional em
Capitu
ocorrem
nas cenas extemporâneas, ou seja, mais antigas (pela qualidade da imagem,
aparentam datar do século XIX), que também interrompem a linearidade narrativa,
ao interporem-se às cenas mais atuais, por assim dizer. A simetria espaço-
temporal que resulta da combinação dessas imagens se dirige ao encontro da
tensão dialética entre passado e presente, da confecção de uma atemporalidade
congruente com a ideia de que a arte dramática não apenas “roça” as experiências
da vida, mas pode, igualmente, agir sobre elas e modificá-las.
Um último atributo possível de verificação diz respeito ao simulacro de
datilografia de passagens do romance, feito por Dom Casmurro diante da câmera.
Mais do que falsear o desafino nas teclas da máquina de escrever imaginária, com
esse gesto, a personagem busca transmutar os olhos do espectador-leitor em
páginas de livro, registrando-lhe tão somente a sua perspectiva da trama. O
pretenso subterfúgio, por seu turno, vem a fracassar devido ao contragolpe: essa
consciência do observador não é
in natura
, como a brancura límpida e virgem das
páginas de um livro a receber a impressão gráfica do texto. Tentar escrever-lhe o
ponto de vista é investida frustrada de lograr certa cumplicidade encurtar a
distância narrativa – de um expectador brechtiano sobreavisado.
Diante desses exemplos, compreende-se que o gesto metaficcional alardeia
não somente o construto de uma estética contemporânea, ou ainda a manutenção
do distanciamento entre obra e espectador, mas, sobretudo, angaria “refletir sobre
o mundo das aparências, o mundo das verdades, das mentiras, onde muitas vezes
a verossimilhança conta mais do que a própria verdade” (Carvalho, 2008b, p.82).
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Mise-en-scène casmurra: gestos performáticos
Como última visada do
modus operandi
gestual em
Capitu
, aponta-se o
trabalho de performance dos atores, dado que a produção do gesto pode ser
encontrada na ocorrência performancial no caso da microssérie, assimilada à
mise-en-scène
audiovisual. A
priori
, é necessário compreender que a
performatividade, nesta perspectiva adotada, é lida como um códice de caracteres
de corporeidade que circunscrevem os personagens na potência expressiva do
gesto. Em se tratando de
Capitu
produto televisivo –, os gestos estão
sublinhados na dimensão performática da
mise-en-scène
, pois a mostração da
personagem feita pelo ator compromete-se, em primeiro lugar, com o ato de
conhecer essa mesma
persona
fictícia de maneira não ilusiva. Assim, o ator
funciona como narrador que, a distância, vale-se do
gestus
de mostrar sua
personagem, pois “todos os elementos de natureza emocional têm de ser
exteriorizados, isto é, precisam ser desenvolvidos em gestos” (Brecht, 2005, p.108).
A grosso modo, a performance pode ser entendida como a tentativa de
corporificar um significado ou uma ideia, isto é, “[...] de
dar corpo ao invisível
,
através da construção de uma série de
informações artísticas
[...]” (Melim, 2008,
p.41, grifos do autor). Todavia, outras acepções merecem conferência. Num olhar
etimológico, performance é
[...] um vocábulo inglês que pode significar execução, desempenho,
preenchimento, realização, atuação, acompanhamento, ação, ato,
explosão, capacidade ou habilidade, uma cerimônia, um rito, um
espetáculo, a execução de uma peça de música, uma representação
teatral ou um feito acrobático. [...] A derivação viria do latim
per-formare
,
significando realizar (Glusberg, 2013, p.72-73).
Diante da gama terminológica apresentada, entende-se que o aspecto
dinâmico é inerente ao ato performático, pois sua natureza se mostra aberta e
funcionalmente direcionada ao agir. Da mesma forma, a performance exige a
interligação uníssona entre corporeidade e ação, uma vez que, por meio do corpo
comunicante, os significados se dilatam e se tornam perceptíveis. Quer dizer, “a
performance
procura transformar o corpo em um signo, em um veículo
significante” (Glusberg, 2013, p.76, grifo do autor). Nesse quesito, a compreensão
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de performance se avizinha, exemplarmente, do
gestus
brechtiano, sobretudo,
quando ambos miram a comunicação/produção de um sentido reconhecível
mediante a presença irredutível de um corpo. Assim percebidos, gesto e
performance podem aludir a “movimento ou atitude da mão, do braço, da perna,
da cabeça, do corpo inteiro, visando criar ou comunicar signos” (Kowzan, 1978,
p.106).
Para além da visualização expressiva do corpo em si, é preciso notar que “[...]
a performance não apenas se liga ao corpo, mas por ele, ao espaço. Esse laço se
valoriza por uma noção, a de teatralidade” (Zumthor, 2007, p.39). Daí germina a
doravante propositura que repousa o fenômeno do
gestus
sobre a dimensão
performancial. Reconhecer o gesto no horizonte da performance teatral ultrapassa
a conotação legível dos códigos corporais e atinge “[...] o reconhecimento de um
espaço de ficção” (Zumthor, 2007, p.40). Para o espectador é destinada a tarefa de
detectar esse espaço onde se efetiva a performance como “lugar cênico e
manifestação de uma intenção do autor” (Zumthor, 2007, p.41). As cenas que
abrem a microssérie dão um indicativo do que seja essa exigência. Num vagão de
trem grafitado, estão Dom Casmurro e o jovem poeta, trajando figurinos de época
e sentados ao lado de pessoas que pertencem ao mundo atual. Acompanha a
cena a trilha sonora frenética de guitarras e bateria, reforçando a nítida percepção
de tratar-se de um contexto contemporâneo.
Figura 8 Anacronismo performático
Fonte: Carvalho.
Capitu
, 2008.
Como sublinha Nonato (2013), o anacronismo espacial das cenas contrasta a
impressão do real com a impressão de
teatralidade
. As vestimentas das
personagens centrais e suas performances marcadas, de prontidão, assumem a
aparência teatral. Por outro lado, os passageiros “comuns” ao redor destoam da
interpretação das personagens por agirem com naturalidade, mas a condição de
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componentes do quadro cênico não os isenta de serem considerados também
personagens, no caso, figurantes.
O espectador, ao se deparar com a proposta estética do diretor, a princípio,
adentra o estranhamento ocasionado pelo contraste das representações
miméticas. Num segundo momento, distanciado favoravelmente, consegue
conceber que o vagão constitui o lugar cênico, em virtude da autodeclaração de
teatralidade denunciada pela composição plástica dos personagens, e que a
intenção do autor vislumbra representar numa imagem habitual uma imagem
histórica. Em outras palavras: reatualizar com signos cênicos a atemporalidade do
discurso machadiano. A fissura operada entre realidade e encenação é o “pulo do
gato” que condiciona a postura a ser adotada pelo espectador ao assistir à cena.
Assim, o espectador “[...] não é deixado fora do jogo cênico, nem é arrastado para
dentro dele (‘iludido’) de modo a deixar de ser espectador – ele é posto, como tal,
diante dessa ação em processo, que lhe é oferecida como objeto de consideração”
(Szondi, 2011, p.117).
Como a especificidade de
Capitu
reside na dimensão audiovisual bem
próxima ao modo narrativo do cinema –, é conveniente reconhecer a performance
teatral no cerne da
mise-en-scène
12
cinematográfica. Por esse motivo, Bordwell
chama a atenção para o fato de que a audiovisão “é, ao mesmo tempo, teatral,
pois envolve encenação, e pictórica, já que a tela, como um quadro, apresenta ao
espectador um plano vertical emoldurado” (Bordwell, 2008, p.30).
Para Bordwell (2008), a
mise-en-scène
cinematográfica se vale de um
repertório diversificado de procedimentos que se achegam à análise poética. Isso
significa exercitar a sensibilidade da percepção mais acurada do espectador,
referente a nuances, flagrantemente, despercebidas na técnica do cinema, bem
como a experimentação perspicaz do idealizador: “O estudo da
mise-en-scène
cinematográfica é a maneira ideal para desenvolver tal sensibilidade. Com o olhar
aguçado e atento, [...] amplia[-se] nossa percepção quanto ao talento do diretor e
quanto ao potencial do cinema” (Bordwell, 2008, p.32).
12
A
mise-en-scène
engloba todos os elementos da filmagem que estão sob comando do diretor:
interpretação/atuação dos atores, iluminação, cenário, sonoplastia, figurino, maquiagem, enquadramento,
posição e movimento de câmera (estes três últimos, segundo a compreensão do estudioso, voltados mais
para a técnica do dispositivo do que para a composição da cena).
A vida é uma ópera feita de gestos: uma leitura brechtiana de
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O interessante da proposta de também se visibilizar a performance teatral
no ângulo da
mise-en-scène
é que ambas concentram seu fluxo nas relações de
espaço-tempo interpenetradas no corpo do ator, atrelando consigo a noção de
conhecimento por observação:
A
mise-en-scène
[...] é um pensamento em ação, a encarnação de uma
ideia, a organização e a disposição de um mundo para o espectador.
Acima de tudo, trata-se de uma arte de colocar os corpos em relação no
espaço e de evidenciar a presença do homem no mundo ao registrá-lo
em meio a ações, cenários e objetos que dão consistência e sensação de
realidade à sua vida. [...] mostrar os dramas humanos esculpindo-os na
própria matéria sensível do mundo (Oliveira Júnior, 2013, p.8).
Como aspecto performático da
mise-en-scène
de
Capitu
, a colocação dos
corpos em cena se faz presença peculiar pela técnica do
tableau vivant
13
(em
português, algo como “quadro vivo” ou “imagem viva”): um agrupamento de atores
dispõe-se, organicamente, no enquadramento e simula uma representação
pictórica.
Figura 9
Tableau vivants
Fonte: Carvalho.
Capitu
, 2008.
No episódio “Do livro”, tem-se a performance dos atores ou melhor, D.
Glória, José Dias, Tio Cosme e Prima Justina dispostos em composição cênica
13
“Gênero dramático ocorrido na França medieval, que consistia na realização de temas pios, na frente de
telões pintados” (Teixeira, 2005, p.251).
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26
no palco, vistos por Dom Casmurro como as
inquietas sombras
do passado que o
atormentam. A forma como surgem, alheios à existência do espectador, espectrais
e absortos em imobilidade e silêncio, refrescam o princípio da fotografia, a símile
de um retrato. O gesto performático do congelamento se repete em outros
momentos da microssérie, abertos por uma sonoplastia orquestral forte e
cortante. O recurso musical, nesse caso, “não intensifica a ação; neutraliza a força
encantatória” (Rosenfeld, 1994, p.160) e acentua a expectativa da cena, pois essas
suspensões do fluxo natural são posteriores a falas/revelações de clímax.
Alinhavado à didática brechtiana, percebe-se o
tableau vivant
condizente com a
interrupção da ação dramática que produz o gesto, na medida em que anula o
ilusionismo naturalista e põe a ação em conflito dialético com o espectador: “[...]
na performance, o jogo cênico é dialético, passando-se tanto no universo ficcional,
suportado pela convenção, quanto no universo do ‘real’ que rompe com a
convenção” (Cohen, 2002, p.127).
De olho na composição teatral da personagem Dom Casmurro, é mister notar
a
mise-en-scène
do ator Michel Melamed atrelada à noção de
ator como narrador
,
quando se situa no limiar entre o distanciamento e a identificação:
Assim dialoga não com seus companheiros cênicos e sim também
com o público. [...] Em cada momento deve estar preparado para
desdobrar-se em sujeito (narrador) e objeto (narrado), mas também
“entrar” plenamente no papel, obtendo a identificação dramática em que
não existe a relativização do objeto (personagem) a partir de um foco
subjetivo (ator) (Rosenfeld, 1994, p.161).
Verifica-se, em
Capitu,
a hibridez do papel cênico de Dom Casmurro, imbuído
da tarefa de narrar a própria história. Contudo, em decorrência de essa narrativa
ser fruto de suas lembranças revisitadas, não lhe escapa a alternativa de também
se posicionar como espectador, presentificando-se no interior desse passado
rememorado. É um modo de poder lidar com a fantasmagoria das memórias
inquietas e sombrias com as quais definha no velho casarão. Assim, por vezes,
olha diretamente para a câmera, fazendo-a personificação do espectador,
tornando-a confidente-cúmplice, corroborando a ideia de que “interpelar o
auditório é uma das regras do jogo da performance” (Zumthor, 2007, p.224). Ou
põe-se em primeiro plano, descrevendo situações que estão sendo,
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simultaneamente, contracenadas por outros personagens, ao fundo. Em outras
ocasiões, ainda, simplesmente observa, em postura
voyeurística
, lances e diálogos
sucederem. O jogo de cena narrar, ser narrado e observar portanto, é a
dinâmica que faz com que o ator-narrador se descole da pessoa fictícia, por alguns
instantes, para se converter em “pessoa” que revela sua personagem, e assim
agencie a atitude crítica no horizonte do distanciamento.
Figura 10 Tripartição cênica de Dom Casmurro
Fonte: Carvalho.
Capitu
, 2008.
É inevitável, ao mesmo tempo, não levar em conta a caracterização de Dom
Casmurro: “Chegamos a uma versão de um clown velho, com maquiagem
carregada, olheiras e voz arranhada” (Melamed, 2008,
on-line
). Tal aparência, de
início, lança o espetador a figurativizar a personagem com ares dantescos,
similares à composição visual de
Nosferatu
14
. A condição esguia e a postura
encurvada do corpo filiam-se ao caráter trágico, acopladas à gestualidade lenta e
tacanha do caminhar. O contrabalanço reside nas pitadas de comicidade e
irreverência típicas do
clown
, observadas, por exemplo, no episódio “Uma ponta
de Iago”, quando Bentinho, no seminário, ouve de José Dias que Capitu “tem
andado alegre”, mesmo ausente de sua companhia.
14
Personagem vampiresco que dá nome à adaptação cinematográfica de
Drácula
, dirigida, em 1922, por F. W.
Murnau, considerada pioneira do gênero de terror no cinema.
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Figura 11 Dom Casmurro tragicômico
Fonte: Carvalho.
Capitu,
2008.
O choro
clownesco
irrompe a cena como signo gestual e código performático.
Surge como exagero irônico para o fato de a felicidade de Capitu se contrapor à
tristeza de Bentinho, enclausurado no seminário. Além disso, a imagem bufa do
clown
desarticula a seriedade com que Dom Casmurro deseja ser creditado em
sua narração tendenciosa. Investindo assim, poderia angariar a empatia do público
para a versão dos acontecimentos, que defende com soberania. Em contrapartida,
parece que sua única tática suscetível ao êxito é o discurso, tropeçando na imagem
caricata e expressionista que o acompanha. Portanto, “a maquiagem é também
um ato político, sobre o qual devemos tomar partido” (Barthes, 2007, p.148-149).
No último episódio da microssérie, o protagonista está sentado diante do
espelho e com uma esponja retira a maquiagem pesada até obter o rosto limpo.
Nesse gesto, desfaz-se a materialização da máscara social para revelar-se a faceta
mais genuína do indivíduo. Quer, ainda, significar que tudo não passa de
teatralidade, de
mise-en-scène
: a imitação da casa de infância, na Rua de
Matacavalos, a reprodução de memórias incertas e evasivas, a composição de
personagens ficcionais dentro da realidade vivida. Como atestado do engodo: “O
Casmurro da Glória estava dentro do Bentinho de Matacavalos ou será que ele
foi mudado por efeito de algum incidente? Se lembrares bem, hás de reconhecer
que um estava dentro do outro como a fruta dentro da casca” (Carvalho, 2008a,
p.77).
Descascar a fruta é gesto manual. Por isso mesmo, as mãos gozam de tanto
destaque e relevância na
mise-en-scène
performática de
Capitu
, “porque as mãos
são entes curiosos no significado estrito do termo” (Flusser, 2014, p.85). As mãos,
em variadas oportunidades, configuram o
gestus
brechtiano, ao edificarem “[...] um
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simples movimento de uma pessoa diante de outra, de uma forma social ou
corporativamente particular de se comportar” (Pavis, 2008, p.187). Basta, aqui,
sinalizar três dessas situações.
Figura 12 A feitura das mãos e seus mistérios
Fonte: Carvalho.
Capitu
, 2008.
No episódio “Do livro”, Dom Casmurro, solitariamente, perambula pelos
cômodos da casa, à luz de uma escassa vela, ao passo que defronta-se com os
espectros parentais. Ao rever sua versão adolescente, ambos tentam se tocar. O
gesto, nitidamente, visualiza a confluência entre ação e memória, numa clara
alusão à obra de Michelangelo,
A criação de Adão
(1508-1510). O sentido, posto
pelo gesto de juntar as mãos, aponta, sem dúvida, para a orquestração da
ficcionalidade que a microssérie realiza: no decorrer da obra, Dom Casmurro vive
o passado, instala-se no tempo pretérito e concretiza, de modo plástico, a vida
pregressa na atual. Não por acaso, o próprio protagonista confessa ser esta a sua
intenção: “O meu fim evidente era atar as duas pontas da vida, e restaurar na
velhice a adolescência. [...] Deste modo, viverei o que vivi [...]” (
Capitu
, 2008, Ep. 1,
8min55).
Com relação a Capitu, o gesto das mãos se torna ainda mais “[...] sensível, ao
mesmo tempo, no comportamento corporal do ator e em seu discurso [...]” (Pavis,
2008, p.187). Ao questionar a esposa sobre algumas libras esterlinas, Bento
Santiago tenta apanhá-las indo ao encontro com a mão direita, cujo retardo é feito
com o gesto delicado de Capitu em tardar-lhe com a mão esquerda, enquanto diz
ao marido: “Espere. Era uma surpresa” (
Capitu
, 2008, Ep. 5, 8min03). Gesto e
palavra se harmonizam. O leve toque de mão de Capitu, bloqueando a investida
do esposo, transmite o
gestus
de alguém que se sabe à mercê de desconfianças,
mas nem por isso deixa-se desconcertar pelo desespero; ao contrário, a oposição
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dialética das mãos se resolve na concórdia com que uma equilibra a
impetuosidade da outra: “É dentro do objeto, na intimidade do objeto, que as mãos
se realizam, isto é, a esquerda coincide com a direita” (Flusser, 2014, p.96).
Quando de seu colóquio com Bento Santiago, a respeito das imitações de
Ezequiel, Capitu afirma não gostar de imitações em casa, o que leva Bento a
perguntá-la se, à época da adolescência, gostava dele. Nisso, dá-lhe uma leve
bofetada. Capitu reage com um sorriso ambíguo de escárnio e envolve a nuca do
marido com as mãos. Dom Casmurro, em seguida, diz: “Senti não haver ali um
artista que nos transferisse o gesto para um pedaço de mármore” (Capitu, 2008,
Ep. 5, 17min08). Se o riso, por um lado, escarnece para Bento Santiago o amor
juvenil que Capitu possa ter lhe devotado, o movimento das mãos ao redor de seu
pescoço codifica o
gestus
de domínio e manipulação: Capitu tem o marido sob
seu controle, e à vista de qualquer suspeita ou desconfiança, saberá valer-se dos
artifícios de sedução para apaziguar o conflito. Como se percebe, para a mesma
porção corporal diferentes tonalidades de significado: “É no gesto que a
produção de sentido se organiza” (Godard, 2001, p.32).
Finalmente, entende-se que o gesto performático, na perspectiva da
mise-
en-scène
, de forma mais concreta, evidencia o
gestus
como “relação fundamental
que rege os comportamentos sociais” (Pavis, 2008, p.187).
Fim do espetáculo? E o resto?
Compreender a dimensão do gesto brechtiano na estética de
Capitu
é, sem
dúvida, constatar sua especificidade enquanto obra adaptada, mas também a
versatilidade de sua organização. O diretor Luiz Fernando Carvalho, ao apropriar-
se de um preceito característico da arte teatral e aplicá-lo como técnica narrativa
num objeto televisivo, assume, com “uma consciência incessante, viva e produtiva”
(Benjamin, 1994, p.81), a atitude questionadora dos alicerces que sustentam a
engessada ficcionalidade que se tem notícia na TV brasileira, isto é, “[...] um esforço
encaminhado para a superação de estruturas caducas, sejam teatrais ou não”
(Bornheim, 2007, p.113-114). Perigo audacioso, audácia perigosa, mas coragem
efetiva.
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Na medida em que comporta a gramatura audiovisual, os contributos teóricos
do teatro épico de Brecht são assimilados na microssérie como insígnia de uma
arte que urge atingir campos além-fronteiras:
O teatro épico de Brecht não se satisfaz em ser teatro, embora pretenda
ser plenamente teatro. A sua arte extravasa da moldura do campo
cênico-lúdico-estético. Invadindo a plateia, pelo apelo direto ao público,
visa invadir a realidade. É uma arte que se entende determinada pela vida
e que procura, por sua vez, determinar a vida (Rosenfeld, 2012, p.36).
A análise feita da microssérie a partir de Brecht revela alguns aspectos do
romance. Mais que isso, Carvalho faz uma “leitura brechtiana” de
Dom Casmurro
.
No livro, o narrador busca a adesão do interlocutor. Na série, essa aderência é
posta em questão pelos artifícios de estranhamento.
Por enquanto, as cortinas estão fechadas, mas não significa que o espetáculo
tenha se findado. Ao contrário:
Capitu
consolida a necessidade de o espectador
manter-se em posição de distanciamento ante a matéria ficcionalizada, travando
com a obra uma batalha dialética na qual se constroem, sob os diferentes ângulos
da produção de gestos. Esta, sem dúvida, é uma das forças motrizes da
microssérie: não se limita ao valor estético, dilata-se até “o alargamento da
consciência humana, o aceno à compreensão do tempo” (Bornheim, 2007, p.114).
Machado de Assis disse que “a vida é uma ópera, uma ópera bufa com alguns
entremeios sérios, com alguma música séria, mas a vida é uma ópera” (Carvalho,
2008b, p.82). Poder-se-ia acrescentar, sem prejuízo ao aforismo: A vida é uma
ópera
feita de gestos
.
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Universidade do Estado de Santa Catarina
UDESC
Programa de Pós-Graduação em Teatro
PPGT
Centro de Arte CEART
Urdimento
Revista de Estudos em Artes Cênicas
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