1
Conversas de
Warung-Kopi luwak
com Ni Luh Putu Sutarini
Entrevista com Ni Luh Putu Sutarini
Concedida à Igor de Almeida Amanajás
Para citar este artigo:
SUTARINI, Ni Luh Putu; AMANAJÁS, Igor de Almeida.
Conversas de
Warung-Kopi luwak
com Ni Luh Putu Sutarini.
[Entrevista concedida a Igor de Almeida Amanajás].
Urdimento
Revista de Estudos em Artes Cênicas,
Florianópolis, v.1, n.43, abr. 2022.
DOI: http:/dx.doi.org/10.5965/1414573101432022e0501
A Urdimento esta licenciada com: Licença de Atribuição Creative Commons (CC BY 4.0)
Conversas de
Warung- Kopi luwak
com Ni Luh Putu Sutarini
Entrevista concedida a Igor de Almeida Amanajás
Florianópolis, v.1, n.43, p.1-18, abr. 2022
2
Conversas de
Warung
1
-
Kopi luwak
2
com Ni Luh Putu Sutarini
Entrevista com Ni Luh Putu Sutarini concedida à Igor de Almeida Amanajás
3
Resumo
Entrevista com a dançarina balinesa de
legong
Ni Luh Putu Sutarini nascida no
vilarejo de Peliatan na regência de Gianyar em Bali. Putu se apresentou em diversos
países entre Marrocos, Japão e Singapura. É também considerada uma das melhores
dançarinas de
legong
da atualidade. Discípula da grande dançarina Sang Ayu Muklen
do vilarejo de Pejeng, Putu (45 anos), além de transmitir a tradição da dança através
de aulas para jovens balineses e estrangeiros também assume a produção e direção
administrativa do grupo
Tri Pusaka Sakti Ensemble
um dos mais tradicionais e
conceituados de Bali, no vilarejo de Batuan.
Palavras-chave
:
Legong
. Drama-dança. Bali. Treinamento.
Warung
Conversations -
Kopi Luwak
with Ni Luh Putu Sutarini
Abstract
Interview with Balinese
legong
dancer Ni Luh Putu Sutarini born in the village of
Peliatan in Gianyar regency in Bali. Putu has performed in several countries including
Morocco, Japan and Singapore. She is considered one of the best legong dancers
today. A disciple of the great dancer Sang Ayu Muklen from Pejeng village, Putu (45
years old), in addition to transmitting the dance tradition trough classes to young
balinese and foreigners is also producer and administrative director of the
Tri Pusaka
Sakti Ensemble
group one of the most traditional and renowned in Bali, in Batuan
Village.
Keywords
:
Legong
. Drama-dance. Bali. Training.
1
Warung
em Bali refere-se a uma pequena conveniência, um simples negócio familiar feito de madeira
(bambu) geralmente conduzido pelas mulheres na frente de suas casas onde as pessoas do vilarejo se
reúnem para tomar café, fumar cigarro, comprar artigos de uso corriqueiro para casa e fazer refeições
muitas vezes petiscar. É um modesto restaurante informal da vizinhança que faz parte da rotina diária do
balinês. Um lugar para se jogar conversa fora entre goles de arak (bebida alcoólica destilada balinesa feita
de arroz ou do coqueiro) e muitas risadas.
2
Café produzido com grãos extraídos das fezes do
Luwak
(
civeta
), animal nativo do sul e sudeste asiático.
3
Mestrado em Artes da Cena pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP - 2016). Especialização em
Method Acting pela The Lee Strasberg Theatre And Film Institute (2010). Graduação em Artes Cênicas pela
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP - 2008). iamanajas@yahoo.com.br
http://lattes.cnpq.br/3058267201745125 https://orcid.org/0000-0002-0609-2706
Conversas de
Warung- Kopi luwak
com Ni Luh Putu Sutarini
Entrevista concedida a Igor de Almeida Amanajás
Florianópolis, v.1, n.43, p.1-18, abr. 2022
3
Conversaciones en
Warung
-
Kopi Luwak
con Ni Luh Putu Sutarini
Resumen
Entrevista con la bailarina de
legong
balinés Ni Luh Putu Sutarini nascida en el pueblo
de Peliatan en la regencia de Gianyar en Bali. Putu se ha presentado en varios países,
incluidos Marruecos, Japón y Singapur. Es considerada una de las mejores bailarinas
de
legong
de la actualidad. Fue discípula del gran bailarina Sang Ayu Muklen de la
aldea de Pejeng, Putu (45 años), además de transmitir la tradición de la danza a
través de clases a jóvenes balineses y extranjeros, es también productora y directora
administrativa del grupo
Tri Pusaka Sakti Ensemble
uno de los más tradicionales
y reconocidos de Bali, en la aldea de Batuan.
Palabras clave
:
Legong
. Drama-baile. Bali. Entrenamiento.
Conversas de
Warung- Kopi luwak
com Ni Luh Putu Sutarini
Entrevista concedida a Igor de Almeida Amanajás
Florianópolis, v.1, n.43, p.1-18, abr. 2022
4
Introdução
Diversos pesquisadores, antropólogos e demais entusiastas dos fenômenos
espetaculares de Bali se debruçaram sobre as mais complexas danças e dança-dramas
da ilha abordando diferentes aspectos e pormenores da cultura, religião e filosofia,
entretanto, na maioria dos casos, os relatos que chegam até nós são uma versão filtrada
pelo olhar do pesquisador estrangeiro. Naturalmente tal olhar é externo e muitas vezes
impreciso mesmo que advindo de longos anos de contato com a cultura local. Muito
pouco se tem acesso ao material científico produzido pelos balineses relatando seu
próprio fazer artístico. Isso se deve ao fato da maioria dos escritos estar em idioma
indonésio ou balinês não havendo nenhum interesse em sua tradução. Esse texto
pretende abrir as portas para os artistas balineses relatarem sua própria arte, dando-lhes
voz para que nos expliquem com suas palavras seus processos artísticos, modos de
perceber o mundo e relações com sua tradição e cultura. Espera-se também que
compartilhem conosco suas trajetórias de vida e expressem seus pensamentos acerca
dos diversos elementos que compõem a arte performativa em Bali.
Entrevista realizada pelo autor em seu período de estudos em Bali (iniciado em 2019
até o presente momento) onde conviveu com a família de artistas do grupo
Tri Pusaka
Sakti Ensemble
sob a tutela do Mestre I Made Djimat no vilarejo de Batuan e gravadas em
áudio e vídeo.
Putu Sutarini é nora do mestre I Made Djimat (72 anos), viúva do grande dançarino I
Nyoman Budi Artha falecido no início de 2019 de um ataque cardíaco fulminante. Putu
desde então assumiu as responsabilidades da casa sendo mãe de três rapazes: Agus (21
anos), Adi (18 anos) e Bayu (16 anos), e a direção do grupo
Tri Pusaka Sakti Ensemble
juntamente com as atividades artísticas (que incluem apresentações e ensaios) ligadas ao
Tri Pusaka Sakti Arts Foundation
. Sua especialidade é a dança legong ao estilo do vilarejo
de Peliatan na regência de Gianyar.
Conversas de
Warung- Kopi luwak
com Ni Luh Putu Sutarini
Entrevista concedida a Igor de Almeida Amanajás
Florianópolis, v.1, n.43, p.1-18, abr. 2022
5
Ni Luh Putu Sutarini dançando
legong playon
Estocolmo, 1993
Acervo da artista
Igor de Almeida Amanajás Como foi o começo de tudo?
Ni Luh Putu Sutarini
– Eu comecei a aprender [a dança] aos 6 anos de idade com
a minha professora que já é uma senhora de idade, de Pejeng. Eu acho que agora
ela deve ter quase 100 anos. Mas não ensina mais.
Como ela se chama?
Seu nome é Sang Ayu Muklen. Eu estudei com ela desde o começo, do básico da
Conversas de
Warung- Kopi luwak
com Ni Luh Putu Sutarini
Entrevista concedida a Igor de Almeida Amanajás
Florianópolis, v.1, n.43, p.1-18, abr. 2022
6
dança
legong
4
do estilo de Peliatan, que vem dela 60 anos atrás. Ela ensinava
em Peliatan. Meu sangue é artístico, vem da minha avó, mãe do meu pai, que era
uma ótima dançarina. Em algumas performances ela se apresentava junto com
Sang Ayu Muklen, elas eram amigas.
Você sempre quis ser uma dançarina ou foi algo que partiu dos seus pais?
Quando eu era criança, uns 3 anos de idade, eu ia com meu pai aos ensaios no
banjar
5
, meu pai conta que quando o
gamelan
6
começava a tocar eu corria para o
palco. Então meus pais pensaram “minha filha vai ser uma dançarina”. Eu ia nos
ensaios e ficava me divertindo. Aos 6 anos a comunidade do
banjar
fez uma
seleção das meninas para saber quem gostaria de começar a aprender a dança.
Não fui empurrada pelos meus pais, foi algo que eu quis. Eles [
banjar
] convidaram
Ayu Muklen para dar aulas particulares para 3 meninas eu, Wayang Suastini e
Wayang Cantri.
Vocês tinham aula com ela todos os dias?
Quase todos os dias por 2 horas quando voltávamos da escola. Escola naquela
época era diferente de hoje. Agora o estudante está sempre muito ocupado,
trabalhos extras disso e daquilo, mas antes estudávamos na escola, não
tínhamos extra de nada, o nosso extra eram as aulas de dança com Ayu Muklen.
Por quanto tempo você foi aluna de Muklen?
Até começarmos a apresentar, talvez dois anos. Dois anos estudando muito.
4
Legong
talvez seja uma das mais conhecidas danças femininas balinesas. Criada como uma dança de corte
para os antigos reis de Bali, hoje em dia é apresentada em templos e demais celebrações como oferenda
aos deuses hindus balineses e antepassados. Existem algumas variações da dança que se distinguem
basicamente pela região (Denpasar, Gianyar, Tabanan) ou de acordo com o mestre.
5
Banjar
é a menor unidade coletiva da sociedade balinesa onde as famílias daquele “bairro” se reúnem através
de um representante (geralmente o homem mais velho da família) para discutirem assuntos do interesse
geral como aniversários dos templos do vilarejo, arrecadação de dinheiro para as festividades, casamentos,
cremações, calendário de celebrações e organização dos afazeres individuais e coletivos dos cidadãos
daquela localidade.
6
Gamelan
é a palavra usada para designar apenas um instrumento metalofônico balinês usado em todas as
artes performativas como também o coletivo da orquestra de metalofones, flautas e tambores.
Conversas de
Warung- Kopi luwak
com Ni Luh Putu Sutarini
Entrevista concedida a Igor de Almeida Amanajás
Florianópolis, v.1, n.43, p.1-18, abr. 2022
7
Quando fiz 8 anos Muklen disse que já estávamos prontas para dançar no templo.
Aos 10 anos comecei a ir para fora, participei de uma exposição no Canadá.
Quais danças balinesas você sabe dançar?
Legong
,
pendet
7
,
rejang
8
. Quando vim morar aqui em Batuan aprendi
gambuh
9
.
E quantos estilos de
legong
?
Legong
aqui temos muitas histórias diferentes, eu sei legong playon,
legong
kuntul
,
legong jobog
e
legong lasem
10
. Eu sou nascida em Peliatan e nós temos
o nosso próprio estilo de dança
legong
. Depois que me casei saí de Peliatan mas
tento manter o meu estilo.
O que é único no legong estilo de Peliatan?
No estilo de Peliatan não temos contagem de 1 2 3 4 5 6 7 8. Em Denpasar sim, os
movimentos têm que seguir uma contagem fixa. Nós apenas dançamos sentindo
a música sempre em contato com o
gamelan
. A posição dos braços no
agem
11
em
Peliatan é diferente, é mais aberto. Em Denpasar os braços têm postura mais alta
e fechada.
Vocês treinavam com música ao vivo?
Não, com uma fita cassete, mas a música do
gamelan
era estilo de Peliatan.
Mesmo com a fita ensaiávamos sentindo e não contando, é bem diferente. Quando
era um ensaio mais importante treinávamos com alguém tocando o
gamelan
.
7
Dança feminina de boas-vindas aos deuses e antepassados. Hoje em dia também é comum assistir a dança
como boas-vindas aos turistas em
resorts
e hotéis.
8
Dança sagrada feminina performada em templos como oferenda aos deuses.
9
Gambuh é a mãe dos dramas sagrados balineses. Originário de Java passou por diversas transformações
até sua configuração atual na ilha de Bali. Narra as aventuras de Panji e serve como base para outros dramas-
dança como
topeng e wayang wong
.
10
Os estilos de
legong
contam de forma narrativa ou abstrata diferentes histórias e suas técnicas variam de
acordo com a região de Bali onde foram criados.
11
Agem
é a postura base de qualquer dança balinesa que pode ser agem esquerdo, onde o peso está inteiro
sobre a perna esquerda ou agem direito.
Conversas de
Warung- Kopi luwak
com Ni Luh Putu Sutarini
Entrevista concedida a Igor de Almeida Amanajás
Florianópolis, v.1, n.43, p.1-18, abr. 2022
8
Como você aprendeu o gambuh?
Com o mestre Djimat e Sekar [sobrinha e filha adotiva do mestre Djimat]. Não foi
mais um treinamento rigoroso porque eu era profissional. Eles apenas me diziam
“deve ser assim e assim” e rapidamente eu já entendia.
Putu Sutarini dança legong Bali, 1996
Acervo da artista
Você estudou com outros mestres na sua trajetória?
Nós temos alguns mestres durante a vida, mas a minha mestra maior é Ayu
Muklen. Aqui mesmo tenho outros mestres como
bapak
Djimat e
ibu
12
Sekar.
12
Bapak
significa pai ou sr.
Ibu
mãe ou sra. é uma forma respeitosa de referir-se aos mais experientes nos
costumes indonésios.
Conversas de
Warung- Kopi luwak
com Ni Luh Putu Sutarini
Entrevista concedida a Igor de Almeida Amanajás
Florianópolis, v.1, n.43, p.1-18, abr. 2022
9
O que foi mais difícil no seu treinamento?
No
legong
não usamos a voz. Quando cheguei aqui e comecei a aprender
o gambuh
tive que usar a voz que é algo muito difícil para mim. No início com Ayu Muklen
era difícil, ela era uma professora muito rígida. Sempre doía na hora de arquear as
costas, levantar os braços, descer mais a base. Mas eu trabalhei duro, estudei
bastante, chorava quase todos os dias.
Como era um dia de aula com ela?
Nós nos divertíamos. Chegávamos e a cumprimentávamos, a chamávamos de
Nyang, e a aula começava. Ela era muito rigorosa, quando arqueávamos as costas
ela vinha por trás e empurrava nossa coluna com o joelho. Os professores de
antigamente eram muito duros, agora não mais. Eles traziam uma vareta e batiam
nos nossos cotovelos para que subíssemos os braços até ficarem cansados. Eu
chorava quase todos os dias, mas não tínhamos medo, não éramos preguiçosas.
Nós íamos e continuávamos seguindo em frente. Chorávamos, mas sempre
retornávamos. Éramos sortudas.
Você enxerga diferença entre como os balineses ensinam e dançam de quando
você era criança para os dias atuais?
Sim, claro. Bem diferente. Antes quando eu tinha 6 ou 7 anos o professor podia
ser duro e rigoroso e nada acontecia, o aluno continuava os estudos. A diferença
é que hoje quando ensinamos as crianças não podemos realmente ser duros
porque os alunos não retornarão. Eles desistem. Mas se eles quiserem mesmo ser
dançarinos eles voltarão porque gostam que sejamos duros. Na verdade, poucos
ficam, talvez porque estejam ocupados na escola. Por isso talvez seja difícil
encontrar um bom dançarino hoje. A maioria dos dançarinos atualmente sabe
como se movimentar, como fazer o
age
m – mas não é um
agem
correto.
Por que você acha que as crianças hoje em dia não aguentam mais um
treinamento rigoroso como antes?
Talvez porque sejam preguiçosos ou não tenham o encorajamento dos pais. Talvez
eles não queiram dançar. Não acho que tenha relação com perda da tradição,
Conversas de
Warung- Kopi luwak
com Ni Luh Putu Sutarini
Entrevista concedida a Igor de Almeida Amanajás
Florianópolis, v.1, n.43, p.1-18, abr. 2022
10
como eu disse, alguns deles tem o interesse. E nós podemos escolher os mais
fortes, aqueles que continuarão. O mestre escolhe o estudante. Quando temos
uma performance, pensamos no aluno e convidamos ele a se apresentar conosco.
Você consegue identificar cedo um aluno promissor na dança?
Sim, mas saberemos se serão bons se eles continuarem os treinos. Nós os
escolhemos para serem nossos dançarinos. Os outros não nos importamos tanto,
eles não terão aptidão.
Acha que Bali hoje em dia possui bons dançarinos?
Aqui em
Tri Pusaka Sakti
nós temos muitos bons dançarinos como Sri, Ekar, Santi
estes estão estudando aqui desde criança. Em Peliatan também temos bons
dançarinos.
E quanto as danças em si, elas se mantem igual ao que eram antes ou algumas
modificações foram feitas?
Acho que modificaram somente um pouco. Talvez a coreografia, mas nada que
comprometa a tradição.
O que significa dançar para você?
Dançar é a minha vida. Sem dançar eu me sinto sem vida. Eu amo minha arte,
minha dança.
Você alguma vez pensou em seguir outro caminho?
Antes eu trabalhei para alguém fazendo outras coisas, mas pensava que esta
não era a minha vida.
Poderia me contar sobre sua experiência internacional?
Minha primeira viagem foi ao Canadá quando tinha 10 anos de idade. Depois disso,
existia um grupo que era bastante famoso em Bali chamado
Gunung Jati
, eles
Conversas de
Warung- Kopi luwak
com Ni Luh Putu Sutarini
Entrevista concedida a Igor de Almeida Amanajás
Florianópolis, v.1, n.43, p.1-18, abr. 2022
11
tinham um ótimo
gamelan semar pegulingan
13
, com ótimo som e tudo, então todos
os anos eles iam ao Japão, às vezes até duas vezes por ano. Eu devo ter ido ao
Japão umas 15 vezes desde os meus 10 anos até eu me casar. Também fui à
Singapura com o mesmo grupo. Quando me casei e vim para a família do mestre
Djimat em Batuan fomos ao Brasil, Equador, Colômbia, Japão outra vez, Singapura,
Itália, Espanha e Marrocos foi a última viagem.
Para você qual a diferença entre dançar em Bali e dançar em outro país?
Em Bali não estamos dançando apenas para o público, também estamos
dançando para os deuses. Quando dançamos para os deuses estamos muito
felizes e abertos. Quando apresentamos fora também estamos felizes, mas por
mostrar a nossa tradição e o que temos em Bali.
Quando você esteve nesses outros países teve oportunidade de assistir outras
danças e performances de culturas diferentes?
Sim, porque algumas vezes fomos à festivais e era possível assistir outras
performances.
Assistir a essas diferentes culturas ou performances influenciou em algum
aspecto em como você dança?
Não. Nunca quis mudar a nossa tradição, porém, em Singapura, tivemos uma
colaboração. O diretor queria montar uma grande obra baseada na história do
Ramayana
. haviam artistas da Índia, Malásia, Singapura, Bali e Austrália. Cada
um trouxe o que tinha de tradicional em sua cultura. Algumas vezes seguíamos os
movimentos que outros traziam modificando um pouco os nossos, apenas um
pouco, mas tentando manter a nossa tradição. A música era uma colaboração, às
vezes usavam o violino, outras vezes as percussões.
Quando você começou a se considerar uma profissional e não mais uma
estudante?
13
Orquestra de
gamelan
em que os metais são afinados em tons mais agudos. Perfeitos para alguns estilos
de dança como o
legong
.
Conversas de
Warung- Kopi luwak
com Ni Luh Putu Sutarini
Entrevista concedida a Igor de Almeida Amanajás
Florianópolis, v.1, n.43, p.1-18, abr. 2022
12
Quando comecei a ensinar. Antes de me casar eu tinha muitos alunos do Japão e
dos Estados Unidos.
Você gosta de ensinar?
Sim, muito. Mas o que eu mais gosto é de ensinar aos balineses legong playon. O
legong playon
é uma dança que foi quase esquecida e eu estou tentando revivê-
la ensinando em Peliatan. O que me deixa muito feliz é saber que eles também
estão interessados em aprender esse
legong
. Hoje em dia em Peliatan muitos
dançarinos sabem dançar e muitos outros querem aprender. O
legong playon
não conta uma história, são movimentos, mas todos os movimentos básicos da
dança balinesa estão lá. Também foi o primeiro
legong
em Bali, depois surgiu o
lasem, kutir, jobog
...
Você já ensinou os seus filhos?
Não, apenas os dos outros. Eles aprenderam com o pai e o avô Djimat.
O que é o mais importante para ser um dançarino em Bali?
O querer primeiramente. Você precisa querer ser um dançarino. Depois o corpo, o
movimento, como você externaliza e expressa como você está sentindo. Se você
não sente não pode ser um dançarino.
Como você identifica um bom dançarino?
Nós podemos ver pelo movimento, se tem um corpo forte, se tem motivação para
si mesmo. Um mal dançarino é preguiçoso, sem sentimento, sem expressão, não
sorri. Sentimos se o dançarino tem
taksu
ou não.
O que é
taksu
?
É difícil explicar o que é
taksu
porque é como se o Deus viesse até você. Se você
é um bom dançarino, se você tem bons sentimentos e bons pensamentos... não é
entrar em cena e se achar um bom dançarino, isso não é um bom
taksu
. É um
sentimento que diz “eu estou feliz por estar fazendo isso”, tentar dar o melhor de
Conversas de
Warung- Kopi luwak
com Ni Luh Putu Sutarini
Entrevista concedida a Igor de Almeida Amanajás
Florianópolis, v.1, n.43, p.1-18, abr. 2022
13
si para quem assiste e, dessa forma, o
taksu
vem até você. O que você tem, você
doa. Não é ser arrogante.
Taksu
é algo que você pode não receber certas vezes?
Depende da pessoa. Mestre Djimat, por exemplo, o taksu está nele. Talvez
porque ele foi muitas vezes ao templo com bons sentimentos, generoso e a
mente aberta. Se alguém lhe dá algum pagamento ou não, não importa. Todos os
dias ensinando, rezando antes das suas aulas. Desse jeito o taksu está em você,
mas não é assim tão fácil. Algumas vezes o taksu vem quando nos apresentamos
e quando acaba ele vai embora.
Alguma vez você sentiu que o
taksu
não veio?
Sim, algumas vezes. Talvez eu não estivesse bem, com sentimentos não tão bons,
mas outras você sente que veio. Nós sentimos isso. Sempre que vou me
apresentar eu procuro estar bem, feliz, dar o meu melhor, mas algumas vezes por
não estar concentrada ou por estar menstruada...
Você ainda treina?
Sim. Antes de nos apresentarmos treinamos umas 4 ou 5 vezes, mas é mais um
ensaio. Se eu tenho tempo eu treino sozinha, mas não há uma periodicidade. Pela
atual situação do corona vírus as garotas do vilarejo vem até aqui e nós treinamos
no fim da tarde eu ensino, mas é mais diversão. Eu sou mais um guia dizendo
“você deveria treinar mais isso, mais aquilo”.
Há algo na sua técnica que você até hoje acha que precisa aprimorar mais?
Não.
Conversas de
Warung- Kopi luwak
com Ni Luh Putu Sutarini
Entrevista concedida a Igor de Almeida Amanajás
Florianópolis, v.1, n.43, p.1-18, abr. 2022
14
Putu dançando
legong
Bali, 1993
Acervo da artista
Você também possui um grupo de mulheres que tocam o
gamelan
. Você tocava
antes ou é uma experiência nova?
Sim, chama-se
Ibu-ibu
14
. Mas eu nunca toquei um
gamelan
antes. Começamos a
estudar
gamelan
quando formamos o grupo. Queríamos ter um grupo de mulheres
tocando o gamelan, ele cresceu e hoje nos divertimos.
E como está sendo aprender a tocar o
gamelan
?
Muito difícil. A primeira vez o nosso professor quase brigou comigo.
Você acha que aprender a tocar o
gamelan
afetou a maneira como você dança?
Sim, se você sabe dançar fica mais fácil tocar, pois conhecemos os tempos
14
Quando a palavra é repetida torna-se um indicativo de plural, ou seja,
ibu-ibu
= senhoras.
Conversas de
Warung- Kopi luwak
com Ni Luh Putu Sutarini
Entrevista concedida a Igor de Almeida Amanajás
Florianópolis, v.1, n.43, p.1-18, abr. 2022
15
da música, por exemplo, quando há um
angsel
15
.
Quando você vai ao templo como espectadora o que você mais gosta de assistir?
Eu gosto do
topeng
16
e do rejang
dewa
.
Você consegue dançar o
topeng
?
Não. Porque não é comum para mulheres.
Mas hoje em dia é possível ver mulheres dançando
topeng
, certo?
Sim, tem algumas. Mas não é a tradição, é mais para homens.
Mas se uma aluna se interessar em aprender o
topeng
?
Sim, pode ser. E ela pode se apresentar no templo também. Antes não tinha, não
porque era proibido, mas porque nenhuma mulher queria pois pensavam que
topeng era só para homens.
A tradição está mudando, mulheres também não tocavam
gamelan
e hoje vocês
têm o
Ibu-ibu
. Como você enxerga essas mudanças na realidade social e cultural
em Bali?
Eu acho ótimo. Mulheres também querem ser fortes, fazer o que os homens
fazem. Alguns grupos femininos de
gamelan
, mulheres dançando topeng e até o
baris
17
.
Isso é estranho ainda aos balineses?
Não, as pessoas ficam surpresas positivamente. Ficam felizes.
Agora, se me permite, gostaria de falar um pouco sobre a parte mercadológica da
arte performativa. Quando o templo convida o grupo para dançar vocês falam
sobre o valor do pagamento?
15
Angsel
é o nome do passo na dança balinesa onde o dançarino realiza um movimento rápido e súbito com
o corpo sinalizando à orquestra que haverá uma aceleração na dinâmica.
16
Dança-drama sagrado onde um ou mais atores rotacionam 11 máscaras e contam crônicas sobre grandes
reis, heróis, formações de cidades e genealogias balineses.
17
Dança sacral do guerreiro. Geralmente executada em templos por meninos antes e durante a puberdade.
Realmente é raro assistir um
baris
dançado por uma mulher.
Conversas de
Warung- Kopi luwak
com Ni Luh Putu Sutarini
Entrevista concedida a Igor de Almeida Amanajás
Florianópolis, v.1, n.43, p.1-18, abr. 2022
16
Depende. Se for perto de Batuan na área de Gianyar nunca falamos sobre dinheiro
porque estamos perto e não teríamos problemas com o transporte. Mas de modo
geral não. Eles nos pagam quando a performance acaba. Nós recebemos
independentemente do valor. Não contamos.
Há vezes em que não há pagamento?
Sim, algumas vezes. Aqui por perto de Batuan ou Peliatan, eles agradecem, nós
dizemos obrigado e ponto. Algumas vezes eles nos pagam e nós pensamos “não
deveríamos aceitar pois temos uma boa relação com eles”. Recebemos o dinheiro,
oferecemos aos deuses e devolvemos ao templo. Quando vamos para outras
regiões de Bali é diferente, primeiro negociamos. Por exemplo: se vamos
apresentar um gambuh e o valor da performance é 5 milhões de rupias
18
e eles
responderem “desculpem, mas temos 4 ou 3 milhões” não tem problema,
vamos do mesmo jeito.
E quando quem os convida é um hotel ou
resort
?
Diferente. Nesse caso há uma grande negociação –
business
.
Quanto é o mínimo para você se apresentar sozinha em um hotel?
Sozinha, sem
gamelan
, em um hotel na área de Sanur [Denpasar] 500 mil
rúpias
19
.
E no caso de ser uma celebração de casamento fora do templo em uma casa
balinesa?
Isso também é
business
.
aconteceu de você se apresentar em um casamento e eles somente te
agradecerem?
Não, isso nunca aconteceu. Porque é uma grande festa, diferente do templo onde
18
Na cotação atual de 26 de Setembro de 2021 5 milhões de rúpias Indonésias é equivalente a R$1.867,54.
Lembrando que este valor seria dividido entre mais ou menos 40 artistas entre dançarinos e músicos.
19
R$186,75.
Conversas de
Warung- Kopi luwak
com Ni Luh Putu Sutarini
Entrevista concedida a Igor de Almeida Amanajás
Florianópolis, v.1, n.43, p.1-18, abr. 2022
17
nós oferecemos a dança aos deuses. Em cremações nós não negociamos porque
é para as pessoas que morreram e estão indo para
suarga
20
. Quando realizamos a
cerimônia de
nyekah
21
para Nyoman Budi junto com o afilamento dos dentes dos
meus filhos nós pagamos os dançarinos, mas eles não aceitaram. Devolveram
como um presente à Nyoman, um sinal de respeito.
E como são as negociações para apresentações fora da Indonésia?
Geralmente há um contrato e pedimos pagamento diário não pela performance,
mas pelos dias que estamos lá.
Hoje em dia você também é a produtora do
Tri Pusaka
, como você se interessou
por isso?
Antes eu era uma dançarina do grupo performando nas apresentações. Quando
Nyoman estava vivo ele me incentivava e motivava a fazer tudo, ser uma mulher
forte. Eu aprendi com ele como organizar o grupo, os artistas, como lidar com os
estudantes internacionais, marcar ensaios.
Qual a parte mais difícil desse trabalho?
Quando somos convidados a nos apresentar fora do país é uma loucura porque é
um trabalho que envolve arte, mas é mais business. Tudo está nas minhas mãos
– organizar ensaios, pagamentos, vistos.
A família
Tri Pusaka Sakti
possui quantos artistas hoje?
Nós somos em torno de 50 entre músicos e dançarinos. Eu sou também a
administradora do grupo. Como
bapak
Djimat é o mestre e mais respeitado,
minhas decisões sempre estão em conjunto com a opinião dele.
Todos os 50 integrantes são parte da família?
20
Local em que os balineses acreditam que a alma retorna para junto da grande energia universal e se prepara
para a reencarnação.
21
Celebração s-cremação que envolve diversos rituais e peregrinações em templos pela ilha, praias para
libertar o espírito de sua morada terrena e assim retornar para
suarga
.
Conversas de
Warung- Kopi luwak
com Ni Luh Putu Sutarini
Entrevista concedida a Igor de Almeida Amanajás
Florianópolis, v.1, n.43, p.1-18, abr. 2022
18
Quase todos. Alguns são alunos que vem de diferentes partes de Bali. Nós os
observamos e se eles forem bons nós os convidamos a dançar conosco. Depois
de várias vezes, se gostarmos da pessoa, se ela for responsável, respeitosa e leal
- ela faz parte do grupo.
alguma situação engraçada ou curiosa que aconteceu em alguma
apresentação?
Claro. Eu lembro que quando dançava legong jobog no
Pura Desa
22
em Batuan na
hora da luta, minha coroa (
gelungan
) caiu e foi rolando e eu desesperada saí
engatinhando que nem um bebê atrás para tentar pegar. Nunca me esqueci disso
porque ela não caiu apenas, ela foi rolando sem parar e as pessoas rindo.
Qual seu conselho para aqueles que querem se tornar dançarinos?
Para ser um bom dançarino tem que trabalhar duro, ter bons sentimentos, estar
feliz por poder dançar. Treinar sempre – nunca pode parar.
Referência
BALLINGER, Rucina; DIBIA, I Wayan.
Balinese dance, drama & music: a guide to the
performing arts of Bali
. Singapore: Tuttle Publishings, 2004.
BANDEM, I Made; DEBOER, Frederik Eugene.
Balinese dance in transition: Kaja and
Kelod
. Singapore: Oxford University Press (2nd ed), 1995.
PRONKO, Leonard C.
Teatro: leste & oeste
. São Paulo: Perspectiva, 1986.
Recebido em: 09/01/2021
Aprovado em: 15/01/2022
Universidade do Estado de Santa Catarina
UDESC
Programa de Pós-Graduação em Teatro
PPGT
Centro de Arte CEART
Urdimento
Revista de Estudos em Artes Cênicas
Urdimento.ceart@udesc.br
22
Principal templo de um vilarejo.